Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01229/14.0BEAVR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/13/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:CONCURSO DE ACESSO; UNIVERSIDADE DO PORTO; ICBAS
Sumário:1. A colocação de um candidato numa vaga não a extingue ipso factu. Por isso, como significativamente resulta do teor da própria norma (artigo 15º/3) do Regulamento do Concurso em causa, a “vaga” continua “disponível” quando o candidato “colocado” não proceda à matrícula no curso em causa. E, como “vaga” ou lugar desocupado, que é, pode vir a ser “ocupada” pelo candidato seguinte na lista de seriação.
2. Em suma, de acordo com os objectivos e o espírito do DL 40/2007 (cf. nomeadamente o artigo 7º) deverão os candidatos, pela ordem resultante da sua seriação, ser admitidos e “colocados” (indiferentemente de o serem em 1ª ou 2ª “mão”) nas vagas existentes, até ao limite das vagas fixadas nos termos do artigo 4º (os tais 15% que deverão aceder, por esta modalidade, ao curso de Medicina em causa).
3. Preceitua artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 40/2007, de 20 de Fevereiro.
“…3- Para o ingresso a partir do ano lectivo de 2011-2012, inclusive, o número de vagas não pode ser inferior a 15% do número de vagas fixado para o concurso nacional de acesso ao mesmo curso na mesma faculdade.”
A Autora, que ficou graduada em 24º lugar, sustenta que sendo o número de vagas por aplicação daquela norma 23,35, deve ser arredondado para 24. A sentença opõe que em termos matemáticos o arredondamento deve ser para a unidade mais próxima, no caso para 23.
A solução da sentença é correcta mas não pela razão indicada. Não se trata de um problema de matemática mas sim jurídico, embora com utilização instrumental da matemática. 23,25 é uma cifra, ou seja, um conceito numérico que não resolve um problema jurídico no qual as unidade - lugares e candidatos - não podem ser fraccionadas.
A solução do problema apela à noção de cabimento e não de arredondamento. O objectivo legal é, portanto, a criação do número de vagas máximo que aquela cifra possa comportar, ou seja 23 e, assim, a decisão impugnada não é criticável neste aspecto da questão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Universidade do Porto
Recorrido 1:SCB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

Universidade do Porto veio interpor recurso da sentença pela qual o TAF de AVEIRO, antecipando o juízo de mérito sobre a causa principal ao abrigo do artigo 121º CPTA, na acção administrativa instaurada por SCB decidiu:

«Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julgo a presente acção procedente e, em consequência:

- anulo o acto administrativo impugnado;

- condeno a Ré a admitir a Autora no âmbito do concurso especial de acesso ao curso de medicina do ICBAS por titulares de licenciatura - 2014/2015, criando para o efeito, caso seja necessário, uma vaga adicional no ano lectivo de 2016/2017».

*
Em alegações a RECORRENTE formulou as seguintes CONCLUSÕES:

A – A decisão a quo padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 143.º do CPTA e tal como consta de ponto I das Alegações de Recurso, uma vez que foi incorretamente julgada a alínea D) do probatório fixado (conforme fundamentação apresentada no ponto B -.I das Alegações de Recurso).

B - A incorreção do julgamento efetuado quanto à matéria de facto tem origem na apreciação realizada relativamente à prova documental, pois o facto fixado na alínea D), nos termos em que se encontra determinado, não corresponde à realidade dos factos em causa no pleito, não se tratando de qualquer facto alegado pelas Partes, admitido por acordo (cfr. arts. 574º e 587º CPC), provado por documento (cfr. arts. 423º e 424º CPC), provado por confissão reduzida a escrito (cfr. arts. 356º e 358º do CC), resultante de presunção legal ou judicial (cfr. arts. 349 a 351º do CC), notório (cfr. art. 412, nº 1 CPC) ou de conhecimento oficioso (cfr. art. 412, nº 2 CPC).

C - Assim, a sentença recorrida, no tocante à matéria de facto, viola o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA, devendo ser conhecida a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA, e alterada a mesma, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, ex vi artigos 140.º, n.º 3 do CPTA, sendo dado como não provado o facto constante da alínea D) do probatório da sentença a quo e relevado e assente o facto de a Requerente se ter candidatado ao Concurso Especial de Acesso por titulares de Licenciatura ao Curso de Medicina do ICBAS, no ano letivo 2014/2015.

D - A decisão aqui em crise erra igual e manifestamente no julgamento à matéria de direito efetuado, ao considerar verificada a ilegalidade do acto decorrente da ilegalidade do artigo 15.º, do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao Curso de Medicina do ICBAS, por titulares de licenciatura, por violação do princípio da segurança jurídica e, sobretudo, do princípio da igualdade, em particular da igualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior e da violação da lei de Bases do Sistema Educativo (artigo 12.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do princípio da confiança e do artigo 4.º do Código de Procedimento Administrativo (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos).

E - O raciocínio expendido na sentença a quo não é o correto, por ser o errado enquadramento jurídico aplicável à situação em litígio que pela mesma se determinou.

F - É que o cerne do errado julgamento de direito feito pela sentença a quo, e que conduziu a uma decisão desacertada e desajustada face à normatividade que, efetivamente, lhe deveria ser aplicável reside exatamente no enquadramento jurídico selecionado, o qual conduziu a uma alegada antinomia jurídica, que se procurou resolver através da regra de exclusão de uma das normas em conflito, por recurso a critério de hierarquia e de especificidade.

G - Efetivamente, entende a Recorrente que não existe qualquer conflito de normas, já que os artigos 14.º, alínea a), 15.º, 17.º do Decreto-Lei 113/2014, de 16 de julho, o 11.º da Portaria n.º 854-A/99, de 4 de outubro, alterada pelas Portarias 1081/2001, de 5 de setembro e 393/2002, de 12 de abril e os artigos 24.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro, não são aplicáveis à situação sub iudice, com fundamento no alegado nos pontos 9.1 a 9.1.9., das presentes Alegações de Recurso, para os quais se remete.

H – Pelo que que a decisão a quo viola, na análise efetuada com base no enquadramento jurídico por si determinado, o disposto nos artigos 205.º, n.º 1 da CRP, artigo 11.º do Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro, bem como os artigos 14.º, alínea a), 15.º, 17.º do Decreto-Lei 113/2014, de 16 de julho e 24.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro, sendo, por isso, desprovida de sustentação jurídica, bem como o entendimento sufragado pela mesma.

I – A sentença recorrida erra, igualmente, no julgamento de direito, quanto, à parte da decisão a quo relativa à matéria de vagas e da sua eventual afetação pela decisão prevista no artigo 15.º, n.º 3 do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de Medicina do ICBAS, por titulares de licenciatura, tal como alegado e fundamentado nos pontos 10 a 10.5 das Alegações de Recurso.

J – Concluindo-se, quanto à parte da decisão a quo relativa à matéria de vagas e da sua eventual afetação pela decisão prevista no artigo 15.º, n.º 3 do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de Medicina do ICBAS, por titulares de licenciatura, que a mesma viola os artigos 205.º, n.º 1 da CRP, e artigo 8.º e 11.º do Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro.

K – A decisão judicial recorrida erra, ainda, no julgamento de direito, quanto à consideração da violação do princípio da segurança jurídica e da igualdade, em particular, da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, do princípio da confiança, da Lei de Bases do Sistema Educativo [artigo 12.º, n.º 2, alíneas a), b) e c)], e do artigo 4.º do Código de Procedimento Administrativo (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos), conforme entendimento e fundamentos apresentados pela Recorrente, em pontos 11 a 11.5 das supra Alegações de Recurso.

L – Sendo que, neste seguimento, a decisão judicial a quo viola, no juízo efetuado quanto à (i)legalidade do artigo 15.º, n.º 3 do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de Medicina do ICBAS, por titulares de licenciatura, por referência princípio da segurança jurídica e da igualdade, em particular, da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, do princípio da confiança, da Lei de Bases do Sistema Educativo [artigo 12.º, n.º 2, alíneas a), b) e c)], e do artigo 4.º do Código de Procedimento Administrativo (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos), os artigos 2.º, 13.º, 76.º e 205.º da CRP, o artigo 11.º, do Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro, as alíneas a), b) e c) da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86, de 14 de outubro) e artigo 4.º do Código de Procedimento Administrativo.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO SOB CENSURA, PROFERINDO-SE UMA OUTRA, EM SUBSTITUIÇÃO, QUE JULGUE IMPROCEDENTE A AÇÃO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM FAZENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS INTEIRA JUSTIÇA!

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Contra alegou a RECORRIDA (Autora) concluindo:

1 - A douta sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto provada, pois que resulta evidente que o apontado erro mais não é que um lapso de escrita.

2 - Tanto o D.L. n.º 353-B/99, de 2 de outubro, como a Portaria n.º 854-A/99, de 4 de outubro, são aplicáveis ao presente caso, já que regulam a generalidade dos concursos especiais de acesso ao ensino superior, não contendendo com as normas específicas dos concursos de acesso ao ensino superior por licenciados, nem tendo tais normas sido revogadas por estas normas específicas.

Não havendo nenhuma norma especial a regular o preenchimento de vagas surgidas pela não matrícula de concorrentes que ficaram colocados permanece na sua eficácia a norma geral, pelo que deve ser aplicada a Portaria n.º 854-A/99 nomeadamente o n.º 4 do seu artigo 11.º

3 - Não pode é um regulamento do ICBAS ir contra uma lei que supostamente deveria regulamentar e bem assim contra os princípios subjacentes à lei geral.

4 - Competindo ao Reitor a homologação dos resultados finais do concurso, o diretor do ICBAS não tinha competência para decidir não preencher as vagas, já que desse modo estava implicitamente a revogar um ato da competência do senhor Reitor. Com efeito, decidir não preencher as vagas criadas por despacho do Sr. Reitor é decidir sobre o número de vagas já que num concurso é óbvio que as vagas criadas são para preencher, tanto mais que a lei impõe um número mínimo de vagas obrigatoriamente a serem criadas pelo estabelecimento de ensino.

5 - A expectativa, legítima, da recorrida em ser colocada numa das vagas não termina com a seriação, mantem-se até ser encerrado o procedimento.

6 - A seriação dos concorrentes é um mero ato do procedimento concursal o qual tem ainda de passar pelo efetivo preenchimento da vaga com a matrícula do aluno colocado e verificação que todas as vagas foram preenchidas.

7 - Havendo uma norma, de âmbito nacional, específica destes concursos que impõe um número mínimo de vagas (artigo 4.º do D.L. n.º 40/2007) é violadora dessa norma uma decisão que na prática reduz as vagas em 21,7% ao não permitir que as vagas sejam ocupadas.

8 - E mais grave se torna quando esse mesmo estabelecimento de ensino decidira anteriormente, no mesmo procedimento, fazer subir todos candidatos um lugar na sua seriação assim possibilitando que o primeiro dos não colocados o fosse, face à desistência dum concorrente, e ainda posteriormente teve de criar mais duas vagas para colocar dois outros alunos no curso de medicina. É uma violação dos princípios da legalidade e da igualdade.

9 - O número de vagas a criar no concurso em causa não podia ser inferior a 24.

Impondo a lei que o número de vagas a criar não podia ser inferior a 15% do numero de vagas criadas para o concurso nacional de acesso ao curso de medicina da mesma faculdade e sendo este número de 155, o numero de vagas a criar para o concurso especial para licenciados teria de ser pelo menos de 24.

10 - A regra matemática que a recorrente usou para arredondar o número obtido não está consagrada na lei. Não passa pois de uma regra equivalente a um costume o qual apenas pode ser atendível caso a lei o consagre, conforme o dispõe o artigo 3.º do Código Civil.

