Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00669/18.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO
Sumário:I-A Requerente, em sede de acção administrativa, pugna e peticiona a impugnação do acto com os fundamentos apresentados infra e que se resumem ao seguinte:
-não houve violação grave das obrigações contratuais;
-houve alteração manifesta dos pressupostos do negócio;
-ocorreram circunstâncias inesperadas, reconhecidas pelo Requerido, mormente: incumprimento, por este, no que tange ao fornecimento de água;
-nessa sequência e como consequência, a Requerente viu os seus proveitos a diminuir e os seus custos a aumentar, o que levou a uma justificada dificuldade de cumprir pontualmente as suas obrigações;
I.1-o Requerido reconheceu toda esta factualidade como não resultando de culpa da Requerente, pelo que permitiu e aceitou a celebração dos acordos de pagamento; acordos esses que foram já cumpridos;
I.2-inexistiu fundamento para que operasse a resolução contratual unilateral avançada pelo aqui Requerido.

II-Houve atrasos, justificados e consentidos, na realização de pagamentos bem como a celebração de acordos para a regularização da situação; a invocação daqueles alegados incumprimentos, por parte da Requerida, é inadmissível, constituindo, em certa medida, uma situação de verdadeiro venire contra factum proprium: “O abuso de direito, na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio (...);
II.1-além do mais ocorreram circunstâncias inesperadas, reconhecidas pelo Requerido, nomeadamente, a realização de um esforço de investimento superior ao previsto, a crise económica de 2008 em diante, a perda de receitas e despesas no tratamento de água.

III-Para além o abuso de direito que se adivinha, o recebimento, pelo Requerido, do pagamento do preço contratual negociado sem que este tenha cumprido a sua contrapartida contratual constitui um enriquecimento sem causa;

IV-Perfunctoriamente demonstrado poder a Requerente vir a ver deferida, na acção principal, a sua pretensão, impõe-se a correção da decisão recorrida.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., Lda.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A., Lda., NIPC (...), com sede na (...), (...), intentou contra o Município de (...), NIPC (...), com sede no Largo de (…), como preliminar da acção administrativa, providência cautelar de suspensão da eficácia do acto proferido pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...), datado de 17/01/2018, nos termos do qual foi determinada a resolução do contrato de concessão de exploração do edifício do estabelecimento termal de (...).
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi indeferida a providência.
Desta veio interposto recurso.
Alegando, a Requerente concluiu:
A) A sentença de que se recorre decidiu pelo indeferimento da providência cautelar por entender que a requerente não alegou nem demonstrou factos suficientes para ser verificado o requisito do fumus boni iuris.
B) A Requerente alegou factos, na sua ótica, que efetivamente demonstram a probabilidade da invocação de um bom direito.
C) Ao decidir em sentido contrário, o tribunal a quo, não ponderou como devia, os contornos do negócio, bem como os institutos de Direito violados com a pretensão de resolução do contrato.
D) A Recorrente juntou prova documental suficiente para prova de toda a materialidade por si alegada, não se bastando por meras conclusões factuais, sem qualquer suporte.
E) Ao decidir pela não verificação do requisito do fumus boni iuris, o tribunal a quo violou os artigos 112º e seguintes do Código do Processo dos Tribunais Administrativos e artigo 120.º do mesmo diploma legal.
F) Não houve violação grave das obrigações contratuais.
G) Houve alteração manifesta dos pressupostos do negócio.
H) Ocorreram circunstâncias inesperadas, reconhecidas pelo Requerido.
I) Nessa sequência e como consequência, a Requerente viu os seus proveitos a diminuir e os seus custos a aumentar,
J) O que levou a uma justificada dificuldade em cumprir pontualmente as suas obrigações.
K) O Requerido reconheceu toda esta factualidade descrita como não resultando de culpa da Requerente,
L) Pelo que permitiu e aceitou a celebração de acordos de pagamento.
M) Acordos esses que foram já, supervenientemente, cumpridos.
N) AS DILAÇÕES da Requerente no cumprimento das suas obrigações de pagamento foram NEGOCIADAS, JUSTIFICADAS E CONSENTIDAS;
O) O REQUERIDO foi a PRIMEIRA PARTE A VIOLAR UMA OBRIGAÇÃO
CONTRATUAL (de fornecimento de água);
P) A Requerente não estava obrigada a proceder a qualquer pagamento enquanto o Requerido não procedesse ao fornecimento de água, como contratualmente obrigado, por força da EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO, prevista pelo artigo 428º do Código Civil;
Q) A invocação, pelo Requerido, da falta de pagamento da Requerida quando ela é causada pelo seu incumprimento contratual constitui um VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM;
R) A invocação, pelo Requerido, da falta de pagamento da Requerida quando ela é causada pelo seu incumprimento contratual, que é um venire contra factum proprium, constitui um ABUSO DE DIREITO;
S) O recebimento, pelo Requerido, do pagamento do preço contratual negociado sem que este tenha cumprido a sua contrapartida contratual de fornecimento de água constitui um ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
T) Foi perfunctoriamente (“de relance, superficialmente, levemente, de forma passageira, ligeira, superficial” cfr. www.priberam.pt) demonstrado poder a Requerente vir a ver declarada deferida, na acção principal, a sua pretensão.
U) As Conclusões F) a S) supra deviam ter sido levadas aos factos provados, considerada a prova produzida nos autos, e em resultado da aplicação do Direito aos factos, ter-se concluído pela verificação de um venire contra factum proprium, um abuso de direito e um enriquecimento sem causa por parte do Requerido em razão do seu acto de resolução do contrato;
V) Ao invés do que consta da sentença em crise, foram alegados, em sede de exercício de audiência prévia, factos aptos a infirmar o direito de resolução do Requerido;
W) Impunha-se, em razão da alegação de tais factos, o esclarecimento dos mesmos e audição de testemunhas, por forma a ponderar devidamente a existência, ou não, de qualquer direito de resolução do município.
X) Andou mal o Tribunal a quo, salvo melhor entendimento, ao julgar inúteis as diligências probatórias requeridas pela Recorrente em sede de audiência prévia e ao não declarar a invalidade do acto suspendendo por violação do direito de audição prévia.
TERMOS EM QUE, considerando a violação das disposições legais mencionadas, nos termos vertidos nas conclusões, requer-se que concedam provimento ao presente recurso, proferindo acórdão a deferir a providência cautelar interposta.
Assim decidindo, farão
JUSTIÇA.
Não foram juntas contra-alegações.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
-
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A) Entre o Requerido e a sociedade T., S.L. foi celebrado, em 24.04.2007, acordo escrito intitulado “CONTRATO DE CONCESSÃO DA EXPLORAÇÃO DO EDIFÍCIO DO ESTABELECIMENTO TERMAL DE (...)”, em que aquele concedeu a esta, pelo prazo de 25 anos, a exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...) (cfr. doc. n.º 6 junto como requerimento inicial – fls. 61 a 63 do processo físico e fls. 142 a 144 do processo administrativo junto aos autos);

B) No acordo referido na alínea A) consta, entre o mais, o seguinte:
(…)
Terceira: Que o valor da concessão é de € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros), acrescido do IVA à taxa legal em vigor, o qual será pago do sexto ao vigésimo quinto anos da concessão, em prestações mensais, iguais e sucessivas, a pagar até ao oitavo dia de cada mês.
(…)
Quinta: Que em tudo o não expressamente previsto no presente contrato, o mesmo se rege pelo previsto no Programa de Concurso e Caderno de Encargos do Concurso público para Concessão da Exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...), bem como pelo constante da Proposta Técnica e Financeira da representada do segundo outorgante, e supletivamente regulará a legislação actualmente em vigor para este tipo de contratos.
(…)” (cfr. doc. n.º 6 junto como requerimento inicial – fls. 61 a 63 do processo físico e fls. 142 a 144 do processo administrativo junto aos autos);

C) No Caderno de Encargos do Concurso Público para Concessão da Exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...) que culminou com a outorga do acordo referido na alínea A) consta, além do mais, o seguinte:
(…)
Artigo 9.º
Manutenção e conservação
1 - É da responsabilidade do concessionário a manutenção dos bens, instalações e equipamentos que compõem o estabelecimento da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, de limpeza, conforto e segurança para os utentes, a todo o tempo e durante todo o período de duração da concessão.
2 - O concessionário assumirá todos os encargos decorrentes das reparações, renovações e adaptações que seja necessário realizar com vista a garantir o cumprimento das obrigações estabelecidas no número anterior.
(…)
Artigo 11.º
Rescisão do contrato
1 - O incumprimento, por uma das partes, dos deveres resultantes do contrato confere, nos termos gerais de direito, à outra parte o direito de rescindir o contrato, sem prejuízo das correspondentes indemnizações legais.
2 - O concedente poderá pôr fim à concessão através da rescisão do contrato de concessão, em casos de violação grave ou reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, nomeadamente nas seguintes situações:
a) Desvio do objecto do concessionário ou alteração do uso do equipamento objecto da concessão;
b) Cessação de pagamentos pelo concessionário por um período superior a dois meses consecutivos;
c) Interrupção da exploração ou manutenção do estabelecimento da concessão, sem que tenham sido tomadas medidas adequadas à remoção da respectiva causa;
d) Trespasse da concessão ou cessão da posição contratual sem prévia autorização do concedente;
e) Recusa em proceder à conservação e manutenção dos bens, instalações e equipamentos que compõem o estabelecimento da concessão.

3 - Verificando-se um dos casos de incumprimento referidos no número anterior, o concedente notificará o concessionário para que, no prazo que razoavelmente for fixado, sejam integralmente cumpridas as suas obrigações e corrigidas ou reparadas as consequências dos seus actos.
4 - Caso o concessionário não cumpra as suas obrigações, ou não sejam corrigidas ou reparadas as consequências do incumprimento havido nos termos determinados pelo concedente, este poderá resolver o contrato de concessão mediante comunicação enviada ao concessionário.
5 - A comunicação da decisão referida no número anterior produz efeitos imediatos, independentemente de qualquer outra formalidade.
(…)
Artigo 13.º
Entrega e reversão de bens e direitos
1 - No termo da concessão, cessam para o concessionário todos os direitos emergentes do contrato de concessão, sendo entregues ao concedente todos os bens que constituem o estabelecimento da concessão, em bom estado de manutenção e conservação.
2 - No termo da concessão, revertem gratuita e automaticamente para o concedente todos os bens e equipamentos que integram a concessão, bem como aqueles utensílios e materiais a adquirir pelo concessionário, assim como todas as benfeitorias feitas nas instalações do estabelecimento termal de (...), obrigando-se o concessionário a entrega-lo em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção, sem prejuízo do normal desgaste do seu uso para os efeitos do contrato de concessão, e livres de quaisquer ónus ou encargos.
(…)” (cfr. fls. 113 a 115 do processo administrativo junto aos autos);

D) Na sequência do acordo referido na alínea A), a sociedade T., S.L. efectuou obras de remodelação no Edifício do Estabelecimento Termal de (...) (cfr. docs. n.ºs 11 e 12 juntos como requerimento inicial – fls. 117 a 200 do processo físico);

E) A Administração Regional de Saúde do Norte, IP – Departamento de Saúde Pública dirigiu “Auto de Notificação” ao Requerido, datado de 01.09.2008, no qual, entre o mais, consta o seguinte:
«(…) determino, por apresentar real perigo para a saúde dos consumidores, a suspensão imediata e temporária da utilização da água mineral natural, em todos os pontos de utilização onde haja contacto directo, terapêutico ou acidental, com mucosas (boca, ouvidos e nariz), no estabelecimento termal “Caldas de (...)”, situado na (...), Freguesia de (...), Concelho de (...), pertencente à Câmara Municipal de (...), devido à existência de «água imprópria para os fins a que se destina» (…)
A presente suspensão será levantada, no prazo de dez dias da presente data, se nos forem presentes resultados analíticos diários e sequenciais de três dias sucessivos onde seja demonstrada a inexistência de contaminação microbiológica em todos os pontos de utilização do estabelecimento termal ou transformar-se-á em suspensão total do estabelecimento termal, findo o prazo referido, caso a pureza em termos de qualidade microbiológica não nos for presente.» (cfr. doc. n.º 19 junto como requerimento inicial – fls. 256 a 259 do processo físico);

F) Entre a Requerente e a sociedade TF Turismo Fundos – SGFII, S.A. foi celebrado, em 25.03.2011, acordo escrito intitulado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS”, em que esta deu de arrendamento àquela, pelo prazo de 15 anos, o prédio no qual se encontra instalado o estabelecimento hoteleiro denominado Hotel Termas de (...) (cfr. doc. n.º 13 junto como requerimento inicial – fls. 201 a 231 do processo físico);

G) Na sequência do acordo referido na alínea F), a Requerente teve de realizar obras de remodelação no Edifício do Hotel das Termas de (...) (cfr. doc. n.º 14 junto como requerimento inicial – fls. 232 a 244 do processo físico);

H) Em 02.04.2012, foi celebrado o aditamento n.º 1 ao acordo referido na alínea A), no qual se procedeu à alteração da titularidade da concessão da exploração para a Requerente (cfr. doc. n.º 8 junto como requerimento inicial – fls. 109 e 110 do processo físico e fls. 187 a 189 do processo administrativo junto aos autos);

I) Entre a Requerente e a sociedade T., S.L. foi celebrado, em 31.10.2012, acordo escrito intitulado “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE CONCESSÃO DE UM ESTABELECIMENTO TERMAL”, através do qual esta transmitiu para aquela a concessão referida na alínea A) (cfr. doc. n.º 7 junto como requerimento inicial – fls. 88 a 93 do processo físico);

J) Em 26.01.2015, 30.12.2015 e 10.10.2017 foi realizado aumento de capital da Requerente (cfr. doc. n.º 18 junto como requerimento inicial – fls. 251 a 255 do processo físico);

K) Em 10.08.2015, o Requerido aprovou o pagamento do valor em dívida naquela data pela Requerente, relativamente ao acordo referido na alínea A), em 36 prestações (cfr. doc. n.º 21 junto como requerimento inicial – fls. 379 do processo físico);

L) Por conta do acordo referido na alínea A), em 02.05.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.649,62, relativa à renda de Janeiro de 2016; em 27.06.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.517,52, relativa à renda de Julho de 2016; em 27.06.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.490,60, relativa à renda de Agosto de 2016; em 10.08.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.514,72, relativa à renda de Setembro de 2016; em 16.08.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.461,74, relativa à renda de Novembro de 2016; em 31.08.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.434,82, relativa à renda de Dezembro de 2016; em 31.10.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 8.610,00, relativa a pagamento de prestação; em 28.11.2017, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 6.150,00, relativa a pagamento de prestação; em 03.01.2018, a Requerente fez uma transferência bancária para o Requerido, no valor de € 8.610,00, relativa a pagamento de prestação (cfr. doc. n.º 22 junto como requerimento inicial – fls. 380 a 388 do processo físico);

M) O Requerido dirigiu à Requerente um ofício, datado de 14.11.2017, onde manifestou a intenção de proceder à rescisão do acordo referido na alínea A), o qual tem o seguinte teor:

Assunto: Contrato de concessão da exploração do edifício do estabelecimento termal de (...)
Incumprimento contratual - Notificação: Pagamento de rendas a pagamento de débitos de abastecimento de água

Relativamente aio assunto supra referido, e no que respeita ao contrato de concessão da exploração, serve o presente para os notificar do seguinte:

a) Nos termos da cláusula terceira do contrato de concessão, é obrigação da empresa concessionária o liquidar as prestações mensais de € 5.000,00, valor acrescido de IVA à taxa legal em vigor, até do dia 8 do respetivo mês.
Constata-se que, na presente data, se encontram por liquidar os seguintes valores respeitantes a rendas de concessão e que se encontram em processos de execução fiscal:
- janeiro de 2017 - € 6.486,00, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 247,67, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- fevereiro de 2017 - € 6.443,33, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 205,00, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- março de 2017 - € 6.441,66, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 203,33, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- abril de 2017 - € 6.414,88, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 176,55, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- maio de 2017 - 6.359,66, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 147,27, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- junho de 2017 - € 6.282,68, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, Juros de € 121,33, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- julho de 2017 - € 6.338,74, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 100,41, taxa de Justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- agosto de 2017 - € 6.282,68, sendo € 6.150,00 respeitante ao valor da renda, juros de € 44,35, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21;
- setembro de 2017 - € 6.257,57, sendo t 6.150,00 respeitante ao valor da tenda, Juros de € 19,24, taxa de justiça de € 83,12 e custas de € 5,21.
O valor em dívida nestes 9 processos de execução fiscal ascende à quantia de € 57.307,20 (valores com IVA incluído), sendo certo que existem ainda as mensalidades de outubro e novembro de 2017 em débito, as quais correspondem a um valor de € 5.000,00, acrescido de IVA à taxa legai em vigor, o que perfaz a quantia de € 12.300,00.

b) - Por outro lado, e na sequência de pedido da empresa, por deliberação da Câmara Municipal de (...) de 10 de agosto de 2015, foi aprovado o pagamento do valor em dívida de rendas em 35 prestações mensais, devendo ser pagas sucessivamente até ao 8º dia de cada mês, com início em setembro de 2015;
- Ascendendo o valor em dívida a € 35.000,00 + IVA (incluiu-se nesse plano o mês de agosto de 2015), foi elaborado plano de pagamentos em 35 mensalidades, o que implicava o pagamento mensal de € 1.000,00 + IVA entre setembro de 2015 e julho de 2018;
- Constata-se que, até à presente data foram liquidadas 14 das 35 prestações, verificando-se também incumprimento do previsto no plano de pagamentos em prestações aprovado por deliberação camarária, no que respeita às mensalidades de novembro de 2016 a novembro de 2017, o que representa um valor em atraso de €11.000,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, o que perfaz a quantia de €13530,00.

c) Tendo a câmara municipal aprovado um plano de pagamentos do valor em débito a título de fornecimento de água pública em 12 prestações iguais, mensais e sucessivas, no montante de 1300,00 cada uma, com início em 10 de julho de 2014 e termo em 10 de junho de 2015, a vossa empresa não cumpriu o estabelecido nesse plano de pagamentos, pelo que na atualidade o valor em dívida em processos de execução fiscal por falta de pagamento das faturas de abastecimento de água em nome da T. ascende à quantia de € 11.587,07.

d) Constatado que está o incumprimento, da obrigação de pagamento do valor da concessão, acrescido da falta de regularização do plano de pagamentos a título de débitos de água, notifica-se Vªs Exªs para que procedam à regularização da situação no prato de trinta dias a contar da receção da presente notificação, procedendo ao pagamento da quantia global de € 94.724,27 (noventa e quatro mil setecentos e vinte e quatro euros e vinte e sete cêntimos), correspondente à soma das várias parcelas acima identificadas.

e) Sendo certo que„ nos termos cio nº 2 do artigo 11º do caderno de encargos da concessão, o concedente poderá pôr fim à concessão através da rescisão do contrato de concessão, em casos de violação grave ou reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, nomeadamente nas situações das alíneas b), c) e e), existem fundamentos para o concedente operar a rescisão do contrato de concessão, estando comprovadas as situações de violação grave, reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, nomeadamente por falta de pagamento das rendas mensais, bem como pelo facto de não terem sido tomadas as medidas e providências necessárias que permitissem evitar duas suspensões de tratamentos termais.

Nestes termos, é-lhes concedido um prazo de 30 dias a contar da receção da presente notificação para total regularização da concessão, prazo no qual deverão proceder ao pagamento das rendas em atraso, seja as vencidas do ano 2017, seja as incluídas no plano de pagamentos aprovado e não cumprido sucessivamente pela concessionária, bem como deverão proceder à regularização da situação de débito de faturas de consumo de água por parte do balneário termal, perfazendo o valor total já mencionado de € 94.724,27.
Nesse mesmo prazo de 30 dias, poderá o concessionário, querendo, pronunciar-se, em sede de audiência prévia, sobre a manifestada intenção do concedente em operar a rescisão do contrato por incumprimento grave, reiterado e não sanado das obrigações do concessionário, incumprimentos esses que persistem desde a ano 2014.


(cfr. doc. n.º 2 junto com requerimento inicial – fls. 26 a 28 do processo físico);

N) A Requerente pronunciou-se sobre a intenção de rescisão referida na alínea M), nos termos constantes de fls. 29 a 36 do processo físico, com argumentação idêntica à exposta no requerimento inicial, tendo pugnado pela improcedência do processo administrativo em causa, e requerido a inquirição do seu representante e de uma testemunha (cfr. doc. n.º 3 junto com o requerimento inicial – fls. 29 a 36 do processo físico);

O) O Requerido dirigiu à Requerente um ofício, datado de 17.01.2018, onde comunicou a resolução do acordo referido na alínea A), o qual tem o seguinte teor:

Assunto: Contrato de concessão da exploração do edifício do estabelecimento termal de (...)
Incumprimento contratual - Rescisão do contrato

Na sequência da nossa notificação por ofício refª MGD - 1228/2017, de 14/11/2017, pela qual lhes foi concedido um prazo de 30 dias a contar da receção da notificação para total regularização da concessão, prazo no qual deveriam proceder ao pagamento das rendas em atraso, seja as vencidas do ano 2017, seja as incluídas no plano de pagamentos aprovado e não cumprido sucessivamente pela concessionária, bem como deveriam proceder à regularização da situação de débito de faturas de consumo de água por parte do balneário termal, perfazendo o valor total de € 94.724,27, tendo também sido concedido o mesmo prazo para a concessionária se pronunciar, em sede de audiência prévia, sobre a manifestada intenção do concedente em operar a rescisão do contrato por incumprimento grave, reiterado e não sanado das obrigações do concessionário, algo que velo a suceder por meio de exposição da concessionária registada nos serviços camarários em 03/01/2018, de que acusamos a receção.
Contudo, da leitura atenta da exposição apresentada no uso do direito de audiência prévia, constatamos que a concessionária se dedica a um mero "jogo de palavras" para tentar dissimular o incumprimento da obrigação de pagamento do valor da concessão, o que configura um caso de violação grave e reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, sendo certo que, à data da notificação, o valor em dívida em processos de execução fiscal ascendia à quantia de € 57.307,20 (valores com IVA incluído), existindo ainda as mensalidades de outubro e novembro de 2017 em débito, o que perfazia a quantia parcial de € 12.300,00 e um valor total de € 69.607,20 em divida referente a mensalidades não pagas (para além das prestações já vencidas do plano de pagamentos aprovado).
Ora, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1 do caderno de encargos do concurso público para Concessão da Exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...), "O Incumprimento, por uma das partes, dos deveres resultantes do contrato confere, nos termos gerais de direito, à outra parte o direito de rescindir o contrato, sem prejuízo das correspondentes indemnizações legais", enquanto o nº 2, alínea b) do referido artigo prevê que "O concedente poderá pôr fim à concessão através da rescisão do contrato de concessão, em casos de violação grave ou reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, nomeadamente nas seguintes situações: b) Cessação de pagamentos pelo concessionário por um período superior a dois meses consecutivos".
Certamente que a concessionária sempre compreendeu o sentido desta norma do caderno de encargos, e sempre teve conhecimento e noção da violação grave, reiterada e não sanada das suas obrigações, a qual se traduz, na atualidade, na falta de pagamento de 13 mensalidades da concessão, não havendo necessidade de fundamentação adicional da decisão de resolver o contrato de concessão outorgado entre as partes.
Tendo sido concedido um prazo de 30 dias a contar da receção da anterior notificação para total regularização da concessão, prazo que decorreu com o mero pagamento de 12 prestações do plano de pagamento em prestações aprovada por deliberação camarária, serve o presente para proceder à notificação da concessionária, de acordo com o previsto no artigo 11º, nºs. 4 e 5 do caderno de encargos, da resolução do contrato por incumprimento das suas obrigações, a qual opera mediante comunicação escrita, e que produz efeitos imediatos, independentemente de qualquer outra formalidade.
Nestes termos, face ã resolução contratual ora comunicada, deverá a concessionária proceder à entrega ao concedente do edifício do estabelecimento termal da (...), no prazo máximo de 30 dias a contar da receção da presente notificação, passando a transcrever-se o previsto no artigo 13º do caderno de encargos da concessão:
Entrega e reversão de bens e direitos
1 - No termo da concessão, cessam para o concessionário todos os direitos emergentes do contrato de concessão, sendo entregues ao concedente todos os bens que constituem o estabelecimento da concessão, em bom estado de manutenção e conservação.
2 - No termo da concessão, revertem gratuita e automaticamente para o concedente todos os bens e equipamentos que integram a concessão, bem como aqueles utensílios e materiais a adquirir pelo concessionário, assim como todas as benfeitorias feitas nas instalações do estabelecimento termal de (...), obrigando-se o concessionário a entregá-lo em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção, sem prejuízo do normal desgaste do seu uso para os efeitos do contrato de concessão, e livres de quaisquer ónus ou encargos.

Mais se notifica ainda que, independentemente da resolução do contrato e consequente entrega do edifício ao concedente, este se reserva o direito de recorrer as vias judiciais para cobrança coerciva dos valores em dívida e correspondentes indemnizações legais. (cfr. doc. n.º 1 junto com requerimento inicial – fls. 24 e 25 do processo físico).
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Não se provaram quaisquer outros factos que mostrassem interesse para a questão em discussão nos presentes autos.
E no que à motivação da factualidade tida por assente respeita esclareceu que alicerçou a sua convicção na análise dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, conforme referido nas alíneas do probatório.
DE DIREITO -
Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Atentemos, então, se estão reunidos os pressupostos de concessão da providência requerida.
Os requisitos para a concessão da providência cautelar são três, e a sua verificação é cumulativa, designadamente: periculum in mora, fumus boni iuris e ponderação dos interesses públicos e privados, em presença.
Os critérios de decisão das providências cautelares previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos encontram-se consagrados no seu artigo 120º, preceito que sob a epígrafe “[C]ritérios de decisão” regula as condições de procedência das providências cautelares.

Estabelece o mencionado dispositivo legal o seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências
(…)”.
Nos termos e com os fundamentos patenteados no Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de fls. 534 a 544 do processo físico – pág. 770 do Sitaf, mostra-se preenchido o requisito estabelecido na primeira parte, do n.º 1, do aludido artigo, relativo ao periculum in mora.
Pelo que, impõem-se, agora, indagar o preenchimento do requisito consagrado na segunda parte, do n.º 1, do preceito supra transcrito, respeitante ao fumus boni iuris (aparência do bom direito).
O fumus (que mais não é do que a ponderação perfunctória acerca do carácter bem fundado da pretensão principal) tem de ser analisado na sua vertente positiva, já que se exige que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
Assim, é preciso acreditar na probabilidade de êxito da acção principal, tendo de se verificar uma aparência de que o requerente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa, ou seja, tem de ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente para que uma providência possa ser concedida.
Para sustentar o preenchimento do critério de decisão em apreço, arguiu a Requerente que o acto suspendendo é inválido por violação do direito de audiência prévia, uma vez que foi proferido sem serem efectuadas as diligências de prova requeridas no exercício daquele direito.
Por seu lado, sustentou o Requerido que concedeu à Requerente o exercício efectivo do direito de audiência prévia, sendo que esta, no exercício de tal direito, não alegou qualquer factualidade susceptível de alterar os elementos probatórios em que se suportou o projecto de decisão, limitando-se Requerente à mera negação dos factos que lhe eram imputados, motivo pelo qual não se justificava qualquer prova adicional à já constante do procedimento.
Vejamos.
O artigo 121º do Código do Procedimento Administrativo, sob a epígrafe “[D]ireito de audiência prévia”, prevê no seu n.º 2 que “[N]o exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”.
E, o artigo 125º do mesmo Código, sob a epígrafe “Diligências complementares”, estabelece que “Após a audiência, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes.”.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.02.2007, proferido no processo n.º 0650/06, disponível in www.dgsi.pt/jsta.nsf, «[D]os citados preceitos deverá inferir-se que, não se configurando embora um poder discricionário de efectuar ou não as diligências requeridas, é, naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, ou seja, sobre a relevância para o procedimento, na perspectiva, obviamente, de que a complementaridade se reporta às necessidades da instrução.
Como sublinham Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, pág. 459, “O órgão instrutor é, porém – salvo violação de vínculos legais formais e recurso do acto final –, o único a quem compete «julgar» da necessidade dessas diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões (de facto e de direito) relevantes”.».
Com efeito, ressalta do citado artigo 125º do CPTA que a Administração não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia.
Por outro lado, mesmo nos casos em que se impõe a realização de diligências, a sua preterição representaria apenas um vício de forma do procedimento, susceptível de tornar o acto anulável, não conduzindo, como refere a Requerente, à nulidade do acto praticado.
Na situação em apreço, a Requerente, no exercício da audiência prévia, requereu diligências complementares, designadamente a prestação de declarações do seu representante e a inquirição de uma testemunha [cf. alínea N) do probatório], as quais não foram realizadas, nem o Requerido proferiu decisão expressa a dispensar as mesmas, importando aferir se isso implica que o acto final do procedimento padeça de irregularidade formal, designadamente considerando-se como não tendo sucedido a audiência prévia.
Questão diferente é a de saber se a decisão final proferida está correcta, que nada tem a ver com a falta de audiência prévia, mas sim com eventual vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou de direito.
Resulta da decisão em crise que as razões apresentadas pela Requerente em sede de audiência prévia foram objecto de análise, contudo, ao contrário da pretensão da Requerente, concluiu pela irrelevância das mesmas para alterar a proposta de rescisão do contrato, tendo referido expressamente que «(…) da leitura atenta da exposição apresentada no uso do direito da audiência prévia, constatamos que a concessionária se dedica a um mero “jogo de palavras” para tentar dissimular o incumprimento da obrigação de pagamento do valor da concessão, o que configura um caso de violação grave e reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, sendo certo que, à data da notificação, o valor em dívida em processos de execução fiscal ascendia à quantia de € 57.307,20 (valores com IVA incluído), existindo ainda as mensalidades de outubro e novembro de 2017 em débito, o que perfazia a quantia parcial de € 12.300,00 e um valor total de € 69.607,20 em dívida referente a mensalidades não pagas (para além das prestações já vencidas do plano de pagamentos aprovado).(…)»[cf. alínea O) do probatório].
Ora, analisada a defesa apresentada pela Requerente não se avista a alegação de factos cuja prova fosse apta a infirmar os factos apurados no procedimento, mas sim um conjunto de justificações para a ocorrência desses factos, o que gera a inutilidade das diligências requeridas.
Neste sentido, não se vislumbra a violação do direito de audiência prévia.
Alegou também a Requerente que o Requerido justifica a decisão de resolução do contrato no artigo 11º do Caderno de Encargos, designadamente na violação das suas alíneas b), c), e), sendo que, no que respeita à alínea e), não ocorreu qualquer incumprimento face a todo o investimento de renovação que efectuou, quanto à alínea c), ou seja, a interrupção da exploração do estabelecimento da concessão, foi o próprio Requerido o responsável por tal situação, já que a mesma se deveu ao deficiente fornecimento de água, a partir de 2010/2011 que, conforme decorria da própria concessão, era da responsabilidade do Requerido, tendo levado ao encerramento pela Entidade Sanitária competente do Estabelecimento Termal.
No que concerne à alínea b), aludiu que, desde logo, a decisão suspendenda refere-se ao incumprimento de uma sociedade terceira ao contrato de concessão, designadamente a falta de pagamento de um plano prestacional relativo ao fornecimento de água pela sociedade T., sendo a Requerente alheia ao invocado incumprimento, por outro lado, ocorreu uma alteração dos pressupostos e das circunstâncias, quanto aos pressupostos a concessionária quando formalizou o contrato de concessão tinha a expectativa que o Hotel que existia, cuja exploração se encontrava entregue a terceiros, funcionaria e de que estaria aberto simultaneamente com as Termas, o que se frustrou, porquanto a entidade exploradora encontrava-se em falência, pelo que a Requerente ficou com a exploração do Hotel, no interesse da viabilidade económica das Termas, sendo que o contrato de concessão implicava para a concessionária a realização de investimento, que se revelou muito superior ao esperado, tendo em conta que foi necessário investir também no Hotel, quer na sua exploração quer na sua renovação, obrigando-a a um esforço económico muito superior àquele que tinha planeado, quanto às alterações das circunstâncias que ocorreram no decurso do contrato, o qual foi celebrado em 2007, tiveram origem na crise económica que se instalou na Europa em 2008, com especial incidência em Portugal e Espanha, que ditaram uma diminuição do poder de compra dos potenciais usurários das Termas e o fim dos apoios estatais aos utentes das Termas em Portugal, bem como o deficiente fornecimento de água da responsabilidade do Requerido, que levou à suspensão do funcionamento das Termas, e implicou para a Requerente perdas de receitas imediatas e um gasto adicional de cerca de € 50.000,00 para eliminar os germes da água, tendo tudo isto levado a atrasos de pagamento justificados, que o Requerido aceitou e permitiu acordos de pagamento que estão a ser cumpridos.
Contra o exposto argumentou o Requerido que mediante a apresentação de um pedido dirigido pela Requerente a si, a Câmara Municipal deliberou, em 10.08.2015, conceder à Requerente o benefício faseado de diversas prestações que possuía em dívida, ascendendo o valor das mesmas à quantia de € 35.000,00 acrescida de IVA, tendo sido elaborado concertadamente com a Requerente um plano de pagamento desse débito em 35 mensalidades, porém a Requerente incumpriu tal de pagamento, bem como tem ainda em dívida a totalidade das mensalidades do ano de 2017, e as do primeiro trimestre de 2018.
Vejamos.
Não obstante no ofício dirigido pelo Requerido à Requerente, datado de 14.11.2017, no qual manifestou a intenção de proceder à rescisão do contrato de concessão de exploração do Estabelecimento Termal de (...), ter-se fundamentado tal decisão no disposto nas alíneas b), c) e e), do artigo 11º do Caderno de Encargos [cf. alínea M) do probatório], o certo é que no ofício dirigido pelo Requerido à Requerente, datado de 17.01.2018, através do qual comunicou a resolução do referido contrato, a mesma apenas teve por fundamento o previsto na alínea b) do artigo 11º do Caderno de Encargos [cf. alínea O) do probatório].
Entre o Requerido e a sociedade T., S.L. foi celebrado, em 24.04.2007, um contrato de concessão da exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...), em que aquele concedeu a esta, pelo prazo de 25 anos, a exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...) [cf. alínea A) do probatório], devendo o valor da concessão ser pago em prestações mensais [cf. alínea B) do probatório], tendo, em 02.04.2012, sido celebrado o aditamento n.º 1 àquele contrato de concessão, no qual se procedeu à alteração da titularidade da concessão da exploração para a Requerente [cf. alínea H) do probatório].
Resulta do artigo 11º do Caderno de Encargos de Encargos do Concurso Público para Concessão da Exploração do Edifício do Estabelecimento Termal de (...), sob a epígrafe “[R]escisão do contrato”, além do mais, o seguinte:
1 - O incumprimento, por uma das partes, dos deveres resultantes do contrato confere, nos termos gerais de direito, à outra parte o direito de rescindir o contrato, sem prejuízo das correspondentes indemnizações legais.
2 - O concedente poderá pôr fim à concessão através da rescisão do contrato de concessão, em casos de violação grave ou reiterada e não sanada das obrigações do concessionário, nomeadamente nas seguintes situações:
(…)
b) Cessação de pagamentos pelo concessionário por um período superior a dois meses consecutivos;
(…)
3 - Verificando-se um dos casos de incumprimento referidos no número anterior, o concedente notificará o concessionário para que, no prazo que razoavelmente for fixado, sejam integralmente cumpridas as suas obrigações e corrigidas ou reparadas as consequências dos seus actos.
4 - Caso o concessionário não cumpra as suas obrigações, ou não sejam corrigidas ou reparadas as consequências do incumprimento havido nos termos determinados pelo concedente, este poderá resolver o contrato de concessão mediante comunicação enviada ao concessionário.
5 - A comunicação da decisão referida no número anterior produz efeitos imediatos, independentemente de qualquer outra formalidade.
(…)” [cf. alínea C) do probatório].
Em 10.08.2015, o Requerido aprovou um plano de pagamento do valor em dívida naquela data pela Requerente [cf. alínea K) do probatório].
Assente também está na alínea O) do probatório que a decisão do Requerido de rescisão do contrato de concessão fundamentou-se no incumprimento contratual da Requerente, designadamente por falta de pagamento pela mesma de prestações em atraso, “seja as vencidas em 2017, seja as incluídas o plano de pagamentos aprovado e não cumprido sucessivamente pela concessionária”, bem como das facturas do consumo da água.
Aliás, a própria Requerente assume atrasos no pagamento. Porém, com o propósito de os justificar, referiu ter ocorrido alteração dos pressupostos e das circunstâncias, sendo que, quanto aos pressupostos alegou que aquando da formalização do contrato de concessão havia a expectativa que o Hotel que existia funcionaria e de que estaria aberto simultaneamente com as Termas, o que se frustrou, quanto às alterações das circunstâncias que ocorreram no decurso do contrato alegou que as mesmas tiveram origem na crise económica que se instalou na Europa em 2008, e que ditaram uma diminuição do poder de compra dos potenciais usurários das Termas e o fim dos apoios estatais aos utentes das Termas em Portugal, bem como o deficiente fornecimento de água da responsabilidade do Requerido, e que levou à suspensão do funcionamento das Termas, o implicou para a Requerente perdas de receitas imediatas e um gasto adicional de cerca de € 50.000,00.
Com efeito, na prática o que pretende a Requerente é que, em virtude das alegadas alterações, o seu incumprimento dos pagamentos que contratualmente assumiu não só não gere a consequência prevista no Caderno de Encargos, como parece ainda pretender uma dilação em tais pagamentos, ou mesmo a sua redução.
Todavia, a alteração das circunstâncias ou dos pressupostos está delimitado temporalmente pela vigência do próprio contrato, o que implica que depois de o contrato se extinguir, já não se pode obter a sua modificação ou impedir, através dessa alteração, a produção dos efeitos do incumprimento definitivo ou da sua resolução.
Por outro lado, tendo o contrato sido resolvido com base no incumprimento da Requerente, esta já não pode requerer ou obter a seu favor a modificação das cláusulas contratuais a que se vinculou e que incumpriu.
E, a alteração dos pressupostos alegados pela Requerente não constituem circunstâncias em que as duas partes fundaram a decisão de contratar, mas sim circunstâncias, ou melhor, expectativas, que a própria Requerente, subjectivamente, tomou como pressupostos (sabendo-os futuros e incertos), nem as circunstâncias sofreram uma alteração anormal ou imprevisível com que legítima e razoavelmente não pudesse contar, pois a exigência de pagamento do valor das rendas pelas quais se propôs contratar, apesar de a realidade e de o mercado não se ter desenvolvido como a Requerente esperava, está inteiramente coberta pelos riscos do próprio contrato, não se mostrando excessivamente onerosa, nem afectando gravemente o princípio da boa fé.
Ora, independentemente de agora se apurar se o pagamento relativo ao fornecimento de água é ou não da responsabilidade da Requerente, o certo é que a mesma incumpriu as suas obrigações contratuais, designadamente o pagamento das prestações contratualmente acordadas [cf. alínea O) do probatório], o que é causa suficiente de rescisão contratual, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 11º do Caderno de Encargos [cf. alínea C) do probatório].
Desta forma, não se descortina a invalidade do acto aqui em crise.
Referiu, ainda, a Requerente que caso a pretensão do Requerido acolha a tutela do Tribunal estamos perante uma situação de enriquecimento sem causa, o qual não é legítimo, porquanto não se verificam os pressupostos da resolução contratual que o Requerido alega.
Ora, o enriquecimento sem causa não serve para sustentar a suspensão do acto que determinou a resolução do contrato de concessão de exploração do edifício do estabelecimento termal de (...), estando fora do âmbito deste processo.
Contudo, sempre se dirá que tendo o Requerido rescindido o contrato de concessão com fundamento na falta de pagamento das rendas convencionadas, a transferência patrimonial operada encontra ali sustentação no acordado entre as partes.
Pelo que, numa visão meramente perfunctória, face ao alegado pela Requerente, não se pode ter como provável que venha a ser julgada procedente a pretensão formulada no processo principal, entendendo o Tribunal que o critério de decisão em análise não se encontra preenchido, o que basta para a pretensão da Requerente ser recusada, tornando-se, por isso, inútil formular o juízo de ponderação de interesses, previsto no n.º 2, do artigo 120º do CPTA.
Conclui-se, assim, pelo não preenchimento o requisito do fumus boni iuris, plasmado na segunda parte, do n.º 1, do artigo 120º do CPTA, e sendo cumulativos os critérios de decisão consagrados nesse normativo, a presente providência deve ser indeferida.
X
É objecto de recurso a decisão que indeferiu a providência, pois, em face do alegado pela Requerente, não se pode ter como provável que venha a ser julgada procedente a pretensão formulada no processo principal, entendendo o Tribunal que o critério de decisão em análise não se encontra preenchido, o que basta para a pretensão da Requerente ser recusada, tornando-se, por isso, inútil formular o juízo de ponderação de interesses, previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA.
Concluindo, assim, pelo não preenchimento o requisito do fumus boni iuris, plasmado na segunda parte, do nº 1, do artigo 120º do CPTA, e sendo cumulativos os critérios de decisão consagrados nesse normativo, a presente providência deve ser indeferida - sentenciou-se.
Cremos que assiste razão à Apelante.
Vejamos:
A Requerente, em sede de acção administrativa, pugna e peticiona a impugnação do acto administrativo com os fundamentos apresentados infra e que se resumem ao seguinte:
-não houve violação grave das obrigações contratuais;
-houve alteração manifesta dos pressupostos do negócio;
-ocorreram circunstâncias inesperadas, reconhecidas pelo Requerido, mormente: incumprimento, por este, no que tange ao fornecimento de água;
-nessa sequência e como consequência, a Requerente/Recorrente viu os seus proveitos a diminuir e os seus custos a aumentar, o que levou a uma justificada dificuldade de cumprir pontualmente as suas obrigações;
-o Requerido e aqui Recorrido reconheceu toda esta factualidade como não resultando de culpa da Requerente, pelo que permitiu e aceitou a celebração dos acordos de pagamento; acordos esses que foram já cumpridos.
Na verdade, e como resulta do teor dos documentos ora juntos sob os nºs 1 a 7, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, acabou de ser concluído, no mês de outubro de 2019, o pagamento da totalidade da dívida da Requerente ao Requerido, tendo aquela pago a este, em 2018, o quantitativo de €60.110,00 e, em 2019, o valor de 156.858,23€ - factos e documentos que, porque supervenientes, ora se admitem nos autos.
Como advogado, inexistiu fundamento para que se operasse a resolução contratual unilateral avançada pelo aqui Requerido.
Com efeito, os fundamentos da pretensão de impugnação da decisão em causa são tão evidentes que tornam perfeitamente claro um juízo, ainda que perfunctório, da viabilidade da acção e de dela resultar a impugnação do acto em crise.
Houve atrasos, justificados e consentidos, na realização de pagamentos bem como a celebração de acordos para a regularização da situação, a invocação daqueles alegados incumprimentos, por parte da Requerida, é inadmissível, constituindo, em certa medida, uma situação de verdadeiro venire contra factum proprium:
“O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.
(...)
A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo. Impõe, que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2007, no proc. 07B1964JSTJ000).
Senão vejamos,
Entende a Requerente que é natural, em contratos de longa duração como o presente (25 anos) que surjam vicissitudes factuais que alterem supervenientemente o objecto do contrato ou o modo do seu cumprimento.
Conforme resulta das notificações do Requerido à Requerente, aquele imputa-lhe:
1-Ter incumprido o plano de pagamentos;
2-Ter interrompido a exploração do estabelecimento da concessão, sem que tenham sido tomadas medidas adequadas à remoção da respectiva causa;
3-Ter recusado proceder à conservação e manutenção dos bens, instalações e equipamentos que compõem o estabelecimento da concessão. Acusações que, a Recorrente repudia, considera falsas e que não consubstanciam incumprimento em termos que permita a resolução do contrato.
Desde logo, questiona-se, em face de todo o investimento de renovação levado a cabo pela Requerente, como pode o Requerido vir dizer que aquela se recusa a proceder à conservação e manutenção dos bens, instalações e equipamentos que compõem o estabelecimento da concessão?
Enfim... Não se compreende, nem se justifica.
Acto contínuo, como resulta da notificação do Requerido, já junta sob o Doc. nº 3 e desde logo quanto à alínea c) das várias que discriminam a alegada factualidade, o Requerido refere-se a um incumprimento (alegado) de uma sociedade terceira ao presente contrato de concessão,
E por factos que não fazem parte desse contrato!
Mas vejamos, a alínea c) menciona a seguinte materialidade:
“Tendo a câmara municipal aprovado um plano de pagamentos do valor em débito a título de fornecimento de água pública em 12 prestações iguais, mensais e sucessivas, no montante de € 1.500,00 cada uma, com início em 10 de julho de 2014 e termo em 10 de junho de 2015, a vossa empresa não cumpriu o estabelecimento nesse plano de pagamentos, pelo que, na atualidade o valor das faturas de abastecimento de água em nome da T. ascende à quantia de € 11.587,07.”
Ora, como resulta daquela mesma notificação, essa alegada dívida não é titulada pela aqui Requerente, mas sim por outra sociedade. Essa outra sociedade não tem actualmente qualquer obrigação ou direito em relação ao contrato cuja intenção de resolução é manifestada.
Realça-se ainda que, o Município, de modo a tentar concretizar, fundamentar, a violação grave e reiterada dos deveres da sociedade, inclui o montante deste débito nas contas finais, e alega este incumprimento para atingir tal desiderato.
Obviamente que a aqui sociedade é alheia a alegados incumprimentos de terceiras sociedades para com o Município, e estes, a existirem, não podem servir de fundamento para eventual tomada de decisão de resolução do contrato de concessão aqui em crise
Quando, mais porque foi o Requerido o primeiro a incumprir o contrato.
Assim, como alegado, a decisão de resolver o contrato de concessão, avançada pelo Requerido, para além de injusta e injustificável, trará à Requerente uma lesão considerável e um prejuízo de difícil reparação, sendo ademais ilegítima e ilegal - isto porque o ora Requerido, no decorrer da relação contratual, sempre reconheceu que ocorreu, de facto, uma alteração dos pressupostos e das circunstâncias.
Ora, no que concerne a alteração de pressupostos, já se adiantou, supra, a primeira. Assim, conforme se referiu, a concessionária, quando formalizou o contrato de concessão, tinha a expectativa séria de que o Hotel funcionaria e de que aquele e as termas estariam abertos simultaneamente,
no intuito de que houvesse uma relação de reciprocidade comercial que potenciasse os lucros.
Porém, tal pressuposto frustrou-se, porquanto a entidade exploradora, como se salientou já, encontrava-se em falência.
Por outro lado, o referido contrato de concessão implicava para a concessionária a realização de um investimento.
No entanto, esse investimento revelou-se muito superior ao esperado, tendo em consideração que foi necessário investir também no Hotel, quer na sua exploração, quer na sua renovação, o que nunca esteve, inicialmente, nos planos da concessionária, obrigando-a a um esforço económico muito superior àquele que tinha planeado quando aceitou a concessão.
Posto isto e quanto às alterações de circunstâncias que ocorreram no decurso do contrato, refira-se que o contrato de concessão foi celebrado em 2007, sendo por demais consabido que, logo em 2008, a crise económica se instalou na Europa.
Essa crise afectou com especial incidência Portugal e Espanha, precisamente os países relativamente aos quais seria previsível as termas receberem mais visitantes e acarretou uma enorme diminuição do poder de compra dos potenciais usuários do estabelecimento termal.
Isto saliente-se, logo após a concessionária ter realizado um avultado investimento na recuperação do espaço e infraestrutura termal.
Por outro lado, e posteriormente, a referida crise económica ditou também o fim dos apoios estatais - comparticipações - aos utentes das termas em Portugal, conforme se alcança do Doc. nº 15, o que acarretou perdas financeiras para a concessionária, conforme se alcança dos Docs. nº 16 e 17 juntos, levando à necessidade de operar três aumentos de capital para que a sociedade Requerente tivesse fundos próprios de modo a manter o Hotel e as Termas, simultaneamente, abertos ao público, tudo conforme Doc. nº 18.
Por outro lado, o Requerido acusa a Requerente de incumprimento.
No entanto, foi ele o primeiro a incumprir. Aliás, nem se dignou contrariar a versão da Recorrente, oferecendo alegações e dando uma dinâmica diferente do caso.
Face a toda a situação, o estabelecimento termal foi encerrado pela Entidade Sanitária competente, o que, por sua vez, levou a que fosse necessário suspender o funcionamento das Termas.
Ora, tal suspensão não se deveu a qualquer conduta da concessionária. Mas antes do Requerido, o que foi devidamente reconhecido pelos técnicos vinculados à entidade concedente.
Na verdade, aquela situação acarretou prejuízo para a Requerente,
que desde logo teve perdas de receitas imediatas, mas, pior, viu o seu prestígio diminuir, porquanto passou a correr o rumor de que as termas estavam contaminadas.
Nunca houve qualquer incumprimento pela concessionária antes de começarem os problemas com o fornecimento e contaminação da água...
Problemas que diziam exclusivamente respeito ao ora Requerido.
Por outro lado, e não menos relevante, a referida situação da água obrigou a Requerente a um gasto adicional de cerca de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) por ano para eliminar os germes da água com limpezas a alta temperatura, conforme se alcança das dezenas de faturas de fornecimento de gás, que se juntam todas.
Todas aquelas referidas circunstâncias levaram, de facto, a atrasos de pagamento., compreensíveis, porém, porquanto a Requerente sofreu prejuízos de diversa ordem:
-gastou a sua imagem;
-teve perdas de faturação;
-foi obrigada a realizar acrescido esforço económico.
Posto isto.
É injustificada a decisão de proceder à resolução do contrato, ademais se reforçando que a mesma poderá até consubstanciar um abuso de direito, porquanto: “Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2008, proc. 2889/2008-6
Assim, mal andou o tribunal a quo, ao decidir:
“Com efeito, na prática o que pretende a Requerente é que, em virtude das alegadas alterações, o seu incumprimento dos pagamentos que contratualmente assumiu não só não gere a consequência prevista no Caderno de Encargos, como parece ainda pretender uma dilação em tais pagamentos, ou mesmo a sua redução.
Todavia, a alteração das circunstâncias ou dos pressupostos está delimitado temporalmente pela vigência do próprio contrato, o que implica que depois de o contrato se extinguir, já não se pode obter a sua modificação ou impedir, através dessa alteração, a produção dos efeitos do incumprimento definitivo ou da sua resolução.
Por outro lado, tendo o contrato sido resolvido com base no incumprimento da Requerente, esta já não pode requerer ou obter a seu favor a modificação das cláusulas contratuais a que se vinculou e que incumpriu.
E, a alteração dos pressupostos alegados pela Requerente não constituem circunstâncias em que as duas partes fundaram a decisão de contratar, mas sim circunstâncias, ou melhor, expectativas, que a própria Requerente, subjectivamente, tomou como pressupostos (sabendo-os futuros e incertos), nem as circunstâncias sofreram uma alteração anormal ou imprevisível com que legítima e razoavelmente não pudesse contar, pois a exigência de pagamento do valor das rendas pelas quais se propôs contratar, apesar de a realidade e de o mercado não se ter desenvolvido como a Requerente esperava, está inteiramente coberta pelos riscos do próprio contrato, não se mostrando excessivamente onerosa, nem afectando gravemente o princípio da boa fé.
Ora, independentemente de agora se apurar se o pagamento relativo ao fornecimento de água é ou não da responsabilidade da Requerente, o certo é que a mesma incumpriu as suas obrigações contratuais, designadamente o pagamento das prestações contratualmente acordadas [cf. alínea O) do probatório], o que é causa suficiente de rescisão contratual, nos termos do disposto na alínea b), do nº 2, do artigo 11º do Caderno de Encargos [cf. alínea C) do probatório].
Desta forma, não se descortina a invalidade do acto aqui em crise.
Referiu, ainda, a Requerente que caso a pretensão do Requerido acolha a tutela do Tribunal estamos perante uma situação de enriquecimento sem causa, o qual não é legítimo, porquanto não se verificam os pressupostos da resolução contratual que o Requerido alega.
E andou mal porque, efectivamente:
-não houve qualquer intenção da Requerida, como afirmado, em reduzir os seus pagamentos, nem a sentença identifica aonde vai buscar tal fundamento, pois que, de facto, a Requerente até já cumpriu os acordos celebrados e pagou toda a sua dívida;
-aliás, o Requerido reconheceu a sua responsabilidade pelo seu incumprimento no fornecimento de água contratualmente garantido, razão pela qual permitiu e aceitou a celebração de acordos de pagamento: note-se que nesta sede nem sequer ofereceu contra-alegações, o que que nos faz lembrar o Povo quando afirma: “quem cala consente”;
-por assim ser, não houve violação grave das obrigações contratuais por parte da ora Requerente.
Além do mais, ocorreram circunstâncias inesperadas, reconhecidas pelo Requerido, nomeadamente, a realização de um esforço de investimento superior ao previsto, a crise económica de 2008 em diante, a perda de receitas e despesas no tratamento de água.
Na sequência da alteração dos pressupostos do negócio e das circunstâncias imprevistas, e como consequência, a Requerente viu os seus proveitos a diminuir e os seus custos a aumentar, de uma forma que não constituía o risco normal do negócio, ao contrário do que é dito na sentença; o que levou a uma justificada dificuldade em cumprir pontualmente as suas obrigações.
O Requerido reconheceu toda esta factualidade, já sobejamente assinalada.
Assim, as dilações da Requerente no cumprimento das suas obrigações de pagamento foram negociadas, justificadas e consentidas;
O Requerido foi a primeira parte a violar uma obrigação contratual (repete-se, de fornecimento de água);
Para além o abuso de direito que se adivinha, o recebimento, pelo Requerido, do pagamento do preço contratual negociado sem que este tenha cumprido a sua contrapartida contratual constitui um enriquecimento sem causa -lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Em Suma:
-perfunctoriamente demonstrado poder a Requerente vir a ver declarada deferida, na acção principal, a sua pretensão, impõe-se a correção da decisão recorrida;
Efectivamente resulta da sentença sub iudice:
“(…) Para sustentar o preenchimento do critério de decisão em apreço, arguiu a Requerente que o acto suspendendo é inválido por violação do direito de audiência prévia, uma vez que foi proferido sem serem efectuadas as diligências de prova requeridas no exercício daquele direito.
(…) Na situação em apreço, a Requerente, no exercício da audiência prévia, requereu diligências complementares, designadamente a prestação de declarações do seu representante e a inquirição de uma testemunha [cf. alínea N) do probatório], as quais não foram realizadas, nem o Requerido proferiu decisão expressa a dispensar as mesmas, (…)
Ora, analisada a defesa apresentada pela Requerente não se avista a alegação de factos cuja prova fosse apta a infirmar os factos apurados no procedimento, mas sim um conjunto de justificações para a ocorrência desses factos, o que gera a inutilidade das diligências requeridas.
Neste sentido, não se vislumbra a violação do direito de audiência prévia;
-não é certo que não tenham sido alegados, em sede de exercício de audiência prévia, factos aptos a infirmar o direito de resolução do Requerido;
-sucede, como exposto supra, que o incumprimento inicial do contrato partiu do Requerido e foi este quem despoletou os incumprimentos sucessivos;
-a audição prévia da Recorrida era exigida pelo art.º 267º/5 da CRP, constituindo postulado imanente do Estado de Direito Democrático (v. artºs 32º/10 e 267º/1 da CRP; cfr. Ac. TC 659/2006, de 28/11/2006, pelo que a falta nunca se degradaria em formalidade não essencial, aproveitando-se e sanando-se um acto claramente ilegal e lesivo (v. artºs 20º, 266º e 268º/4 da CRP), não podendo ser omitida ou convalidar-se a sua omissão por via jurisdicional (Acórdãos do STA de 15/11/2006, proc. 0531/06; de 18/10/2006, proc. 0497/06 e de 25/6/2008, proc. 0392/08).
Nos termos do artigo 100º do CPA, “…os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” admitindo-se que “o responsável pela direcção do procedimento [não proceda] à audiência dos interessados quando a decisão seja urgente, (…)” (nos termos do artigo 100º/3/a) do CPA).
“A urgência justificativa da preterição da formalidade da audiência prévia deve resultar objectivamente do ato administrativo e das suas circunstâncias, sendo irrelevante a urgência afirmada posteriormente ao ato e que dele inequivocamente não resulte” (…). (…) “A Administração não goza de um poder discricionário de livremente integrar o conceito de urgência, sendo pois evidente que a mesma, ainda que não afirmada formalmente na decisão administrativa, deve resultar objectivamente do seu conteúdo e das circunstâncias que a conformam”. (…) O que quer dizer, como se afirmou no Acórdão do Tribunal Pleno de 4/07/2006, proc. 498/03, desde que se verifique uma situação objectiva de urgência, isto é, desde que se verifique uma situação em que o factor tempo na tomada e implementação da decisão se revele essencial para o seu êxito e desde que esta urgência seja contemporânea do ato a autoridade administrativa não só está dispensada do cumprimento do artº 100.º do CPA como também não está obrigada a justificar de forma expressa as razões que a levam a não cumprir o disposto nesse normativo. Ou, dito de forma diferente, a “urgência” só justifica a inexistência da audiência prévia dos interessados nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da medida administrativa a adoptar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitivamente ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento” …” (Acórdão do STA de 03/05/2013 no proc. 00217/08.0 BEPRT).
Esta figura jurídica constituiu à época (e constitui ainda hoje) um marco de extrema relevância no sentido de afirmar uma Administração que decide “com os particulares” e não “de costas” para os particulares. Por isso mesmo é que, fora dos casos previstos no artº 100º do CPA, a audiência prévia dos interessados é obrigatória e a sua falta gera - em regra e salvo situações absolutamente excepcionais - a invalidade do acto administrativo assim praticado.
Quanto aos casos excepcionais, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que a verificação de qualquer um dos pressupostos previstos nesse artigo, para relevar, tem de ser invocada e fundamentada juntamente com a decisão administrativa, sendo irrelevantes justificações a posteriori (maxime, em processos judiciais) que procurem remediar o esquecimento atempado ou a pura preterição desta formalidade essencial.
Nos termos do artº 100º/1 do CPA, fica bem claro que a audiência prévia dos interessados é um direito destes - de aplicação geral - e não uma faculdade ou um favor da entidade administrativa, ficando igualmente bem claro que esta entidade tem de facultar ao interessado, nomeadamente, o sentido provável da decisão, devendo este ficar a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.
A este propósito ensinam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos: “mesmo que não seja discernível uma fase procedimental instrutória a ser traduzida em actos materiais ou imateriais com projecção externa, qualquer acto administrativo implica pelo menos uma actividade mínima de averiguação dos seus pressupostos de facto e de direito (ou seja, uma instrução em sentido funcional), ainda que consistente em puras operações intelectivas do autor do acto; do ponto de vista das funções objectivas e subjectivas da audiência dos interessados nada justifica a priori a sua exclusão nestes casos” (em “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 1ª ed., Dom Quixote, 2007, pág. 128).
É certo, que a falta de realização de audiência dos interessados poderá degradar-se em diligência não essencial, quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só podia ser aquela que foi tomada.
Todavia, não é este o caso dos autos, nem a Entidade Demandada então o invocou.
Decorre do princípio de aproveitamento dos actos administrativos, que a anulação de um acto viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado.
O princípio do aproveitamento do acto administrativo - princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti-formalista, a de princípio da economia dos actos públicos), tem subjacente a ideia de preterição de formalidades essenciais.
In casu, a assunção do princípio do aproveitamento do acto era totalmente desaconselhada, pois, de forma alguma, se pode concluir que o estrito cumprimento da formalidade em falta em nada alteraria a decisão em questão.
Pensamos, antes, que, nas circunstâncias actuais, reconhecido o vício de violação do direito de audiência prévia por falta de inquirição de testemunhas, a melhor solução será revogar a sentença, proferir decisão de deferimento da providência, em vez de devolver o processo à 1ª instância. Isto porque, como bem observa a jurisprudência, o processo judicial é vocacionado para fiscalizar e não para suprir falhas procedimentais e a prova documental é abundante;
-concluindo, estando todas as alterações de circunstâncias, pressupostos e obrigações contratuais, bem como ulteriores negociações entre as partes abordados factual e perfunctoriamente nos autos, impõe- se, em razão da alegação de tais factos, por demais esclarecidos, ponderar devidamente a inexistência, no caso, de qualquer direito de resolução por parte do Requerido/Município.
Procedem, assim, todas as conclusões da, aliás, bem estruturada peça processual da Recorrente.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e concede-se a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto proferido pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...), datado de 17/01/2018, nos termos do qual foi determinada a resolução do contrato de concessão de exploração do edifício do estabelecimento termal de (...).
Sem custas, nesta instância (atenta a ausência de contra-alegações).
Notifique e DN

Porto, 31/01/2020




Fernanda Brandao
Frederico Branco
João Sousa