Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02807/06.6BEPRT-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:REMESSA ELECTRÓNICA DE PEÇAS PROCESSUAIS
Sumário:I- Nos Tribunais Administrativos e Fiscais a transmissão electrónica de peças processuais, ou de documentos, deve ser feita através do formato rich txt format (rtf), portable document format (pdf), ou tagged image format (tif), estando ainda previsto que as peças processuais possam ser remetidas através de suporte físico. Neste caso devem ser posteriormente digitalizadas.
II- Se um requerimento ou uma peça processual pode ser apresentada em suporte físico, a sua apresentação por via electrónica, não pode ser rejeitada, só pelo facto de ter sido transmitido como documento (.doc), e não em formato pdf, rtf, ou ainda por imagem (tif) . Não está prevista tal cominação pela apresentação electrónica de peças processuais e documentos fora do formato previsto na lei.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:OGR
Recorrido 1:Estado Português e Infraestruturas de Portugal SA.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Notificado para a motivação do recurso vem referir que deve "ser negando provimento ao recurso".
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Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO
OGR e outros melhor identificados nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, data de 8 de Março de 2016 e que não admitiu requerimento de prova, na acção instaurada contra o Estado Português e Infraestruturas de Portugal.

Nas suas alegações refere o recorrente, em termos de conclusão:

I) É entendimento dos Recorrentes que o despacho do Mmo. Juiz recorrido de 08 de Março de 2016 andou mal quando não admitiu o rol de testemunhas nem os requerimentos de prova por si apresentados.

II) O argumento em que se estriba o despacho sindicado prende-se única e exclusivamente com o facto de o formato em que este requerimento probatório foi apresentado não ter assento legal.

III) Com ressalva por melhor entendimento, parece-nos que, contrariamente à previsão, por exemplo, do artigo 144.º, n.º 1 do C.P.C., o legislador ordinário, no âmbito da jurisdição administrativa, não impôs categoricamente – mas antes sugeriu, do ponto de vista indicativo – o formato pelo qual pode haver transmissão electrónica ou envio por correio eletrónico de peças processuais e documentos (artigo 2.º, n.º 3 da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro).

IV) De resto, e ainda que assim não fosse, no que não se concede, sempre se diria que a circunstância de não ter sido respeitado esse formato não era circunstância para por em crise o requerimento apresentado.

V) Prevalecer-se desse argumento, para não admitir o mesmo, seria por em causa a concretização da Justiça material no caso, em abono da Justiça formal, já que se limita, de forma categórica, efectiva e alargada a possibilidade da parte produzir prova, concretizando demonstrar os factos que em devido tempo alegou.

VI) Mais, o formato em questão do documento em que o requerimento probatório foi apresentado sequer é relevante, dado que de acordo com a certificação que acompanha o envio do mesmo (a par da assinatura qualificada do seu Signatário), vai atestado não só o seu envio, como a data e hora deste, bem como a integridade do seu conteúdo e anexos.

VII) Donde o receio inusitado do Tribunal recorrido sobre a manipulação do ficheiro em que o mesmo se materializa não tem cabimento, do ponto de vista material, dado que a partir do momento em que o mesmo é transmitido, por correio eletrónico, não mais pode ser alterado pela parte que o apresenta.

VIII) Facto que os Tribunais administrativos têm, ao longo dos tempos, tido oportunidade de assumir, já que não raras vezes solicitam – e bem – os ficheiros word dos articulados apresentados pelas partes.

A entidade recorrida, devidamente notificada, apresentou contra-alegações mas não apresentou conclusões.


O Ministério Público, notificado para a motivação do recurso vem referir, em jeito de conclusão que “nenhum reparo merece o despacho recorrido, que não padece de quaisquer dos vícios que lhe vêm assacados, razão por que deve ser integralmente mantido, negando-se provimento ao recurso, com o que se fará Justiça”.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento pelo Tribunal a quo em não admitir requerimento de prova por o mesmo ter sido remetido em formato Word.

Cumpre decidir.