11 - A lei em causa não consagra tal regra sendo que existem vários diplomas legais em que o legislador quando quer a aplicação de regras semelhantes o consagra expressamente. Assim o intérprete não pode aplicar tal regra violando ainda o disposto no artigo 9.º n.º 2 do Código Civil, tanto mais que o arredondamento praticado conduz a um número inferior ao limite mínimo traçado pelo legislador.

TERMOS EM QUE NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO E JULGANDO AINDA PROCEDENTE A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO AQUI REQUERIDA, SE FARÁ JUSTIÇA.


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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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QUESTÕES DECIDENDAS

Os erros de julgamento imputados à sentença, comportáveis nos limites racionais das conclusões da Recorrente.

E o erro de julgamento imputado à sentença pela Recorrida em ampliação do objecto do recurso, por um fundamento (vício do acto) em que decaiu, a que correspondem as conclusões 9, 10 e 11 da sua contra alegação.


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FACTOS

Consta da sentença:

Factos provados:

A) Em 25.03.2014, foi dirigido ao Director do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), um ofício subscrito pela Vice-Reitora da Universidade do Porto, do qual se extrai o seguinte:

“Na sequência do pedido de vagas para o concurso especial para acesso por titulares de grau de licenciado ao mestrado integrado em Medicina do ICBAS no ano letivo de 2014/2015, informamos que por despacho reitoral de 21 de março corrente foram as 23 vagas propostas aprovadas.

Aproveitamos ainda a oportunidade para reiterar o solicitado em ofício de 04 de março do número total de vagas que o ICBAS pretende efectivamente propor para o acesso ao ciclo de estudos conducente ao grau de mestre em Medicina no ano letivo 2014/2015. A esse respeito, permitimo-nos novamente alertar que a pretensão de reduzir em 10 vagas poderá não ser considerada pela DGES uma vez que as propostas de redução de vagas dos ciclos de estudos em Medicina não têm sido, por norma, objecto de aprovação.

Além disso, esse pedido ficará do despacho orientador.” (cfr. fls. 8, do processo administrativo);

B) Em 05.05.2014, por despacho do reitor da Universidade do Porto, e na sequência de proposta do Director do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), foi aprovado o Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao Curso de Medicina do ICBAS por Titulares de Licenciatura, o qual foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 93, de 15 de Maio de 2014 (cfr. fls. 33 e ss, do processo administrativo);

C) No ano lectivo de 2014/2015, foram abertas 155 vagas para o curso de Medicina, no âmbito do concurso nacional de acesso ao ensino superior (cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial da acção principal – processo n.º 1229/14.0BEAVR);

D) A Requerente candidatou-se ao concurso ao «concurso especial de acesso ao curso de medicina do ICBAS por titulares de licenciatura – 2014/2015», constando posicionada no 25.º lugar, na lista de classificação provisória daquele concurso (cfr. fls. 56, do processo administrativo);

E) Em sede de audiência prévia a Requerente não se pronunciou, tendo uma das candidatas comunicado a desistência da sua candidatura (cfr. fls. 60 e ss, do processo administrativo);

F) Na sequência da realização da audiência prévia, a Presidente da Comissão de análise das candidaturas, enviou um ofício ao Director do ICBAS, do qual se extrai o seguinte:

“A Comissão por V. Ex.ª designada para proceder à análise das exposições em sede de audiência dos interessados recebidas no âmbito do concurso identificado em assunto, remete a V. Ex.ª, para aprovação, a lista de classificação final a ser submetida para homologação pelo Exmo. Sr. Reitor, bem como o relatório que concretiza a apreciação efectuada, e os fundamentos que presidiram à ordenação final das candidaturas.” (cfr. fls. 60 e ss, do processo administrativo);

G) Do relatório anexo ao ofício indicado na alínea anterior, extrai-se o seguinte:

“(…) Assim, deve a lista provisória ser reformulada tendo em conta a desistência oportunamente comunicada nos termos da lista final, que se anexa, e que se remete para aprovação e posterior envio para homologação pelo Exmo. Sr. Reitor, nos termos do disposto no art. 12º do regulamento do concurso especial de acesso ao curso de medicina por titulares de licenciatura.” (cfr. fls. 60 e ss, do processo administrativo);

H) Em 11.07.2014, foi homologada pelo Reitor da Universidade do Porto, a lista final daquele concurso na qual consta a Requerente em 24.º lugar, com a indicação de “Não colocada”; (cfr. fls. 91 e ss, do processo administrativo);

I) A Requerente não apresentou reclamação da lista a que se reporta a alínea anterior (cfr. fls. 116 e ss, do processo administrativo);

J) Em 08.09.2014, o Director de Serviços do ICBAS, exarou uma informação dirigida ao Director, com o seguinte teor:

“Na sequência da divulgação dos resultados do concurso especial de acesso ao curso de medicina do ICBAS por titulares do grau de licenciado, apenas procederam à matrícula e inscrição nos prazos estabelecidos 18 candidatos.

Nessa conformidade ficaram 5 vagas por preencher, sendo que os candidatos admitidos já não o poderão fazer por força do disposto no art. 15º nº 2 do regulamento do ICBAS sobre a matéria.

Ainda de acordo com o disposto no nº 3 daquele preceito regulamentar o Director do ICBAS poderá, se assim o entender conveniente, convidar os candidatos seguintes da lista de seriação a ocupar as vagas disponíveis.

Tratando-se, como se trata, de um poder discricionário, vimos pela presente solicitar a V. Ex.ª se digne o que tiver por conveniente sobre o assunto.” (cfr. fls. 119, do processo administrativo);

K) Em 09.09.2014, e com referência à informação que antecede, o Director do ICBAS, exarou o seguinte despacho: “Dado o número elevado de alunos que frequentam o MIM não há interesse em admitir mais candidatos. Dê-se por encerrado o concurso.” (cfr. fls. 119, do processo administrativo);

L) Em 22.09.2014, a Requerente enviou uma exposição dirigida ao Director do ICBAS, da qual se extrai o seguinte:

“(…) Como o nº 3, artº 15º do regulamento do concurso prevê que o Senhor Director possa convidar o candidato ou candidatos seguintes na lista na lista de seriação a ocupar a vaga ou vagas disponíveis, contactei pessoalmente e telefonicamente os Serviços de Assuntos Académicos no sentido de saber se poderia vir a ser chamada.

Nesses contactos foi-me dito que teria de aguardar eventual chamada por contacto telefónico ou via e-mail e que no caso de existir alguma vaga, ela certamente seria preenchida.

Nestas circunstâncias, criei uma enorme expectativa de finalmente poder ingressar no curso que sempre ambicionei.

Aguardei pacientemente e com muita esperança até à passada 6ª feira, dia 12 pelo telefonema ou mensagem a comunicar a chamada para ocupar uma das vagas existentes.

É com enorme desilusão que constato que existem cinco vagas por preencher, eu penso reunir as condições para poder frequentar o curso de Medicina e tenho imensa vontade de o fazer, mas o Senhor Director decidiu não ocupar essas vagas.

Atualmente estou a frequentar Medicina em Santiago de Compostela mas devido ao elevado esforço financeiro, os meus pais não vão poder suportar os elevados custos e, mais uma vez, o meu sonho fica por concretizar.

A frequência do curso no ICBAS ficaria financeiramente muito mais em conta e eventualmente seria suportável.

Face ao exposto, solicito encarecidamente a V.ª Ex.ª seja sensível à minha situação e, dentro da prerrogativa que o regulamento do concurso prevê proceda à minha chamada para ocupar uma das vagas existentes.” (cfr. fls. 134 e 135, do processo administrativo);

M) Em 13.10.2014, o Director do ICBAS, remeteu à Requerente o oficio com a referência 2314, da qual se extrai o seguinte:

“(…) cumpre informar V. Ex.ª que após a realização das inscrições, os serviços académicos do ICBAS deram a conhecer ao signatário, enquanto Director do ICBAS, o número de vagas preenchidas no âmbito do concurso em assunto mas cujos candidatos não procederam à respectiva matrícula e inscrição.

Informa-se, também, que foi decisão não chamar quaisquer outros candidatos a fim de serem preenchidas as 5 vagas não ocupadas.

De salientar, também, que embora a decisão resulte duma faculdade ou poder discricionário do Director do ICBAS, nem por isso aquela decisão foi proferida de ânimo leve, sendo resultado de uma opção de gestão.

Embora compreendendo que nem sempre as vossas opções vão ao encontro das expectativas de potenciais interessados, a verdade é que não existindo quaisquer razões de facto ou mesmo de direito que sustentem uma alteração de posição, o ICBAS entende que a decisão aludida deve ser mantida e, por conseguinte, não devem ser chamados quaisquer outros candidatos a ocupar a vagas não preenchidas.” (cfr. fls. 139, do processo administrativo);

N) Em 13.10.2014, a Requerente dirigiu nova exposição ao Director do ICBAS, do qual se extrai o seguinte:

“(…) Por outro lado entende também a requerente que o não preenchimento dessas vagas, e consequentemente não colocação da requerente no curso, viola também o principio de igualdade, uma vez que teve conhecimento que na Faculdade de Medicina desta Universidade do Porto, no âmbito do mesmo concurso as vagas foram todas preenchidas pela comunicação aos candidatos seguintes da lista.

Não entende nem pode aceitar a exponente e requerente tal discricionariedade de critérios e a violação dos princípios legal e constitucionalmente consagrados.

Face ao exposto muito respeitosamente requer a Vª Exaª se digne a dar seguimento ao preceituado o decreto-lei 40/2007 através do preenchimento de todas as vagas e em consequência aceitar a requerente no curso, ou caso assim não entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, se digne dar uma resposta devidamente fundamentada ao supra exposto.(cfr. fls. 137 e 138, do processo administrativo);

O) Em 21.10.2014, o Director do ICBAS remeteu à Requerente um ofício com a referência 2476, do qual se extrai o seguinte:

“(…) Assim, se a Faculdade de Medicina entendeu por bem admitir candidatos nas condições que V. Ex.ª alega, certamente fê-lo no escrupuloso cumprimento das regras por si criadas, não vinculando o ICBAS a proceder da mesma forma.

Por outro lado ainda, e como anteriormente já se comunicou a V. Ex.ª, o ICBAS, através dos seus órgãos de gestão, toma decisões baseadas em critérios de racionalidade e racionalização dos recursos humanos e materiais ao seu dispor.

Queremos com isto dizer que pode existir a convicção de que está em causa apenas a admissão de cinco novos estudantes. Contudo, para o ICBAS, uma decisão que permita a admissão a mais estudantes poderá traduzir-se, entre outras condicionantes, na contratação de mais docentes, na elaboração de novas turmas onde a disponibilidade de horários é diminuta, na existência de outros locais onde possa ser ministrado o ensino (ou seja, a própria capacidade os hospitais com quem o ICBAS colabora em receber mais estudantes).

Por isso, continuamos a partilhar a convicção que a decisão anteriormente proferida sobre esta matéria é correta, legal e de acordo com o interesse público não existindo, pois, quaisquer razões que exijam uma revisão dessa mesma decisão.

Por último, e na sequência da mensagem de correio electrónico que nos foi remetida no pretérito dia 20 de outubro, cumpre também esclarecer que a Direcção Geral do Ensino Superior, por ofício datado de 14 deste mesmo mês, comunicou ao Exmo. Senhor Reitor da Universidade do Porto que haviam sido criadas duas vagas adicionais no curso de Medicina do ICBAS que deveriam serem ocupadas por dois estudantes que concorreram pelo regime geral de acesso (1.ª fase), tendo o ICBAS cumprido integralmente as instruções recebidas.” (cfr. fls. 121 e 122, do processo administrativo);

P) Em cumprimento de despacho do Director-Geral do Ensino Superior, de 08.10.2014, comunicado ao Reitor da Universidade do Porto, através dos ofícios 14.10.2014 02724 e 14.10.2014 02711, foram criadas duas vagas adicionais, para o ano lectivo de 2014/2015, no âmbito do regime geral de acesso ao ensino superior, para o curso de medicina do ICBAS, para os candidatos àquele concurso nacional: MFACCR e JPPVGR (cfr. fls. 87 e 88, do processo administrativo);

Q) A Requerente candidatou-se ao concurso para ingresso no curso de medicina do ICBAS, por parte de titulares em licenciatura, para o ano lectivo e 2016/2017 (cfr. fls. 86 e ss, do processo físico);

R) A Requerente é detentora do grau de mestre em medicina dentária (cfr. fls. 81 e ss, do processo físico);

S) A acção principal deu entrada neste Tribunal, em 10.12.2014 (cfr. fls. 2 e ss, do processo 1229/14.0BEAVR).


***
A matéria de facto indiciariamente dada como provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. A formação da nossa convicção, para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados, resulta das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e, ainda, do processo administrativo junto autos principais, bem como dos documentos juntos à presente providência cautelar e ao processo principal, todos aí devidamente referenciados. Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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DIREITO

Erro de julgamento sobre a matéria de facto

Esta questão, no âmbito das conclusões A, B e C da Recorrente, está ultrapassada por rectificação feita pelo TAF no despacho a folhas 224 do processo físico, com a qual D) da matéria de facto supra transcrita se mostra já em conformidade.

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Erros de julgamento em matéria de direito invocados pela Recorrente

Artigo 15.º do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de Medicina do ICBAS, por titulares de licenciatura

A decisão recorrida assenta sobretudo na consideração da ilegalidade da norma em epígrafe, mediante argumentação extensa em são compaginadas, entre si e sob inspiração de princípios básicos do Direito Administrativo, normas inseridas em diversos diplomas legais, justificando-se assim a transcrição de parte da fundamentação da sentença, como segue:

«Ora, atentos os normativos aplicáveis, bem como os referidos considerandos, adianta-se já que assiste razão à Autora, sendo que tal conclusão resulta do confronto dos normativos legais e regulamentares que enformam o regime jurídico do concurso especial para acesso ao curso de medicina por titulares do grau de licenciado (constantes do Decreto-Lei n.º 40/2007, de 20 de Fevereiro, mais concretamente, dos seus artigos 4.º, 6.º 7.º e 9.º, e do artigo 11.º, n.º 4, da Portaria n.º 854-A/99, de 4 de Outubro, alterada pelas Portarias 1081/2001, de 5 de Setembro e 393/2002, de 12 de Abril), com o disposto naquela norma regulamentar (artigo 15.º, n.º 3 do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de Medicina do ICBAS, por titulares de licenciatura).

Na verdade, o artigo 11.º, n.º 4, da Portaria n.º 854-A/99, de 4 de Outubro, é a norma que regula esta matéria e que é aqui directamente aplicável, pois apesar da revogação expressa do Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de Outubro [operada pelo Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de Julho (cfr. o seu artigo 27.º), aplicável, desde logo, aos concursos especiais para o ano lectivo de 2014/2015 (cfr. o seu artigo 28.º, n.º 2)], aquela Portaria não foi expressamente revogada, pelo que se mantém em vigor em relação a todas as matérias aí contidas que não sejam contrárias ao regime legal que regulamenta, pois configura um regulamento de execução ou complementar.

(…)

Assim, e ao contrário do que alega a Ré não é verdade que a lei nada refira quanto à destinação de vagas ocupadas e posteriormente não preenchidas por matrícula e inscrição, no que respeita a este concurso especial, ao contrário do que sucede com o concurso nacional de acesso.

(…)

Assim, e porque resulta da factualidade assente que: no âmbito do concurso a que a Autora se candidatou - no concurso especial de acesso ao curso de medicina do ICBAS, para o ano lectivo de 2014/2015 - foram abertas 23 vagas; que ficou colocada em 24.º lugar da lista de seriação, pelo que, foi considerada não colocada; que na fase de matrículas, cinco candidatos colocados entre aqueles 23.ºs lugares não procederam à sua matrícula; que a Autora, tendo tido conhecimento deste facto, solicitou ao director do ICBAS a sua colocação numa dessas vagas; que foi informada do indeferimento do seu requerimento, com fundamento numa “opção de gestão”, bem como para o disposto no artigo 15.º, n.º 3, do Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de medicina do ICBAS por titulares de licenciatura (factos assentes nas alíneas a) a k)), é de concluir pela ilegalidade do acto impugnado.

É que a referida norma regulamentar (15.º, n.º 3) ao atribuir ao Director do ICBAS o poder discricionário de, perante o não preenchimento de uma vaga (decorrente do facto de um dos candidatos colocados não se matricular um candidato), convidar, ou não, o candidato ou candidatos seguintes da lista de seriação a ocupar a vaga ou vagas disponíveis, é ilegal, por contrair as normas legais e regulamentares supra citadas, pois é inequívoca a prevalência da lei (Decreto-Lei n.º 40/2007), e ainda da referida norma regulamentar (artigo 11.º, n.º 4, da Portaria n.º 854-A/99, de 4 de Outubro), pois esta última dimana de órgão hierarquicamente superior.

(…)

Acresce ainda que, efectivamente, e como a Autora ainda refere, também nos termos do n.º 2, do artigo 12.º, do Regulamento do Concurso, os resultados finais são homologados pelo Reitor, pelo que, aquela norma, ao permitir que o director do ICBAS não chame os candidatos, de acordo com a ordem de seriação obtida, está, em última análise, a alterar esses resultados, uma vez que não garante que todos os candidatos possam ser chamados pela ordem de seriação obtida e enquanto existirem vagas (seja por efeito da desistência de candidatos, seja por efeito do não exercício do direito de se matricularem).

E a percepção de que esta norma viola, não só os referidos normativos legais, como ainda o princípio da segurança jurídica e, sobretudo, o princípio da igualdade, em particular da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior (este último consagrado expressamente na Lei de Bases do Sistema Educativo – cfr. artigo 12.º, n.º 2, alínea a), supra transcrito), torna-se ainda mais manifesta quando a Ré é colocada perante duas situações distintas: uma de desistência de uma candidatura (ainda em fase de audiência de interessados) e outra resultante de não se ter concretizado a matrícula de alguns dos candidatos, já após a aprovação de lista de classificação final.

Na verdade, resulta da referida factualidade que, na fase de audiência prévia, uma das candidatas veio desistir da sua candidatura, motivo que determinou que a lista final apresentada para homologação tivesse resultado de uma ordenação dos candidatos que permitiu que o candidato colocado inicialmente em 24.º lugar ocupasse essa vaga e que a Autora tivesse passado do 25.º lugar para o 24.º lugar da lista (factos assentes nas alíneas e) a h)).

Ora, o critério que esteve subjacente à ocupação daquela vaga é o mesmo que deveria ter sido utilizado quando face à não concretização da matrícula por parte de alguns candidatos, determinando que os candidatos seguintes da lista de seriação fossem chamados a preenchê-las (tal como decorre do indicado artigo 11.º, n.º 4, Portaria n.º 854-A/99, de 4 de Outubro, alterada pelas Portarias 1081/2001, de 5 de Setembro e 393/2002, de 12 de Abril).

E não prossegue ainda a argumentação da Ré quanto à possibilidade de regulamentar a matéria de afectação de vagas, invocando, para tanto, a sua autonomia.

É que essa autonomia é garantida à Ré mas no âmbito da fixação do número anual de admissões, matéria esta que apesar de ser competência sua, segue um procedimento próprio que deve ter, ab initio, em consideração os seus recursos, designadamente, quanto a pessoal docente, instalações, equipamentos e meios financeiros, e está ainda sujeita às orientações estabelecidas pelo ministro da tutela, como a racionalização da oferta formativa, a política nacional de formação de recursos humanos e os recursos disponíveis – cfr. artigo 64.º, da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, diploma que estabelece o regime jurídico das instituições de ensino superior – seguindo os procedimentos concursais respectivos, as normas legais e regulamentares aplicáveis.

E se nessas normas legais são garantidas competências regulamentares à Ré, como já supra se densificou suficientemente, mas entre essas normas não se encontra qualquer uma que permita à Ré convidar ou não convidar um candidato admitido que conste da lista de seriação e para o qual exista vaga disponível para ser preenchida no âmbito do concurso a que se candidatou.

Pelo exposto, nos fundamentos supra expostos, conclui-se pela invalidade do acto impugnado.»

*
Apreciando.

Apesar de todo o esforço argumentativo desenvolvido o TAF não conseguiu estabelecer convincentemente a aplicabilidade ao caso da Portaria 854-A/99, de 4 de Outubro, cujo artigo 11º/4 permitiria fulminar directamente a controversa norma do artigo 15º/3 do “Regulamento do Concurso Especial de Acesso ao curso de Medicina do ICBAS por titulares de licenciatura”, publicado no Diário da República, 2.ª série - N.º 93 - 15 de maio de 2014.

O próprio TAF teve consciência dessa dificuldade, que expressou ao fazer a transição para outras instâncias normativas suplementares de validação da sua tese decisória, nestes termos:

«Aliás e independentemente de ser clara a aplicação, ao presente concurso, daquela norma regulamentar (o artigo 11.º, n.º 4, da Portaria 854-A/99, de 4 de Outubro), sempre se concluiria pela ilegalidade daquele artigo 15.º, n.º 3, uma vez que permite uma redução do número de vagas, por órgão que não tem competência para o efeito, uma vez que, é o Reitor que tem a competência para fixar as vagas neste concurso.»

Tudo ponderado reconhece-se que neste ponto da discussão é muito mais consistente a tese adversa da Recorrida (inaplicabilidade ao caso da Portaria 854-A/99, mormente o seu artigo 11º), pelas razões configuradas nos diversos itens em 9 da sua alegação, donde se extrai o seguinte:

«9.1. - Ao contrário do que se entende na decisão a quo, mas tal como a aqui Recorrente evidenciou ao longo do processo, o Concurso Especial de Acesso ao Curso de Medicina por parte de titulares de licenciatura é regulado legalmente e em exclusivo pelo Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro, e criado a partir da Lei de Bases do Ensino Superior (Lei n.º 48/86, de 14 de outubro, alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de setembro e pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto).

O Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro não se traduz numa regulação especial face ao Decreto-Lei 353-B/99, de 2 de outubro (que regulava os concursos especiais de acesso e ingresso no ensino superior, nomeadamente os (1) concursos especiais para estudantes aprovados nas provas especialmente adequadas destinadas a avaliar a capacidade para a frequência do ensino superior dos maiores de 23 anos; (2) concursos especiais para titulares de um diploma de especialização tecnológica; (3) concurso especial para titulares de um diploma de técnico superior professional e (4) concurso especial para titulares de outros cursos superiores) ou face à Portaria n.º 854-A/99, de 4 de outubro, alterada pelas Portarias 1081/2001, de 5 de setembro e 393/2002, de 12 de abril, que, ao abrigo do artigo 20.º do citado Decreto-Lei 353-B/99, de 2 de outubro, regulamenta(va) os Concursos Especiais de Acesso ao Ensino Superior.

9.1.1. Resulta claro logo no artigo 1.º do Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro, que, através desse diploma legal se “institui e regula um concurso especial para acesso ao curso de Medicina por titulares do grau de licenciado, adiante designado concurso especial.” (artigo 1.º, com destacado e sublinhado nosso).

Ou seja, não se regula, somente – institui-se.

E, só se institui algo que não esteja criado ou estabelecido, previamente. Ou seja, o legislador pretende instituir um (novo) Concurso Especial de Acesso ao Curso de Medicina, por parte de titulares de licenciatura, que até à data não estava criado, não se tratando de um concurso enxertado dos concursos especiais para titulares de outros cursos superiores, regulado pelo Decreto-Lei 353-B/99, de 2 de outubro.

(…)

9.1.2. Se tal não fosse de si só claro para determinar a autonomia e independência do concurso especial instuído pelo Decreto-Lei 40/2007, de 20 de Fevereiro, poder-se-ia ainda recorrer ao exposto no preâmbulo do próprio Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro, onde se afirma que:

Trata-se de um modelo inédito entre nós, mas cuja introdução se reveste de grande oportunidade, em consonância com a evolução observada na área da Biomedicina. Esta nova modalidade de ingresso poderá ainda contribuir para que as escolas seleccionem também candidatos com particular apetência para áreas de investigação, o que se considera fundamental.

(…)

COM EFEITO, em nenhum momento se refere, indica, invoca, remete, quer no articulado do Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro, quer no seu preâmbulo, para a regulação e regulamentação dos concursos especiais de acesso e ingresso no ensino superior, ou seja, respetivamente, para o Decreto-Lei 353-B/99, de 2 de outubro ou para a Portaria n.º 854-A/99, de 4 de outubro, alterada pelas Portarias 1081/2001, de 5 de setembro e 393/2002, de 12 de abril.

Daí que a aqui Recorrente entende ser errado o enquadramento jurídico indicado na sentença a quo, e desacertado o julgamento de direito efetuado a partir da consideração da aplicação do artigo 11.º da Portaria 854-A/99, de 4 de outubro – pura e simplesmente porque se considera não ser a Portaria em causa aplicável, a título regulamentar, ao concurso especial regulado pelo Decreto-Lei 40/2007, de 20 de fevereiro.»


*

Na realidade, como refere a Recorrente, impressiona a ênfase do legislador sobre o carácter inovatório deste concurso especial para acesso ao curso de Medicina por titulares do grau de licenciado constante do preâmbulo do DL 40/2007.

Igualmente significativa se afigura a referência a ser o novo regime decretado “No desenvolvimento da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro”, ou seja, entroncando directamente na Lei de Bases do Sistema Educativo, sem referência à articulação com o Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de Outubro, que regulava então a generalidade dos concursos especiais de acesso e ingresso no ensino superior.

Índice dessa autonomia reside ainda na falta de menção ao DL 40/2007 no novo diploma legal - Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de julho – que veio substituir e revogar o Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de outubro.

Acresce a este conjunto de razões que reconheça-se, tal como as arregimentadas na sentença em sentido oposto, não são indiscutíveis, outra que se afigura mais substancial e que reside no facto de o próprio Decreto-Lei 40/2007, de 20 de Fevereiro, prever com algum desenvolvimento o regime de fixação das vagas e colocação nelas dos candidatos ao concurso.

Há portanto que, antes ou em vez de mais divagações argumentativas, olhar para o regime do DL 40/2007 e ver se a norma em debate - Artigo 15º/3 do Regulamento do concurso – se harmoniza com o respectivo regime, no ponto em debate.

E, adiante-se, a resposta é negativa.

Confiram-se as normas pertinentes do DL 40/2007:

«Artigo 4.º

Vagas

1 - As vagas para o concurso especial, para cada curso de Medicina em cada faculdade, são fixadas, anualmente, por despacho do reitor da universidade, sob proposta do órgão legal e estatutariamente competente da faculdade.

2 - …

3 - Para o ingresso a partir do ano lectivo de 2011-2012, inclusive, o número de vagas não pode ser inferior a 15% do número de vagas fixado para o concurso nacional de acesso ao mesmo curso na mesma faculdade.

4 - …

Artigo 5.º

….

Artigo 6.º

Seriação

1 - A seriação dos candidatos é feita por cada faculdade, com base nos critérios aprovados pelo seu órgão legal e estatutariamente competente.

2 - ….

3 - O resultado da seriação consta de lista ordenada sujeita a homologação do reitor da universidade.

Artigo 7.º

Colocação

A admissão dos candidatos é feita de acordo com a ordem resultante da seriação referida no artigo anterior, até ao limite das vagas fixadas nos termos do artigo 4º.

Artigo 8.º

Vagas sobrantes

As vagas sobrantes não são passíveis de utilização em qualquer outro processo conducente à inscrição no par estabelecimento/curso em causa.

Artigo 9.º

Matrícula e inscrição

1 - Os candidatos admitidos devem proceder à matrícula e inscrição no prazo fixado.

2 - A colocação é válida apenas para o ano lectivo a que se refere e caduca com o seu não exercício no prazo fixado.»

Ressalta, desde logo, a inflexibilidade na proporção entre o número de vagas para acesso ao curso de Medicina por titulares do grau de licenciatura e o número de vagas fixado para o concurso nacional de acesso ao mesmo curso na mesma faculdade. Indubitavelmente, de acordo com o objectivo anunciado no preâmbulo: “…é importante garantir a diversidade do percurso académico e educativo dos candidatos ao curso de Medicina”.

Daí decorre, além do mais, a proibição de utilização das eventuais vagas sobrantes por qualquer outra modalidade de inscrição no curso. Porquê? Obviamente, para prevenir que de forma encapotada ou opaca possa ser adulterada a proporção previamente fixada para os candidatos que acedem nesta nova modalidade de ingresso, de acordo com o artigo 4º/3 supra transcrito.

Ora, o dispositivo do artigo 15º/3 do Regulamento do Concurso (“Sempre que um candidato colocado não proceda à matrícula e inscrição no prazo fixado poderá o Diretor, se assim o entender, convidar o candidato ou candidatos seguintes da lista de seriação a ocupar a vaga ou vagas disponíveis”), poderia certamente, fosse de forma deliberada ou inocente, servir para defraudar aquele objectivo legal pois, a não serem convidados os candidatos seguintes a ocupar as vagas disponíveis, deixaria de estar garantida a estrita regra de proporcionalidade fixada para esta “nova modalidade de ingresso”.

Por outro lado, é necessário precisar o conceito de “vaga”. Vaga, em última análise, é um lugar a concurso que ainda não foi preenchido e que, no pertinente, possibilita o acesso de um candidato à frequência determinado curso, no caso Medicina, em determinada instituição de ensino superior. Outra coisa bem diferente é a seriação (classificação) dos candidatos para a sua “colocação” em determinada vaga. A colocação de um candidato numa vaga não a extingue ipso factu. Por isso, como significativamente resulta do teor da própria norma (artigo 15º/3) do Regulamento do Concurso em causa, a “vaga” continua “disponível” quando o candidato “colocado” não proceda à matrícula no curso em causa. E, como “vaga” ou lugar desocupado, que é, pode vir a ser “ocupada” pelo candidato seguinte na lista de seriação.

A situação não é nova, o candidato nomeado para um lugar de um quadro de pessoal sempre adquiriria o direito a ocupar o lugar (vaga) a concurso, mas só o ocuparia efectivamente, com a consequente extinção da vaga, se dele tomasse posse.

Em suma, de acordo com os objectivos e o espírito do DL 40/2007 (cf. nomeadamente o artigo 7º) deverão os candidatos, pela ordem resultante da sua seriação, ser admitidos e “colocados” (indiferentemente de o serem em 1ª ou 2ª “mão”) nas vagas existentes, até ao limite das vagas fixadas nos termos do artigo 4º (os tais 15% que deverão aceder, por esta modalidade, ao curso de Medicina em causa).

O que significa, finalmente, que assiste razão à Recorrida e que a sentença acerta na decisão quanto à ilegalidade da norma do artigo 15º/3 do regulamento do Concurso e, consequentemente, na ilegalidade do acto impugnado que naquela se fundou, mas por razões algo diversas daquelas que foram relevadas em 1ª instância.

*
Erro de julgamento invocado em ampliação do objecto do recurso

Entende-se que o TAF decidiu acertadamente, ao nível decisório, pela improcedência do vício consistente na pretensa violação, do artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 40/2007, de 20 de Fevereiro.

Transcreve-se da sentença:

«Alega a Autora que o ICBAS abriu 23 vagas para o curso de medicina no âmbito do referido concurso especial e que nos termos do artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 40/2007, o número de vagas não pode ser inferior a 15% do número de vagas fixado para o concurso nacional de acesso ao mesmo curso na mesma faculdade; que tendo sido criadas 155 vagas, logo deveriam ter sido criadas, pelo menos, 24 vagas, sendo ilegal, nesta parte, o referido regulamento. (…)

Com relevância para a decisão a proferir, atente-se no indicado artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 40/2007, de 20 de Fevereiro.

“…

3- Para o ingresso a partir do ano lectivo de 2011-2012, inclusive, o número de vagas não pode ser inferior a 15% do número de vagas fixado para o concurso nacional de acesso ao mesmo curso na mesma faculdade.”

Ora, resulta da factualidade assente que o ICBAS, no ano lectivo de 2014/2015, abriu 155 vagas para o curso de Medicina, no âmbito do concurso nacional de acesso ao ensino superior e que no mesmo ano lectivo abriu 23 vagas para o curso de medicina, no âmbito do concurso especial de acesso ao curso de medicina (factos assentes nas alíneas a) e b)).

Sendo assim, e tal como alega a Ré, inexistindo qualquer outra regra legal ou regulamentar para efeitos de arredondamento da indicada percentagem (de 15% do número de vagas fixado para o concurso nacional de acesso ao mesmo curso na mesma faculdade, a que alude aquele artigo 4.º), a regra a aplicar é a regra geral da matemática de arredondamento, de acordo com a qual se os algarismos decimais seguintes forem menores que 50, o anterior não se modifica, no entanto, se os algarismos decimais seguintes forem maiores ou iguais a 50, o anterior modifica-se em uma unidade.

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pela improcedência da alegação da Autora, nesta parte.”

A decisão é correcta mas a fundamentação não é totalmente convincente, ao derivar excessivamente da fundamentação jurídica para a matemática.

Na verdade, o problema não é de índole puramente matemática, mas sim de ordem jurídica, prática e normativa, embora com utilização instrumental da matemática. 15% de 155 = 23,25. Isto é uma cifra, ou seja, um conceito numérico que não resolve o nosso problema jurídico, pela simples razão de que os lugares e os candidatos são unitários e não podem ser fraccionados.

Objectivo legal é a criação do número de vagas máximo que aquela cifra possa comportar. Trata-se, portanto, de uma noção de cabimento, que não exige qualquer arredondamento. Certo é que na cifra “23,25” só cabem 23 unidades. Ora, tal como numa pipa com a capacidade de 23,25 litros não é possível meter 24 litros de vinho, num curso com 23,25 vagas não é possível meter 24 candidatos.

*
E assim se conclui pela confirmação da sentença em toda a linha, embora com alguma divergência de fundamentação.
*
DECISÃO

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso, decaindo não só a Recorrente como também a Recorrida, neste caso quanto à ampliação do objecto do recurso por si formulada.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção de 50% cada.

Porto, 13 de Janeiro de 2017
Ass.: João Beato
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Joaquim Cruzeiro