Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00595/11.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DISPENSA DE GARANTIA
MANIFESTA FALTA DE MEIOS ECONÓMICOS
RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO
Sumário:I. É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia que incumbe alegar e provar que não é responsável pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido – artigos 52.º, n.º 4, e 74.º, n.º 1, ambos da L.G.T.;
II. A acrescida dificuldade de prova do facto a que alude o número anterior justifica uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, mas não dispensa o executado de alegar as razões concretas dessa insuficiência ou inexistência de bens;
III. Não alegou factos suficientes para justificar a insuficiência de bens penhoráveis a sociedade que se limita a invocar o financiamento integral, como o capital de terceiros, de projecto no sector imobiliário de luxo, sem explicar o impacto dos respectivos encargos financeiros nos resultados globais de exploração, e a remeter para pressão financeira não mensurada, de outros credores da sociedade que também não identifica, e para a conjuntura desfavorável da economia nacional e até internacional, cujos reflexos no desenvolvimento do projecto, quer ao nível da construção quer do ritmo ou valor das vendas, nunca concretizou.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:R..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. R…, S.A., n.i.f. … … …, com sede na R…, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, interposta a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante sob a abreviatura «C.P.P.T.»), que teve por objecto o despacho proferido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 no processo de execução fiscal n.º 3182201001109421, que indeferiu o requerimento ali entrado em 2010.12.22, onde pedia a dispensa da prestação de garantia.
1.2. Formulando as seguintes conclusões:
1.ª A Recorrente logrou demonstrar a manifesta falta de meios económicos susceptível de justificar a dispensa de prestação de garantia já que da documentação aduzida e do testemunho apresentado resulta claramente que a empresa apenas dispunha de um único activo, para venda no âmbito da sua actividade, cujo valor contabilístico era € 120.000 quando lhe era exigida, para suspensão do processo de execução fiscal, uma garantia de € 441.492.
2.ª Ao contrário da conclusão do Tribunal a quo o Resultado Líquido do Exercício (RLE) da Recorrente não foi positivo. Como decorre do Relatório e Contas do exercício de 2009,, a Recorrente apurou no exercício de 2009 um resultado líquido do exercício (RLE) negativo, de € 490.341,32, isto é, um verdadeiro prejuízo).
3.ª O aresto em crise comete igual erro ao considerar que os resultados transitados da Recorrente em 2009 são positivos, uma vez que, como consta do Relatório e Contas da Recorrente, os resultados transitados são de € 370.530,91 negativos.
4.ª Neste contexto, resulta claro que é manifesta a falta de meios económicos susceptível de justificar a dispensa de prestação de garantia, seja pela falta de bens susceptíveis de garantir o pagamento da dívida, seja pelo (…);
5.ª A Reclamante sendo uma sociedade comercial cujo objecto social consiste na “compra, venda, permuta e troca de prédios rústicos ou urbanos e construção de imóveis”, a venda de imóveis, activos por excelência de uma empresa com este objecto social, traduz-se no exercício normal da sua actividade.
6.ª A Recorrente provou, como assume a Sentença ora recorrida, que adquiriu pelo valor de 4.489.181,00 euros dois prédios urbanos (artigos matriciais 1… e 2…) e um rústico (artigo matricial 3…) contíguos situados na freguesia de A…, …, com vista à construção de um empreendimento habitacional, localizando-se os referidos prédios junto à Av… e destinando-se a que a Reclamante actuasse no sector imobiliário de luxo.
7.ª A Recorrente, provou ainda que para financiar a aquisição dos prédios e a construção do referido empreendimento contraiu uma linha de crédito junto do Banco Bilbao e Vizcaya Argentaria no valor de €21.000.000, tendo sido constituída, a título de garantia a favor daquela instituição financeira uma hipoteca voluntária sobre o empreendimento.
8.ª Isto é e em suma, quando confrontados os valores do capital social da Recorrente, os valores de aquisição dos aludidos prédios, assim como os custos de construção do empreendimento, com o montante da linha de crédito contratada, resulta evidente que a Recorrente se financiou integralmente ab initio para o desenvolvimento desta actividade.
9.ª Neste contexto, fruto das circunstâncias económicas quer endógenas, quer, essencialmente, exógenas e transversais a todo o sector da construção, que afectaram os exercícios de 2006 a 2009, por maior que fosse o esforço, quer comercial, quer ao nível da gestão, os resultados apresentados pela Recorrente não poderiam ter sido diferentes daqueles que foram efectivamente apurados.
10.ª Assim, a falta de bens penhoráveis decorre, efectivamente, não só da total alavancagem da actividade da Recorrente no financiamento bancário, mas também da própria actividade da sociedade vista obviamente de forma contextualizada, ou seja, integrada na conjuntura da economia nacional e internacional que penalizava e ainda vem penalizando em especial o sector de actividade da Recorrente.
11.ª Aliás, considerando que a Recorrente foi constituída com o capital social de € 5.000 e que se financiou integralmente junto a terceiros para poder desenvolver a sua actividade, liquidando as suas responsabilidades à medida que ia vendendo os imóveis construídos, torna-se evidente que não houve sequer, em momento algum, uma diminuição do seu património, porquanto as componentes activa e passiva do mesmo foram evoluindo em idêntico sentido e ao exacto ritmo do desenvolvimento normal da sua actividade, tendo em conta o contexto económico envolvente.
12.ª Fruto de circunstâncias económicas quer endógenas, mas essencialmente exógenas e transversais a todo o sector da construção, que influenciaram os exercícios de 2006 a 2009, por maior que fosse o esforço, quer comercial, quer ao nível da gestão, os resultados apresentados pela Recorrente não poderiam ter sido diferentes daqueles que foram efectivamente apurados. Assim, a falta de bens penhoráveis decorre, efectiva e exclusivamente, do tipo de actividade da sociedade, analisada como se exige forma contextualizada, ou seja, integrada na conjuntura da economia nacional e internacional que penalizava e ainda vem penalizando o sector de actividade da Recorrente.
13.ª A especial dificuldade da prova de factos negativos impõe, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, no mínimo, e em casos como aquele que nos ocupa, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.
14.ª E no caso, como se demonstrou, a Recorrente logrou fazer prova suficiente.
15.ª Em 20 de Setembro de 2011, no âmbito do processo de execução fiscal nº 318220100119375 (IRC de 2006), cujo valor em dívida ascende a € 507.625,90, a Administração Tributária penhorou o único bem imóvel propriedade da Recorrente e que se encontra avaliado em cerca de € 120.000. Daqui resulta flagrante falta de meios económicos susceptíveis de garantir o pagamento das dívidas em questão.
15.1. Não houve contra-alegações.
15.2. Neste Tribunal, a Ex.mª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, emitiu douto e detalhado parecer, onde concluiu pelo provimento do recurso quanto ao segmento que impugna a matéria de facto vertida na sentença recorrida, mais concluindo que, face à irrelevância jurídica da alteração da matéria fáctica correspondente, deverá ser negado, a final, provimento ao recurso.

15.3. Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – «C.P.T.A.» – e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – «C.P.C.»), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
15.4. A única questão a decidir é a de saber se estão reunidos os pressupostos a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (doravante sob a sigla «L.G.T.») para a dispensa da prestação de garantia.
2. Fundamentação de Facto
2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados (e que aqui optamos por ordenar por alíneas):
a) A 11.08.2009, foi levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, à executada ora reclamante um procedimento inspectivo que abrangeu o exercício de 2007 com incidência em IRC, que culminou com uma correcção à matéria colectável e correspondente liquidação adicional de IRC, relativamente àquele exercício, tudo com os fundamentos constantes do relatório de inspecção constante de fls. 8 a 57 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
b) Em 15/11/2010, a reclamante requereu a suspensão do processo de execução, requerendo a fixação do valor da garantia a prestar nos termos do art. 199º do CPPT (cfr. 3 e 4 dos autos);
c) Em 03/12/2010, pelo Serviço de Finanças do Porto 2 foi instaurada a execução fiscal n° 3182201001109421 contra a sociedade ora reclamante para cobrança de divida referente ao IRC do ano de 2007, no valor global de 351.357, 49 €;
d) Fixado o valor da garantia a prestar em € 441.492,00 por despacho de 06.12.2010, foi a reclamante notificada do mesmo (cfr. fls 64 a 67 dos autos);
e) Em 23/12/2010, a reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 a dispensa de prestação de garantia nos termos e com os fundamentos que melhor constam de fls. 92 a 157 dos autos e que se dão por reproduzidos, alegando que “não dispõe de meios económicos suficientes que lhe permitam obter uma garantia idónea susceptível de permitir a suspensão do processo de execução fiscal”;
f) Com base no parecer constante de fls. 163 a 169, cujo teor se dá por reproduzido, em 8/2/2011, foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto (por delegação de competências in DR 2ª Série, n.º 214, de 04.11.2010): “Concordo, pelo que, com os fundamentos referidos, indefiro o pedido”;
g) No parecer referido em 6) consignou-se, além do mais, o seguinte: “(…) Conclusão:
· Da análise à prova apresentada pela executada, articulada com o necessário cumprimento dos requisitos, dos quais depende a isenção de prestação de garantia, nos termos do n.° 1, 2 e 4 do artigo 52° da LGT e 169° do CPPT, aos quais acrescem as directivas do supra referido ofício circulado, constata-se, pelo não cumprimento por parte da executada, da prova de todos os requisitos exigíveis à dispensa de prestação de garantia.
· Mormente no que concerne à verificação do requisito obrigatório da irresponsabilidade da executada pela situação de insuficiência/inexistência de bens.
· Decorre do anteriormente descrito que, recai sobre a executada, o ónus de fazer acompanhar o requerimento de dispensa de garantia, de toda a prova documental necessária para a apreciação da sua pretensão, nos termos do n°3 do artigo 170° do CPPT.
· Pois, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes, recai sobre quem os invoque, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 74° da LGT e o artigo 342° do CC.” - cfr. fls. 168 e 169 dos autos.
h) A presente reclamação foi apresentada em 11/2/2011 - cfr. fls. 174 dos autos.
i) A ora reclamante é uma sociedade comercial, constituída em 04.01.2002, com a natureza jurídica de sociedade por quotas, com um capital social de € 5.000 e tem como objecto social a “compra, venda, permuta e troca de prédios rústicos ou urbanos e construção de imóveis”.
j) Mais concretamente, a actividade da ora reclamante tinha como objectivo a construção do empreendimento designado por “Quinta da A…”, bem como a alienação dos imóveis pertencentes a esse empreendimento.
k) Através de escritura pública de compra e venda celebrada em 25.01.2002, a ora reclamante adquiriu, pelo valor de € 4.489.181,00, três prédios: dois urbanos (artigos matriciais 1… e 2…) e um rústico (artigo matricial 3…), contíguos, situados na freguesia de A…, …, com vista a construção de um empreendimento habitacional.
l) Os prédios referidos em k) localizam-se junto à Av… e destinavam-se a que a ora reclamante actuasse no sector imobiliário de luxo.
m) Com vista a obter o financiamento necessário para assegurar a aquisição dos terrenos e a construção do empreendimento, a ora reclamante contraiu uma linha crédito junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria no valor de € 21.000.000, tendo sido constituída, a titulo de garantia, uma hipoteca voluntária sobre o referido empreendimento a favor do Banco.
n) Do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, consta um resultado líquido do exercício (RLE) da ora reclamante de € 490.341,32 - cfr. fls. 267 a 269 dos autos.
o) No exercício de 2009, a ora reclamante apresentou resultados transitados no valor de € 370.530,91.
p) As contas 421 (terrenos e recursos naturais) e 422 (edifícios e outras construções) do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, não têm qualquer registo.
Tendo-se ademais consignado que «não se provaram outros factos além dos supra referidos».
Na motivação da decisão de facto consignou o Tribunal recorrido que «formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como no depoimento da testemunha inquirida e no posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados».
2.2. Pretende a Recorrente, antes de mais, que se modifique a decisão sobre a matéria de facto quanto às alíneas “n)” e “o)” dos factos provados na douta sentença que constitui objecto do presente recurso.
Alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provado que «Do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, consta um resultado líquido do exercício (RLE) da ora reclamante de €490.341,32», porque o resultado líquido do exercício que consta dos documentos é negativo, e não positivo.
E tem razão quanto a este ponto, como se alcança instantaneamente de fls. 106, 112, 114 e 119 dos autos. Aventa-se até que nem terá sido um erro de julgamento, mas um lapso de escrita, e que a M.mª Juiz “a quo” pura e simplesmente se esqueceu de colocar o valor entre parêntesis.
Alega também que o Tribunal a quo também incorreu em erro de julgamento ao dar como provado que «No exercício de 2009, a ora reclamante apresentou resultados transitados no valor de €370.530,91» porque, mais uma vez, o resultado foi negativo.
Mas nesta parte já não se lhe dá razão porque o valor de € 370.530,91 (que envolve o de resultados transitados de € 328.240,92, capital e reservas) surge no balanço analítico, a fls. 106 dos autos, com valor positivo. É, de resto, a subtracção deste valor ao do resultado líquido do exercício que gera um valor em capital próprio ou capital líquido de -119.810,41. Foram estas, de resto, as contas que a própria Recorrente fez no artigo 24.º da douta p.i.
Assim, tendo em conta que dos autos constam todos os elementos de prova necessários à reapreciação da prova respectiva e ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do C.P.C. (aplicável ex vi do artigo 281.º do C.P.P.T.), decide-se alterar apenas a alínea “n)” dos factos provados, da qual passará a constar:
«n) Do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, consta um resultado líquido do exercício (RLE) da ora reclamante de € -490.341,32».
3. Fundamentação de Direito
3.1. O objecto do presente recurso é a decisão do T.A.F. do Porto que confirmou a decisão do Órgão de Execução Fiscal de não dispensar a prestação de uma garantia para suspensão de execução no valor de € 346.061,90. Garantia que ascenderia ao valor de € 441.492,00 (cfr. fls. 61 dos autos).
A Recorrente não se conforma com tal decisão por entender que estão reunidos os requisitos legais para a concessão dessa dispensa, que emanam do artigo 52.º, n.º 4, da L.G.T. e que desde já sistematizamos do seguinte modo:
1º. Prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia
ou
manifesta falta de meios económicos;
2º. Irresponsabilidade do executado.
Pode adiantar-se, desde já, que a Recorrente não invoca o prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia. As razões porque entende que tem direito a ser dispensada de a prestar são, de um lado, a manifesta falta de meios económicos e, do outro o facto de não lhe ser imputável a responsabilidade por tais meios se terem tornado insuficientes.
Daí que não se nos afigure relevante para o caso o desconhecimento dos encargos que a Recorrente teria que suportar ou as condições que lograria obter junto das instituições financeiras ou quaisquer outros factos em que se pudesse concretizar esse prejuízo irreparável (a que a M.mª Juiz a quo faz alusão na pág. 9 da douta sentença, § 3.º).
É certo que, no requerimento inicial, dirigido ao Órgão de Execução Fiscal, a ora Recorrente também invocava o prejuízo irreparável (cfr. ponto 10 do douto requerimento respectivo a fls. 93 dos autos), tendo-se inclusive acenado com o risco de insolvência.
Mas foi fundamento que deixou cair em sede de reclamação, onde se reconduziu apenas à «manifesta falta de meios económicos» (cfr. artigos 20.º e seguintes da peça respectiva, em especial o seu artigo 28.º). O que também poderá ser a razão para não ter feito qualquer referência ao tema no presente recurso jurisdicional.
Pode adiantar-se também que na douta sentença recorrida não é questionada a falta de meios económicos para prestar a garantia. O que ali se põe verdadeiramente em causa é que a ora Recorrente tivesse logrado demonstrar que não é responsável por essa falta ou insuficiência. Ou seja, o Tribunal “a quo” dispensou-se de concluir que a insuficiência ou inexistência de bens é manifesta porque, ainda que o tivesse que concluir à face do alegado, não poderia dar como provado que o ora Recorrente estivesse isento de responsabilidades.
Pelo que é a própria Recorrente que labora em erro quando manifesta não se poder conformar com a decisão recorrida «no tocante à prova da insuficiência/falta de bens económicos». Que resulta, afinal, de uma deficiente interpretação da decisão daquele Tribunal pela banda da própria Recorrente. Pode, aliás, dizer-se de passagem que não seria o que o Tribunal “a quo” considerou neste particular que a Recorrente poderia questionar, mas o próprio facto de ser ter dispensado de o considerar.
Assim, todos os considerandos desenvolvidos nas doutas alegações de recurso a propósito «da insuficiência/falta de bens para prestar garantia», bem como o facto superveniente alegado no grupo “D” das mesmas doutas alegações (já ter sido penhorado, noutra execução fiscal, o único bem imóvel propriedade da Recorrente), acabam por se tornar inócuos para o sentido da decisão a proferir nesta instância.
O que, por isso, é decisivo para o caso é saber se os factos avançados pela Recorrente e que foram dados como provados na douta sentença são ou não suficientes para concluir que não tem responsabilidades na insuficiência de bens.
É, por isso, o segundo requisito de dispensa da prestação da garantia que está em causa nesse recurso. E é sobre esse requisito que recairá a nossa análise, já de seguida.
3.2. A dispensa da prestação de garantia tem como propósito evidente a salvaguarda do interesse do executado nos casos em que se deva sobrepor ao interesse do Estado na cobrança da prestação tributária. Estipulou-se que tal sobreposição ocorre, em primeiro lugar, quando seja necessária à salvaguarda da sua integridade patrimonial, que não possa ser reposta pela eventual revogação ou anulação do acto. E, em segundo lugar, quando seja necessária à salvaguarda de um processo justo e equitativo, que não se poderia conceber se só pudesse aceder à suspensão do processo executivo quem tivesse meios para prestar a garantia.
Ter-se-á ponderado, no entanto (e no segundo caso, o único que aqui nos interessa abordar), que a demanda por um processo justo equitativo poderia redundar, afinal, numa profunda injustiça e iniquidade se por esta via pudessem ser tutelados os interesses de quem dissipou o seu património sem acautelar os interesses do credor Estado ou até com o propósito de frustrar a cobrança da prestação tributária. Porque não merecem ser acautelados os interesses patrimoniais de quem não se preocupa com os interesses patrimoniais dos outros ou até age deliberadamente contra eles.
A «responsabilidade do executado» a que alude a parte final do n.º 4, do artigo 52.º do C.P.P.T. é, por isso uma responsabilidade subjectiva, culposa. O executado será responsável pela insuficiência patrimonial se esta resultar de comportamento que lhe possa ser imputado e que pudesse e devesse ter evitado.
É seguro, no entanto, que é sobre o executado que recai o ónus de provar que não lhe é subjectivamente imputável a insuficiência de bens penhoráveis, isto é, que não tem culpa pelo facto de o património penhorável se ter tornado insuficiente para a garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Basicamente porque recai sobre quem invoca o direito o ónus de provar os factos constitutivos desse direito. E a inexistência de responsabilidade pela insuficiência patrimonial é um facto constitutivo do direito à dispensa de garantia – artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da L.G.T.
Este entendimento já foi firmado no douto acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. de 2008.12.17 (processo n.º 0327/08, com redacção integralmente disponível in www.dgsi.pt.). Com uma ressalva: atendendo à dificuldade acrescida da prova de factos negativos e considerando o princípio constitucional da proporcionalidade deverá haver «uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis de tal dificuldade não existisse», devendo, no mínimo, «considerar-se provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado».
Ressalvamos nós, no entanto, que este abaixamento de grau se reconduz à menor exigência probatória, e não a uma menor exigência na alegação concreta das causas da insuficiência ou inexistência de bens.
Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
3.3. A Recorrente vinha invocando a irresponsabilidade pela insuficiência de bens penhoráveis com base nos seguintes indicadores: (1) financiamento integral do projecto com o capital de terceiros; (2) pressão financeira (encargos com o pagamento de juros) e dos demais credores da sociedade, que a levou a aceitar valores de alienação inferiores aos pretendidos no ano de 2006; (3) Conjuntura desfavorável da economia nacional e até internacional.
Exceptuado, no entanto, o recurso ao financiamento integral para a realização do projecto (onde se aludiu concretamente a um empréstimo no montante total de € 21.000.000,00, concedido em 2004.04.05), a Recorrente não forneceu dados concretos que permitissem confirmar externamente aqueles indicadores.
Nunca se fez alusão ao valor total dos encargos com o pagamento dos juros suportados (fosse em 2006 ou ao longo da execução de todo o projecto), às disponibilidades financeiras para lhes fazer frente e ao modo como a conjugação destes factores resultou numa pressão financeira para gerar resultados rapidamente. Nunca se fez alusão à identidade dos restantes credores, ao valor dos respectivos créditos, à data dos respectivos vencimentos ou a qualquer interpelação para o cumprimento das obrigações dos respectivos contratos. E nunca se fez alusão aos imóveis concluídos e vendidos naquele ano, ao valor por que foram colocados no mercado, ao valor porque se venderam, ao valor de mercado que então tinham, ao valor porque foram vendidos imóveis da mesma tipologia e do mesmo empreendimento e em anos subsequentes, à data em que ficaram concluídos e ao período de tempo que, eventualmente, estiveram em venda.
De concreto – de acordo com a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida e corrigida no ponto 2.2 supra – apenas sabemos que a Recorrente partiu para o projecto com uma linha crédito junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria no valor de € 21.000.000, tendo sido constituída, a título de garantia, uma hipoteca voluntária sobre o referido empreendimento a favor do Banco, e que chegou a 2009 com um resultado negativo de € 490.341,32.
Podendo assim dizer-se que a ora Recorrente não se acomodou apenas a uma menor exigência probatória no alijamento das responsabilidades pela insuficiência de bens penhoráveis, tendo-se também dispensado de alegar factos concretos essenciais que o Tribunal pudesse confirmar objectivamente e que pudessem validar essa conclusão. E quanto ao ónus de alegação não há razão para sermos menos exigentes, porque é a Recorrente quem está em contacto directo com a fonte produtora e quem tem realmente a obrigação de saber o que tinha, o que deixou de ter e a razão porque tal aconteceu. Sobretudo se levarmos em conta que estamos perante uma sociedade enquadrada no regime de contabilidade organizada.
E também não nos custa assumir, com toda a clareza e frontalidade, que uma sociedade que anuncia vendas de milhões de euros pelo menos nos anos de 2007, 2008 e 2009, não se pode limitar a encaixar no quadro macroeconómico e remeter para uma inefável crise do sector. Até porque, de acordo com o relatório de fiscalização junto aos autos, a actividade empresarial desenvolveu-se à volta da constituição de um loteamento em «localização de excelência na cidade do Porto (junto à Av. Da Boavista, perto do Parque da Cidade» (fls. 16 dos autos), para a construção de moradias, tendo como responsável pelo projecto de loteamento e arquitectura o Arq. Souto Moura, estando-se assim «perante um empreendimento de qualidade construtiva elevada» que a própria Recorrente enquadra «no sector imobiliário de luxo». E, à luz do mesmo critério de notoriedade a que apela a referência à crise do sector, também se pode dizer que é muito menos sentida no segmento de mercado em que se coloca.
Mas há mais: à luz dos critérios de justiça e de equidade que o legislador relevou para conceder a dispensa de garantia, não se pode tratar do mesmo modo quem foi toda a vida indigente e quem gravitou em negócios de milhões, transaccionado imóveis por valores de sete dígitos e contando com margem de comercialização declarada (segundo o relatório de fiscalização, fls. 45 dos autos) de 15,72% em 2006, 18,94% em 2007 e 41,74% em 2008. Bem vemos que a Recorrente se insinua como alguém que nunca teve nada de seu, porque recorreu a empréstimo avultado e trabalhou, por assim dizer, com dinheiro da Banca. Mas se é certo, porque nunca foi posto em causa, que a operação de loteamento se concretizou e gerou vendas em valores avultados e com margens de comercialização médias de 25% em três anos, é porque, em princípio, não foram rentáveis apenas para a Banca. Importaria, por isso, que se avançasse com uma explicação concreta e cabal para a situação financeira em que se apresenta e que não remetesse apenas, enfaticamente, para «circunstâncias económicas quer endógenas quer, essencialmente, exógenas e transversais a todo o sector de construção».
Razão porque, no nosso entendimento, a douta sentença recorrida não merece censura e deve ser confirmada.
4. Conclusões
4.1. É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia que incumbe alegar e provar que não é responsável pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido – artigos 52.º, n.º 4, e 74.º, n.º 1, ambos da L.G.T.;
4.2. A acrescida dificuldade de prova do facto a que alude o número anterior justifica uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, mas não dispensa o executado de alegar as razões concretas dessa insuficiência ou inexistência de bens;
4.3. Não alegou factos suficientes para justificar a insuficiência de bens penhoráveis a sociedade que se limita a invocar o financiamento integral, como o capital de terceiros, de projecto no sector imobiliário de luxo, sem explicar o impacto dos respectivos encargos financeiros nos resultados globais de exploração, e a remeter para pressão financeira não mensurada, de outros credores da sociedade que também não identifica, e para a conjuntura desfavorável da economia nacional e até internacional, cujos reflexos no desenvolvimento do projecto, quer ao nível da construção quer do ritmo ou valor das vendas, nunca concretizou.
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 12 de Janeiro de 2012
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia