Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00092/18.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; CRÉDITOS SALARIAIS; CESSAÇÃO DO CONTATO DE TRABALHO; SENTENÇA; INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CRÉDITOS SALARIAIS; ARTIGO 309º DO CÓDIGO CIVIL;
ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04); INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1. No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

2. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018)
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Fundo de Garantia Salarial veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30.11.2019 pela qual foi julgada totalmente procedente a acção intentada contra o ora Recorrente por M. na qual esta pedia o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

Não foram apresentas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. O requerimento do Autor foi apresentado ao FGS em 31.07.2017, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.

B. Assim, o referido requerimento do Autor foi apreciado à luz deste diploma legal.

C. Este diploma prevê um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.

D. O actual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.

E. Prazo este que, na situação concreta, se encontrava ultrapassado quando a Autora apresentou o requerimento ao FGS.

F. Não concordamos que não deverá ser aplicado o art.º 2.º n.º 8 à situação concreta, por inconstitucionalidade da mesma, uma vez que a acção laboral não veio a ser consagrada como causa de suspensão da caducidade, consagradas no n.º 9 introduzido com a alteração feita pela lei do Orçamento de Estado para o ano de 2019, a Lei 71/2018, de 31.12,

G. Este facto não é susceptível de suspender o prazo de caducidade previsto no n.º 8 do art.º 2.º da Lei 59/2015, de 21.04, uma vez que a ação laboral não é requisito para requerer créditos ao FGS.

H. A Autora poderia, e deveria ter interposta a ação de insolvência e requerido créditos ao FGS no prazo de 1 ano.

I. No entanto, apenas interpôs a acção de insolvência em 01.02.2017 e,

J. Apenas apresentou requerimento ao FGS em 31.07.2017.

K. Tendo ultrapassado o prazo de 1 ano, que contrariamente ao alegado, não se encontrava suspenso,

L. Sendo aplicável o novo regime, de acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei 59/2015, de 21.04, e consequentemente o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma Decreto-Lei 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,

Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a decisão de indeferimento proferida pela Exma. Senhora Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A. A Autora manteve um vínculo laboral com a sociedade “V., Lda.”, tendo sido admitida em 01.09.2009 – Cfr. folhas 74 do processo administrativo.

B. O vínculo laboral da Autora cessou em 09.11.2015 – cfr. folhas 74 do processo administrativo.

C. Em 20.04.2016, a Autora propôs uma acção de condenação contra a sociedade “V., Lda.”, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Instância Central, 1.ª secção trabalho, J2, sob o processo n.º 1830/16.7T8 BRG, peticionando, designadamente, a condenação da mesma no pagamento da quantia de 11.284,92€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a resolução do contrato e até efectivo e integral pagamento, a título de créditos salariais e indemnização pela resolução do contrato por justa causa, fazendo constar no petitório o seguinte que ora se transcreve:

a. Ser a Ré condenada a reconhecer:
i. Que o contrato de trabalho celebrado entre Autora e a Ré, e referido no art. 1.º deste articulado, é por tempo indeterminado.

ii. Ou, para o caso de se considerar a existência do contrato a termo mencionado no art. 1.º supra, que o mesmo se converteu num contrato por tempo indeterminado;
b. Declarar-se a justa causa de despedimento por factos imputáveis à Ré;
c. Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €11.284,92, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a resolução do contrato e até efectivo e integral pagamento, assim discriminada:
i. €2.908,55 – Diferenças salariais, referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2015; ii. €310,87 – Referente a 7 dias de férias vencidas e não gozadas;
iii. €1.981,57 – A título de subsídios de férias, de natal e proporcionais de férias dos anos de 2015 e 2016;
iv. €177,10 – correspondente a 35 horas de formação;
v. €5.060,10 – indemnização pela resolução do contrato de trabalho pela Autora com juta causa”.
– cf. de folhas 34 a 46 do processo administrativo.

D. No dia 23.06.2016, foi proferida sentença, a julgar a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, a condenar a sociedade “V. – ” no pagamento à Autora da quantia de 10.438,19€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da resolução até integral pagamento – cfr. fls. 21 e 22 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F. A sentença referida no ponto anterior transitou em julgado em 12.09.2016 – facto não controvertido.

