Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00544/17.5BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:NULIDADE INSUPRÍVEL: PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
Sumário:I. A notificação relativa à decisão de aplicação da coima deve conter os termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva - cfr. artigo 79.º, n.º 2 do RGIT.

II. Se a AT não provou ter efetuado a notificação dos termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação, como resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso – cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.

III. Verificada, em processo judicial de contraordenação tributária, a nulidade decorrente da falta de menção na notificação dos termos da decisão, designadamente, da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima [cfr. artigos 79.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], há lugar à anulação da notificação e dos termos subsequentes do processo e remessa dos autos à entidade administrativa, tendo em vista a possível repetição do ato de notificação afetado.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:L., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. Relatório

A Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º n.º 1 alínea d), por referência ao disposto no artigo 79.º n.º 1 alínea b), ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, pelo que se decidiu anular as decisões de fixação das coimas proferida nos processos de contraordenação n.ºs 01082017060000007066 e 01082015060000067328, bem como os respetivos processados subsequentes. E em consequência remete os processos à autoridade administrativa, para eventual sanação das referidas nulidades e renovação dos atos sancionatórios, se a tal nada mais obstar.

A Recorrente não se conformou tendo interposto recurso formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 04/03/2020, que julgou verificada a nulidade insuprível, nos termos previstos no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, por incumprimento do requisito a que se alude no artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma, porque não foi indicado o montante de imposto apurado a final e, se esse imposto foi atempadamente pago e em que data.

2. Contudo, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento, pois considera que se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, não tendo que ser feita menção à indicação do montante de imposto apurado a final e se o mesmo foi atempadamente pago e em que data, sendo que tal omissão não constitui nulidade insuprível nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.

3. De acordo com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário, “A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas;”, sendo que estes são os descritos no n.º 1 do artigo 79.º do mesmo diploma, entre os quais, se encontra “A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” - sua alínea b).

4. A descrição sumária dos factos visa assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa, no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, poder com base nessa percepção defender-se adequadamente.

5. Este requisito legal deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, sendo que os factos que importa descrever, ainda que sumariamente, são os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada, tendo por objetivo assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa constitucionalmente lhe assiste por via do artigo 32.º, n.º 10 da CRP, no pressuposto como referido de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, poder com base nessa percepção defender-se adequadamente.

6. Então, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de atipicidade do facto e consequentemente de não poder haver lugar à aplicação de qualquer coima (cfr. o conceito de infracção tributária constante n.º 1 do artigo 2.º do RGIT).

7. A infracção imputada à arguida, consubstancia-se na falta de entrega da prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta nos termos do artigo 106.º, n.º 1, do CIRC, sendo as normas punitivas de tal conduta os artigos 114.º, n.ºs 2 e 5 alínea f) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.

8. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 106.º, n.º 1 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), que à data dos factos, tinha a seguinte redação:
“Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respetivo” – [negrito e sublinhado nosso].

9. O pagamento especial por conta é um instrumento tributário que configura uma obrigação fiscal do contribuinte, ao qual é exigido que pague antecipadamente um montante legalmente determinado relativo ao imposto do exercício em curso, in casu IRC, previamente ao seu apuramento definitivo.

10. Por outro lado, para efeitos contra-ordenacionais é punível como falta de entrega da prestação tributária a falta de pagamento total ou parcial da prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta do imposto devido a final (cfr. artigo 114.º, n.ºs 2 e 5 alínea f) do RGIT).

11. A letra da alínea f) deste n.º 5 tipifica como contra-ordenação a falta de pagamento por conta do imposto devido a final, pelo que, verificando-se que é devido o pagamento especial por conta, a sua falta de pagamento, configurará infracção contra-ordenacional.

12. A infracção tributária materializa-se no momento em que o contribuinte estava obrigado a proceder à entrega da prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta e não o fez, considerando-se a infracção cometida no termo do prazo para o fazer.

13. No caso em análise, a arguida, estava obrigada a efectuar a entrega do valor do pagamento especial por conta, referente aos exercícios de 2014 e 2015 nos montantes, respetivamente, de € 28.436,95 e € 9.219,90, cujos prazos de pagamento terminavam nos dias 31/10/2014 e 31/10/2015, o que não fez, pelo que a sua conduta constitui infração contra-ordenacional prevista e punida pelos artigos 106.a, n.º 1 do CIRC e 114.º n.ºs 2 e 5 f) e 26.º, n° 4 do RGIT.

14. Relativamente ao processo de contra-ordenação n.º 01082015060000067328, foram descritos os seguintes factos [cfr. ponto 5 dos factos provados]:
Valor da prestação tributária exigível: 44.436,95;
Valor da prestação tributária entregue: 16.000,00;
Valor da prestação tributária em falta: 28.436; 95;
Período a que respeita a infração: 2014/10;
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-10-31.”

15. E, ao processo de contra-ordenação n.º 01082017060000007066: [cfr. ponto 10 dos factos provados]:
Valor da prestação tributária exigível: 14.219,90;
Valor da prestação tributária entregue: 5.000,00;
Valor da prestação tributária em falta: 9.219,90;
Período a que respeita a infração: 2015/10;
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-10-31.

16. As referidas descrições foram complementadas pela indicação da norma infringida, o artigo 106.º, n.º 1 do CIRC – falta de entrega de pagamento especial por conta e da norma punitiva, os artigos 114º n.ºs 2 e 5 f) e 26.º, n° 4, do RGIT – falta de entrega da prestação tributária [cfr. pontos 5 e 10 dos factos provados].

17. Os factos descritos permitem à arguida, perceber que a coima aplicada se ficou a dever ao facto de não ter entregue, dentro do prazo legal, os montantes, respectivamente de € 28.436,95 e € 9.219,90, referentes ao pagamento especial por conta, relativo aos exercícios de 2014 e 2015,cujos prazos de pagamento terminaram em 31 de Outubro do respectivo ano, que essa conduta o que constitui contra-ordenação resultante da violação do disposto no artigo 106.º, n.º 1 do CIRC, punível pelos artigos 114.º, n.ºs 2 e 5.º, alínea f) e 26.º, n.º 4 do RGIT, tendo com base nesta percepção, interposto recurso da decisão de aplicação da coima nos termos do artigo 80.º do RGIT.

18. Por isso, é de concluir que não existe incumprimento do requisito imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT.

19. E, que a falta de indicação do montante de imposto de IRC apurado a final e, se o mesmo foi pago e em que data, não integra nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1 alínea d) do RGIT, pois não é facto integrador e essencial do tipo legal de contra-ordenação da falta de entrega da prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta, prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4 do RGIT, por violação do artigo 106.º, n, º 1 do CIRC

20. Pelo que, entende a Fazenda Pública com a ressalva do devido respeito, que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porque, não obstante, não ter sido feita referência à indicação do montante de imposto de IRC apurado a final e se o mesmo foi atempadamente pago, foi cumprido o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do RGIT, não se verificando a nulidade insuprível nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT.

21. Pelo que deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada e substituída por uma que julgue improcedente o recurso interposto, com as legais consequências.


Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença de que se recorre e o recurso interposto das decisões de fixação de coima proferidas nos processos de contra-ordenação n.ºs 01082017060000007066 e 01082015060000067328 ser julgado improcedente, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça.(…)”

A Recorrida contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões:

1) Nas decisões de aplicação das coimas não foi sequer invocado que, com referência aos exercícios de 2014 e 2015 (durante os quais deveriam alegadamente ter sido efectuados os pagamentos especiais por conta), assistisse à Autoridade Tributária o direito de cobrança de algum imposto.

2) Dos autos nada consta quanto à existência de lucro tributável ou de matéria colectável de que resultasse qualquer imposto a pagar, sendo certo que tal circunstância faz parte do tipo objectivo da contra-ordenação imputada à Recorrida.

3) Para além disso, conforme se refere na douta Sentença recorrida, nos documentos enviados à Recorrida nada se diz quanto à forma através da qual a Administração Fiscal terá efectuado o cálculo do montante dos pagamentos por conta em falta, dele constando apenas um valor, sem mais.

4) Sob a epígrafe “Elementos que contribuíram para a fixação da coima”, a Administração Fiscal, naqueles documentos, limita-se a concluir que o “Valor da prestação tributária em falta” se cifra, respectivamente, em €28.436,95 e em €9.219,90, não esclarecendo o modo pelo qual apurou esse valor.

5) Como é evidente, esta forma de proceder à descrição dos factos constitutivos da infracção não preenche a previsão da supra citada norma do art. 79º-1/b do RGIT.

6) Fazendo alusão à circunstância de o “Valor da prestação tributária em falta” se cifrar, respectivamente, em €28.436,95 e em €9.219,90, o órgão decisor estava obrigado a descrever o iter cognoscitivo que lhe permitiu chegar a essa conclusão, o que manifestamente não sucede no caso sub judice.

7) A falta de menção, na decisão de fixação da coima, da descrição sumária dos factos, determina, nos termos do disposto no art. 63º-1/d do RGIT, a nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, pelo que a douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo.

8) Sem conceder,
9) A título subsidiário, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 636º-1-2 do CPC (aplicável ao caso sub judice por força do disposto, sucessivamente, no art. 3º/b do RGIT, no art. 41º do RGCO, e no art. 4º do CPP), sempre deverá esse tribunal ad quem conhecer da nulidade insuprível do processo nº 01082017060000007066, decorrente da circunstância de, em contravenção com o disposto nos artigos 27º-1 e 79º-1/c do RGIT, o documento que foi enviado à Recorrida não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.

10) Muito embora nesse documento seja feita referência aos “Elementos que contribuíram para a fixação da coima”, a verdade é que em nenhum local do mesmo se alude à “gravidade do facto”, à “culpa do agente” e à “sua situação económica” (cfr. artigo 27º-1 do RGIT).

11) Sem a concreta referência aos elementos que contribuíram para a fixação da medida da coima, nem a arguida pode saber quais foram os fundamentos da medida da coima aplicada, nem o julgador pode apreciar e decidir se a coima foi bem ou mal graduada.

12) Assim, a notificação através da qual foi notificada à arguida a decisão de aplicação da coima é inválida, por falta dos requisitos legais previstos no art. 79º-1/c do RGIT, encontrando-se, por esse motivo, o processo enfermo de nulidade insuprível, ex vi do disposto no art. 63º-1/d do RGIT, a que não é aplicável o disposto no artigo 37º do CPPT nem qualquer outra forma de suprimento da mesma.

13) Todavia, quanto a tal questão, na douta Sentença recorrida, julgando-se improcedente esse fundamento alegado pela aqui Recorrida no recurso por ela interposto da decisão de aplicação da coima, é referido “que, para além dos elementos já referidos, consta ainda da notificação a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo eletronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respetivo Serviço de Finanças”, que, “mediante tal consulta, poderia a Recorrente ter acedido à indicação completa dos elementos que contribuíram para a determinação das medidas das coimas”, pelo que, “tendo presente a possibilidade de aceder eletronicamente aos elementos omitidos, não se pode considerar que a Recorrente ficou impossibilitada de compreender os motivos das decisões nem prejudicada no exercício do seu direito de recorrer judicialmente das mesmas.”

14) Apenas com base nessa alegação, na douta Sentença recorrida refere-se que “Conclui-se, assim, que, por via do teor das respetivas notificações, a Recorrente teve conhecimento dos elementos essenciais das decisões de fixação da coima e, bem assim, dos termos em que poderia proceder à regularização da situação ou recorrer judicialmente das decisões, sendo que a ausência da totalidade dos elementos que contribuíram para a determinação das medidas das coimas em nada prejudicou a possibilidade de exercer, de modo atempado e informado, o seu direito de impugnação circunstância da notificação da decisão não conter parte dos referidos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima não impediu ou prejudicou o exercício do direito de impugnação”, e, com base nessa mesma conclusão, considera “que é de concluir pela improcedência do primeiro fundamento invocado em ambos os Recursos”.

15) Sucede que, para chegar a tais conclusões, o tribunal a quo não se poderia ter limitado a dar como provado que, na notificação enviada à arguida (ora Recorrida), se refere que “Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt ou no Serviço de Finanças instrutor do processo”.

16) Impunha-se ainda que tivesse dado como assente que, a partir da altura em que a arguida foi notificada da decisão de aplicação da coima (ou em qualquer outro momento), esses “elementos do processo” constavam efectivamente no citado endereço da internet e estavam acessíveis à mesma, ou que os mesmos estavam disponíveis para ela os poder consultar no “Serviço de Finanças instrutor do processo”.

17) Com efeito, tendo a douta Sentença recorrida concluído que os “elementos do processo” constavam no citado endereço da internet ou estavam disponíveis no “Serviço de Finanças instrutor do processo”, cumpria-lhe, em obediência ao dever legal de fundamentação a que se encontra sujeita (cfr. art. 205º-1 da CRP) – e que, em matéria de direito penal e de direito contra-ordenacional, tem uma densificação reforçada (cfr. art. 97º-4 e 374º-2 do CPP, aplicáveis ex vi do art. 3º/b RGIT e do art. 41º do RGCO) –, elencar os factos em que terá feito assentar aquela conclusão, para, dessa forma, convencer a ora Recorrida (arguida no processo de contra-ordenação) da correcção e justeza da mesma, e possibilitar ao tribunal ad quem a fiscalização e o controlo da actividade decisória.

18) Tanto mais que, como é do conhecimento geral, nem toda a informação que a AT insere no Portal das Finanças está acessível aos contribuintes, e que nem toda a informação de que ela dispõe nos respectivos serviços de finanças se encontra disponível para consulta desses mesmos contribuintes.

19) Ora, no acervo de factos que, na decisão recorrida, foram dados como provados, não é sequer feita alusão a que tais elementos constassem no citado endereço da internet e estivessem aí acessíveis à arguida, ou a que os mesmos elementos estivessem disponíveis, para ela os poder consultar, no serviço de finanças instrutor do processo.

20) Aliás, na decisão recorrida nem sequer é referido ter o Mmº Juiz do tribunal a quo indagado quanto à possibilidade de a arguida (aqui Recorrida e Recorrente no recurso da decisão de aplicação da coima) poder “consultar os elementos do processo, quer acedendo eletronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respetivo Serviço de Finanças”, nem tão pouco a que a decisão recorrida estivesse efectivamente disponível para consulta no endereço electrónico “www.portaldasfinancas.gov.pt”, fosse nas datas legalmente relevantes, fosse em quaisquer outras.

21) Com efeito, na douta Sentença recorrida, depois de se referir que “consta ainda da notificação a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo eletronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respetivo Serviço de Finanças”, conclui-se daí, de forma imediata e como consequência necessária, que, “mediante tal consulta, poderia a Recorrente ter acedido à indicação completa dos elementos que contribuíram para a determinação das medidas das coimas”, como se aquela mera referência feita na notificação da decisão gozasse de uma presunção de verdade que dispensasse o seu autor de provar a veracidade da mesma.

22) É evidente, pois, que a supra citada conclusão do tribunal a quo extravasa as premissas disponíveis, sendo, assim, a matéria de facto provada manifestamente insuficiente para fundamentar a solução de direito que foi encontrada, e enfermando a decisão recorrida do vício de falta de fundamentação quanto a essa parte.

23) Ao concluir que a arguida poderia ter “acedido à indicação completa dos elementos que contribuíram para a determinação das medidas das coimas” nos locais referidos na notificação da decisão de aplicação da coima sem ter verificado se, na altura em que a mesma arguida (e ora Recorrida) foi notificada da decisão de aplicação da coima (ou em qualquer outra), esses “elementos” constavam efectivamente no endereço da internet citado e estavam acessíveis à arguida, ou se estavam disponíveis no Serviço de Finanças respectivo para ela os poder consultar, a decisão recorrida violou o princípio da fundamentação consagrado nos arts. 205º-1 da CRP, bem como nos arts. 97º-4 e 374º-2 do CPP (aplicáveis ex vi do art. 3º/b RGIT e do art. 41º-1 do RGCO).

24) Pelo exposto, verifica-se uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410º-2/a do CPP, aplicável ex vi do disposto nos arts. 3º/b do RGIT e 41º do RGCO), uma vez que só dando como provado que a decisão de aplicação da coima estava efectivamente disponível no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt ou no Serviço de Finanças respectivo é que o tribunal a quo poderia ter concluído, como concluiu, pela improcedência do acima referido fundamento invocado no recurso apresentado pela aqui Recorrida no PCO nº 01082017060000007066.

25) Sendo certo que, a final, o tribunal a quo sempre teria de concluir que a notificação através da qual foi notificada à arguida a decisão de aplicação da coima é inválida, por falta dos requisitos legais previstos no art. 79º-1/c do RGIT, e, por esse motivo, o processo de contra-ordenação se encontra enfermo de nulidade insuprível, ex vi do disposto no art. 63º-1/d do RGIT, nulidade essa a que, sendo insanável, não é aplicável o disposto no artigo 37º do CPPT ou qualquer outra forma de suprimento da mesma (v.g., através da consulta do documento no “portal das finanças” ou em outro local da internet ou no mesmo serviço de finanças instrutor do processo).

26) Assim, apenas prevenindo a hipótese de o recurso interposto pela Fazenda Pública vir a ser julgado procedente (no que não se concede e apenas se admite por cuidados de patrocínio), deverá ser ordenado o reenvio do processo ao tribunal a quo para nova decisão relativamente à concreta questão acima mencionada, proferindo-se a final nova sentença.

Termos em que deverá ser mantida a douta Sentença recorrida.
Quando assim não se entender, e prevenindo a hipótese de o recurso interposto pela Fazenda Pública vir a ser julgado procedente (no que não se concede e apenas se admite por cuidados de patrocínio), deverá esse Tribunal Central Administrativo Norte, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 636º-1-2 do CPC (aplicável ao caso sub judice por força do disposto, sucessivamente, art. 3º/b do RGIT, no art. 41 do RGCO e no art. 4º do CPP), conhecer da nulidade insuprível do processo nº 010820170600000007066, decorre da circunstância de o documento que foi enviado à Recorrida não conter indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima, ordenando-se o reenvio do processo ao tribunal a quo para nova decisão relativamente a essa concreta questão, proferindo-se a final nova sentença,
Assim sendo feita Justiça(…)”

O digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no entendimento que “Tendo em conta o referido na douta sentença e as normas legais apontadas os requisitos da contra-ordenação são mais do que os elementos referidos na decisão que aplicou a coima faltando indicar qual o montante de imposto devido a final ou mesmo se era devido, pela que terá sido correcta decisão recorrida.
Parece-nos, pois que a douta sentença não merece qualquer reparo pelo que concordando, por inteiro, com os seus termos e fundamentos, é nosso parecer que o recurso deve improceder. “

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

As conclusões das alegações do recurso definem, o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal de recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração nos termos conjugados dos artºs 412.º, nº.1, do Código do Processo Penal, “ex vi” do artº.3, al. b), do RIGIT, e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo dec-lei n.º 433/82, de 27.10.

Prevê o artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.

As questões no presente recurso, a apreciar e decidir são as de saber se (i) a sentença incorreu em erro de julgamento: por não julgar verificada nulidade insuprível por falta dos requisito a que alude a alínea b) do art.º 79.º do RGIT, (ii) e a titulo subsidiário por força do disposto no art.º 636.º do CPC, conhecer da nulidade insuprível do processo nº 01082017060000007066, decorrente da circunstância de, em contravenção com o disposto nos artigos 27.º n.º 1 e 79.º n.º 1 alínea c) do RGIT, o documento que foi enviado à Recorrida não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da sentença recorrida ipsis verbis a seguinte matéria de facto:

1. Em 26.04.2015, o Serviço de Finanças de Ílhavo instaurou o processo de contraordenação n.º 01082015060000067328, com base em auto de notícia no qual é imputada à Recorrente a prática de uma infração ao disposto no artigo 106.º n.º 1 do Código do IRC, punível pelos artigos 114.º n.ºs 2 e 5 alínea f) e 26.º n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias, consubstanciada na falta de entrega de pagamento especial referente ao mês de outubro de 2014, no montante de € 28.436,95 – cfr. documentos de fls. 44 a 46 do sitaf;
2. Em 06.06.2015, no âmbito do processo de contraordenação referido no ponto anterior, foi proferida decisão de fixação de coima no montante de € 8.723,03, e respetivas custas processuais no valor de € 76,50 – cfr. documento a fls. 49/50 do sitaf;
3. Da decisão de fixação de coima referida no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:
“[...]
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributária exigível: 44.436,95; 2. Valor da prestação tributária entregue: 16.000,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 28.436,95; 4. Período a que respeita a infração: 2014/10; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-10-31 [...].
[...]
Normas Infringidas
[...]
Artº 106º nº1 CIRC - Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta
[...]
Normas Punitivas
[...]
Artº 114 nºs 2 e 5 f) e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega da prestação tributária
[...]
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e
subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) [...]:

Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Acidental
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção 3 a 6 meses
[...]
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima [... J aplico ao
arguido a coima de Eur. 8.723,03 cominada no(s) Art(s)° [... J 114 n°s 2 e 5 f) e 26 n° 4 [... J
do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
[...]”– idem;
4. Para comunicação da decisão referida nos dois pontos anteriores, foi, em 15.06.2015, remetido para a caixa postal eletrónica da Recorrente um documento denominado “NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA – PAGAMENTO OU RECURSO JUDICIAL [...]”, o qual foi acedido em 30.06.2015 – cfr documentos a fls. 64 e 66 do sitaf;
5. Do documento referido no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:
“[...] fica notificado(a), da decisão em que foi aplicada a coima no montante de € 8.723,03, bem como das custas processuais no montante de € 76,50, proferida [...] em 2015-06-06, pelo seguinte:
Elementos que contribuíram para a fixação da coima
Valor da prestação tributária exigível:44.436,95
Valor da prestação tributária entregue:16.000,00
Valor da prestação tributária em falta:28.436,95
Período a que respeita a infração: 2014/10
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-10-31
[...]
Norma Violada
Artº 106º nº1 CIRC - Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta
Norma Punitiva
Artº 114 nºs 2 e 5 f) e 26 nº 4 do RGIT-Falta de entrega da prestação tributária [...] fica notifica(a) para, no prazo de 20 dias [...], efetuar o pagamento da coima acima referida bem como das custas processuais ou, em alternativa, recorrer judicialmente contra a decisão [...], vigorando, neste caso, o princípio da proibição da Reformatio in Pejus‟ (a sanção aplicada não será agravada, salvo se a situação económica e financeira do infrator tiver melhorado de forma sensível).
Mais fica notificado(a) de que o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 [...]dias [...] determina a redução para 75% do seu montante, não podendo, porém, a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo respetivo e sem prejuízo das custas processuais [...].
Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostre efetuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á à cobrança coerciva da coima e das custas processuais [... J, através de processo de execução fiscal [...].
[...]
Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt ou no Serviço de Finanças instrutor do processo.
[...]”
– cfr documento a fls. 44 do sitaf;
6. Em 25.01.2017, o Serviço de Finanças de Ílhavo instaurou o processo de contraordenação n.º 01082017060000007066, com base em auto de notícia no qual é imputada à Recorrente a prática de uma infração ao disposto no artigo 106.º n.º 1 do Código do IRC, punível pelos artigos 114.º n.ºs 2 e 5 alínea f) e 26.º n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias, consubstanciada na falta de entrega de pagamento especial referente ao mês de outubro de 2015, no montante de € 9.219,90 – cfr. documentos a fls. 6 e 7 do sitaf;
7. Em 26.02.2017, no âmbito do processo de contraordenação referido no ponto anterior, foi proferida decisão de fixação de coima no montante de € 2.848,95, e respetivas custas processuais no valor de € 76,50 – cfr. documento a fls. 10/11 do sitaf;
8. Da decisão de fixação de coima referida no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:
“[...]
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributária exigível: 14.219,90; 2. Valor da prestação tributária entregue: 5.000,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 9.219,90; 4. Período a que respeita a infração: 2015/10; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-10-31 [...].
[...]
Normas Infringidas
[...]
Artº 106º nº1 CIRC - Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta
[...]
Normas Punitivas
[...]
Artº 114 nºs 2 e 5 f) e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega da prestação tributária
[...]
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e
subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e
considerar o(s) seguinte(s) [...]:
Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
[...]
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima [...] aplico ao
arguido a coima de Eur. 2.848,95 cominada no(s) Art(s)º [... J 114 nºs 2 e 5 f) e 26 nº 4 [...]
do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas
custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec. Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
[...]”
– idem;
9. Para comunicação da decisão referida nos dois pontos anteriores, foi, em 08.03.2017, remetido para a caixa postal eletrónica da Recorrente um documento denominado “NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA – PAGAMENTO OU RECURSO JUDICIAL [... j”, o qual foi acedido em 17.03.2017 – cfr documentos a fls. 25 e 37 do sitaf;
10. Do documento referido no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte: “[...] fica notificado(a), da decisão em que foi aplicada a coima no montante de € 2.848,95, bem como das custas processuais no montante de € 76,50, proferida [...] em 2017-02-26, pelo seguinte:
Elementos que contribuíram para a fixação da coima

Valor da prestação tributária exigível:14.219,90
Valor da prestação tributária entregue:5.000,00
Valor da prestação tributária em falta:9.219,90
Período a que respeita a infração:2015/10
Termo do prazo para cumprimento da obrigação:2015-10-31
[...]
Norma Violada
Artº 106º nº1 CIRC - Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta
Norma Punitiva
Artº 114 nºs 2 e 5 f) e 26 nº 4 do RGIT-Falta de entrega da prestação tributária
[...] fica notifica(a) para, no prazo de 20 dias [...], efetuar o pagamento da coima acima referida bem como das custas processuais ou, em alternativa, recorrer judicialmente contra a decisão [...], vigorando, neste caso, o princípio da proibição da Reformatio in Pejus‟(a sanção aplicada não será agravada, salvo se a situação económica e financeira do infrator tiver melhorado de forma sensível).
Mais fica notificado(a) de que o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 [...] dias [...] determina a redução para 75% do seu montante, não podendo, porém, a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo respetivo e sem prejuízo das custas processuais [...].
Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostre efetuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á à cobrança coerciva da coima e das custas processuais [...], através de processo de execução fiscal [...].
[...]
Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt ou no Serviço de Finanças instrutor do processo.
[...]”
– cfr documento a fls. 25 do sitaf;
11. Em 15.07.2015, deu entrada no Serviço de Finanças de Ílhavo a petição inicial do Recurso da decisão de aplicação da coima proferida no processo 01082015060000067328 – cfr. averbamento a fls. 53 do sitaf;
12. Em 10.04.2017, deu entrada no Serviço de Finanças de Ílhavo a petição inicial do Recurso da decisão de aplicação da coima proferida no processo 01082017060000007066 – cfr. averbamento a fls. 14 do sitaf;
13. Em 27.05.2015, a Recorrente entregou a declaração de rendimentos referente a IRC do exercício de 2004 na qual apurou imposto a recuperar no valor de € 5.457,20, e indicou, além do mais, os seguintes valores:
a. Volume de negócios = € 18.516.451,56;
b. Coleta = € 29.433,67;
c. Pagamento especial por conta = € 29.433,67;
d. Retenções na fonte = € 36,70;
e. Pagamentos por conta = € 23.613,00;
f. Derrama municipal = € 1.978,28;
g. Tributações autónomas = € 16.214,22
– cfr. documentos de fls. 26 a 35 do sitaf.
*
Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Os factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
*

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A Recorrente alega, em síntese que, se não verifica a nulidade da decisão que aplicou as coimas por falta de cumprimento dos requisitos enunciados na alínea b) do art.º 79.°, n.° 1 do RGIT, atenta a falta de descrição sumária dos factos e a indicação normas violadas e punitivas e decisão, conforme determina o art.º 63.º n.º 1 al. d) do RGIT.

Entende que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porque, não obstante, não ter sido feita referência à indicação do montante de imposto de IRC apurado a final e se o mesmo foi atempadamente pago, foi cumprido o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 art.º 79.º do RGIT, não se verificando a nulidade insuprível nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT.

Vejamos:
Importa apreciar e decidir se a decisão de aplicação de coima violou os artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e 63.º, n.º 1, alínea d), ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), na medida em que, segundo a sentença recorrida, a decisão de aplicação da coima padece de nulidade insuprível, por falta de descrição sumária dos factos.

O artigo 63.º, nºs 1, al. d) e 3 do RGIT dispõe que:
1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contraordenação tributário:
(…)
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
(…)
3 - As nulidades dos atos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.”

Por sua vez, dispõe o artigo 79.º do RGIT, sob a epígrafe “Requisitos da decisão que aplica a coima”, o seguinte:
“1 - A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.
2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
3 - A notificação referida no número anterior é sempre da competência do serviço tributário referido no artigo 67.º”

Relativamente a esta questão, o STA pronunciou-se no acórdão n.º 02226/16.6BEPRT de 20.03.2019, na qual estava uma situação idêntica à dos autos, de nulidade da decisão de aplicação da coima por falta de indicação da descrição sumária dos factos. Onde lhe era imputada a prática de infração por falta de entrega de pagamento especial por conta, prevista no artigo 106.°, n.º 1 do CIRC, punida pelos artigos 114.º, nºs 2 e 5 alínea f) e 26.º, nº 4 do RGIT.

Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão do STA, procedendo às devidas adaptações que no caso em apreço se estas se mostrarem necessárias.
“(…) No essencial a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem acolhido o entendimento da doutrina de que «a «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517.).
Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].
No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão os factos constitutivos como tal tipificados na norma que pune como contra-ordenação fiscal a conduta do agente, ou na expressão acolhida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Secção proferidos nos recursos 855/11, de 23.11.2011, 241/09, de 29.04.2009, 540/09 de 16.09.2009, 593/09, de 16.09.2009 e 382/15 de 25.06.2015, todos in
www.dgsi.pt).
Como ficou dito no supra citado Acórdão 382/15 «não é nula a decisão de aplicação da coima que, embora de forma sintética e padronizada, cumpre os requisitos legalmente exigíveis, designadamente a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas e punitivas, a quantificação da coima e a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação».
No caso sub judice é isso que sucede.

Não obstante os termos sucintos da decisão de aplicação da coima, é manifesto que a mesma contém uma descrição sumária dos factos de forma a possibilitar à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, com perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram, e em termos bastantes para que se considere como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas).
(…)
Por isso havemos de concluir que os elementos constantes da decisão condenatória preenchem os requisitos legais previstos no artº 79º, nº 1, al. b) do RGIT e que, por esse motivo, o processo de contra-ordenação não padece da nulidade insuprível.(…)”

No caso em apreço, analisando a decisão de aplicação de coima constante dos factos 3) e 8) no item titulado “Descrição Sumária dos factos”, refere o seguinte:
1. Relativamente ao processo de contra-ordenação n.º 01082015060000067328, foram descritos os seguintes factos:
Valor da prestação tributária exigível: 44.436,95;
Valor da prestação tributária entregue: 16.000,00;
Valor da prestação tributária em falta: 28.436; 95;
Período a que respeita a infração: 2014/10;
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-10-31.”
2. Em relação, ao processo de contra-ordenação n.º 01082017060000007066:
Valor da prestação tributária exigível: 14.219,90;
Valor da prestação tributária entregue: 5.000,00;
Valor da prestação tributária em falta: 9.219,90;
Período a que respeita a infração: 2015/10;
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-10-31.

No item “Norma Violada” remete para a violação do art.º 106.º n.º 1 do CIRC (falta de entrega de pagamento especial por conta). E na “Norma Punitivapara o art.º 114 n.º 2 e 5 da alínea f) e 26.º n. º4 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária).

Transpondo para o caso subjudice, a jurisprudência citada no referido acórdão, e pelas mesmas razões, as decisões de aplicação de coimas não incorreram em nulidade pelo que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento o que conduz à sua revogação.

4.3. A Recorrida nas sua contra-alegações alega a título subsidiário, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º do CPC [aplicável ao caso sub judice por força do disposto, sucessivamente, no art.º 3º alínea b) do RGIT, no art.º 41º do RGCO, e no art.º 4º do CPP], sempre deverá esse tribunal ad quem conhecer da nulidade insuprível do processo nº 01082017060000007066, decorrente da circunstância de, em contravenção com o disposto nos artigos 27º n.º1 e 79º n.º1 alínea c) do RGIT, o documento que foi enviado à Recorrida não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.

Alega ainda, que muito embora nesse documento seja feita referência aos “Elementos que contribuíram para a fixação da coima”, a verdade é que em nenhum local do mesmo se alude à “gravidade do facto”, à “culpa do agente” e à “sua situação económica” (cfr. artigo 27º-1 do RGIT).

E que sem a concreta referência aos elementos que contribuíram para a fixação da medida da coima, nem a arguida pode saber quais foram os fundamentos da medida da coima aplicada, nem o julgador pode apreciar e decidir se a coima foi bem ou mal graduada.

Assim, a notificação através da qual foi notificada à arguida a decisão de aplicação da coima é inválida, por falta dos requisitos legais previstos no art.º 79.º n.º1 alínea c) do RGIT, encontrando-se, por esse motivo, o processo enferma de nulidade insuprível, a que não é aplicável o disposto no artigo 37.º do CPPT nem qualquer outra forma de suprimento da mesma.

Vejamos.
Antes de mais importa alertar que nas conclusões a Recorrida reporta-se unicamente à contraordenação n.º 01082017060000007066, no entanto nas motivações refere-se também à contraordenação n.º 01082015060000067328, nas petições das referidas contraordenações levanta a mesma questão em cada uma delas. Por sua vez a sentença recorrida apreciou a nulidade insuprível em relação aos dois processos.
Nesta conformidade e tendo em conta que a nulidade insuprível é de conhecimento oficioso passaremos analisar se as duas contraordenações padecem da alegada nulidade.

Vejamos:
A Recorrida não se conforma, além do mais, que a sentença recorrida não tenha reconhecido a existência de nulidade insuprível no presente processo de contraordenação, decorrente da circunstância de os documentos que lhe foram enviados não conterem a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.

O Tribunal a quo, na sentença recorrida, reconhece que as notificações efetuadas em ambos os processos omitem “a completa indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima. Refere ainda que dessas notificaçõesconsta ainda […] a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo electronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respectivo Serviço de Finanças”,

Concluindo que:tendo presente a possibilidade de aceder electronicamente aos elementos omitidos, não se pode considerar que a Recorrente ficou impossibilitada de compreender os motivos da decisão nem prejudicada no exercício do seu direito de recorrer judicialmente da mesma”.

A sentença recorrida, a propósito da nulidade insuprível do processo de contra-ordenação decorrente da circunstância de o documento enviado à Recorrida não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima, refere queque, por via do teor das respetivas notificações, a Recorrente teve conhecimento dos elementos essenciais das decisões de fixação da coima e, bem assim, dos termos em que poderia proceder à regularização da situação ou recorrer judicialmente das decisões, sendo que a ausência da totalidade dos elementos que contribuíram para a determinação das medidas das coimas em nada prejudicou a possibilidade de exercer, de modo atempado e informado, o seu direito de impugnação”.

Decorre da matéria de facto dada como provada que as notificações remetidas à Recorrida não foram acompanhadas de qualquer outro elemento para além dos documentos aludidos nos pontos 4 e 9 (constante de fls. 25 e 63 dos autos) não contém indicação dos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima.

Assim, as notificações que foram juntas com as petições de recurso judicial de aplicação de coima, em ambos os processos, como documento n.º 1 não contém a decisão de aplicação da coima nem todo o seu conteúdo.

Esta questão foi decidida neste TCAN, nos processos n.ºs 1278/17.2BEAVR e 593/10.0BEAVR de 08.10.2020 e 22.10.2020, respetivamente, em que as partes e as questões são as mesmas.

Os citados acórdãos sustentaram-se, na fundamentação do acórdão n.º 0913/16BEAVR proferido em 10.09.2020 na qual estava uma questão idêntica aos presentes autos.

Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão n.º 0913/16BEAVR, procedendo às devidas adaptações que no caso em apreço se mostrarem necessárias.

Refere-se no acórdão que: “(…) Realmente, quanto ao conteúdo da notificação, dispõe o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) que “[a] notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva”.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo [79.º do RGIT] para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (artigo 32.º, n.º 10 da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.
À face da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º, é exigida a própria indicação na decisão dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, pelo que não basta uma indicação de um documento distinto dela em que eles eventualmente sejam indicados. O que se pretende com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e com a garantia do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP), que reclama que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, como o STA tem vindo a entender – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, páginas 527 e 528.
A decisão que aplica coima, como acto administrativo que é, está sujeita a notificação ao arguido (artigo 268.º, n.º 3 da CRP), sem a qual a decisão é ineficaz.
Mas note-se que o artigo 79.º do RGIT distingue claramente o conteúdo da decisão a notificar (cfr. n.º 1) do conteúdo da notificação a efectuar (cfr. n.º 2).
Este último preceito consagra a exigência de que seja dado conhecimento efectivo ao arguido dos termos da decisão, de modo a que possa compreender os motivos e fundamentos da mesma e decidir se deve conformar-se ou defender-se; do montante das custas; do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da coima e custas ou para recorrer judicialmente da decisão; da consequência resultante da violação daquele prazo, em concreto, a cobrança coerciva dos valores em causa.
A falta de qualquer desses elementos constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, que é de conhecimento oficioso - cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.
Esta norma, contendo a referência à notificação na mesma alínea d) que alude à falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, previstos no n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, refere-se, também quanto à notificação, aos requisitos legais a que a mesma deve obedecer, previstos no n.º 2 do mesmo artigo 79.º.
O que se prevê no referido artigo 79.º, porém, são requisitos relativos ao conteúdo da decisão de aplicação de coima e relativos ao conteúdo da notificação e não os requisitos formais das mesmas.
Sendo assim, no que concerne à notificação, o que constitui nulidade insuprível para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º é a falta de requisitos relativos ao conteúdo da notificação (é o que se exige naquele n.º 2 do artigo 79.º) e não os requisitos formais da mesma - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 452.

Nestes termos, a notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão (“os termos da decisão”), sendo, contudo, manifesto que a lei não impõe que a notificação seja necessariamente acompanhada da cópia da decisão de fixação da coima ou de documento que a transcreva integralmente. Nada obsta que a notificação (acto de comunicação do acto notificado) opte por fazer a transcrição total ou parcial do documento, desde que tal comunicação contenha todos os elementos informativos referidos expressamente no artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
No caso dos autos, analisando o conteúdo da notificação remetida à Recorrente, constata-se, de modo inequívoco, que a mesma contém a indicação dos prazos para pagamento e recurso e, bem assim, a advertência de que, decorridos os respectivos prazos, sem que seja efectuado o pagamento ou interposto recurso, se procederia à cobrança coerciva da coima e custas fixadas.
Vejamos, então, se também contém a globalidade da decisão (“os termos da decisão”):
Ora, verifica-se que o documento de notificação contém uma descrição sumária dos factos que consubstanciam a infracção imputada à Recorrente, a indicação das normas violadas e punitivas, o montante da coima e das custas processuais, a possibilidade e os termos do pagamento voluntário da coima e consequente redução da mesma e a indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Assim sendo, e tendo por referência os requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, verifica-se que a notificação revela incompletude, pois omite a indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, designadamente que lhe foi imputada a prática “frequente” de infracções idênticas, que não tinha obrigação de não cometer a infracção, que a “situação económica e financeira” é baixa, ou que o “tempo decorrido desde a prática da infracção” foi de “3 a 6 meses”.
A falta de indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima contende com os “termos da decisão” a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT. Verifica-se que a notificação contém uma parte desses “termos”, mas omitiu outra parte importante, considerada essencial pelo próprio artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Pelo que tem de se concluir que a notificação não cumpriu integralmente o disposto na lei aplicável.
Efectivamente, de acordo com os n.ºs 1 e 2 artigo 79.º do RGIT, a notificação deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
Mas a verdade é que a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT) – cfr. no mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul, de 28/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2477/17.6BELRS.
Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.

Para afastar estas conclusões, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provado que na notificação enviada à Recorrente (ofício de 09/05/2016) [in casu os ofícios citados nos factos provados 4 e 9] se refere que “Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.gov.pt [ou o serviço de finanças Instrutor do processo]”.
Na perspectiva do tribunal recorrido, a irregularidade da notificação poderia ser sanada, consultando-se os elementos omitidos na internet ou no Serviço de Finanças respectivo.
É, realmente, verdade que, para além dos elementos já referidos, consta ainda da notificação a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo electronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respectivo Serviço de Finanças.
Não olvidamos estar perante actos de notificação praticados em massa, com as dificuldades acrescidas que tal significa, e que da notificação da decisão à Recorrente, que foi efectuada por via electrónica, consta que, pela mesma via, o processo pode ser consultado: quer na internet, no endereço www.portaldasfinanças.gov.pt, mediante utilização da senha de acesso, quer no serviço de finanças que instruiu o processo. Mas, na nossa óptica, como a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível, tal irregularidade não pode ser sanada por qualquer forma distinta da repetição do acto afectado – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 533.
Acrescentamos que, apesar da remissão genérica feita no n.º 2 do artigo 70.º do RGIT, para as normas do CPPT sobre notificações, a faculdade prevista no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT, em que se permite aos interessados requerer a notificação de fundamentos de decisão que tenham sido omitidos na notificação desta, não é aplicável às decisões de aplicação de coimas em processo de contra-ordenação tributária. Na verdade, neste artigo 37.º prevê-se uma forma de sanar uma irregularidade da notificação de uma decisão em matéria tributária. É essencial relembrar que, por força de norma expressa [artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT], a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário. Logo, não poderá ser consultando o processo, seja virtual ou físico, que se suprirá tal irregularidade da notificação, mas antes repetindo o acto de notificação contendo os elementos omitidos no acto primeiramente afectado.
Nesta conformidade, é irrelevante que se tivesse dado como assente que esses “elementos do processo” constavam efectivamente do citado endereço da internet.
Não se verificando, por isso, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme alegado, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP, ex vi do disposto no artigo 3.º, alínea b) do RGIT e do disposto no artigo 74.º, n.º 4 do RGCO.
(…)
Concluímos, assim, que a sentença merece censura, alertando-se, porém, que, no âmbito da apreciação que efectuámos, a decisão de aplicação da coima se mantém, por conter os elementos exigíveis, sendo somente na notificação que faltam os elementos exigidos pelo n.º 2 do artigo 79.º RGIT, gerando nulidade insuprível no processo de contra-ordenação, por força do artigo 63.º, n.º 1 alínea d) do RGIT.
Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.
Ora, a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa posteriormente ser sanada, mas, além do que já ficou dito supra, que o decurso do tempo não tem esse efeito, pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.
Logo, será possível praticar novo acto de notificação, suprimindo a deficiência apontada.(…)”

Face ao exposto, transpondo para caso subjudice a jurisprudência citada concluímos que a sentença recorrida ao julgar que as decisões recorridas não padeciam de nulidade insuprível, nos termos previstos no artigo 63.º n.º 1 alínea d), por incumprimento do requisito a que se alude no artigo 79.º n.º 1 alínea c) do Regime Geral das Infrações Tributárias, merece censura o que leva à sua revogação ordenando-se a baixa dos autos ao TAF de Aveiro, para que este o remeta à Autoridade Tributária que aplicou a coima, com vista a eventual repetição do ato de notificação afetado.

4. 3.E assim, formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. A notificação relativa à decisão de aplicação da coima deve conter os termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva - cfr. artigo 79.º, n.º 2 do RGIT.

II. Se a AT não provou ter efetuado a notificação dos termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação, como resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso – cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.

III. Verificada, em processo judicial de contraordenação tributária, a nulidade decorrente da falta de menção na notificação dos termos da decisão, designadamente, da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima [cfr. artigos 79.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], há lugar à anulação da notificação e dos termos subsequentes do processo e remessa dos autos à entidade administrativa, tendo em vista a possível repetição do ato de notificação afetado.

5. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) conceder provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, revogando-se a sentença recorrida, nesse segmento.
E subsidiariamente
b) conceder provimento ao recurso da Recorrida, anulando-se todo o processado desde a notificação da decisão de fixação da coima, por enfermar o processo contraordenacional de nulidade insuprível, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, para que este o remeta à Autoridade Tributária que aplicou a coima, com vista a eventual repetição do ato de notificação afetado.
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Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais].
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Porto 23 de junho de 2021.

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Paulo Moura