Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00725/16.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE DA DECISÃO JUDICIAL; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
ARTIGOS 613º, N.º3, E 615º, N.º1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 608º E 615, N.º1, ALÍNEA D), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO; PROVA TESTEMUNHAL; PROVA DOCUMENTAL; FACTO CONSUMADO; OBRA EMBARGADA; FALÊNCIA DE EMPRESA DE CONSTRUÇÃO; PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Sumário:1. Apenas padece de nulidade a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade - artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil.
2. Só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os artigos 608º e 615, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer; não quando se abstém de conhecer de argumentos ou questões prejudicadas pela solução dada a outras.
3. Só será necessário, em providência cautelar, produzir prova testemunhal que, pela sua natureza, torna mais demorado o processo, se for de todo indispensável para um juízo meramente perfunctório sobre factos essências à decisão cautelar.
4. Não tendo sido posta em causa a genuinidade e autenticidade da prova documental junta, esta basta para o juízo meramente perfunctório dos requisitos a que alude o artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para a suspensão da eficácia do acto administrativo.
5. A eminente falência de uma empresa dedicada em exclusivo à compra, recuperação e venda de imóveis em virtude do embargo de obras de ampliação de um imóvel, integra a conceito jurídico de “facto consumado” – para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015, aplicável no tempo ao caso).
6. Existe a aparência do bom direito se, para além de não se ter provado que foi cumprida a formalidade da audiência prévia, a ordem de embargo, cuja suspensão é requerida, recaiu sobre obra a que os serviços do requerido deram entretanto parecer favorável.
7. Se na oposição apresentada, a entidade requerida não refere nenhum interesse público específico para além dos interesses inerentes às normas consideradas violadas, relativas á construção e edificação urbana, é de dar mais relevo, na ponderação de interesse, ao interesse da requerida, em eminente falência, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JURISDICIONAL do despacho do Tribunal
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

E... – Construção Unipessoal, L.da veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30.05.2016, pelo qual foi indeferida a produção de prova testemunhal requerida na providência cautelar que intentou contra o Município do Porto, para suspensão da eficácia e no despacho do Vereador do Urbanismo, datado de 02.03.2016 pelo qual foi ordenado o embargo da obra levada a cabo pela Requerente, ora Recorrente, na Rua do A..., no Porto,

Intentou, na mesma peça processual, RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, com a mesma data, pela qual foi indeferida a requerida providência cautelar.

Invocou para tanto, em síntese, que: a) quanto ao despacho recorrido: não está minimamente fundamentado o indeferimento da produção de prova testemunhal pelo que viola o artigo 118° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e também o artigo 154° do Código de Processo Civil; a produção de prova era no caso indispensável para o apuramento de matéria facto controvertida, relevante e indispensável para uma decisão justa, pelo que a sua preterição traduz uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e os artigos 2°, 7°, 7°-A, 8°, 87°, n° 1, 118°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 410°, 411°, 412°, 413°, 414°, 445°, 607° do Código de Processo Civil; o referido despacho é ainda nulo atento o artigo 615°, n° 1 alínea b) do Código de Processo Civil, com as legais consequências; houve, por conseguinte, a omissão de um acto e formalidade que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, o que, gera nulidade, que expressamente se invoca nos termos do artigo 195° do Código de Processo Civil e incorreu ainda em omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da sentença recorridos (artigo 615° n° d) do Código de Processo Civil); b) quanto à sentença: verificou-se erro e insuficiência no julgamento da matéria de facto; houve erro no enquadramento jurídico dos factos, violando o disposto no artigo 120°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 102°-B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido quer quanto ao despacho quer quanto à sentença recorridos.

Foi proferido despacho de sustentação, a defender a inexistência de qualquer nulidade das decisões recorridas.

O Relator emitiu despacho a anunciar o projecto de decisão no sentido de negar provimento ao primeiro recurso, do despacho que recusou a produção de prova testemunhal, e conceder provimento ao recurso, da sentença que indeferiu a providência cautelar.

A Recorrente e o Ministério Público junto deste Tribunal manifestaram a sua concordância com o projecto de decisão.

O Recorrido manifestou ser contrário ao projecto de decisão.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

São estas as conclusões das alegações que definem o objecto dos presentes recursos jurisdicionais:

1. O despacho recorrido não cumpre as exigências legais, na medida em que não se mostra devidamente fundamentado pois não permite perceber as razões pelas quais a prova requerida se mostra claramente dilatória, desnecessária, assente ou irrelevante, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção de prova testemunhal, o que tornava imprescindível essa fundamentação.

2. A prova testemunhal requerida pela Recorrente visa a prova dos factos constantes, nomeadamente, dos artigos 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26° e 27° da petição inicial, os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nos documentos juntos aos autos e ao processo instrutor, para além de que até contradizem elementos / informações documentais.

3. O Tribunal a quo não fez correcta aplicação da lei porquanto atendendo às questões em causa e aos factos invocados pela Recorrente na sua petição inicial, a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente, revela-se indispensável para a correcta decisão do pleito e para a garantia do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.

4. A norma em causa (118° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) não diverge, na essência, da norma contida nos artigos 410° e 411° do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil), ou seja, a recusa da produção de prova pelo juiz só pode ocorrer quando seja manifestamente impertinente ou dilatória, o que não é o caso, nem foi fundamentado.

5. O despacho recorrido não fundamenta minimamente o seu juízo sobre a desnecessidade de prova, sendo certo que não invoca que a prova é manifestamente desnecessária, impertinente ou dilatória, o que, em qualquer caso, não se verifica no caso dos autos, ou seja, o despacho recorrido não fundamenta minimamente o juízo absolutamente conclusivo que nele é feito sobre a suficiência da prova, não permitindo ao seu destinatário compreender o itinerário valorativo e cognoscitivo contido em tal decisão, o que, no entender da ora Recorrente, viola claramente o artigo 118° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e também o artigo 154° do Código de Processo Civil.

6.As normas processuais não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com este direito à prova constitucionalmente garantido, restringindo-se ao máximo as limitações ao direito em causa.

7. O entendimento subjacente ao despacho recorrido - ou seja, de que a interpretação e aplicação do artigo 118°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, permite a dispensa de prova testemunhal requerida pela ora Recorrente (e de forma discricionária) - constitui uma violação profunda do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados nos artigos 20°, n.°s 1 e 4 e 268°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

8. A produção de prova testemunhal e ou outra, eram e são essenciais para a descoberta da verdade material e a realização da Justiça, não restam dúvidas, portanto, que foram dados por assente factos sem que exista prova produzida que assim o permita (é o caso do ponto 8 da matéria de facto provada), tal como há factos controvertidos que carecem de prova, pelo que terá que se abrir o necessário e respectivo período de instrução, sob pena de os factos alegados pela Recorrente e as várias soluções plausíveis para as várias questões de direito que se levantam, ficarem prejudicadas, o que é uma violação insuportável do direito constitucional e comunitário à tutela jurisdicional efectiva.