Refere-se na decisão recorrida o seguinte:

Os Autores através do seu Ilustre Mandatário apresentem um requerimento segundo o qual referem terem remetido ao processo o seu rol de testemunhas, documentos e requerimentos de prova, no dia 20/11/2012. Conjuntamente com esse requerimento junta a impressão de um MDDE, ou seja, Marca do Dia Eletrónica, emitida pelos CTT, do dia 20/11/2012, enviado por si para correio@porto.taf.mj.pt. Segundo esse requerimento de 20/11/2012, os Autores indicam os seus meios de prova, juntando 25 documentos e arrolam 7 testemunhas. Analisados os autos físicos (em papel), bem como a plataforma informática SITAF, verificou-se que em nenhum destes consta aquele requerimento, endereçado no dia 20/11/2012. Foi diligenciado no sentido de se apurar se ocorreu ou não efetiva receção de tal requerimento, consultando-se o CD de arquivo das peças processuais entradas no TAF do Porto, nada constando do mesmo. Oficiado o IGFEJ (Instituto de Gestão financeira e de Equipamentos da justiça, I.P.), o mesmo referiu que apenas guarda os dados de tráfego e não os ficheiros remetidos, e que só os guarda por 365 dias, pelo que nesta data não é possível confirmar se ocorreu ou não o envio daquele correio eletrónico.

Ora, no documento apresentado pelo Ilustre Advogado dos Autores, encontra-se referido que são remetidos 37.376 Bytes em formato word e 4.458.878 Bytes em formato pdf; o que perfaz o total de 4.496.254 bytes. Utilizando um conversor informático (em: http://mon-ip.awardspace.com/bytes_conversor.php), estes bytes, correspondem a 4,29 Mbytes (mais exatamente 4.287961959838867 Mb).
Nos termos do artigo 2.º, números 3, 4 e 5 da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 1538/2008, de 30 de dezembro, a parte pode apresentar a sua peça processual por via eletrónica, devendo as peças serem digitalizadas e enviadas em ficheiro de formato rich text format (rtf) ou portable document format (pdf); e os documentos enviados como um só ficheiro de formato tagged image file format (tif) ou portable document format (pdf). Quando a haja apresentação conjunta de peças processuais e documentos por via eletrónica devem ser digitalizados e enviados num único ficheiro de formato tagged image file format (tif) ou portable document format (pdf). Ao caso á aplicável ainda a Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, que admite a apresentação de documentos até ao máximo de 5 Mbytes. Tendo o Email do Ilustre Advogado dos Autores capacidade inferior a 5Mbytes, deveria ter sido rececionado pelo Tribunal. Não o tendo sido, e não havendo explicação plausível para o efeito, bem como, atentas as diligências efetuadas, não pode o Tribunal infirmar, com a certeza e segurança jurídica necessárias, que tal Email não tenha sido remetido; o mesmo deve ser admitido, mas segundo as condições que a seguir se enunciam.
Assim, o documento remetido em formato Word não pode ser admitido, uma vez que não contém previsão regulamentar para o efeito. (Compreende-se a não admissão do formato Word, uma vez que este pode ser manipulável, o que não sucede com os demais formatos).
Esse documento, corresponde ao rol de testemunhas e aos pedidos de prova. Desta forma, o rol de testemunhas dos Autores não pode ser admitido, nem os requerimentos de prova ali realizados, porque não cumprem o requisito informático para o efeito. Ou seja, são apresentados em ficheiro não admissível, em face da regulamentação aplicável, conforma acima explicado. Assim, somente podem ser admitidos os documentos que foram apresentados em formato pdf. Como os mesmos não lograram serem recebidos, deve agora o Ilustre Advogado dos Autores, juntá-los singelamente, notificando-os diretamente ao Ilustre Advogado da parte contrária, e juntando mais uma cópia para o Ministério Público.

Face ao exposto, decide-se:
1. Não se admite o rol de testemunhas, nem os requerimentos de prova dos
Autores por se encontrarem em formato Word.
2. Admitem-se os documentos pretendidos apresentar em 20/11/2012; devendo juntá-los agora aos autos.
3. Notifiquem os Autores, os referidos documentos, à parte contrária; juntando ainda cópia para notificação ao Ministério Público.
A questão a dirimir prende-se com a necessidade de saber se pode ser admitido um requerimento de prova remetido via correio electrónico, em formato Word.

Conforme se refere no despacho recorrido o recorrente refere ter remetido para o Tribunal e para o Ilustre Mandatário da parte contrária, no dia 20-11-2012, via correio electrónico, requerimento de prova e vários outros documentos.

O referido documento não foi recebido no Tribunal no dia aprazado, ou, pelo menos, não se encontrou registo do mesmo.

Nesta sequência foram realizadas várias diligências no sentido de se apurar se o documento teria, ou não, dado entrada em Tribunal, mostrando-se estas infrutíferas.

Entretanto, como o recorrente remeteu ao processo prova desse envio, juntando impressão MDDE, Marca do dia Electrónica, emitido pelos CTT, foram, pelo despacho recorrido, admitidos os vários documentos enviados junto com o requerimento de prova. No entanto, este não foi admitido, uma vez que teria sido remetido em versão Word.

É esta decisão que está em causa.

Vejamos quais as normas aplicadas ao caso concreto.

Refere o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 190/2009, de 17 de Agosto que;

1 - A tramitação dos processos nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias, designadamente quanto:

a) À apresentação de peças processuais e documentos;

b) À distribuição de processos;

c) À prática, necessariamente por meios electrónicos, dos actos processuais dos magistrados e dos funcionários;

d) Aos actos, peças, autos e termos dos processos que não podem constar do processo em suporte físico;

e) À remessa ao tribunal, necessariamente por meios electrónicos, do processo administrativo;

f) Ao acesso e consulta dos processos em suporte informático.

2 - O disposto no número anterior é aplicável às citações e notificações das partes e dos mandatários judiciais, que são efectuadas electronicamente nos termos da lei de processo e da portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, as peças processuais e os documentos apresentados pelas partes em suporte de papel são digitalizados pela secretaria judicial, nos casos e nos termos a regulamentar por portaria do Ministro da Justiça, e devolvidos ao apresentante.

4 - Os documentos que possam ser digitalizados podem ser apresentados por transmissão electrónica de dados, podendo as partes ser dispensadas de remeter ao tribunal o respectivo suporte de papel e as cópias dos mesmos, nos termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, e devolvidos ao apresentante.

5 - O disposto nos números anteriores não prejudica o dever de exibição dos originais das peças processuais e dos documentos juntos pelas partes por transmissão electrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.

Por seu lado refere o artigo 2º da Portaria 1417/2003, de 30 de Dezembro, com a redacção dada pela Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, que:

1 — A apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica é efectuada por correio electrónico ou por transmissão electrónica de dados através do endereço http://www.taf.mj.pt
2 — A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados através do endereço supra-referido requer a utilização de assinatura electrónica qualificada do signatário.
3 — As peças processuais apresentadas por via electrónica devem ser enviadas em ficheiro de formato RICH TEXT FORMAT (rtf) ou portable document format (pdf).
4 — Os documentos apresentados por via electrónica devem ser digitalizados e enviados como um só ficheiro de formato TAGGED IMAGE FILE FORMAT (.tif).
5 — A apresentação conjunta de peças processuais e documentos por via electrónica implica a sua digitalização e envio num único ficheiro de formato TAGGED IMAGE FILE FORMAT (tif).

Artigo 3º
Dispensa do suporte de papel e cópias dos documentos
1 — A parte que apresenta os documentos por via electrónica fica dispensada de remeter ao tribunal os documentos em suporte de papel e as respectivas cópias.
2 — A dispensa referida no número anterior não se aplica caso o total de cópias exceda as 100 páginas.
Artigo 4º
Apresentação de peças processuais e de documentos em suporte físico
1 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a apresentação de peças processuais e documentos em suporte físico implica a sua digitalização pela secretaria judicial, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º
2 — Podem não ser digitalizados pela secretaria judicial os documentos:
a) Cujo suporte físico não seja em papel ou cujo papel tenha uma espessura superior a 127 g/m2 ou inferior a 50 g/m2;
b) Em formatos superiores a A4;
c) Que, individualmente considerados, excedam as 500 páginas.

Como verificamos, da análise dos artigos anteriormente referidos, a tramitação dos processos nos Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal é efectuada por via electrónica através do sistema informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF).
A apresentação das peças processuais e documentos pode, no entanto, ser apresentada por via electrónica (artigo 4º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro e artigo 2º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro), mas também em suporte de papel (n.º 3 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro e artigo 4º da Portaria 1417/2003, de 30 de Dezembro). Neste último caso, ou seja, quando as peças processuais ou os documentos forem apresentados em suporte físico devem ser digitalizados pelo Tribunal.
A apresentação das peças processuais por via electrónica deve ser enviadas em ficheiro de formato rich txt format (rtf) ou portable document format (pdf).
Os documentos apresentados por via electrónica devem ser digitalizados e enviados com um só ficheiro de formato tagged image format (tif) ou portable document format (pdf).
A apresentação conjunta de peças processuais e documentos implica a sua digitalização e envio através de um único ficheiro igual aos já referidos no parágrafo anterior.
No entanto refere o n.º 4, do artigo 4º, do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que os documentos que possam ser digitalizados podem ser apresentados por transmissão electrónica de dados, podendo as partes ser dispensadas de remeter ao tribunal o respectivo suporte de papel.
Do exposto verifica-se que a transmissão electrónica de peças processuais ou de documentos deve ser feita através de mecanismos próprios e que vem consagrados na lei, como seja através do formato rich txt format (rtf) ou portable document format (pdf), mecanismos estes adequados a manter a segurança dos mesmos de forma a que não possam vir a ser alterados. No entanto também se encontra previsto que as peças processuais possam ser remetidas a Tribunal através de suporte físico devendo posteriormente ser digitalizadas, com excepção dos casos referidos n.º 2 do artigo 4º da Portaria ora em análise, casos estes que não estão aqui em causa nos autos.
Se um requerimento ou uma peça processual pode ser apresentada em suporte físico, não se vê que a apresentação de um requerimento de prova por via electrónica, só pelo facto de ter sido transmitido como documento (.doc), e não em formato pdf , rtf, ou ainda por imagem (tif) tenha de ser rejeitado. Os documentos que forem apresentados fisicamente devem ser digitalizados. Se pode ser remetido um documento por correio, ou entregue presencialmente, em papel, que depois vai ser digitalizado, não se vê como não pode um documento remetido electronicamente tenha que ser rejeitado só porque foi remetido como documento (doc). É verdade que tais documentos devem ser remetidos em pdf, rtf, ou ainda como imagem, mas a remessa como doc. não leva à sua rejeição. Não está prevista tal cominação pela apresentação electrónica de peças processuais e documentos fora do formato previsto na lei. Ou seja, não vem prescrito que o erro na forma de transmissão electrónica de determinados requerimentos tenha como consequência a nulidade da prática desse acto, nem se vê que a mesma possa violar o princípio do contraditório, ou qualquer outro princípio estruturante do processo civil.
As questões de segurança e de certeza jurídicas sempre poderão ser salvaguardadas com a possibilidade de apresentação das peças originais. Muito mais quando estamos perante a apresentação de um requerimento de prova. A rejeição da sua apresentação, não só pelo facto de já terem decorrido quatro anos após a sua apresentação, é uma medida perfeitamente desproporcional ao bem jurídico que está em causa, a possibilidade da descoberta da verdade, para o exercício de uma melhor justiça. Uma coisa seria não ter entregue qualquer requerimento de prova outra será ter entregue esse requerimento, mas não pela forma adequada.
De acrescentar que está mesmo previsto que os documentos que possam ser digitalizados podem ser apresentados por via electrónica (n.º 4 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de «Dezembro com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 190/2009, de 17 de Agosto), pelo que não se vê como não pode ser remetido electronicamente um documento e depois ser digitalizado. Caso ocorram dúvidas sobre o documento apresentado sempre se poderá solicitar a remessa do original (n.º 5 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro).
Tendo em atenção todo o exposto tem de se concluir que procedem as conclusões do recorrente não se podendo manter o despacho ora recorrido que assim deve ser revogado e substituído por outro que admita os meios de prova remetidos pelo recorrente.

4º Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em revogar a decisão recorrida devendo ser substituída por outra em que admita o requerimento de prova apresentado.

Sem custas

Porto, 30 de Novembro de 2016

Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco