Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00611/08.6BEVIS - AVEIRO |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/04/2010 |
Relator: | Francisco Rothes |
Descritores: | CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL – CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE (SEGUNDA) - ART. 105.º, Nº 4, ALÍNEA B), DO RGIT - RECURSO DO ART. 80.º DO RGIT |
Sumário: | I - Pela alínea b) do n.º 4 do art. 105.º, do RGIT, o legislador veio adicionar uma segunda condição objectiva de punibilidade ao crime de abuso de confiança fiscal, prescrevendo que a não entrega da prestação tributária só será punível se não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito. II - À notificação efectuada ao abrigo dessa disposição legal não subjaz, pois, a aplicação de qualquer coima. III - Consequentemente, dessa notificação e da decisão que lhe está subjacente não cabe recurso judicial ao abrigo do art. 80.º do RGIT, meio processual adequado para impugnar a decisão administrativa que fez a aplicação de uma coima. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1.1 Na sequência das notificações que lhe foram efectuadas pelo 3.º Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira para pagar a quantia de € 29.951,39, ANTÓNIO MANUEL (adiante Recorrente) apresentou naquele serviço de finanças uma petição inicial, endereçada ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na qual disse vir recorrer judicialmente da decisão de aplicação da coima, «de harmonia com o disposto no artº 80 do RGIT» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.), com fundamento em prescrição do procedimento contra-ordenacional, em nulidade do processo de contra-ordenação e em «VIOLAÇÃO DO ARTº 114 DO RGIT». 1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, mediante despacho (() Despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO)), aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, e depois de notificada a Arguida e o Ministério Público nos termos do n.º 2 do referido art. 64.º (cf. o despacho de fls. 35).), proferiu decisão do seguinte teor: «Julgo totalmente improcedente o recurso interposto por António Manuel ». 1.3 Inconformado com essa decisão, António Manuel dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: NESTES TERMOS, e nos demais de direito doutamente supríveis por V. Exªs, deve o presente recurso ser recebido e a final ser considerado procedente e provado, com as legais consequências». 1.5 O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.6 Não foram apresentadas contra alegações. 1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Em suma, considerou que «[a] decisão administrativa em crise nos presentes autos, apesar de impropriamente ter sido denominada pela AT como decisão de aplicação de coima, não tem este carácter, constituindo antes uma mera notificação para o pagamento da prestação tributária em dívida, com vista ao preenchimento da condição de despenalização prevista no art. 105.º, n.º 4, b) do RGIT». 1.8 Colhidos os vistos dos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 1.9 As questões suscitadas pelo Recorrente são as de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que o acto que lhe foi notificado não é uma decisão administrativa de aplicação de uma coima e, consequentemente, quando não apreciou os fundamentos invocados no recurso judicial que interpôs daquela decisão. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 A sentença recorrida fez o julgamento de facto nos seguintes termos: « II. Fundamentação A - Factos provados Não ficam como não provados quaisquer factos que se mostrem relevantes à boa decisão da causa A decisão da matéria de facto faz-se com base em todos os documentos juntos aos autos pela credibilidade que merecem e uma vez que o seu conteúdo não foi, de modo algum, infirmado». «Assunto: NOTIFICAÇÃO efectuada nos termos do ofício n.º 4493596, datado de 2007/11/07, emitido pelos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Stª. M.ª da Feira NOTIFICAÇÃO Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com a redacção da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro Nos termos da legislação acima citada, fica notificado(a) para, no prazo de 30 dias, proceder junto do Serviço de Finanças da Feira – 3, ao(s) pagamento(s) da(s) coima(s) devida(s) pela prática de ilícitos que deram origem ao procedimento criminal supra referido – crime de Abuso de Confiança Fiscal previsto e punível nos termos do art.º 105.º do RGIT. O processo contraordenacional instaurado – n.º 373520030600308.7 encontra-se em fase de suspensão nos termos do art.º 74.º do RGIT – em conformidade com informação do próprio Serviço de Finanças. [segue-se transcrição do art. 105.º, n.º 1, alínea b), do RGIT]» (cf. cópias do ofício a fls. 15, 23 e 78); «Assunto: Pagamento de coima prevista no n.º 1 do artigo 114.º do RGIT Exmo. Senhor Fica por este meio notificado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da coima de 29.951,39 €, prevista no n.º 1 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, correspondente ao mínimo estabelecido por aquela disposição legal, em função da notificação recebida por V. Ex.ª através do ofício n.º 211751, de 13 de Dezembro de 2007, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 4 e do n.º 6 do artigo 105.º do RGIT, em resultado do montante do IVA não entregue em devido tempo ao Estado de 29.951,39 €, repartido pelos períodos 0103T 4.802,59 €, 0106T 12.142,45 €, 0109T 10.392,90 € e 0112T, de 2.613,45 €. Mais fica notificado de que o não pagamento da coima no prazo estabelecido implicará comunicação do facto à Direcção de Finanças de Aveiro, NIC – Núcleo de Investigação Criminal. Sobre este assunto se referiu o requerimento apresentado neste Serviço de Finanças por V. Ex.ª, em 10 de Janeiro de 2008. […]» (cf. cópias do ofício a fls. 9, 16 e 24). * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR No âmbito do inquérito crime que corre termos pelos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira para averiguar da responsabilidade criminal de António Manuel por falta de entrega de IVA foi solicitada a notificação do Arguido para os efeitos previstos no n.º 4, alínea b), do art. 105.º do RGIT. Efectuada tal notificação, António Manuel solicitou ao 3.º Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira que lhe indicasse o montante das «coimas devidas», pois que o ofício que lhe foi remetido para notificação era omisso a esse respeito, e aquele serviço de finanças, em resposta a essa solicitação, indicou-lhe o montante de € 29.951,39. Veio então António Manuel apresentar naquele serviço de finanças uma petição, dirigida ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, dizendo que vinha interpor recurso judicial da decisão de aplicação da coima «de harmonia com o disposto no artº 80 do RGIT» e pedindo a anulação da coima fixada. A Juíza daquele Tribunal considerou que António Manuel foi notificado para pagar, não uma coima que lhe tenha sido aplicada num processo de contra-ordenação, mas antes «o valor achado em cumprimento do disposto no art. 105º n.º 4 b) do Regime Geral das Infracções Tributárias», motivo por que o mesmo «não recorre de uma decisão administrativa de aplicação de uma coima […], mas antes de uma notificação ordenada no âmbito de um processo crime», pelo que o recurso não é admissível. No entanto, ao invés de rejeitar o recurso, que seria a consequência imposta pelo art. 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (aplicável subsidiariamente (() Por remissão sucessiva para o art. 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO)), aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT)), julgou o recurso improcedente. O recorrente insurge-se contra o decidido argumentando que lhe foi aplicada uma coima. * 2.2.2 DA CONDIÇÃO DE PUNIBILIDADE PREVISTA NO N.º 4, ALÍNEA B), DO ART. 105.º DO RGITO art. 105.º, do RGIT, que prevê o crime de abuso de confiança fiscal, no seu n.º 4, alínea b), que foi aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007), estabeleceu uma condição de punibilidade, para além da que já constava do n.º 4 na anterior redacção e que consta hoje da sua alínea a). Assim, o n.º 4 do art. 105.º do RGIT dispõe: «4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: Ou seja, o legislador veio adicionar uma segunda condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal, prescrevendo que a não entrega da prestação tributária só será punível se não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito. * 2.2.3 CONCLUSÕESPreparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões: I - Pela alínea b) do n.º 4 do art. 105.º, do RGIT, o legislador veio adicionar uma segunda condição objectiva de punibilidade ao crime de abuso de confiança fiscal, prescrevendo que a não entrega da prestação tributária só será punível se não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito. II - À notificação efectuada ao abrigo dessa disposição legal não subjaz, pois, a aplicação de qualquer coima. III - Consequentemente, dessa notificação e da decisão que lhe está subjacente não cabe recurso judicial ao abrigo do art. 80.º do RGIT, meio processual adequado para impugnar a decisão administrativa que fez a aplicação de uma coima. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente. * Após o trânsito, comunique aos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira (v. ofício de fls. 114). * Porto, 4 de Março de 2010 (Francisco Rothes) (Fonseca Carvalho) (Álvaro Dantas) |