9. Deve aquela decisão do Juiz do Tribunal "a quo" ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova, procedendo-se à selecção da matéria de facto, temas da prova e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 2°, 7°, 7°-A, 8°, 87°, n° 1, 118°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 410°, 411°, 412°, 413°, 414°, 445°, 607° do Código de Processo Civil, sendo que, o referido despacho é ainda nulo atento o artigo 615°, n° 1 alínea b) do Código de Processo Civil, com as legais consequências.

10. A subsistência de matéria de facto controvertida carecida de prova e a não admissão da realização dos actos instrutórios requeridos traduz-se numa violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas também, no plano internacional, na Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, vulgo Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Tratado da União Europeia, na Carta Direitos dos Direitos Fundamentais da União Europeia e reconhecido pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.

11. E, se dúvidas houver relativamente à interpretação a dar ao artigo 6° do Tratado da União Europeia e ao artigo 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, caberá ao Tribunal ordenar, ao abrigo do artigo 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, questionando-o se aqueles artigos deverão ser interpretados no sentido de não admitir, sob pena de violação do direito fundamental a um processo equitativo, que os órgãos jurisdicionais não permitam, em sede de instrução, que as partes ofereçam e realizem a prova requerida. E, ainda, por outro lado, qual a interpretação daqueles mesmos artigos no caso de o Tribunal dispensar a fase de produção de prova quando há factos controvertidos e ainda quando os factos a provar sejam essenciais e/ou indispensáveis ao apuramento de factos alegados pelas partes e que ainda não se considerem provados pela prova realizada até essa fase processual.

12. O Juiz "a quo" não proferiu qualquer despacho a indeferir a prova testemunhal que lhe fora requerida, quando o deveria ter feito e, para além disso, se houvesse proferido despacho naquele sentido, sempre o teria de fundamentar de modo a elucidar as partes sobre as razões pelas quais, no seu entender, se verificaria naquele caso concreto, uma putativa e "clara desnecessidade da prova requerida".

13. O Juiz "a quo" errou pois deveria ter sido aberto período de produção de prova quanto à matéria de facto vertida nos artigos 3° a 25°, 38° a 42°, 44°, 45°, 46°, 48°, 52° a 56°, 61°, 62°, 63°, 65°, 74° a 77°, 85°, 86°, 88°, 89°, 92°, 93°, 94°, 96°, 97°, 101°, 102°, 105°, 109°, 112° a 115°, 117°, 119°, 120° a 126°, 135° a 141° da petição inicial, matéria que é relevante para a boa decisão da causa e apreciação e boa decisão da matéria apreciada na sentença recorrida.

14. No caso vertente, terá ocorrido um vício formal sancionado com nulidade, nos termos do artigo 195° do Código de Processo Civil, o qual se aplica subsidiariamente.

15. A falta ou insuficiente e deficitária fundamentação de um despacho que indefira ou que se pronuncie pela inadmissibilidade da prova testemunhal requerida, é sancionada com nulidade e não tendo havido lugar àquele meio de prova que foi requerido, nem a despacho fundamentado quanto à sua não admissão, o conhecimento integral da causa ficou, liminarmente, comprometido.

16. Houve, por conseguinte, a omissão de um acto e formalidade que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, o que, gera nulidade, que expressamente se invoca nos termos do artigo 195° do Código de Processo Civil e incorreu ainda em omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da sentença recorridos (artigo 615° n° d) do Código de Processo Civil).

17. Na douta sentença recorrida, o Juiz "a quo" deu por assente matéria de facto provada que não podia ter sido dada como provada e, por outro lado, haveria a necessidade de produzir prova quanto à matéria relevante controvertida que acima já se disse e que por maior facilidade de exposição se dá aqui por integralmente reproduzida.

18. O Juiz "a quo" sustentou a sua decisão em factos que não deu como provados.

19. No ponto 8 dos factos provados deu-se por provado, com base no documento de fls. 19 do processo administrativo que "Pelo oficio n° I/2 9394/16/CMP, foi a Requerente notificada do seguinte. ...".

20. O Juiz "a quo" não podia ter dado como provado que a Recorrente foi notificada desse oficio e do teor do mesmo e em face disso, deve o ponto 8 da matéria de facto provada ser alterado passando a ter a seguinte redacção:

8) A Recorrida elaborou o ofício n° I/29394/16/CMP cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21. E, na matéria de factos a provar deveriam ficar a constar os seguintes temas de prova:

1. Saber se a Requerente foi notificada e quando para exercer o direito de audiência prévia.

2. Saber quais as obras que estavam a decorrer aquando do auto de embargo.

3. Saber se essas obras embargada carecem de licença de construção.

4. Saber se essas obras faziam parte das obras a embargar.

5. Saber se essas obras embargadas constavam do projecto de reconstrução/ampliação.

6. Saber quais os prejuízos para a Recorrente com o embargo da obra.

7. Saber quais os prejuízos para o interesse público com a suspensão do embargo.

22. Sobre estes temas da prova deveria abrir-se produção de prova, na medida em que, é matéria que carece de prova testemunhal.

23. Na sentença recorrida o Juiz "a quo" incorreu em erro de julgamento seja na determinação da matéria de facto provada seja ainda porque não indicou matéria relevante a provar controvertida e que carece de produção de prova.

24. Na douta sentença recorrida não se apreciou a verificação ou não dos demais pressupostos do artigo 120°, n°1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (periculum in mora, ponderação de interesses) incorrendo, assim em omissão de pronúncia, a qual gera nulidade da sentença que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais. (artigo 615° do Código de Processo Civil).

25. O Juiz "a quo" errou na apreciação e julgamento que fez quanto à matéria de facto e à matéria de direito.

26. O n° 1 do artigo 120° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos referindo-se ao fumus boni iuris diz que as providências cautelares são adoptadas quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.

27. O Juiz "a quo" entendeu que o vício de ausência de audiência prévia não se verifica porque parte de um erro na apreciação da matéria de facto (como acima já se assinalou), assumindo que houve uma notificação, sem que exista prova dessa notificação, ora, uma vez corrigido esse erro de apreciação, a existência do vício de ausência da audiência prévia ganha outra dimensão e a probabilidade da acção principal ser procedente é maior.

28. A acção principal foi tempestivamente interposta, as partes têm legitimidade e para além da preterição da audiência prévia invocada a Recorrente, para o preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris, invoca ainda os seguintes vícios geradores de nulidade/anulabilidade:

I) A violação do artigo 102°-B do Regime Jurídico do Urbanismo e da Edificação (e 11°, n° 7 do mesmo diploma).

II) A ausência de fundamentação porque, a existir alguma, o que não se aceita, sempre se dirá que a mesma é obscura, insuficiente e contraditória o que, para os devidos efeitos legais equivale a falta de fundamentação (artigo 125°, n° 2 do anterior Código de Procedimento Administrativo; 151°, 152° e 153° do Código de Procedimento Administrativo; 268°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa);

III) A preterição de formalidades essenciais;

IV) A incompetência;

V) O desvio de poder;

VI) O erro nos pressupostos de facto e de direito;

VII) A violação dos princípios administrativo-constitucionais da imparcialidade, necessidade, proporcionalidade, legalidade, proibição do arbítrio e boa-fé, da boa administração, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, da colaboração e da participação (artigos 5°, n° 2, 3°, 4° e 6°-A do anterior Código de Procedimento Administrativo) (artigos 3°, n° 1, 4°, 5°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 60° do Código de Procedimento Administrativo);

VIII) A inconstitucionalidade ou ilegalidade por violação do disposto nos artigos 2°, 3°, n°s 2 e 3, 12°, 117°, 235°, n° 2 e 266°, 268°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa.