G. Em 19.02.2017, a aqui Autora requereu a declaração de insolvência da sociedade “V. – , Lda.”, processo que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso, Juiz 1 – Cfr. folhas 12 a 16 dos autos físicos.

H. Por sentença proferida em 02.05.2017, foi declarada a insolvência da sociedade “V. – , Lda.” – cfr. folhas 12 a 14 dos autos físicos.

I. No âmbito do referido processo de insolvência, a Autora reclamou os seus créditos laborais, tendo sido reconhecidos os seus créditos no valor de 11.309,85 € – Cfr. folhas 5 do processo administrativo.

J. Em 31.07.2017, a Autora solicitou o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e requereu o pagamento da quantia de 11.309,85€, com o seguinte discriminativo parcelar:
Tipo de crédito em dívida Período/mês/ ano de referência Valor total por tipo de crédito
Retribuição Agosto, Setembro, Outubro,
Novembro
2.908,55
Subsídio de férias Férias 310,87
Subsídio de Natal Sub férias e sub Natal 1481,57
Subsídio de alimentação
Indemnização/compensação de contrato de trabalho 5.060,10
Emergentes da violação do contrato de trabalho 1.048,76
Total 18.721,80
- Cfr. folhas 74 do processo administrativo.

K. Por ofício datado de 10.10.2017, remetido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., à aqui Autora, foi-lhe comunicado que, por despacho de 09.10.2017, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado foi indeferido, constando, com relevância, o seguinte:

“Atenta a resposta e analisada toda a factualidade verifica-se que foram apresentados factos susceptíveis de alteração da decisão de indeferimento anteriormente proferida. - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Dec. Lei n. º59/2015, de 21 de Abril”
– cfr. folhas 8 verso dos autos.
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III - Enquadramento jurídico.

Dispunha o Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, relativamente aos créditos salariais garantidos por este Fundo.

“Artigo 316.º
Âmbito
O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.

Artigo 317.º

Finalidade
O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 318.º
Situações abrangidas

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.

Artigo 319º
Créditos abrangidos

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.”

Estabelecia-se aqui, sem dúvida, um prazo: o termo inicial era a data de vencimentos dos créditos (situado nos seis meses que antecederam a propositura da acção, na regra geral) e o termo final era 3 meses antes da prescrição.

O prazo para reclamar os créditos, considerado de caducidade, terminava três meses antes do prazo de prescrição desses mesmos créditos.

O artigo 2º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, veio então dispor.

“O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

Norma sobre a qual o Tribunal Constitucional se debruçou considerando-a inconstitucional, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).

Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.

“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.

Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.

Na verdade é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.

E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.

O que não se pode afirmar, de todo, face a esta declaração de inconstitucionalidade, como faz a autoridade recorrida, é afirmar que já se tinha esgotado o prazo de um ano a que alude o artigo Decreto-Lei 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.

Porque foi precisamente este prazo de um ano sem qualquer previsão de suspensão ou interrupção que o Tribunal Constitucional declarou como solução legal inconstitucional. E não se vê, perante esta declaração, como aproveitar a norma.

Retomando assim a solução legal consagrada no Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03.

No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por decisão judicial, aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

Prazo que nestes casos estava longe de se esgotar.

Na verdade, a Recorrida viu os seus créditos laborais reconhecidos por sentença transitada em julgado em 12.09.2016 – facto provado sob a alínea F – e J. Em 31.07.2017, a Autora solicitou o pagamento desses créditos em 31.07.2017, ou seja, muitos anos antes de estarem prescritos.

Termos em que, embora por fundamentos diversos, se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Porto, 05.02.2021

Rogério Martins
Frederico Branco
Luís Garcia, com a declaração de voto que segue:

Declaração de voto:

Não dissentindo do fundamento de inconstitucionalidade presente no citado Ac. do Tribunal Constitucional, tenho que a sua transposição para o caso não passa por aplicar a norma do art.º 282º, nº 1, da CRP; antes, sem essa intermediação, cabe mesma solução de direito final por desaplicação, e sem repristinação.

Luís Garcia