29. O Juiz " a quo" na apreciação dos vícios apontados ao acto administrativo está limitado a uma apreciação sumária ou perfunctória, pois, pretende-se evitar a antecipação sobre o juízo final da causa o qual deve ser decidido em sede de acção principal e não no âmbito cautelar, caso contrário, o processo principal seria inútil e teria o seu papel reduzido à mera confirmação.

30. O Juiz "a quo" numa análise sumária e perfunctória jamais poderia concluir pela inexistência de quaisquer vícios, aliás, a matéria relativa aos vícios do acto administrativo é de grande complexidade, não é pacífica na Doutrina e Jurisprudência e exige do Julgador pesquisa e estudo aturado da matéria, para além de uma apreciação de prova testemunhal que nesta fase foi ignorada.

31. E, nessa medida, não se pode dizer que estejamos perante uma situação onde não haja um mínimo de evidência dos referidos vícios, logo, o Juiz "a quo" violou o disposto no artigo 120°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

32. No caso em concreto percebe-se que há uma grande probabilidade de na acção principal se demonstrar verificado pelo menos um dos vícios, logo, a sentença recorrida errou a julgar por não verificado o requisito do fumus boni iuris.

33. À luz do artigo 102°-B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação para haver possibilidade de embargo é preciso que as obras que estejam a ser executadas careçam de licença ou comunicação prévia, ora, as obras que estavam a ser executadas e que foram embargadas são pequenas obras interiores que não carecem nem de licença, nem de comunicação prévia (muito embora até exista comunicação prévia).

34. As obras que careciam de licença (as obras de ampliação e de alterações estruturais e de reconstrução) essas, como se lê no auto de embargo, já estavam concluídas e apenas decorriam pequenas obras interiores no r/c e na cave.

35. Não estão preenchidos os pressupostos do artigo 102° B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e como tal é o embargo ilegal.

36. A obra que a Recorrida pretendia embargar em Janeiro de 2016 e que consta da informação dos factos provados em 7 não é a obra de Março de 2016, portanto em Janeiro de 2016 foi ordenado um embargo mas só foi executado pela Recorrida, dois meses depois, ou seja, nesse período de tempo a obra a embargar já estava concluída, logo, nada havia a embargar (como se percebe do auto de embargo).

37. A Recorrida, embargou outras obras, sendo que essas obras não eram ilegais e não eram as obras que a Recorrida ordenou embargar.

38. O Juiz "a quo" erra uma vez mais, pois admitindo a hipótese que as obras estavam concluídas à data do embargo, não conclui pela inutilidade, inidoneidade e ilegalidade do embargo (em violação do artigo 102°-B Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação).

39. A Recorrida ao usar o embargo total, socorreu-se de um meio inidóneo, mas também de um meio de tutela desproporcional, desadequado e excessivo.

40. A Recorrida faz claramente uma utilização ilegal da figura do embargo quando à data do mesmo já nada havia a acautelar nessa matéria e à luz dos instrumentos legais outras medidas, mais adequadas, seriam aplicáveis ao caso. Ao decretar o embargo total da obra sem que se verifiquem os pressupostos legais do artigo 102°-B e 103° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a entidade Recorrida violou aqueles normativos ferindo aquele acto de embargo de nulidade.

41. No caso, não há dúvidas e aliás consta do próprio auto de embargo que estava concluída toda a parte estrutural, paredes exteriores e interiores, acrescento de pisos, demolições.

42. É, evidente o erro de julgamento em que incorreu o Juiz "a quo" ao proferir a sentença recorrida, por entender, não preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.

43. A sentença do Tribunal de 1ª Instância de que ora se recorre viola desta forma o artigo 120°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 102°-B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e incorreu em erro de julgamento tanto na matéria de facto como de direito.
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1. O recurso do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal.

1.1. A nulidade do despacho; a nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia ou omissão da prática de um acto imposto por lei.

Apenas padece de nulidade a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.09.2007, recurso 059/07).

No caso, o despacho recorrido, proferido imediatamente antes da sentença e na mesma peça escrita, tem o seguinte teor:

“As partes solicitaram a produção de prova testemunhal, indicada a fls. 26 (no verso) e a fls. 75 do suporte físico do processo.

Nos termos do disposto no art.º 118.º, n.º 5, do CPTA, “mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios”.

Compulsado o processo, constata-se que os factos com relevância para a decisão da causa já se mostram assentes em face da prova documental produzida nos autos e que consta do processo administrativo.

Pelo exposto, indefere-se a produção da prova testemunhal requerida”.

O despacho tem, como se vê, fundamentação; e tem a fundamentação essencial e suficiente, indicando a norma aplicável e a circunstâncias dos factos relevantes estarem comprovados por documentos.

Por ilação natural se retira que os factos considerados relevantes e que estão documentados são os que a seguir se alinham na sentença recorrida, remetendo, como meio de prova, para os documentos dos autos.

Poderá discordar-se deste entendimento.

O que não se pode, de todo, é dizer que a recusa de produção de prova testemunhal não está, no caso, devidamente fundamentada.

Termos em que improcede esta arguição da nulidade prevista nos artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil.

1.2. O acerto do despacho.

A Recorrente sustenta que a prova testemunhal requerida pela Recorrente visa a prova dos factos constantes, nomeadamente, dos artigos 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26° e 27° da petição inicial, os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nos documentos juntos aos autos e ao processo instrutor, para além de que até contradizem elementos e informações documentais.

Vejamos.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.06.2008, no processo n.º 01507/07.4 BRG, citado pelo acórdão deste mesmo Tribunal, a relatar na sessão de hoje, 07.10.2016, no processo 327/16 CBR:

“Cumpre ao julgador, por conseguinte, e uma vez apresentado rol de testemunhas com a petição inicial, ponderar se a produção desta prova pessoal é ou não indispensável para o apuramento da matéria de facto pertinente. (...)

“Importa sublinhar, a propósito e com interesse, que o legislador concebeu as providências cautelares como medidas de natureza instrumental e provisória, tramitadas em processo de caráter sumário, adequado à celeridade necessária à efetivação da tutela em causa” (

Só será necessário, em providência cautelar, produzir prova testemunhal que, pela sua natureza, torna mais demorado o processo, se for de todo indispensável para um juízo meramente perfunctório sobre factos essências à decisão cautelar.

Sob pena de desvirtuamento da própria providência cautelar, transformando-a em processo principal, fora das situações, muito excepcionais, em que é permitido o julgamento do processo principal na providência cautelar.

Dito isto, vejamos em concreto a matéria de facto que a Requerente queria sujeita a prova testemunhal, negada pelo despacho recorrido.

Os artigos 4º, 6º, 14º, 18º a 21º, 23º e 25º estão claramente provados por documentos, juntos pela própria Requerente, sem que a sua genuinidade e autenticidade tenham sido postos em causa, pelo contrário, dado que quase todos esses documentos são informações elaborados pelos serviços do Requerido - documentos 1 a 3, 7 a 11 do requerimento inicial.

Tendo em conta os simples indícios que são necessários, e não a prova cabal, para efeitos da providência cautelar, os documentos são prova bastante.

O artigo 3º - que menciona o estado de degradação do edifício quando foi adquirido, em Agosto de 2015 - embora surja impugnado no artigo 59º da oposição, em bom rigor não é concretamente negado pelo Requerido que afirma apenas desconhecer tal facto, apesar de o dever conhecer pela fiscalização que ali fez para efeitos do processo de limpeza e conservação do edifício. E aparece suficientemente indiciado na escritura de compra e venda – documento junto como n.º 6 - onde é referido (parte final) que foi exibida uma declaração “com o número SCE108683026, emitida pela entidade competente em 30 de Julho de 2015 pelo qual verifiquei que o prédio urbano ora alienado foi classificado para efeitos de certificação energética como edifício em ruína pelo que nos termos da alínea f) do artigo 4º do Decreto-lei n.º 118/2013 de 20 de Agosto está excluído do sistema de certificação energética”.

O facto constante do artigo 4º - a Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a construção civil, a engenharia, compra, venda e arrendamento de imóveis, bem como a revenda e promoção imobiliária - consta já do ponto 2) dos factos provados. Apenas não consta que tem o capital social de 150.000 euros. Mas este facto está documentado – documento 7 junto com o requerimento inicial.

O artigo 5° que refere que o único sócio da Requerente investiu todas as economias na aquisição e o seu agregado depende da actividade do requerente, não mostra relevo para o caso, pois diz respeito a pessoas que não são parte no processo e na ponderação dos “interesses, públicos e provados em presença” (artigo 120º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) bastam os factos relativos à própria empresa que estão documentados (documentos 6, 7, 28 e 29 da petição inicial).

O facto constante do artigo 7º - a Requerente comprou o imóvel para o vender, no exercício da sua actividade – pode considerar-se indiciariamente provado pelo documento 7 junto com a petição inicial.

O facto constante do artigo 8º - o edifício tinha 4 pisos acima da cota de soleira e era anterior a 1951 – também não foi especificamente negado pelo Requerido e está indiciariamente provado pelos documentos juntos aos autos, em concreto a escritura de compra e venda junta como documento n.º 6 e os relativos ao processos de licenciamento da ampliação e de limpeza e recuperação do imóvel, bem como o documento superveniente junto em 19.09.2016, com a pronúncia da Requerente sobre o projecto de acórdão deste Tribunal, o parecer favorável dos serviços do município ao pedido de licenciamento de obras de ampliação do seu edifício (informação de 05.08.2016).

O artigo 9º - a Requerente começou por limpar a fachada e obras no interior fazendo a comunicação prévia – está comprovado pelos documentos relativos à comunicação prévia n.º 147937/15/CMP e, sendo, ou devendo ser, os factos constantes desta comunicação do conhecimento do Requerido, devem ter-se por aceites.

O artigo 10º - o prédio estava em risco de ruína quando a Requerente deu entrada ao processo de licenciamento das obras de ampliação, a que foi dado o n.º 98187/15/CMP - está indiciariamente provado pela escritura junta como documento n.º 6, pelos documentos relativos ao pedido de licenciamento, e, sendo, ou devendo ser, os factos constantes desta comunicação do conhecimento do Requerido, devem ter-se por aceites, bem como pelo documento superveniente.

Os artigos 11º, 12º 13º - as alterações e ampliações foram acompanhadas pelos serviços da Câmara Municipal do Porto e o que fez respeita o que lhe foi sendo transmitido pelo município no processo de licenciamento – à parte a conclusão do respeito pelas indicações dos serviços competentes, apenas se pode considerar indiciado o que consta dos autos elaborados pelos serviços do município, pois, tratando-se da actividade de fiscalização do município e de factos atinentes a essa fiscalização apenas o que consta dos autos é relevante – artigo 64º do Código de Procedimento Administrativo – sem prejuízo da arguição da respectiva falsidade, o que não é o caso.

Os artigos 15º e 17º - os funcionários que acompanhavam o processo relativo à limpeza do interior e fachada desconheciam o processo de licenciamento e o Vereador que ordenou o embargo não conhecia ou não ponderou esse pedido de licenciamento – são factos que não se podem considerar indiciados, pelo contrário, pois consta do auto de embargo a referência quer à comunicação prévia das obras de conservação e limpeza quer o pedido de licenciamento das obras de ampliação – documentos junto como n.ºs 1 a 4 à petição inicial.

O artigo 16º - onde se menciona que a existência de dois processos, um de licenciamento e outro de recuperação e limpeza do prédio, potencia confusões - não acrescenta nada à matéria de facto alegada, antes é meramente conclusivo.

O artigo 22º - que, para além de mencionar uma norma do regulamento municipal, confronta o teor de uma informação e da notificação feita à Requerente para aí detectar uma contradição – além da matéria de direito e da remissão para o conteúdo de documentos dos autos, apenas contém matéria conclusiva.

Os artigos 24º, 26º e 27º - não foram notificados as propostas de despacho nem os despachos referidos nas informações I/72481/16/CMP, de 04.03.2016, e I/65950/16/CMP, de 29.02.2016, para efeitos de audiência prévia nem há documento a dispensar esta diligência – estão reconhecidos pelo Requerido, pois, sendo, ou devendo ser, do seu conhecimento pessoal, não foram especificamente impugnado – ver artigo 59º da oposição.


Não se impunha, por isso, produzir qualquer prova testemunhal face à suficiência, para os termos sumários e perfunctórios da providência cautelar.

Termos em que, por ter decidido com acerto, se mantém o despacho que recusou a produção de prova testemunhal requerida pelo ora Recorrente.

Decisão esta que não violou, antes respeitou o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos do Requerente, consagrado nos artigos 20°, n.°s 1 e 4 e 268°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dentro do quadro legal do processo civil e do processo nos tribunais administrativos que o legislador ordinário entendeu criar, em particular, no respeito pelas normas constantes dos artigos 2°, 7°, 7°-A, 8°, 87°, n° 1, e 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e dos artigos 154º, 410°, 411°, 412°, 413°, 414°, 445° e 607°, estes do Código de Processo Civil.

E, não se justificando a produção de prova testemunhal nenhuma nulidade - por omissão de pronúncia ou omissão da prática de acto processual que se impusesse - se verifica.

Termos em que improcede a arguição da nulidade previstas no artigo 615º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil, e no artigo 195° do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente.

Sem qualquer necessidade de reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por não suscitar especiais dúvidas a interpretação destas normas e a sua aplicação ao caso concreto, bem como a interpretação a dar ao artigo 6° do Tratado da União Europeia e ao artigo 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

*
2. O recurso da sentença.

2.1. A nulidade da sentença.

Refere a Recorrente, na conclusão 24ª das suas alegações:

“Na douta sentença recorrida não se apreciou a verificação ou não dos demais pressupostos do artigo 120°, n°1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (periculum in mora, ponderação de interesses) incorrendo, assim em omissão de pronúncia, a qual gera nulidade da sentença que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais. (artigo 615° do Código de Processo Civil).

Mas sem razão nesta parte.

Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de 1995), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea b), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.

A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 659º e 660º do Código de Processo Civil de 1995).

Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).

No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.

Ora no caso a sentença tinha de se pronunciar sobre os pressupostos da suspensão da eficácia do acto, previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Mas na própria sentença se concluir, a final:

“Em face de todo o exposto, impõe-se concluir no sentido de que claudica a providência por falta da aparência do bom direito, na sua formulação positiva, resultando prejudicado o conhecimento dos demais requisitos cumulativos para o seu decretamento, nomeadamente o periculum in mora e a ponderação de interesses, o que determina o indeferimento do peticionado.”

Ou seja, conheceu-se do pressuposto “aparência do bom direito”, concluindo-se não existir este pressuposto.

E não se omitiu, pura e simplesmente o conhecimento dos demais pressupostos do pedido. Deliberadamente não se conheceu por se considerar prejudicado esse conhecimento.

De acordo, aliás, com a jurisprudência pacificamente firmada a este propósito: os requisitos ou pressupostos constantes do referido artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos são de verificação cumulativa: basta não se verificar um para o pedido ser indeferido pelo que, concluindo-se não se verificar um, inútil se torna apreciar se se verificam ou não os demais.

Pode constatar-se – e constata-se - erro quanto à não verificação do requisito “aparência do bom direito”.

O que não se pode concluir, de todo, é pela verificação de nulidade, por omissão de pronúncia na decisão recorrida.

Termos em que improcede esta arguição.

2.2. A matéria de facto.

Refere a Recorrente, no ponto 19º das suas conclusões que:

“No ponto 8 dos factos provados deu-se por provado, com base no documento de fls. 19 do processo administrativo que "Pelo oficio n° I/2 9394/16/CMP, foi a Requerente notificada do seguinte ....".

Para depois concluir, na 20ª conclusão:

“O Juiz "a quo" não podia ter dado como provado que a Recorrente foi notificada desse oficio e do teor do mesmo”.

E tem logo aqui razão.

Nenhum documento junto aos autos comprova que a Requerente foi notificada: Apenas que foi elaborado o ofício para notificação, a respectiva data e teor.

Devendo por isso ser alterado o ponto 8 da matéria de facto indiciada.

A Recorrente defende ainda que da matéria de factos a provar deveriam ficar a constar os seguintes temas de prova (conclusão 21ª):

1. Saber se a Requerente foi notificada e quando para exercer o direito de audiência prévia.

2. Saber quais as obras que estavam a decorrer aquando do auto de embargo.

3. Saber se essas obras embargada carecem de licença de construção.

4. Saber se essas obras faziam parte das obras a embargar.

5. Saber se essas obras embargadas constavam do projecto de reconstrução/ampliação.

6. Saber quais os prejuízos para a Recorrente com o embargo da obra.

7. Saber quais os prejuízos para o interesse público com a suspensão do embargo.

Quanto ao “tema” 3 trata-se de matéria de direito e não de matéria de facto, a provar.

No que diz respeito ao “tema” 6, saber quais os prejuízos que o Requerente sofrerá com a imediata execução do acto, reconduz-se a outros factos para além dos que pretende ver aditados, invocados na petição inicial e suficientemente documentados.

Em documentos cuja genuinidade e autenticidade não foi posta em causa pelo Requerido e que, para efeitos meramente perfunctórios, satisfazem as exigências de prova.

São os factos articulados no requerimento inicial: sob o n.º 180º, o lucro da Requerente no ano transacto; sob o n.º 189º, os prejuízos, verificados e previsíveis com a manutenção do embargo; e sob o n.º 203º, a previsível insolvência da Requerente até ao final de 2016 (documento junto como n.º 29).
Quanto ao “tema” 7 também se trata de matéria conclusiva, uma ilação a retirar do próprio conteúdo do acto suspendendo.

Quanto ao resto, e como vimos, não se impõe produzir prova testemunhal sobre os factos relevantes atinentes a estes “temas de prova” porque estão suficientemente indiciados e, por isso, deverão ser acrescentados à matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, dada a sua relevância para a decisão do pedido cautelar.

São os factos que constam nos artigos 3°, 4°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 14°, 18°, 19°, 20°, 21°, 23°, 24°, 25°, 26° e 27° da petição inicial.

Quanto aos factos constantes dos artigos 11º, 12º e 13º tem relevo apenas o teor e conteúdo dos autos de fiscalização e embargo – documentos 1 a 4 do requerimento inicial.

Acrescenta ainda a Recorrente, na conclusão 13ª, que o Juiz "a quo" errou pois deveria ter sido aberto período de produção de prova quanto à matéria de facto vertida nos artigos 3° a 25°, 38° a 42°, 44°, 45°, 46°, 48°, 52° a 56°, 61°, 62°, 63°, 65°, 74° a 77°, 85°, 86°, 88°, 89°, 92°, 93°, 94°, 96°, 97°, 101°, 102°, 105°, 109°, 112° a 115°, 117°, 119°, 120° a 126°, 135° a 141° da petição inicial.

Tirando, no entanto, a matéria dos artigos 3º a 25º da petição inicial, já analisada, tudo o resto é mero enquadramento jurídico dos factos, conclusões e juízos de valor feitos pelo Recorrente que nada acrescenta a matéria fixada na decisão recorrida e a que agora se adita.

Importa ainda aditar o seguinte facto superveniente, invocado – e sumariamente provado pela Recorrente no documento junto em 19.09.2016 com a sua pronúncia sobre o projecto de acórdão deste Tribunal – com relevo para a decisão do pedido cautelar: a informação I/236255/16/CMP, de 05.08.2016, da qual resulta o parecer “Favorável” ao pedido de licenciamento das obras que a Requerente pretende levar a cabo – artigo 662º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigos 1º e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Termos em que se julgam suficientemente indiciados os seguintes factos com relevo:

Constantes da decisão recorrida:

1) Por escritura pública lavrada em 14.08.2015 no Cartório Notarial do Porto, a Requerente adquiriu, pelo preço de 190.000 € (cento e noventa mil euros), o prédio urbano, composto de casa de cinco pavimentos e quintal, sito na Rua do A..., n.º 166, da união de freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, do concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 83 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2100, com o valor patrimonial de 137.350 € (cento e trinta e sete mil, trezentos e cinquenta euros) (cfr. documentos de fls. 40, no verso, a 44 do suporte físico do processo).

2) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas cujo objecto social consiste na construção civil, engenharia, compra e venda e arrendamento de imóveis, revenda e promoção imobiliária (cfr. documento de fls. 44, no verso, e 45 do suporte físico do processo).

3) A Requerente apresentou pedido de licença administrativa para a realização de obras de alteração e ampliação do prédio acima referido, tendo em vista a sua adaptação para habitação multifamiliar, mantendo o comércio ao nível do r/chão e cave, com o acrescento de três pisos aos já existentes acima da cota da soleira e reconstrução de todo o interior do edifício (cfr. documento de fls. 10 a 12 do processo administrativo apenso).

4) Ao processo de licenciamento acima identificado foi atribuído o n.º 98187/15/CMP (cfr. documento de fls. 10 a 12 do processo administrativo apenso).

5) Em 05.11.2015 foi elaborada a informação técnica n.º I/190025/15/CMP, pela qual foi emitido parecer desfavorável à concessão da licença requerida, por desconformidade das obras com o Regulamento do Plano Director Municipal do Porto e com o Código Regulamentar do Município do Porto (cfr. documento de fls. 10 a 12 do processo administrativo apenso).

6) Em 12.12.2015 a Requerente apresentou no Balcão de Atendimento Virtual da Câmara Municipal do Porto uma comunicação de início de trabalhos de limpeza de interiores e limpeza de fachadas do prédio referido em 1), processo ao qual foi atribuído o n.º 147937/15/CMP (cfr. documento de fls. 1 do processo administrativo apenso).

7) Em 20.01.2016 foi elaborada a informação n.º I/17650/16/CMP no âmbito do processo identificado no ponto anterior, que mereceu despacho de concordância da Directora do Departamento Municipal de Fiscalização em 22.01.2016, e da qual consta o seguinte:

“Assunto: Proposta de promoção de audiência prévia da intenção de ordenar o embargo das obras ilegais e a realização dos trabalhos de correção/alteração da obra

1. Caracterização do processo

1.1 Descrição sucinta do historial do processo

1.1.1 O presente processo foi iniciado em 15/12/2015.

1.1.2 Por comunicação, do proprietário, de início de trabalhos descritos como ‘limpeza de interiores e limpeza de fachadas’.

1.1.3 Na sequência foi agendada uma inspeção ao local no dia 11/01/2016.

(…)

1.3 Antecedentes processuais

Não foi possível detetar quaisquer antecedentes para a construção de raiz do imóvel em assunto, uma vez que o mesmo aparenta ser de construção anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

Licença n.º 128/1919 (construir montra).
Licença n.º 189/1937 (construir telheiro).
Processo n.º 98187/15/CMP em curso na DMGPU.
(…)

2. Descrição da Situação Atual

2.1 Inspeção ao Local

Foi promovida uma inspeção ao local para verificação da obra comunicada pelo requerimento 147937/15/CMP, tendo sido acompanhado pelo responsável da Pessoa Encarregada pela Execução dos Trabalhos, Eng.º JC, a qual ocorreu em 11/01/2016, pelas 11h e 30m, foi possível constatar:

2.1.1 Os trabalhos que decorrem no local não são os descritos na comunicação de início de trabalhos.

2.1.2 São visíveis no local a ocorrência de obras de ampliação e de alteração, sujeitas a licenciamento, cujo início dos trabalhos não foi comunicado ao município.

(…)

2.1.3 Confrontados os antecedentes no processo de licenciamento 98187/15/CMP, conclui–se que no local foram executadas obras de ampliação / alteração sem que o procedimento de autorização esteja concluído.

As obras, em fase de acabamentos, consistiram na ampliação com o acrescento de 3 pisos aos 3 pisos existentes acima da cota da soleira e reconstrução de todo o interior do edifício, com vista a adaptação para habitação multifamiliar, mantendo o comércio ao nível do r/chão e cave.

2.2 Enquadramento na legislação atualmente em vigor

2.2.1 Obras sujeitas a controlo prévio

Assim, a realização das obras descritas em 2.1.3 sem que tenha sido emitido alvará de obras é ilegal, por violar o disposto na alínea c) do número 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (…).

2.3. Inspeção ao Local

2.3.1 Por forma a verificar a conclusão dos trabalhos na fachada foi promovida nova inspeção ao local, a qual ocorreu em 20/01/2016, pelas 15h, verificando-se:

(…)

2.3.2 Os trabalhos da fachada aparentemente estão concluídos.

2.3.3 A inexistência de aviso publicitário em conformidade com o artigo 12.º do Decreto –Lei 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação (RJUE) da operação urbanística referida em 2.1.3.

(…)

2.5 Embargo

Da factualidade exposta resulta, ainda, que as obras supra descritas estão a ser executadas sem a necessária licença, pelo que estão reunidos os pressupostos para que seja determinado o seu embargo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 102.º -B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.

3. Proposta de Despacho

Face ao exposto, proponho que a Diretora do Departamento Municipal de Fiscalização determine a:

• Notificação da intenção de ordenar o embargo das obras ilegais, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 102.º-B do RJUE, devendo o interessado, no prazo de 10 dias úteis , pronunciar-se acerca do conteúdo do projeto de decisão nos termos dos artigos 121.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo na sua atual redação.

• Notificação da intenção de ordenar a realização dos trabalhos de correção / alteração da obra, que a seguir se transcrevem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 105.º do RJUE, ou a legalização das mesmas de acordo com o artigo 102.º -A do citado normativo, devendo o interessado, no prazo de 10 dias úteis, pronunciar-se acerca do conteúdo do projeto de decisão nos termos dos artigos 121.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo na sua atual redação.

Descrição dos trabalhos a realizar (demolição dos elementos constituintes da ampliação em altura dos três pisos)

(…)”

(cfr. documento de fls. 17 e 18 do processo administrativo apenso).

8) A Requerida elaborou o ofício n° I/29394/16/CMP, de 19.01.2016, dirigido à Requerente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:

“Assunto: Audiência prévia do interessado

Fica V. Ex.ª notificado, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 121.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo na sua atual redação, que é intenção desta Câmara ordenar o embargo das obras ilegais descritas na informação n.º I/17650/16/CMP, nos termos do disposto no artigo 102.º -B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), na sua atual redação.

Fica V. Ex.ª notificado, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 121.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo na sua atual redação, que é intenção desta Câmara ordenar a realização de trabalhos de correção/alteração da obra, descritos na informação n.º I/17650/16/CMP, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 105.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e do art.º 102.º-A do citado normativo.

Assim, dispõe V. Ex.ª do prazo de 10 (dez) dias úteis, contados da receção da presente notificação, para se pronunciar sobre esta proposta de decisão”

(cfr. documento de fls. 19 do processo administrativo apenso).

9) Em 29.02.2016 foi elaborada a informação n.º I/65950/16/CMP no âmbito do processo n.º 147937/15/CMP, da qual consta o seguinte:

“Assunto: Proposta de Embargo

(…)

2.2 Da audiência prévia de embargo

Com os fundamentos da informação I/17650/16/CMP de 20/01/2016, a empresa proprietária do imóvel foi notificada, em 29/01/2016, em sede de audiência prévia da intenção de o Município ordenar o embargo das obras ilegais e consequente realização dos trabalhos de correcção/alteração da obra (…).

Decorrido o prazo de dez dias úteis, até à presente data a notificada não se pronunciou sobre a proposta de decisão.

2.3 Do processo de licenciamento em curso na DMU (98187/15/CMP)

2.3.1 Por consulta aos antecedentes na DMU – Direção Municipal de Urbanismo, foi verificado que ao processo de licenciamento, registado em 01 de setembro de 2015 sob o NUD 98187/15/CMP, foi elaborado parecer desfavorável da DRCN à operação urbanística em curso.

(…)

2.5 Enquadramento na legislação atualmente em vigor

2.5.1 Obras sujeitas a controlo prévio

As obras, em fase de acabamentos, consistiram na ampliação com o acrescento de 3 pisos aos 3 pisos existentes acima da cota da soleira e reconstrução de todo o interior do edifício, com vista a adaptação para habitação multifamiliar, mantendo o comércio ao nível do r/chão e cave.

Assim, a realização das obras sem que tenha sido emitido alvará de obras é ilegal, por violar o disposto na alínea d) do número 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (…).

2.6 Embargo

Da factualidade exposta resulta, ainda, que as obras supra descritas estão a ser executadas sem a necessária licença, pelo que estão reunidos os pressupostos para que seja determinado o seu embargo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 102.º -B do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.

(…)

4. Proposta de Despacho

Face ao exposto, proponho que o Senhor Vereador com o Pelouro da Fiscalização e Proteção Civil:

• Determine o embargo das obras em curso, nos termos do disposto no n.º 1 d o art.º 102.º-B do RJUE por estarem a ser executadas sem a necessária licença”

(cfr. doc. de fls. 22 e 23 do processo administrativo apenso).

10) Em 02.03.2016 o Vereador com o Pelouro da Fiscalização e Proteção Civil, no uso de competência delegada pelo Presidente da Câmara conforme Ordem de Serviço n.º I/191721/13/CMP de 12/11/2013, proferiu o seguinte despacho:

“Ordeno o embargo nos termos da informação que antecede”

(cfr. documento de fls. 23 do processo administrativo apenso).

11) Em 03.03.2016 foi elaborado o auto de embargo das obras de ampliação e alteração do prédio em causa, do qual foi na mesma data notificada a Requerente (cfr. documento de fls. 24 e 25 do processo administrativo apenso).

12) Em 04.03.2016 foi elaborada a informação n.º I/72481/16/CMP no âmbito do processo n.º 147937/15/CMP, da qual consta o seguinte:

“Assunto: Embargo
(…)
2.1 Inspeção ao Local

2.1.1 No dia 03/03/2016, pelas 16h30m. foi efetuada uma visita ao local, tendo sido recebidos pelo senhor JDRDC, gestor da E... – Construção, Unipessoal, Lda., e na presença deste, foi verificado o seguinte ponto de situação:

Ao nível da cobertura, o último piso recuado encontra-se concluído. As obras de ampliação nos pisos 4, 3, 2, 1 encontram-se igualmente concluídas, no R/C, na zona do hall os compartimentos destinados às infraestruturas de água, eletricidade e comunicações encontram-se em situação de espera das ligações. As paredes interiores revestidas a gesso cartonado estão por pintar, o revestimento do pavimento está em bruto. Na cave foi construída uma estrutura metálica de suporte do pavimento superior. As paredes encontram-se por pintar.

OBS: O embargo das obras ao nível dos pisos superiores é extemporâneo, uma vez que as obras encontram-se concluídas.

(…)

2.4 Do processo de licenciamento em curso na DMU (98187/15/CMP)

2.4.1 Por consulta aos antecedentes na DMU – Direção Municipal de Urbanismo, foi verificado que ao processo de licenciamento, registado em 01 de setembro de 2015 sob o NUD 98187/15CMP, foi elaborado parecer desfavorável da DRCN à operação urbanística em curso.

A decisão que recair sobre tal processo configura-se como uma questão prévia relativamente ao processo de fiscalização aqui em apreço.

Atento ao disposto no ponto 2 do artigo B-1/43.º do Código Regulamentar do Município do Porto, encontram-se, deste modo, verificados pressupostos para que seja determinada a suspensão do presente procedimento.

Mais se informa que a suspensão do procedimento nos termos acima descritos não prejudica o normal tramitar do processo contraordenacional que eventualmente esteja a decorrer pelos factos ilícitos verificados (…).

3. Proposta de Despacho

Tendo o embargo da obra sido efetuado no dia 03/03/2016, dando cumprimento ao despacho do Exmo. Vereador com o Pelouro da Fiscalização e Proteção Civil, de 02/03/2016, propõe-se o seguinte procedimento:

• Deverá notificar-se o interessado (…) do ato de embargo e respetivo auto, de acordo com o n.º 6 do art.º 102.º-B do DL 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.

(…)

Mais se propõe que posteriormente às notificações realizadas, o presente processo de fiscalização seja suspenso, uma vez que decorre o pedido de licenciamento da obra de alteração / ampliação efetuada registado sob o NUD 98187/15/CMP”

(cfr. documento de fls. 26 e 27 do processo administrativo apenso).

13) Pelo ofício n.º I/77299/16/CMP de 09.03.2016, foi a Requerente notificada do despacho que ordenou o embargo total das obras em causa, acima referido (cfr. documento de fls. 28 do processo administrativo apenso).

14) Em 14.03.2016 a Requerente apresentou reclamação do embargo junto do Presidente da Câmara Municipal do Porto (cfr. documento de fls. 34 e 35 do processo administrativo apenso).

15) Em 14.08.2015 a Requerente celebrou com JMMSN e PNMSN um “contrato promessa de compra e venda” pelo qual aquela prometeu vender, e estes prometeram comprar, a fracção autónoma do prédio acima referido correspondente a uma loja no R/C e cave do edifício destinada a comércio, pelo preço de 190.000 € (cento e noventa mil euros), dos quais 60.000 € (sessenta mil euros) foram pagos, nessa data, a título de sinal (cfr. documento de fls. 29 a 32 do suporte físico do processo).

16) No ano de 2015 a Requerente procedeu à contratação, sem termo, dos trabalhadores JNR, JAOM e FMRM (cfr. documentos de fls. 46 a 48 do suporte físico do processo).

Factos a aditar face ao seu relevo para a decisão da providência e que estão sumariamente indiciados:

17) Aquando da aquisição, o referido imóvel estava em risco de ruína – documento n.º 6 junto com o requerimento inicial.

18) A Requerente tem o capital social de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros) – documento n.º 7 junto com o requerimento inicial.
19) A Requerente comprou o referido imóvel para o vender, no exercício da sua actividade – documento 7 junto com a petição inicial.

20) O edifício em causa tinha 4 pisos acima da cota de soleira e era anterior a 1951 – posição das partes, documento n.º 6 junto com o requerimento inicial, documentos dos processos de licenciamento da ampliação e de limpeza e recuperação do imóvel, em particular o documento junto pelo Requerente em 19.09.2016 (informação de 05.08.2016).

21) A Requerente começou por limpar a fachada e obras no interior fazendo a comunicação prévia – posição das partes e documentos relativos à comunicação prévia n.º 147937/15/CMP.

22)O prédio estava em risco de ruína quando a Requerente deu entrada ao processo de licenciamento das obras de ampliação, a que foi dado o n.º 98187/15/CMP – posição das partes, documento n.º 6 junto com o requerimento inicial e documentos relativos ao pedido de licenciamento, em particular o documento superveniente.

23) Não foram notificados as propostas de despacho nem os despachos referidos nas informações I/72481/16/CMP, de 04.03.2016, e I/65950/16/CMP, de 29.02.2016, para efeitos de audiência prévia nem há documento a dispensar esta diligência – confissão do Requerido.

24) Dão-se aqui por reproduzidos os documentos elaborados pelos Serviços do Requerido, juntos com o articulado inicial.

25) No ano transacto a Requerente apresentou o resultado positivo (lucro tributável) de 86.000 € (oitenta e seis mil euros) – documento junto como n.º29 com o articulado inicial.

26) O embargo e a sua manutenção origina para a Requerente prejuízos (devolução do sinal no contrato promessa, com trabalhadores, perda de lucro da obra e perda ou redução do valor comercial da obra por imparidade) no valor global de 930.000 € (novecentos e trinta mil euros) – documento junto como n.º29 com o articulado inicial.

27) A Requerente entrará previsivelmente em situação de falência em finais de 2016, a manter-se o embargo - documento junto como n.º29 com o articulado inicial.
Factos a aditar face ao documento superveniente:

28) Com a data de 05.08.2016 foi dada a informação I/236255/16/CMP, de 05.08.2016, da qual resulta o parecer “Favorável” ao pedido de licenciamento das obras que a Requerente pretende levar a cabo - documento junto em 19.09.2016 com a pronúncia da Recorrente sobre o projecto de acórdão deste Tribunal.

2.3. O enquadramento jurídico. Os requisitos do pedido de suspensão da eficácia do acto em apreço.

2.3.1. A existência de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação.

Determina a primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015, aplicável no tempo ao caso):

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” .

Quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Analisando a nossa situação concreta verificamos que, desde logo quanto a este requisito:

A Requerente comprou a totalidade do prédio por 190.000 euros – facto 1. Valor cuja imobilização, por si só, e de acordo com as regras de experiência comum, constitui um prejuízo grave para uma empresa tem por objecto a comercialização de imóveis e o capital social de 150.000 euros.

A acrescer a este prejuízo inerente à imobilização de património no valor de 190.000 euros, mostra-se o prejuízo em que se traduzirá a obrigação de restituir em dobro o sinal acordado no contrato de 14.08.2015 celebrado pela Requerente com JMMSN e PNMSN sobre a fracção autónoma do prédio acima referido, correspondente a uma loja no R/C e cave do edifício.

Sinal de 60.000 euros que, em dobro, ascenderá a 120.000 euros, valor muito próximo do capital social e cujo pagamento será irreversível por incumprimento do contrato promessa por facto imputável, para efeitos do contrato, ao promitente vendedor, ora Requerente.

Isto considerando apenas os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido.

Se atentarmos aos factos que se impunham aditar, apenas face à prova documental junta ao processo, e sem necessidade de prova testemunhal, então teremos de concluir pela existência de um dano irreversível pois a manutenção do embargo determinará previsivelmente a falência da Requerente até finais do corrente ano de 2016 e, com razoável certeza, o processo principal não estará decidido até lá.

Aqui chegados, coloca-se o argumento do Requerido, de que a Requerente, a ter prejuízos, os terá de imputar à sua própria conduta, de se ter colocado numa situação de ilegalidade.

É precisamente esse pressuposto da defesa do Requerido, que ataca o pressuposto do “fumus boni iurus” invocado pelo Requerente, que importa de seguida analisar.

O que nos conduz ao segundo pressuposto, apreciado em primeiro lugar na decisão recorrida e aí dado como não verificado.

2.3.2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).
A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) determina:

“ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

A decisão recorrida entendeu não se verificar a aparência do bom direito.

Mas, desde logo, a alteração do facto 8) dado como indiciariamente provado, no sentido de retirar desse facto a notificação da Requerente para efeitos de audiência prévia e dando apenas como indiciariamente provado que o ofício para esse efeito foi elaborado, torna desde logo muito provável a procedência do vício de preterição da audiência prévia.

E, de modo decisivo, o facto superveniente que a Requerente invocou e que agora se provou sob o n.º 29, aponta no sentido contrário da procedência total da acção:

“Com a data de 05.08.2016 foi dada a informação I/236255/16/CMP, de 05.08.2016, da qual resulta o parecer “Favorável” ao pedido de licenciamento das obras que a Requerente pretende levar a cabo - documento junto em 19.09.2016 com a pronúncia da Recorrente sobre o projecto de acórdão deste Tribunal”.

A Requerente, ora Recorrente, invocou os seguintes vícios, em síntese:

I) A violação do artigo 102°-B do Regime Jurídico do Urbanismo e da Edificação (e 11°, n° 7 do mesmo diploma).


II) A ausência de fundamentação porque, a existir alguma, o que não se aceita, sempre se dirá que a mesma é obscura, insuficiente e contraditória o que, para os devidos efeitos legais equivale a falta de fundamentação (artigo 125°, n° 2 do anterior Código de Procedimento Administrativo; 151°, 152° e 153° do Código de Procedimento Administrativo; 268°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa);

III) A preterição de formalidades essenciais;

IV) A incompetência;

V) O desvio de poder;

VI) O erro nos pressupostos de facto e de direito;

VII) A violação dos princípios administrativo-constitucionais da imparcialidade, necessidade, proporcionalidade, legalidade, proibição do arbítrio e boa-fé, da boa administração, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, da colaboração e da participação (artigos 5°, n° 2, 3°, 4° e 6°-A do anterior Código de Procedimento Administrativo) (artigos 3°, n° 1, 4°, 5°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 60° do Código de Procedimento Administrativo);

VIII) A inconstitucionalidade ou ilegalidade por violação do disposto nos artigos 2°, 3°, n°s 2 e 3, 12°, 117°, 235°, n° 2 e 266°, 268°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa.

Além do vício formal, da preterição da audiência prévia, de muito provável êxito, também se verificam vícios substanciais que determinam com muita probabilidade o êxito da acção principal.

Dos quais se destacam apenas os essenciais:

O vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, pois são os próprios serviços do Requerido a admitir, no processo de licenciamento das obras de ampliação (o processo próprio), que as obras podem (devem) ser licenciadas.

O vício de violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e legalidade, pois se as obras são licenciáveis não se justifica o embargo nos termos em que foi determinado e que implicam a paralisação da actividade da Requerente.

Termos em que se julga verificado este segundo pressuposto para a requerida providência.

2.3.3. A ponderação de interesses.

Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”
Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.
No caso concreto a Entidade Requerida não invoca, nem se vislumbra que possa sair prejudicado, qualquer interesse público, para além dos interesses públicos genéricos que subjazem às normas sobre construção e edificação urbana.

Termos em que, ponderando a eminente falência da Requerente e a inexistência de prejuízo grave para o interesse público, se impõe deferir a providência requerida - n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em:

1. NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO, mantendo o despacho que recusou a produção de prova.

Custas deste recurso pelo Recorrente.

2. CONCEDER PROVIMENTO AO SEGUNDO RECURSO, revogando a sentença recorrida e deferindo o pedido de suspensão de eficácia do acto em apreço.

Custas em primeira instância e deste segundo recurso pelo Recorrido.


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Porto, 07.10.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro