Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00751/15.5BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO; DANO MORTE; QUESTÃO NOVA;
Sumário:
1 – Como resulta do nº 3 do artigo 5º (do regime jurídico dos acidentes de serviços e doenças profissionais – DL 503/99, 20/11, verificando-se a incapacidade permanente ou a morte do trabalhador, compete à Caixa Geral de Aposentações a respetiva avaliação e reparação nos termos previsto no referido diploma.
Estando predominantemente em causa o pagamento de pensões, e sendo a CGA a entidade que as processa, poder-se-ia criar um impasse, caso a CGA não fosse condenada no pagamento dos montantes judicialmente definidos como devidos às Autoras.
2 – Por outro lado, refere o Artº 34º do citado RJAS (Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço), nos seus nºs 1 e 4, que em caso de morte haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral as quais são atribuídas e pagas pela CGA, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição.
3 – Na quantificação da indemnização pelo dano morte deverão ser considerados, entre outros, os seguintes fatores:
- A importância do bem jurídico violado que é o bem supremo “a vida”;
- A idade e esperança de vida, deverão relevar na fixação da indemnização:
- A culpa do lesante e do lesado bem como a situação económica de ambos, deverá ser tida em consideração no valor indemnizatório atribuído;
- A saúde da vítima é atendível na quantificação indemnizatória;
- Deverá atender-se à relevância social e familiar do falecido;
- Deverá ainda atender-se ao grau de parentesco/proximidade dos familiares potencialmente beneficiários da indemnização.
4 - A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas
Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de MB...,
Recorrido 1:RMGRS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
RMGRS e as suas filhas ARRS e ALRS, intentaram Ação Administrativa Comum emergente de acidente de serviço de que resultou a morte, respetivamente, do seu marido e pai, contra a Caixa Geral de Aposentações e Município de MB..., na qual peticionaram:
1) A reconhecer a existência e caracterização do acidente como de serviço, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte, o vencimento da vítima e a sua responsabilidade agravada pela reparação do mesmo;
2) A reconhecer a violação grosseira das regras de segurança nomeadamente as que concernem aos trabalhos em altura bem como o nexo de causalidade entre a violação destas regras de segurança e a morte do trabalhador;
E consequentemente, a pagar, solidariamente, às Autoras:
3) Subsídio por morte no valor € 11.229,72, sendo metade para a viúva e a outra metade para as duas filhas, em partes iguais.
4) Despesas de funeral no valor € 1.825,00, à viúva do sinistrado.
5) Pensão por morte da vítima, anual e vitalícia, igual à retribuição anual de € 13.101.34 à viúva, desde a data do acidente, a remir.
6) Pensão por morte da vítima, anual e temporária, igual à retribuição anual de € 13.101.34 para a filha AR, desde a data do acidente, a remir.
7) Pensão por morte da vítima, anual e temporária, igual à retribuição anual de € 13.101.34 para a filha AL, desde a data do acidente, a remir.
8) Indemnização por danos não patrimoniais devidos pela perda da vida (€ 100.000,00), sofrimento da morte da vítima (€ 20.000,00) e sofrimento dos familiares, viúva e duas filhas (€ 80.000,00), no valor global de € 200.000,00 (duzentos mil euros).
9) Pensão de sobrevivência às legais beneficiárias na parte cumulável com a pensão por morte.
10) Uma bonificação de 15% na pensão de sobrevivência pelo facto de a vítima ser bombeiro voluntário de 1ª há mais de 30 anos e a unificação à mesma dos descontos feitos para a segurança social.
*
Consequentemente, veio a ser proferida Sentença no TAF de Viseu em 18 de janeiro de 2019, na qual se decidiu julgar a Ação parcialmente procedente, mais se decidindo condenar as Entidades Demandadas a:
1) A reconhecer a existência e caracterização do acidente como de serviço, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte, o vencimento da vítima e a sua responsabilidade agravada pela reparação do mesmo;
2) A reconhecer a violação das regras de segurança nomeadamente as que concernem aos trabalhos em altura bem como o nexo de causalidade entre a violação destas regras de segurança e a morte do trabalhador;
3) A reconhecer o direito ao subsídio por morte, correspondente a 12 vezes o valor de 1,1IAS, considerando o IAS em 2014, de € 419,22, sendo metade para a viúva e a outra metade para as duas filhas, em partes iguais e as despesas de funeral no valor € 1.825,00, à viúva do sinistrado, considerando já paga a quantia de € 6.060,00.
4) A pagar, solidariamente, às Autoras:
a) Pensão por morte da vítima, anual e vitalícia fixada nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) e n.º 5, 59.º, n.º 1, alínea a) e 71.º da LAT, a remir.
b) Pensão por morte da vítima, anual e temporária, anual e temporária (até 25 anos se estiver dependente ou sem limite de idade quando se for afetada por deficiência ou doença crónica que atinga a sua capacidade de ganho) a fixar nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) e n.º 5, 60.º, n.º 1, alínea c) e 71.º da LAT, a remir.
c) Indemnização por danos não patrimoniais devidos pela perda da vida € 80.000,00 (oitenta mil euros), sofrimento da morte da vítima € 10.000,00 (dez mil euros) e sofrimento dos familiares, viúva e duas filhas € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), no valor global de € 145.000,00 (cem e quarenta e cinco mil euros).”
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Da Sentença proferida veio a Caixa Geral de Aposentações a Recorrer em 6 de fevereiro de 2019, tendo concluído:
1.ª No que concerne à aplicação do art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4/9 e aos danos decorrentes do evento danoso, a decisão proferida trata indistintamente duas entidades distintas, com distinta personalidade jurídica e judiciária:
 O Município de MB... é uma pessoa jurídica territorial, de direito público, criada para o prosseguimento de tarefas de natureza pública, em modelo de organização política, administrativa e territorial do Estado;
 A CGA é um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (cfr. art.º 1.º da Lei Orgânica da CGA, vertida no DL n.º 131/2012, de 25/6).
2.ª Como ensina o Prof. Freitas do Amaral: "Os institutos públicos inserem-se na chamada administração indireta do Estado, (...) o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado" e que as entidades que fazem parte da administração indireta do Estado não se confundem com este: tendo personalidade própria, constituem entidades política, jurídica e sociologicamente distintas."
3.ª Ao confundir o Instituto Público CGA (que tem personalidade jurídica e judiciária própria) com o Município de MB... – como que considerando a Administração Pública “latu sensu" – a decisão recorrida violou o art.º 11.º do CPC, o art.º 8.º-A do CPTA e art.ºs. 66.º, n.º 1,e 160.º do Código Civil. Assim como viola o regime processual introduzido pelo artigo 10.º CPTA, o qual assenta numa conceção do processo administrativo como um “processo de partes”.
4.ª O «objeto» ou «atividade» da CGA também não se confunde com a Entidade Empregadora, pois, de acordo com o art.º 3.º do DL n.º 131/2012,“1. A CGA, I. P., tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial.(…) 2. São atribuições da CGA,(…) a) Assegurar a gestão e atribuição de pensões e prestações devidas no âmbito do regime de segurança social do setor público e de outras de natureza especial, nos termos da lei; (…) b) Assegurar a gestão e controlo das quotas dos subscritores e das contribuições de entidades (…)”;
5.ª Nos presentes autos está em causa um pedido de «Agravamento da responsabilidade», previsto no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4/9, o qual tem, sempre, por pressuposto a «Atuação culposa do empregador» (assim é a sua epígrafe), ou seja, a responsabilidade subjetiva do empregador quando incumpra os deveres de cuidado a que está adstrito e, culposamente, produza um dano.
6.ª Assim, uma vez que o art.º 18.º da Lei n.º 98/2009 trata de responsabilidade civil subjetiva do empregador, competia ao Tribunal a quo fundamentar por que motivo a CGA, que não é a entidade empregadora nem contribuiu para a produção do sinistro em causa nos autos (a Sentença é completamente omissa quanto a factos que possam ter sido praticados pela CGA geradores de responsabilidade civil) deverá, ainda assim, responder de forma agravada por atos da responsabilidade de terceiros.
7.ª A decisão recorrida, ao considerar ser possível atribuir/estender a responsabilidade agravada, da Entidade empregadora (art.º 18.º da Lei n.º 98/2009) à Entidade que processa pensões (e que não tem responsabilidade nenhuma pela violação das regras de segurança no trabalho) sem, porém explicitar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
8.ª É também nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, uma vez que toda a fundamentação vertida na Sentença está em clara oposição com o sentido da decisão.
I – O reconhecimento da existência e caracterização do acidente como de serviço, e, bem assim, a “…responsabilidade agravada pela reparação do mesmo;”
9.ª O reconhecimento do «acidente em serviço» configura uma questão há muito ultrapassada nestes autos, tanto assim que resulta da Matéria de Facto Assente – cfr. 93, 94 e 95 dos factos Assentes – que a entidade empregadora do sinistrado já havia qualificado o acidente como tendo ocorrido em serviço, o que, aliás, permitiu à CGA proferir o despacho de 2016-04-01, fixando à viúva e filhas do sinistrado uma pensão por morte em serviço nos termos do regime legal de reparação de acidentes de trabalho previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que é especial face à lei de acidentes de trabalho.
10.ª Já quanto ao pedido de declaração do «Agravamento da responsabilidade» previsto no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, o juízo condenatório não poderá abranger a CGA, uma vez que a aplicação daquele dispositivo depende, sempre, da «Atuação culposa do empregador» e não de uma outra entidade com distinta personalidade jurídica e judiciária.
11.ª Por outro lado, segundo o art.º 7.º da Lei n.º 98/2009, “É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.”
II – O reconhecimento da violação das regras de segurança, nomeadamente as que concernem aos trabalhos em altura bem como o nexo de causalidade entre a violação destas regras de segurança e a morte do trabalhador
12.ª Não sendo a CGA a Entidade empregadora – nem se podendo confundir com esta – e estando em causa a aplicação do regime legal previsto no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, deveria o Tribunal a quo ponderar a seguinte questão: – em que medida é que a CGA, que é uma Entidade juridicamente distinta do Município, poderá ter algum tipo de responsabilidade pela produção do acidente ou contribuiu sequer para a violação das regras de segurança no trabalho que estiveram na origem do acidente?
13.ª Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao condenar a CGA, sem qualquer fundamento entendível, a “…reconhecer a violação das regras de segurança, nomeadamente as que concernem aos trabalhos em altura bem como o nexo de causalidade entre a violação destas regras de segurança e a morte do trabalhador.”
III – O reconhecimento do direito ao subsídio por morte do trabalhador, acrescido do direito às despesas com o funeral deste, no valor de € 1.825,00, não obstante considerar já paga a quantia de € 6.060,00
14.ª Apesar de resultar da Matéria Assente – cfr. 99 dos Factos Assentes – que as AA. já receberam do Município de MB..., a título de subsídio por morte /funeral, a quantia de € 6.060,00, o Tribunal a quo decidiu condenar ambas as RR., incluindo a CGA, a reconhecer o direito ao subsídio por morte, mais o reembolso das despesas com o funeral do sinistrado, considerando-se já paga a quantia de € 6.060,00.
15.ª Como o comprova o Processo Administrativo junto pela CGA a estes autos:
 em 2015-07-22 a 1.ª A. requereu na CGA a atribuição do subsídio por morte de seu marido e, bem assim, o reembolso despesas de funeral;
 por despacho da Direção da CGA de 2015-08-19, foi indeferido aquele pedido, tendo a CGA explicado que “Tendo o óbito ocorrido quando o funcionário se encontrava no ativo, o subsídio por morte deverá ser requerido junto do Serviço onde o mesmo exercia funções, conforme determina o artigo 9º do D. L. nº 223/95 de 8 de setembro.”
16.ª Por isso as AA. já receberam do Município o subsídio por morte/funeral, de € 6.060,00, a que se refere o ponto 99 dos Factos Assentes, importando sublinhar que o reembolso das despesas de funeral – também a processar pelo “…serviço processador das remunerações do funcionário ou agente falecido…” – não é acumulável com o subsídio por morte (art.º 14.º, n.º 1 do DL n.º 223/95 de 8/9).
17.ª No enanto, caso se considere ser antes aplicável, não o regime de que as AA. já beneficiaram, mas antes o do art.º 66.º da Lei n.º 98/2009, faltaria ao Tribunal apurar se foi cumprido o prazo previsto no n.º 5 do art.º 66.º daquela Lei, que prevê: “O prazo para requerer o subsídio por despesas de funeral é de um ano a partir da realização da respetiva despesa.”
18.ª Pelo que não dispunha o Tribunal a quo de qualquer fundamento para condenar a CGA a reconhecer o direito ao referido subsídio por morte, acrescido das despesas de funeral.
IV – Condenação no pagamento, solidariamente com o Município, da pensão por morte com aplicação do art.º 18.º da Lei n.º 98/2009 e de uma indemnização por danos não patrimoniais de € 145.000,00, no quadro da responsabilidade civil decorrente do evento danoso.
19.ª Ao confundir o Instituto Público CGA, que tem personalidade jurídica e judiciária própria, com o Município de MB..., como que considerando a Administração Pública “latu sensu", a decisão recorrida violou o art.º 11.º do CPC, o art.º 8.º-A do CPTA, o art.ºs. 66.º, n.º 1, e 160.º do Código Civil, assim como viola o regime processual introduzido pelo artigo 10.º CPTA, o qual assenta numa conceção do processo administrativo como um “processo de partes”.
20.ª Recorde-se, uma vez mais, que o que as AA. pediam ao Tribunal a quo é que fosse declarado o «Agravamento da responsabilidade» previsto no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, que depende, sempre, da «Atuação culposa do empregador», bastando, consultar qual o «objeto» ou a «atividade» da CGA, vertido no art.º 3.º da Lei Orgânica da CGA (DL n.º 131/2012), para concluir que a CGA não pode ser confundida com o «empregador», não lhe sendo, por isso, oponível o regime previsto no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4/9.
21.ª O Tribunal a quo não dispõe de fundamento para estender a responsabilidade agravada, da entidade empregadora, prevista no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, à Entidade que processa pensões, neste caso a CGA, até em face do disposto no art.º 7.º da mesma Lei, já invocado supra.
22.ª Naturalmente que a CGA, uma vez declarada por um Tribunal, o «Agravamento da responsabilidade», não deixará de fixar a pensão por morte nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, no entanto, o respetivo encargo será sempre do Município, não só atento o regime de responsabilidade decorrente do art.º 7.º da Lei n.º 98/2009, mas também perante o disposto no art.º 43.º do DL n.º 503/99, de 20/11 (de que a Sentença não faz qualquer menção), segundo o qual: “A Caixa Geral de Aposentações é reembolsada das despesas e prestações que tenha suportado, caso o serviço ou o organismo da Administração Pública possua autonomia administrativa e financeira.”
23.ª Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, importa ter presente o princípio geral contido no art.º 483.º do Código Civil, segundo o qual: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”, assim como importa ter presente o regime de responsabilidade solidária, vertido no art.º 497.º do mesmo Código, de acordo com o qual: ”1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.”
24.ª Da Sentença recorrida não se descortina nem o «dolo ou mera culpa» que possa ser imputável à CGA, nem em que medida é que a CGA é «responsável pelos danos». De facto, apesar de condenar a CGA, solidariamente com o Município, ao pagamento às AA. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor global de €145.000,00, o Tribunal a quo não logrou explicar:
 em que medida é que a CGA teve algum tipo de responsabilidade pela produção do acidente em causa nos autos?
 qual o nexo causal entre a atuação da CGA, a violação destas regras de segurança no trabalho que estiveram na origem do acidente e os danos dele decorrentes?
25.ª A Sentença recorrida é completamente omissa quanto a factos que possam ter sido praticados pela CGA, geradores de responsabilidade civil subjetiva.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”
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Em 7 de fevereiro de 2019 vieram as Autoras igualmente apresentar Recurso, no qual concluíram:
A) As recorrentes acompanham aqui a douta sentença quanto à caraterização do fatídico acidente de serviço de que foi vítima o seu marido e pai, VMDS, trabalhador e beneficiário dos RR, bem como ao reconhecimento da responsabilidade agravada por parte destes em relação à morte do sinistrado.
B) Já não assim quanto à reparação do mesmo nomeadamente no que tange ao valor e rateio da pensão por morte agravada, à desconsideração dos danos patrimoniais e ao ressarcimento dos danos não patrimoniais fixados às AA a coberto daquela responsabilidade agravada.
C) O vencimento da vítima à data do acidente era de € 837,60, segundo a tabela remuneratória (portaria 1553-C/2008, de 31/12), e não de € 738,05, ao que acresce o subsídio de alimentação no valor de € 98,21 (4,27 x 23 dias), perfazendo o valor mensal ilíquido de € 935,81.
D) Em relação à pensão por morte agravada, o valor desta há-de ser igual a esta última retribuição, em razão daquela responsabilidade agravada, segundo a tabela remuneratória (portaria 1553-C/2008, de 31/12), nunca inferior à que resulte da lei, portanto, no valor de € 935,81 (x 14 meses).
E) O artigo 18º, nº 5 da LAT determina que, no caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado de acordo com as proporções previstas nos artigos 59º a 61ª.
F) É óbvio que, sendo a pensão por morte agravada, igual à retribuição, a mesma não está sujeita nem à limitação percentual de cada beneficiário (30% para a viúva e 20% para a filha) nem à limitação percentual total da pensão (50%) previstos para os acidentes sem agravação, devendo assim efetuar-se rateio da mesma até se perfazer o valor integral da retribuição da vítima.
G) Nestas circunstâncias, o montante da pensão agravada, igual ao valor da retribuição de € 935,81 (x 14 meses), deverá ser de 70% para a viúva e 30% para a filha, assim se perfazendo o valor integral da mesma.
H) Neste sentido já se pronunciou o STJ, no Ac. de 24-01-2007, publicado em www.dgsi.pt, cuja decisão foi:
(…) IX - Ao prever que no caso de morte “as prestações” serão “iguais à retribuição”, o art. 18.º, n.º 1, al. a) da LAT deve interpretar-se no sentido de que agrava as prestações genericamente fixadas no art. 20.º (para os casos de responsabilidade objetiva), determinando que a referência passe a ser a própria retribuição.
X - Em conformidade com a proposição anterior, se houver vários beneficiários legais, a soma das pensões agravadas a que têm direito em caso de responsabilidade subjetiva coincide com o valor da retribuição do sinistrado, não estando sujeitas, nem à limitação percentual de cada um, nem à limitação percentual total das pensões (ambas previstas no art. 20.º da LAT), efetuando-se o rateio na medida do necessário a perfazer o valor da retribuição (do sinistrado).
I) Quanto à filha AR, 2ª A, apesar de não ter direito à pensão por morte, tem, no entanto, o direito de exigir alimentos aos RR a título de danos patrimoniais futuros, ao abrigo do disposto no artigo 495º, 3 do Código Civil.
J) Provou-se que esta filha, com 24 anos, apesar de recém-licenciada e em regime de emprego precário, vivia na casa do pai, sendo assim notório que esta ainda tinha necessidade de alimentos do seu pai.
K) Assistindo-lhe assim o direito de receber a título de danos patrimoniais futuros (495º, nº 3 do CC), a quantia de € 12.786,90, equivalente à pensão por morte anual e temporária do seu pai até aos 25 anos, remível por aplicação da tabela financeira 11/00, 13/01 (€ 13.101,34 X 0,976 = € 12.786,90).
L) Em relação ao dano perda da vida da vítima, a douta sentença, em vez dos €100.000,00 pretendidos pelas AA, fixou o valor indemnizatório por este dano em €80.000,00.
M) Considerando que a vítima era uma pessoa com 51 anos de idade, marido, pai, sendo o pilar da família. Tinha um grande apego à esposa e filhas. Vivia para a família de que se orgulhava e o faziam sentir feliz. Era um homem saudável, apto para o trabalho, alegre e comunicativo. Bombeiro voluntário desde cedo que corria para ajudar o próximo. Tinha, pois, toda uma vida pela frente e condições para dela tirar satisfação e que privação da vida da vítima constitui um dano de gravidade superior em relação aos demais danos.
N) E que, o lesante agiu com elevado grau de culpa, na medida em que ordenou à vítima que subisse ao telhado do armazém municipal, com uma altura de 7,69 metros, composto por placas de fibrocimento com 3 mm, não concebidas para suportar qualquer tipo de cargas e muito menos o peso de pessoas a movimentarem-se sobre elas, sendo facilmente quebráveis e sem qualquer tipo de proteção contra quedas em altura.
O) E ainda a superior capacidade económica do Município, ente público.
P) Deveria o Tribunal, quanto ao dano perda da vida, atento ao disposto nos artigos 496º, nº4 e 494º do CC, satisfazer a pretensão indemnizatória das AA por este dano no valor de € 100,000,00 (sendo € 50 mil para a cônjuge e € 25 mil para cada uma das filhas) (veja-se o Ac. do STJ de 22-02-18 que considerou adequado fixar ao dano morte o valor de € 120,000,00 e ao dano sofrimento da vítima antes da morte uma indemnização no valor € 30.000,00).
Q) Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelas AA, cônjuge e filhas, com a morte da vítima, traduzido no desgosto e sofrimento pela perda do seu marido e pai, o Tribunal a quo considerou adequado fixar o montante indemnizatório de € 55.000,00 (sendo € 25.000,00 para o cônjuge e € 15.000,00 para cada uma das filhas para compensar o referido sofrimento).
R) Ora dos factos provados (artigos 77, 78, 79, 80, 81, 84, 87) extrai-se com segurança que, sendo o falecido tão próximo e querido no seio da sua família, a perda gerada com a sua morte nas AA foi e é necessariamente causadora de enorme sofrimento, desgostos e dor, dum sentimento de privação da companhia e do apoio, quanto ao cônjuge e, quanto às filhas, de privação também daquilo que eram os conselhos, os ensinamentos e o acompanhamento por parte do seu progenitor.
S) Ponderando as circunstâncias do caso, em que se evidenciam desde logo, o grau de parentesco imediato, o tempo de convivência conjugal, a ligação íntima e cooperante entre a vítima, a esposa e as filhas de ambos, o acompanhamento familiar, a assídua presença do falecido, a circunstância repentina e inesperada da morte, as circunstâncias da sua ocorrência e a capacidade económica do lesante considera-se mais adequado a atribuição do montante indemnizatório de 80.000,00€ (40.000,00 para o cônjuge e € 20.000,00 para cada uma da filhas), necessário para “compensar” a angústia, a tristeza, o sofrimento, a falta de apoio, carinho, assistência e companhia da vítima.
T) Pelo exposto, com o devido respeito pela decisão recorrida, deve o presente recurso ser julgado procedente e por via disso ser a mesma alterada no que tange ao valor anual da pensão por morte agravada e rateio da mesma, à indemnização por danos patrimoniais e aos valores dos danos não patrimoniais, estes quer quanto à perda da vida da vítima quer quanto ao sofrimento das AA pela morte do seu marido e pai, assim se fazendo sã JUSTIÇA.”
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Em 21 de fevereiro de 2019 veio o Município de MB... apresentar Recurso subordinado, no qual concluiu:
1. Salvo o devido respeito, as quantias fixadas pelo douto Tribunal a quo são exageradas, quanto aos valores arbitrados para compensação do dano da perda da vida (€80.000,00) e pelos danos do sofrimento dos familiares, viúva e duas filhas (€55.000,00), devendo a douta Decisão a quo ser reformulada em conformidade.
2. Desde o Ac. do STJ de 17/03/71, (BMJ 205º, 150), passou a entender-se que, em caso de morte, nos termos do art. 496.º nº 2 e 3 do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: o dano pela perda do direito à vida – dano autónomo; o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando em função de fatores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.
3. Existe uma questão não consensual na doutrina e na jurisprudência que se prende com o facto de saber se, na fixação da indemnização pelo dano morte, se deve dar relevância à idade da vítima, ao seu estado de saúde e a outros fatores da sua pessoa (ex. integração e relacionamento familiar e social, alegria de viver, projetos pessoais).
4. Porém, constitui jurisprudência maioritária o entendimento no sentido da consideração desses fatores, na fixação do quantum indemnizatório.
5. Relativamente à reparação do dano morte, a jurisprudência vem fixando a sua compensação, em regra, entre os €50.000,00 e €80.000,00.
6. Ora, a douta Sentença a quo fixou, para o caso vertente o valor máximo desse intervalo, sendo certo que, salvo melhor opinião, tal valor não deveria exceder os €60.000,00. Num caso muito similar, respeitante a um indivíduo de 52 anos, o STJ (Ac. de 03/11/2016, Proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) foi esse o valor arbitrado.
7. Relativamente uma vítima de 46 anos (homem casado e com dois filhos), o STJ (Ac. de 10/05/2017, Proc. 131/14.0GBBAO.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), arbitrou uma indemnização de €65.000,00.
8. Só em casos em que a vítima é muito jovem, o valor da indemnização pelo dano da perda da vida é consideravelmente incrementado, como aconteceu no Ac. de 22/02/2018, Proc. 33/12.4GTSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt (vítima de 25 anos, com arbitramento de €120.000,00 de indemnização).
9. Assim, pelas razões expostas, e por uma questão de igualdade (art. 13.º da Constituição da República Portuguesa) a Responsabilidade Limitada indemnização pelo dano morte não deve, no caso dos autos, ser fixada em mais de €60.000,00.
10. No que respeita à indemnização do dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte, está em causa o dano referente ao sofrimento físico e/ou psíquico suportado pela vítima entre o momento em que sofre a lesão e o momento da morte.
São aqui valorizáveis as dores físicas causadas diretamente pelas lesões sofridas e eventualmente no âmbito de subsequentes tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas e ainda a angústia sentida com o aproximar da morte. Atendendo ao caso concreto e à jurisprudência consolidada quanto ao ponto, aceita-se o valor arbitrado na douta Sentença a quo .
11. Porém, e salvo o devido respeito, surge novamente como exagerado o valor arbitrado na douta Sentença a quo relativamente aos dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte. Neste ponto, o douto Tribunal a quo fixou o montante indemnizatório de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), sendo € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) para o cônjuge e €15.000,00 (quinze mil euros) para cada uma das filhas.
12. No caso vertente, deveria, salvo o devido respeito: ser atribuída a indemnização máxima de €20.000 ao cônjuge da vítima, tendo em consideração a duração do casamento e o facto de aquele ter perdido o seu companheiro de sempre, com quem tinha uma profunda relação afetiva, recíproca de amor e carinho;
Ser atribuída a indemnização máxima de €10.000 a cada uma das filhas da vítima, tendo em consideração a relação de afetividade entre elas e o seu pai e o facto de terem assistido à sua situação sofrimento.
13. Assim, somadas todas as parcelas indemnizatórias, deveria a douta Decisão a quo ter arbitrado a quantia global máxima de €110.000 (cento e dez mil euros).
Normas violadas: artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; artigo 496.º do Código Civil.
Nestes termos, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso proceder, reformulando-se a douta sentença a quo em conformidade.
Assim se fazendo a necessária e habitual JUSTIÇA!”
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Em 4 de março de 2019 vieram as Autoras apresentar as Suas Contra-alegações relativamente ao Recurso apresentado pela CGA, nas quais concluíram:
Em caso de morte por acidente de serviço, compete à CGA a avaliação e reparação da mesma (artigo 5º, nº 3 do regime jurídico dos acidentes de serviços e doenças profissionais – DL 503/99, 20/11, adiante designado por RJAS).
Sob a epigrafe “Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações”, o artigo 34º do citado RJAS, nº 1 e 4, determina que em caso de morte haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral as quais são atribuídas e pagas pela CGA, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição”.
Mais adiante, o artigo 43º do referido RJAS sob a epigrafe “Reembolso” estipula que: “A Caixa Geral de Aposentações é reembolsada das despesas e prestações que tenha suportado, caso o serviço ou organismo da Administração Pública possua autonomia administrativa e financeira”.
Ora resulta assim que a responsabilidade da CGA no âmbito dos acidentes de serviço de que provenha a morte do trabalhador, e seu beneficiário, é objetiva e solidária.
Objetiva na medida que responde independentemente da culpa (artigo 34º, 1 e 4 do RJAS).
E solidária na medida em que lhe cabe pagar aos beneficiários ou aos familiares destes as prestações indemnizatórias integralmente, sem prejuízo do seu reembolso (artigo 43º do RJAS).
A responsabilidade por acidente de serviço dos RR, da CGA e do Município, resulta expressamente da lei, sendo a da primeira uma responsabilidade objetiva e solidária e a do segundo uma responsabilidade subjetiva, ou com base na mera ilicitude, e solidária.
O pedido de reconhecimento do acidente de serviço constitui um prius relativamente aos pedidos subsequentes e como tal não possui autonomia total ou completa em relação estes últimos. A parte dispositiva da sentença só estará perfeita se antes da condenação nestes pedidos subsequentes se reconhecer o acidente de serviço, não podia ser de outro modo.
Invoca ainda a recorrente que, não sendo ela entidade empregadora, e estando em causa a responsabilidade culposa pelo acidente (artigo 18º da LAT), a mesma não contribuiu para a violação das regras de segurança no trabalho que estiveram na origem do acidente e nesse sentido não pode ser responsabilizada por tal violação bem como pelo nexo de causalidade entre essa violação de regras de segurança e a morte do trabalhador.
10º Como já se referiu a responsabilidade da CGA pelo acidente de serviço é objetiva e solidária, respondendo independentemente da culpa e integralmente pelos seus danos, cabendo-lhe o direito de reembolso sobre o Município.
11º A CGA invoca ainda que não é responsável pelo pagamento do subsídio por morte nem com o reembolso das despesas com o funeral do sinistrado porquanto o subsídio por morte é pago pelo serviço onde o funcionário exercia funções e que o reembolso das despesas de funeral não é cumulável com o subsídio por morte (artigos 9º e 14º, 1 do DL 223/95 de 8/9).
12º Em caso de morte por acidente de serviço não se aplica este diploma, mas sim o regime previsto DL 503/99, de 20 de novembro (RJAS), o qual remete para o regime geral (LAT), sendo estas leis especiais face aquele diploma geral.
13º A LAT no seu artigo 65º e 66º reconhece o direito ao subsídio por morte e ao subsídio por despesas de funeral.
14º O RJAS no seu artigo 4º sob a epigrafe “Reparação”, nº 4, al. f) compreende o direito a despesas de funeral e subsídio por morte.
15º Alega ainda a recorrente que prazo para requerer o subsídio de despesas de funeral é de um ano a contar da realização das despesas nos termos do disposto no artigo 66º, nº 5 da LAT.
16º Também aqui não assiste qualquer razão à recorrente pois a despesa foi realizada em 31-12-20014, conforme doc. 17 junto à p. i., e o pedido de reembolso das mesmas foi feito na ação das AA cuja data de entrada no Tribunal é de 17-09-2015, antes do prazo de um ano. Aliás, as AA tinham, no mínimo, um ano, a contar da data do acidente, para fazer valer os seus direitos conforme dispõe o artigo 48º da RJAS.
17º De qualquer modo, trata-se de uma «questão nova». Ora, como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova.
18º O Tribunal a quo entendeu que é devida uma pensão agravada e por lei (artigo 5º, nº 3 do RJAS) a CGA está, independente da culpa, obrigada a pagar tal pensão e outras prestações.
19º Além do Município, como entidade responsável pelos seus trabalhadores ao seu serviço, a recorrente é também responsável pelo pagamento das pensões e outras prestações reconhecidas aos familiares dos seus beneficiários, no caso de morte destes por acidente de serviço.
20ª A responsabilidade agravada, que acarreta o pagamento da pensão por morte igual à retribuição do sinistrado, bem como os danos não patrimoniais decorrentes do acidente de serviço, teve por fundamento, não uma imputação subjetiva culposa, no sentido mais estrito deste conceito, mas sim na ilicitude que foi a violação (por omissão) das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente, no sentido de que se existem meios de proteção individual a queda do trabalhador não se teria verificado.
21º De qualquer modo, como já se referiu, a responsabilidade da recorrente é objetiva, independentemente da sua culpa, enquanto entidade legalmente obrigada a pagar as prestações devidas aos familiares dos seus beneficiários, por morte destes em acidente de serviço, e, solidária, porquanto, responde integralmente pelos danos e poderá exercer o direito de reembolso dos encargos que pagou sobre o Município, entidade empregadora, dotada de autonomia administrativa e financeira.
22º Pelo exposto deve o presente recurso interposto pela 1ª R, CGA, ser totalmente improcedente, por infundado, com todas as legais consequências. Pede deferimento.”
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Igualmente em 4 de março de 2019 vieram as Autoras apresentar as suas Contra-alegações relativamente ao Recurso Subordinado apresentado pelo Município, nas quais concluíram:
O Município, 2º R, recorre da decisão do Tribunal a quo porquanto entende que as quantias ali fixadas para compensar o dano perda da vida (80 mil euros) e o sofrimento pela morte do marido e pai das AA (55 mil euros) são exageradas, devendo a mesma ser reformulada.
Em relação dano perda da vida, alega que a sua compensação não deveria exceder os 60 mil euros baseando-se nos acórdãos de 03/11/18 e 10/05/17 do STJ.
É evidente que atualmente, a fixação do quantum relativo ao dano morte em valor igual a € 60 000 constitui uma indemnização insuficiente e desatualizada.
Hoje em dia, a jurisprudência parte de valores aproximados de € 70.000,00, oscilando para mais, não para menos, consoante a idade da vítima, o grau de culpa do lesante e do lesado, a situação económica de ambos, bem como outras circunstâncias do caso concreto, designadamente, a saúde da vítima, as suas perspetivas de vida, entre outros, sendo estes os critérios que parecem mais determinantes na fixação do montante relativo ao dano morte.
5 ª No presente caso, considerando que a vítima era uma pessoa com 51 anos de idade, marido, pai, sendo o pilar da família. Tinha um grande apego à esposa e filhas. Vivia para a família de que se orgulhava e o faziam sentir feliz. Era um homem saudável, apto para o trabalho, alegre e comunicativo. Bombeiro voluntário desde cedo que corria para ajudar o próximo. Tinha, pois, toda uma vida pela frente e condições para dela tirar satisfação e que a privação da vida da vítima constitui assim um dano de gravidade superior em relação aos demais danos.
E que, o lesante agiu com elevado grau de culpa, na medida em que ordenou à vítima que subisse ao telhado do armazém municipal, com uma altura de 7,69 metros, composto por placas de fibrocimento com 3 mm, não concebidas para suportar qualquer tipo de cargas e muito menos o peso de pessoas a movimentarem-se sobre elas, sendo facilmente quebráveis, e sem qualquer tipo de proteção contra quedas em altura.
E ainda a superior capacidade económica do Município, ente público.
Deveria o Tribunal, quanto ao dano perda da vida, atento ao disposto nos artigos 496º, nº4 e 494º do CC, satisfazer a pretensão indemnizatória das AA no valor de € 100.000,00 (sendo € 50 mil para o cônjuge e € 25 mil para cada uma das filhas) (veja-se o Ac. do STJ de 22-02-18 que considerou adequado fixar ao dano morte o valor de € 120.000,00 e ao dano sofrimento da vítima antes da morte uma indemnização no valor € 30.000,00).
O recorrente, alega ainda que, em relação aos danos sofridos pelo cônjuge (com 50 anos) e filhas da vítima (com 24 e 17 anos) pela morte do seu marido e pai, o valor a atribuir não deveria exceder os 40 mil euros (sendo 20 mil euros para o cônjuge e 10 mil euros para cada uma das filhas).
10ª As Autoras pediam uma compensação por deste dano, traduzido no desgosto e sofrimento pela perda da vida do seu marido e pai, no valor de 80 mil euros, sendo 40 mil euros para a cônjuge e 20 mil para cada uma das filhas.
11ª A Relação de Coimbra, em Ac. de 16.09-2014, deliberou que “… Mostram-se adequadas, ou, no mínimo, admissíveis, - em si mesmas e comparativamente com os parâmetros compensatórios hodiernamente fixados pela jurisprudência-, as compensações de 80 mil euros pelo dano morte e de 30 mil euros por danos não patrimoniais da sua mãe, atinentes a uma filha jovem e com forte ligação afetiva a esta”.
12ª Ora dos factos provados (artigos 77, 78, 79, 80, 81, 84 e 87) extrai-se com segurança que, sendo o falecido tão próximo e querido no seio da sua família, a perda gerada com a sua morte nas AA foi e é necessariamente causadora de enorme sofrimento, desgostos e dor, dum sentimento de privação da companhia e do apoio, quanto ao cônjuge e, quanto às filhas, de privação também daquilo que eram os conselhos, os ensinamentos e o acompanhamento por parte do seu progenitor.
13ª Ponderando as circunstâncias do caso, em que se evidenciam desde logo, o grau de parentesco imediato, o tempo de convivência conjugal, a ligação íntima e cooperante entre a vítima, a esposa e as filhas de ambos, o acompanhamento familiar, a assídua presença do falecido, a circunstância repentina e inesperada da morte, as circunstâncias da sua ocorrência e a capacidade económica do lesante considera-se mais adequado a atribuição do montante indemnizatório de 80.000,00€ (40.000,00 para o cônjuge e € 20.000,00 para cada uma da filhas), necessário para “compensar” a angústia, a tristeza, o sofrimento, a falta de apoio, carinho, assistência e companhia da vítima.
14º Nesse sentido, deve o Tribunal ad quem considerar que os valores indemnizados pelo Tribunal recorrido aos familiares da vítima por estes danos insuficientes e desatualizados não consentâneos com os citérios legais supra referidos.
15ª Termos em que deve o presente recurso subordinado soçobrar com todas as legais consequências. Pede deferimento,”.
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Em 25 de março de 2019 veio a ser proferido Despacho de admissão dos Recursos, mais tendo o Tribunal de 1ª instância, perante as suscitadas nulidades da Sentença invocadas pela CGA, vindo afirmar o seguinte, suportando o decidido:
“II - Veio a Ré Caixa Geral de Aposentações, no seu recurso suscitar nulidades, todavia, da decisão proferida não se verifica cometida qualquer nulidade, o tribunal apreciou todas as questões e especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não existindo qualquer oposição entre a matéria provada e a fundamentação jurídica, nem qualquer omissão relativamente à matéria provada atendendo às normas jurídicas aplicáveis ao caso. A sentença recorrida teve sempre presente que a CGA não é a entidade empregadora, nem contribuiu para a produção do sinistro. Na página 22 da decisão recorrida, depois de considerar o sinistro como acidente de serviço, refere-se o seguinte: “ No número 3 do artigo 5º (do regime jurídico dos acidentes de serviços e doenças profissionais – DL 503/99, 20/11, adiante designado por RJAS), estabelece-se que, nos casos em que se verifique a incapacidade permanente ou a morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a respetiva avaliação e reparação nos termos previsto neste diploma”. O artigo 34º do citado RJAS, nº 1 e 4, determina que em caso de morte haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral as quais são atribuídas e pagas pela CGA, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição”. De acordo com o artigo 3º, nº 1, al. a) do RJAS, considera-se regime geral - o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei 100/97, de 13 de setembro (LAT), e legislação complementar.
Neste regime geral (LAT) prevê-se o regime de agravamento de responsabilidade nos termos do disposto no artigo 18º.
Mais adiante, no seu artigo 43º do RJAS sob a epigrafe “Reembolso” estipula-se que: “A Caixa Geral de Aposentações é reembolsada das despesas e prestações que tenha suportado, caso o serviço ou organismo da Administração Pública possua autonomia administrativa e financeira”.
Ora, o Tribunal a quo não confundiu a personalidade jurídica e personalidade judiciária dos RR, entes coletivos distintos. A responsabilidade de ambos os RR, da CGA e do Município, resulta expressamente da lei, sendo a da primeira uma responsabilidade objetiva e solidária e a do segundo uma responsabilidade subjetiva, com base na ilicitude e solidária.
Pelo que, a responsabilidade da recorrente CGA é objetiva, independentemente da sua culpa, enquanto entidade que está legalmente obrigada a pagar as prestações devidas aos familiares dos seus beneficiários, por morte destes em acidente de serviço, e, solidária, porquanto responde integralmente por todas as prestações, cabendo-lhe o direito de reembolso dos encargos que pagou sobre o Município, entidade empregadora, dotada de autonomia administrativa e financeira que, por sua vez, não transferiu a sua responsabilidade pela reparação dos acidentes de serviço para uma entidade seguradora.
Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores por entender que a decisão recorrida se encontra fundamentada e de acordo com a lei, mantenho-a nos seus precisos termos.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 9 de abril de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Há que apreciar e decidir as questões colocadas pelos três Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
1) As Autoras são, respetivamente, mulher e filhas, e nessa qualidade beneficiárias legais, de VMDS, funcionário municipal, natural e residente que foi em MB....
2) VMDS, marido e pai das AA, ingressou no quadro de mapa de pessoal do município de MB..., na modalidade de contrato por tempo indeterminado, em 4 de maio de 1987, há já 27 anos, sendo detentor da categoria de assistente operacional, da carreira de assistente operacional.
3) Era beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, também desde 4 de maio de 1987, tendo como subscrição o nº 10xxx01.
4) No dia 28 de outubro de 2014, por volta das 8 h e 30 m, VMDS encontrava-se no armazém municipal da sua entidade empregadora, ao serviço e sob as ordens desta, sito no Alto …, em MB....
5) Nesse dia, o tempo estava a chuviscar.
6) Nesse local, o encarregado geral (JCJM) ordenou-lhes, a ele e ao outro funcionário, JJLS, que subissem ao telhado/cobertura do dito armazém municipal para procederem à limpeza das caleiras com mangueiras de água.
7) A fim de evitar acumulação das águas pluviais na cobertura e a queda da mesma para o interior do armazém.
8) Quer a vítima quer o outro trabalhador protestaram ao encarregado.
9) O encarregado manteve as suas ordens de serviço, tendo os trabalhadores, subido à cobertura do armazém pelo lado norte-sul (lado das oficinas de mecânica).
10) Tal limpeza seria efetuada com mangueiras de água dos bombeiros de alta pressão.
11) Tendo o município feito deslocar ao local um autotanque dos bombeiros voluntários de MB....
12) Foi o sinistrado, VS, incumbido de, em cima do telhado, puxar e segurar a mangueira de água.
13) Auxiliando o outro funcionário, JL, o qual estava encarregue de lavar as ditas caleiras da cobertura.
14) O telhado do armazém municipal divide-se em três sub-telhados (cumes) ligados entre si.
15) O telhado/cobertura do armazém municipal é composta por placas onduladas de fibrocimento intervaladas por placas translucidas em fibra de vidro fixadas em estrutura metálica.
16) Estas últimas servem como pontos de luz, não sendo as mesmas, devido à acumulação de sujidade e ao desgaste temporal, passiveis de se diferenciar das primeiras, pelo menos do lado exterior da cobertura.
17) Para o efeito, a vítima tinha de andar diretamente sobre as ditas placas da cobertura.
18) Cerca de duas horas depois do início dos trabalhos, por volta das 10h e 30m, quando a vítima se encontrava em cima do primeiro telhado e se dirigia ao local da segunda caleira, a descer o pano de água, no sentido norte-sul do armazém, puxando e segurando uma mangueira de água de alta pressão dos bombeiros, auxiliando o outro funcionário que se preparava para lavar a terceira caleira, uma das placas da cobertura cedeu ao seu peso e partiu.
19) Originado a sua queda, para o solo em cimento, no interior do armazém.
20) A vítima caiu de cabeça.
21) Prostrado no chão, a perder a consciência, a vítima foi ali assistida pelos BV de MB... que lhe terão prestados os primeiros socorros.
22) Seguidamente, foi transportado, imobilizado em plano duro com colar cervical, para o SUB de MB..., onde deu entrada pelas 10h e 40 m, com politraumatismos nomeadamente traumatismo crânio encefálico (TCE) grave.
23) Após a estabilização dos sinais vitais, foi helitransportado para o Hospital de Vila Real onde permaneceu até à madrugada do dia 29 de outubro de 20014, com diagnóstico muito reservado, altura em que foi transferido para o Hospital de Santo António no Porto, onde ficou internado na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalentes até ao dia 4 de novembro de 2014.
24) Porém, no dia anterior, 3 de novembro de 2014, encontrando-se a vítima já num estado de coma irreversível, por indicação da equipa médica dos cuidados intensivos, as máquinas de suporte de vida foram desligadas.
25) Estando a vítima em fase terminal, no dia 4 foi transferida para o Hospital de Lamego onde acabaria por falecer no dia 5 de novembro de 2014.
26) Como consequência direta e necessária do acidente em serviço, a vítima mortal sofreu múltiplas e graves lesões, TCE grave, trauma do tórax, trauma abdominal, trauma da bacia, trauma dos membros superiores e inferiores e choque hemorrágico, que foram a causa adequada da sua morte- DOC. 7 e 8 juntos com a petição inicial.
27) A vítima mortal, VMDS, nasceu em 26 de Outubro de 1963, tinha à data do acidente 51 anos – DOC. 9.
28) Era funcionário da Câmara Municipal de MB..., desde o dia 4-05-1987, detentor da categoria de assistente operacional, da carreia de assistente operacional, auferindo um vencimento mensal de € 738,05 - DOC. 2.
29) A Câmara Municipal de MB... não transferiu a responsabilidade pela reparação de acidentes de serviço para entidades seguradoras.
30) No dia do acidente, os responsáveis máximos do município não chamaram a GNR ou a ACT ao local.
31) A vítima mortal deixou como legais beneficiárias o seu cônjuge, RMGRS, com 50 anos de idade, nascida em 02-05-1965, 1ª Autora- DOC. 10 e 11.
32) E duas filhas.
33) A ARRS, 2ª Autora, com 24 anos, nascida em 19-04-1990, recém-licenciada, em regime de contrato Emprego-Inserção e que estava a viver com a vítima mortal – DOC. 12 e 13.
34) A AR sempre viveu e vivia em casa do pai – DOC. 13 (artigo 33º da p.i.).
35) A ALRS, 3ª Autora, com 17 anos, nascida em 28-11-1996, estudante do 12º ano e que estava a cargo e sob dependência económica da vítima mortal - DOC. 14,15.
36) A AL, estudante, dependia do pai para suas necessidades de sustento, vestuário e educação/formação- DOC.13.
37) O sinistrado não operava habitualmente em trabalhos em altura como a reparação e limpeza de telhados.
38) A 2ª Ré nunca promoveu ações de informação e formação específica na área da segurança e higiene no trabalho, pelo menos, em relação à vítima.
39) O telhado do armazém – no local onde ocorreu o acidente, que fica por cima da oficina de serralharia – fica a 7,69 metros de altura relativamente ao solo.
40) Telhado esse com mais de 40 anos de idade, constituído por placas de fibrocimento intervaladas por placas translucidas em fibra de vidro.
41) Tem de superfície coberta cerca de 2561 m2 (cerca de 50 metros de comprimento x cerca 50 metros de largura) (a base de cada cume com duas águas terá aproximadamente 17 metros de comprimento e largura) (e o pano de água cerca de 10 metros de comprimento, da caleira ao cume).
42) Essas placas em fibrocimento e as placas de fibra de vidro translúcidas não foram concebidas para suportar cargas nem o peso de pessoas a movimentarem-se sobre elas.
43) Cada um dos sub-telhados, tem uma inclinação 26,5%, o que dificulta e dificultou o equilíbrio da vítima ao percorrê-lo tanto mais que segurava com as duas mãos a mangueira de água de alta pressão.
44) Debaixo das referidas telhas de fibrocimento e das de fibra translúcidas, ou seja, no interior do edifício, além da sua estrutura, nenhum outro dispositivo existia para amparar numa eventual queda.
45) A cobertura é constituída por placas de fibrocimento com 1,82m x 1.05m e espessura de 5 mm e placas de fibra translúcidas com as mesmas dimensões e com espessura de 1mm e assenta em vigas e ripas de ferro.
46) As vigas são sustentadas por pilares de ferro e distam 5 metros entre si e as ripas estão assentes nas vigas e distam 1,65 metros entre si.
47) As placas aferidas possuem um comprimento de dois metros e cinco centímetros, uma largura de um metro e cinco centímetros e uma espessura de cinco milímetros.
48) A estrutura ou armação que suporta as placas é constituída por vigas/traves e calhas de metal.
49) Nos vãos entre as calhas de metal, cabia o corpo do sinistrado, quer na vertical quer na horizontal.
50) Os trabalhos a decorrer obrigavam à movimentação dos trabalhadores sobre toda a área da cobertura.
51) As ditas placas de fibrocimento e as outras translúcidas, não tinham nem têm resistência para suportar o peso da vítima.
52) O trabalho que o sinistrado estava a executar envolvia risco de queda para o interior do edifício.
53) Não se encontrava no local nenhum superior hierárquico do sinistrado com competência na área da segurança que estivesse a dirigir e responsabilizar-se pelos trabalhos de limpeza em altura.
54) Não foi explicado aos trabalhadores como é que deviam pisar, apoiar e percorrer o telhado.
55) Não foi instalada uma rede para amparar uma eventual queda, quer no exterior quer no interior da cobertura.
56) Era possível criar pontos fixos para prender uma rede sob a cobertura, quer na parte exterior quer na parte interior.
57) A ré empregadora não distribuiu ao autor um cinto de segurança ou qualquer outro dispositivo de retenção fixo à estrutura do edifício.
58) Ninguém impôs aos funcionários, nomeadamente à vítima, que efetuavam a limpeza da cobertura, o uso de arnês de segurança.
59) No local não existia uma linha de vida fixada a um ponto resistente do imóvel ou da sua estrutura.
60) No local do acidente havia espaço para montagem ou deslocação de tábuas ou outras plataformas de trabalho.
61) No que respeita ao sinistrado, não era uma pessoa informada e experiente neste tipo de trabalhos.
62) Contra a sua vontade, obedecendo às ordens que lhe foram dadas, subiu ao telhado receando o perigo de queda.
63) A queda do sinistrado ocorreu porque as placas da cobertura cederam ao seu peso.
64) A instalação de meios de proteção eram exequíveis no local do acidente, quer a rede quer o arnês ligado à linha de vida.
65) A utilização destes dispositivos não só eram vitais como eram tecnicamente possíveis e idóneos para afastar o risco da queda do sinistrado.
66) Não foram utilizados guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas ou tábuas de rojo.
67) Se tivessem sido utilizados os referidos meios de proteção, exequíveis no local do acidente, a queda do sinistrado, e consequentemente a morte, não teria acontecido como veio a acontecer.
68) Sendo tal risco previsível antes da execução do trabalho de limpeza da cobertura.
69) Os responsáveis máximos do município tal como o encarregado geral, conheciam muito bem as instalações do armazém municipal, nomeadamente, a cobertura do armazém, a sua altura e a natureza dos trabalhos a desenvolver.
70) E sabiam, todos eles, que da ordem dos trabalhos constava a limpeza com água das caleiras da cobertura do armazém mas ainda assim nada fizeram para prevenir ou pelo menos diminuir o risco de acidente de serviço.
71) No local de trabalho não existe qualquer sinalização da obrigatoriedade de uso de equipamentos de proteção individual para trabalhos em altura – uso de capacete, cintos de segurança, guarda-corpos, redes etc., nem nunca tal equipamento lhe foi facultado na ocasião desses trabalhos.
72) Nas instalações da empregadora à data do acidente não existiam equipamentos de proteção coletiva ou individuais para serem utlizados nos trabalhos em altura.
73) Apesar da cobertura do armazém ter mais de 40 anos, o que era do conhecimento do empregador e seus representantes, em nenhum momento foi exigida a utilização de cinto de segurança para evitar que a vítima e o outro trabalhador em caso de queda atingissem o solo.
74) Sabem igualmente os representantes da 2ª R que a primeira medida que deveriam ter tomado antes do início dos trabalhos era planeá-los, prevenindo os riscos, implementar as medidas de proteção e depois sim executar os trabalhos ou então, caso não estivesse preparada, como não está efetivamente, devia contratar tais trabalhos a entidades externas especializadas nestes serviços.
75) Com a morte do funcionário, a título de despesas de funeral, a cônjuge despendeu a quantia de € 1.825,00, conforme fatura e recibo que se junta sob o DOC. 17 e 18.
76) Em consequência do acidente, a vítima sofreu as lesões já descritas, TCE grave, trauma do tórax, trauma abdominal, trauma da bacia, trauma dos membros superiores e inferiores e choque hemorrágico, as quais determinaram direta e necessariamente a sua morte, nove dias após o acidente.
77) A vítima, VMDS, era um estimado marido e pai.
78) As AA sofreram abalo emocional com esta morte prematura e absolutamente evitável, sofrimento que as atormentará as suas vidas.
79) Esta morte súbita e violenta implica uma permanente privação do convívio e compartilhamento de valores.
80) A morte antecipada da vítima causou e causa um profundo sentimento de dor, frustração, tristeza, desespero, ausência e saudade para as AA .
81) A vítima vivia feliz e para a sua família da qual se viu inesperadamente privado.
82) A vítima, bombeiro voluntário desde cedo, servia também para ajudar o próximo.
83) A vítima era uma pessoa divertida, de um humor próprio, gostava de jogar futebol e jogar cartas, era um homem saudável, apto para o trabalho, feliz, alegre, comunicativo e um bom colega.
84) As AA desde o dia do acidente que sofrem pela tragédia, sofrem de choro súbito e compulsivo, ansiedade persistente, insónias, dificuldades de concentração, intrusão reiterada sob a forma de pensamentos, pesadelos, vivenciando de novo a situação traumática.
85) As filhas, apesar da sua idade, sempre dependeram do pai, uma vez que uma frequentava o 12º ano e a outra recém-licenciada, em saúde ambiental, estando, á data, precariamente, em regime de emprego-inserção.
86) A vítima contribuía para as despesas do agregado familiar, sobretudo as que respeitam aos alimentos, vestuário, formação e casa de morada de família para a qual tinha contraído um empréstimo bancário – DOC. 20.
87) A 1ª Autora, viúva, ficou privada da comunhão de vida com a vítima, depois de 26 anos de casamento.
88) Após o acidente, era a A, RS, com os seus recursos mensais, salário mínimo nacional, quem suportava os encargos da vida familiar.
89) A família da vítima sobreviveu durante algum tempo com parcos recursos financeiros pois praticamente era a remuneração da mãe e o montante recebido pela AR do contrato de emprego-inserção, que respondiam por todas as despesas indispensáveis à subsistência da família, designadamente da alimentação, vestuário, calçado, higiene, saúde e educação, bem como as despesas de empréstimo da casa, água, luz, gás e telefone.
90) Passados 9 meses após o trágico acidente, a 2º R ainda não tinha dado apoio psicológico e material às AA face ao trágico acidente.
91) A vítima era bombeiro voluntário de 1ª desde 1 de janeiro de 1984 – Doc. 22 .
92) No âmbito do processo cautelar n.º 751/15.5BEVIS – A foi acordado (transação homologada em 30/09/2015) pelo Município de MB... pagar às AA, a pensão provisória mensal no valor de 738,05€ - cfr. processo cautelar apenso aos presentes autos.
93) Em 2015-11-30 – já após a contestação oferecida pela CGA nestes autos – foi recebido do Município de MB... o ofício n.º 2536, Proc.º 120/139/000, datado de 2015-11-20, sob o assunto: participação de acidente de trabalho (cfr. documento junto aos autos pela CGA através do requerimento ao requerimento de 2015-12-16).
94) Pelo que a qualificação do acidente, exigida pelo n.º 7 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e a participação institucional, exigida no art.º 9.º do mesmo articulado, ocorreram em 2015-11-30, data em que foi rececionado o aludido ofício oriundo do Município de MB....
95) Na sequência dessa participação promovida pelo Município de MB..., a Direção da CGA proferiu o despacho de 2016-04-01, fixando à viúva e à filha do falecido VMDS uma pensão por morte em serviço, nos termos do regime de reparação de acidentes de trabalho previsto no Decreto-Lei n.º 503/99. (cfr. documento junto aos autos pela CGA através do requerimento de 2016-04-01)
96) A pensão por morte em serviço correspondeu a uma pensão anual vitalícia de € 5.164,85, a que corresponde uma pensão mensal de € 368,92 (€ 5.164,85/14).
97) Tendo sido calculada com base em 50 % da remuneração anual de € 10.329,70, que o falecido auferia à data do óbito, assim distribuída:
- € 3.098,91 ao cônjuge (30% da remuneração anual de € 10.329,70)
- € 2.065,94 à filha (20% da remuneração anual de € 10.329,70).
98) Consta na notificação desse ato administrativo (e no próprio ato), o seguinte:
“Tendo em conta que a pensão por morte, agora fixada, resulta superior ao valor da pensão de sobrevivência que os herdeiros em causa teriam a receber, será esta suspensa enquanto o seu valor for inferior ao da pensão por morte em serviço - alínea b) do n.º 3 do artº 41º do DL. 503/99, de 20/11.
A presente pensão não é acumulável com qualquer outra importância que, a título de pensão ou indemnização, vise o ressarcimento dos mesmos danos.
Remunerações consideradas conforme descontos efetuados para esta Caixa.”
99) As AA. receberam do Município a título de subsídio por morte/funeral a quantia de €6.060,00 (€ 1.257,66 em 02/12/2014 e € 4.802,34 em 26/10/2015) – docs. juntos em 2/07/18.
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IV – Do Direito
A Recorrente/CGA veio imputar ao acórdão recorrido, um conjunto de erros, de facto e de direito, que importa verificar, sendo que o Recurso apresentado pelas Autoras evidencia predominantemente o seu entendimento de acordo com o qual os montantes indemnizatórios atribuídos se mostrarão insuficientes.
Ao invés, no que respeita ao Recurso subordinado apresentado pelo Município assenta o seu entendimento no facto de entender que os valores indemnizatórios estabelecidos serão exagerados.
Vejamos então:
Discorreu-se em 1ª Instância, no que aqui releva:
“(…)
Pretendem as AA que os RR sejam solidariamente condenados a reconhecer o acidente dos autos como de serviço, o vencimento da vítima, a responsabilidade agravada por violação grosseira das regras de segurança bem como nexo de causalidade entre essa violação e a morte do trabalhador, e, consequentemente, a pagar-lhes, no mais, o subsídio por morte, despesas de funeral, pensões agravadas e indemnização por danos não patrimoniais.
(...)
Pelo que, dúvidas não subsistem em como o acidente dos autos é um acidente em serviço.
Ora, o acidente de serviço dos autos encontra regulamentação no DL n.º 503/99, de 20 de novembro, que estabelece o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (artigo 1º do referido DL 503/99 de 20 de novembro, adiante designado por RJAS), aplicando-se este regime a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas, por nomeação ou contrato nomeadamente aos trabalhadores que exerçam funções públicas nos serviços da administração autárquica (artigo 2º, nº 1 e 2 do RJAS).
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do RJAS para efeitos de aplicação do presente diploma considera-se regime geral – o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, atualmente, a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (adiante designada por LAT) e legislação complementar.
O artigo 3.º, nº 1, al. b) do RJAS, considera acidente de serviço, o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da administração pública.
Por sua vez, o artigo 8.º da Lei 98/2009, de 4/07 (Lei dos acidentes de trabalho - LAT), estipula que é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte uma redução da capacidade de trabalho ou ganho ou a morte.
(...)
Dispõe o artigo 5.º do RJAS, que o empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.
No número 3 do artigo 5.º, é estabelecido que nos casos em que se verifique a incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a respetiva avaliação e reparação nos termos previstos neste diploma.
A LAT prevê o regime de agravamento de responsabilidade, nos termos do artigo 18.º n.º 1, no qual se estatui que, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária, pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais.
Nestes casos de responsabilidade agravada, sem prejuízo do ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, é devida uma pensão por morte anual igual à sua retribuição, destinada à sua reparação – nº 4, al. b) do artigo 18.º do LAT. A retribuição a considerar no cálculo das pensões e subsídios é a retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente, acrescida dos subsídios de Natal e férias e outras prestações com caracter de regularidade, não podendo ser inferior ao que resulta da lei ou RCT – artigo 71.º da LAT.
A vítima além de ser trabalhador do 2º R, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, desde 4 de maio de 1987, é igualmente beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, 1ª R.
A vítima no momento do acidente de trabalho encontrava-se a trabalhar para o 2º R sob as suas direção e ordens. O 2.º R, como já se referiu, reconheceu em juízo o acidente de serviço e tal foi assim considerado pela 1ª R ao atribuir às AA uma pensão por morte.
Só que as AA entendem que no acidente dos autos existe uma responsabilidade agravada por violação grosseira das regras de segurança bem como nexo de causalidade entre essa violação e a morte do trabalhador.
E na verdade, atenta a matéria provada, assiste razão às AA., pois existe uma responsabilidade agravada por violação das regras de segurança, bem como nexo de causalidade entre essa violação e a morte do trabalhador.
A questão central desta reparação culposa agravada encontra-se na causalidade entre a violação das regras de seguranças e a morte do trabalhador: o acidente há-de ser provocado pelo empregador (ou seu representante) ou ser o resultado (causal) da falta de observação (pelo empregador ou representante, naturalmente) das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Assim, a ação ou omissão, imputável ao empregador (a si mesmo ou ao seu representante) tem que ser a causa adequada à ocorrência do acidente.
Sendo que, o acidente acontece por causa – adequada - da referida ação ou omissão.
A nossa jurisprudência tem sido unanime em aceitar que o preenchimento da segunda parte do n.º 1 do artigo 18.º da LAT – e a consequente responsabilidade do empregador na reparação agravada – não depende de qualquer imputação subjetiva culposa, no sentido mais estrito deste conceito, basta-se com a ilicitude que é a violação (por ação ou omissão) das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente.
(...)
O artigo 281º do Código de Trabalho (CT) (lei 7/2009, de 12 de fevereiro) concretiza que o trabalhador tem direito a prestar o trabalho em condições de segurança e saúde. O artigo 284º do CT remeteu a prevenção e reparação dos acidentes de trabalho para legislação específica.
A lei 35/2014 de 20 de junho que consagra a lei geral do trabalho em funções públicas no seu artigo 71º, nº 1 al. h) determina que o empregador público deve adotar, no que se refere à segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram, para o órgão ou serviço ou para a atividade, da aplicação das prescrições legais e convencionais vigentes.
A lei 102/2009, de 10 de setembro, veio estabelecer o regime jurídico da segurança e saúde no trabalho, e, no capítulo das obrigações gerais do empregador, o artigo 15º, nº 1 e 2, al. a), b) e h), estatui que o empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do trabalho, devendo identificar os riscos previsíveis nas atividades da empresa e processos de trabalho com vista à sua eliminação ou redução dos seus efeitos, avaliação dos riscos e adoção de medidas adequadas de proteção, dando prioridade às medidas de proteção coletivas em detrimentos das individuais.
No que diz respeito ao risco de quedas em altura, tal obrigação de proteção consta do artigo 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3/4, que prevê o seguinte:"1 - Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 2 - Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável."
Do regulamento de segurança no trabalho da construção civil (decreto 41281/58 de 11 de agosto), resulta logo no seu artigo 1º que: “É obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de quatro metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança”.
(...)
Ora, como resulta da matéria provada e relativa a esta legislação sobre a segurança nos trabalhos em altura, o 2.º R estava obrigado antes da execução deste tipo de trabalhos em altura a proceder à avaliação dos riscos e adotar as medidas de proteção adequadas.
(...)
No caso, estava em causa a realização de trabalhos em altura – especificamente a limpeza das caleiras do telhado de um pavilhão municipal, com cerca de 2561m de área, com mangueiras de água de alta pressão dos bombeiros –, que implicavam que os trabalhadores, nomeadamente a vítima, tivessem de trabalhar em cima e por todo o telhado, com uma inclinação de 26,5%, a uma altura do solo de cerca de 7 metros (6,79 m, no local onde veio a ocorrer a queda), sobre uma superfície, que não oferecia condições de segurança, tendo em conta o próprio material de que era feita (chapas ou placas de fibrocimento e translúcidas, com uma espessura de 5 mm, com mais de 40 anos), que não é apto, segundo as regras da experiência comum, a suportar o peso de uma pessoa de normal constituição física.
Assim sendo, impunha-se que estivessem instalados no local meios de proteção coletiva, designadamente, uma rede de proteção, destinada a amparar a eventual queda dos trabalhadores para o interior do pavilhão, ou então uma linha de vida à qual os trabalhadores pudessem ligar o equipamento de proteção individual, nomeadamente, arnês de segurança.
Ora, resulta provado que esses meios de proteção não existiam quando e onde ocorreu a queda da vítima.
Pelo que, se verifica inobservância de regras sobre segurança e saúde no trabalho, concretamente, as do artigo 11º da Portaria 101/96, de 3/4, artigo 44º do regulamento de segurança no trabalho da construção civil e artigos 36º, 1, 37º, 2 e 39º, 2 do DL 50/2005, 25/02, não tendo o 2º R., entidade patronal do sinistrado, agido com o cuidado exigível a um empregador normalmente diligente e prudente, pois tinha a obrigação de verificar que o seu trabalhador laborava em condições de segurança. Visto que o trabalho se executava a mais de sete metros do solo, que o trabalhador teria que se movimentar por cima das placas da cobertura de fibrocimento com uma espessura de 5 mm e placas de fibra translucidas com as mesmas dimensões e com espessura de 1mm, com mais de 40 anos, e, com as duas mãos a segurar uma mangueira de alta pressão, nos sub-telhados com uma inclinação de 26,5% devia o empregador empregar plataformas de trabalho ou caso não fossem viáveis a utilizar uma rede ou um arnês de segurança para evitar a queda do trabalhador no caso deste perder o controlo dos seus movimentos.
(...)
Ficou provado nos autos que o trabalhador caiu para o solo quando uma das placas de fibrocimento cedeu ao seu peso e partiu. O trabalhador não tinha qualquer equipamento de proteção coletiva ou individual nomeadamente o tal arnês de segurança ligado à linha de vida que evitasse a queda deste.
(...)
Ora, no caso vertente, dúvidas inexistem, por ser evidente, que a falta de proteção da vítima constituiu, em concreto e segundo as regras da experiência, uma condição idónea à ocorrência da queda em altura. Mais, sendo aquela falta de proteção um facto ilícito, por violação das normas de segurança que ao R eram legalmente impostas, é aqui aplicável a doutrina da causalidade adequada na sua fórmula mais ampla ou na sua formulação negativa, nos termos da qual "o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas", o que no caso em apreço manifestamente não aconteceu. Os factos provados revelam que o acidente resultou de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e que o resultado (o acidente) é adequadamente causa dessa inobservância. Invocam as AA.
(...)
No caso vertente, verifica-se este nexo de causalidade adequada entre o sinistro ocorrido e o incumprimento das apontadas regras de segurança, que é em geral e abstrato adequado a provocá-lo, parecendo-nos evidente que, se por baixo do local onde decorriam os trabalhos, estivesse instalada uma rede de segurança ou, pelo menos, existisse uma linha de vida ou cabos de segurança onde o trabalhador pudesse ligar os respetivo arnês/cinto de segurança, a queda do A. para o solo do armazém não teria ocorrido.
Deste modo, verificam-se reunidos em concreto os pressupostos necessários à verificação da responsabilidade agravada a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 da LAT. O regulamento da construção civil prevê procedimentos concretos sobre segurança relativamente aos trabalhos nos telhados que ofereçam perigos, designadamente, de queda em altura.
E esse regulamento, tal como a demais legislação sobre segurança no trabalho, dá prevalência à utilização dos meios de proteção coletiva em relação à utilização dos mesmos meios de proteção individual.
O juízo sobre a utilização destes meios deve ser feito em concreto, ou seja, haverá que conhecer as características concretas do local onde os mesmos devam ser utilizados, bem como a natureza dos próprios trabalhos a executar, para se aferir da possibilidade ou viabilidade da sua utilização.
Provou-se que o sítio do telhado onde a vítima se encontrava a trabalhar e sofreu a queda tinha uma altura do solo de cerca de 6,79 metros; e que ao se movimentar por cima das chapas de fibrocimento e de chapas translúcidas do telhado, para limpeza das caleiras, estas cederam ao seu peso, originando a sua queda para o solo do interior do armazém.
Mais se provou que a vítima executava tal trabalho no telhado sem qualquer tipo de proteção, designadamente, redes ou arnês de segurança, o que era do conhecimento do empregador.
Considerando que a cobertura/telhado era constituída por placas de fibrocimento e placas translúcidas, não resistindo estas ao peso de uma pessoa normalmente constituída, com 51 anos de idade, o meio de proteção coletiva adequado ao local seria a utilização de uma rede de proteção, destinada a amparar a eventual queda dos trabalhadores para o interior do pavilhão, ou a existência de uma linha de vida à qual os trabalhadores pudesse ligar o arnês acoplado ao cinto de segurança (meio de proteção individual).
Face ao exposto, consideramos estar verificado o segundo requisito, nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente (teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, por estar demonstrado que, se tivessem sido adotadas as medidas de prevenção e proteção o acidente não teria ocorrido), o que inevitavelmente nos reconduz para responsabilidade agravada pela reparação do sinistro.
Relativamente à atuação do trabalhador, a entidade empregadora responde nos termos do artigo 18.º da LAT, ao passo que a violação das normas de segurança por parte do trabalhador apenas releva, descaracterizando o acidente, quando este for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei ou quando provier exclusivamente de negligência grosseira do mesmo sinistrado [art. 14.º, n.º 1, als. a) e b)].
Ora, ficou demonstrado que entidade empregadora violou as normas de segurança que foram causa direta e adequada para a produção do acidente (morte do trabalhador).
Em relação ao sinistrado não se mostrou que este tenha atuado dolosamente, com violação, sem causa justificativa, das condições de segurança ou por erro grosseiro, agindo segundo o procedimento imposto pelo empregador.
Ora, não restam dúvidas em como se a entidade empregadora tivesse exigido a utilização dos equipamentos de proteção adequados ao trabalho em altura, o acidente (a queda) não se teria verificado. Portanto, da parte do trabalhador não existiu qualquer violação, dolosa ou sem causa justificativa, das condições de segurança, nem erro grosseiro, antes pelo contrário subiu ao telhado contra a sua vontade receando perigo de queda, pelo que a entidade empregadora terá de responder pelas prestações em termos agravados.
Aqui chegados importa verificar os danos e quais os montantes que são devidos às AA.
No que concerne à retribuição a considerar no cálculo das pensões e subsídios é a retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente, acrescida dos subsídios de Natal e férias e outras prestações com caracter de regularidade, não podendo ser inferior ao que resulta da lei ou RCT – artigo 71º da LAT.
Importa saber assim qual era a categoria profissional e a retribuição do sinistrado à data do acidente.
A vítima mortal, VMDS, com 51 anos, era funcionário da Câmara Municipal de MB..., do mapa de pessoal do município, desde o dia 4-05-1987, detentor da categoria de assistente operacional, da carreira de assistente operacional, auferindo um vencimento mensal de € 738,05.
A CGA, depois de lhe ter sido participado o acidente de serviço pelo 2º R, fixou então à viúva, RS, e à filha, AL, uma pensão por morte anual e vitalícia de € 5.164,85 (50% da remuneração anual de € 10.329,70) (remuneração considerada conforme descontos para a CGA), a que corresponde uma pensão mensal de 368,92, sendo 30% para o cônjuge (€ 221,35) e 20% para a filha (€ 147,57).
Com efeito a remuneração anual que a CGA considerou para a fixação desta pensão foi de €10.329,70 (que corresponde a uma remuneração mensal de € 737,83) (10.329,70€) .
As AA impugnaram tal pensão por morte requerendo a sua anulabilidade por não estar de acordo com o recorte factual alegado por estas e com as normas que preveem o agravamento da responsabilidade, nomeadamente, o artigo 18º da LAT (Lei 98/2009, de 4 de setembro). A pensão por morte fixada pela CGA teve por base a remuneração sujeita a desconto de quota com base nos artigos 34º, 5 do RJAS e artigo 6º do Estatuto de Aposentação (DL 498/72, de 9/12).
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da LAT, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Por sua vez, o n.º 4, alínea a) do artigo 18.º do mesmo diploma, dispõe que no caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição.
Sendo que, o n.º 5 do mesmo artigo 18.º, estabelece que no caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º.
Assim, o artigo 59.º, n.º 1, alínea a) estipula que se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte:
a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto — 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.
O artigo 60.º, n. 1, refere que se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições:
a) Idade inferior a 18 anos;
b) Entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado;
c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado;
d) Sem limite de idade, quando afetados por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.
2 - O montante da pensão dos filhos é o de 20 % da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40 % se forem dois, 50 % se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80 % da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe.
Assim, a pensão por morte a fixar às AA deve considerar o valor da sua retribuição anual, resultando da multiplicação da retribuição mensal por catorze meses (onde se inclui o subsídio de férias e de subsídio de Natal. A este valor deve acrescer o subsídio de refeição, por a tanto obrigar o mesmo preceito legal, ao referir-se a ¯todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
Assim a CGA está obrigada a considerar, para efeitos de cálculo da pensão por morte, a remuneração anual ilíquida normalmente devida com carácter de regularidade da vítima, baseada no vencimento base mensal fixado por lei, acrescido dos subsídios de Natal e de férias e do subsídio de refeição, enquanto prestação mensal a que o sinistrado tinha direito com carácter de regularidade.
Pelo que, terá de se ter em conta o vencimento do sinistrado à data do acidente, segundo a tabela remuneratória, acrescendo as demais prestações regulares.
O Artigo 71.º do LAT, que tem por epígrafe ¯Cálculo‖, estabelece o seguinte:
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende -se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende -se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respetiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz -se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.
7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar -se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça atividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.
8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
10 - A ausência ao trabalho para efetuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Deste modo, a 1ª Autora tem assim direito a uma pensão anual e vitalícia, atualizável anualmente, fixada nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) e n.º 5, 59.º, n.º 1, alínea a) e 71.º da LAT.
A 3ª A, AL, ainda estudante universitária, tem direito a uma pensão anual e temporária (até 25 anos se estiver dependente ou sem limite de idade quando se for afetada por deficiência ou doença crónica que atinga a sua capacidade de ganho) a fixar nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) e n.º 5, 60.º, n.º 1, alínea c) e 71.º da LAT.
Assim, a 1.ª e 3.ª AA. têm direito a uma pensão fixada na devida proporção definida nos artigos 59.º, n.º 1, alínea a) e 60.º, n.º 1, alínea c) da LAT.
Como é sabido, a vítima mortal, além do cônjuge, com 50 anos de idade, deixou duas filhas, sendo que a AR, já tinha concluído o ensino superior, logo, já não se poderá enquadrar na norma estabelecida pelo artigo 60.º, n.º 1 da LAT.
A ARRS, 2ª Autora, com 24 anos, nascida em 19-04-1990, recém-licenciada, então em regime de contrato emprego-inserção, auferindo apenas uma bolsa de emprego-inserção temporária mensal igual ao IAS (indexante de apoio social), vivia com os seus pais, já tinha uma remuneração, não se podendo considerar que estivesse a cargo do seu pai.
Foi pedida para esta filha uma pensão anual e temporária até aos 25 anos no valor de €13.101,34, nos termos do artigo 49º, 1º al. a) da LAT.
A CGA não contemplou esta filha do sinistrado no âmbito da pensão por morte. Ora, bem andou a CGA, pois que esta filha do sinistrado não tem direito à pensão por morte por não se enquadrar no artigo 60.º, 1, al. c) ou o artigo 49.º, 1, al. a) da LAT.
Alegam as AA. que morte da vítima, para além do dano perda da vida, causou à AR, 2.ª A, danos patrimoniais futuros decorrentes do artigo 495.º, n.º 3 do C. Civil.
Se a regra é a de que, o direito à indemnização por danos patrimoniais futuros pertence ao titular do direito ofendido, excecionalmente, nos casos previstos na lei, esse direito pode caber a terceiros, é o que acontece nos casos referidos no artigo 495º do C. Civil, [«Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural»], com referência ao artigo 2009º, nº 1, alínea c) [«Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada: (…) Os ascendentes»], do mesmo Código.
Não parece credível que esta filha viesse a precisar de alimentos e ser indemnizada por danos futuros, pois tem a sua profissão e o seu curso universitário.
Deste modo, o direito da 2ª A a ser indemnizada por danos patrimoniais futuros não pode ser perspetivado à luz do artigo 495º, nº 3, do C. Civil.
Quanto ao subsídio por morte, destinado a compensar o acréscimo de encargos resultante do falecimento do membro de agregado familiar, em consequência do acidente de serviço, com vista à reorganização da vida familiar, o mesmo é devido ao cônjuge e às filhas na proporção de ½ para a primeira e ¼ para cada uma das filhas, nos termos do artigo 65º, 1 e 2, al. a) da LAT.
Dispõe o artigo 65.º da LAT, o seguinte:
1 - O subsídio por morte destina -se a compensar os encargos decorrentes do falecimento do sinistrado.
2 - O subsídio por morte é igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte, sendo atribuído: a) Metade ao cônjuge, ex-cônjuge, cônjuge separado judicialmente ou à pessoa que com o sinistrado vivia em união de facto e metade aos filhos que tiverem direito a pensão.
Pelo que, não será como defendem as AA. no montante igual a 12 vezes o salário do funcionário à data da morte, no valor de € 11,229,72, mas de 12 vezes o valor de 1,1IAS, considerando o IAS em € 419,22.
Com a morte do funcionário, a título de despesas de funeral, a cônjuge despendeu a quantia de € 1.825,00, valor que deve ser compensado à 1ª A nos termos do artigo 66º, 1 da LAT.
O artigo 66.º da LAT estabelece o seguinte:
1 - O subsídio por despesas de funeral destina -se a compensar as despesas efetuadas com o funeral do sinistrado.
2 - O subsídio por despesas de funeral é igual ao montante das despesas efetuadas com o mesmo, com o limite de quatro vezes o valor de 1,1 IAS, aumentado para o dobro se houver trasladação.
Importa agora, analisar o Dano não patrimonial pela perda da vida.
A indemnização por danos não patrimoniais é, de acordo com o disposto nos artigos 496º, nº 4, e 494º do Código Civil, fixada equitativamente, considerando a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.
(...)
No caso, a vítima era uma pessoa com 51 anos de idade, marido, pai, sendo o pilar da família. Tinha um grande apego à esposa e filhas. Vivia para a família de que se orgulhava e o faziam sentir feliz. Era um homem saudável, apto para o trabalho, alegre e comunicativo. Bombeiro voluntário desde cedo que corria para ajudar o próximo. Tinha, pois, toda uma vida pela frente e condições para dela tirar satisfação.
A privação da vida da vítima constitui assim um dano de gravidade superior em relação aos demais danos.
Além disso, o lesante agiu com elevado grau de culpa, na medida em que ordenou à vítima que subisse ao telhado do armazém municipal composto por placas de fibrocimento com 5 mm que não suportam o peso de uma pessoa normal sem qualquer tipo de proteção contra quedas em altura.
Ora, pelo dano não patrimonial concretizado na privação da vida, o Supremo Tribunal de Justiça vem atribuindo indemnizações que, na maioria dos casos, oscilam entre 50.000€ e 100.000€, como informam os seus acórdãos de 03/11/2016, proferido no processo nº 6/15.5T8VFR.P1.S1, e de 08/06/2017, proferido no processo nº 2104/4TBPVZ.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Sempre que estejam em causa danos de natureza não patrimonial, e uma vez que o único critério a que a lei manda atender é o da gravidade do dano - artº 496º, nº 1, do CC - há que tomar em atenção os padrões de valoração seguidos pelo STJ e, sempre que isso se não justifique por razões de carácter absolutamente excecional, não nos afastarmos excessivamente dos valores que aqui vêm sendo atribuídos.
(...)
É sabido que o tempo da concessão de indemnizações miserabilistas, irrisórias, está definitivamente ultrapassado no nosso país, como se pode confirmar analisando sem ideias pré-concebidas a evolução da jurisprudência do STJ nos últimos quinze anos. No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída tem oscilado nos últimos anos entre os 50 e os 80 mil €, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais (cfr, a título de mero exemplo, os acórdãos do STJ de 10/1/08 (Revª 3716/07-6ª) e 24/6/08 (Revª 1185/08 - 6ª), ambos desta conferência de juízes, de 8/9/11 (Revª 2336/04.2TVLSB.L1.S1-2ª) e de 27/9/11 (Revª 425/04.2TBCTB.C1.S1-6ª). – Ac do STJ de 31/01/2012. A vida é o bem mais precioso, pelo que a sua perda é um dano da maior gravidade, que deve ser compensado em consonância. Na procura do valor dessa compensação não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional.
(...)
Tendo tudo isso presente, em termos de equidade e justiça, entendemos que a pretensão das AA relativa a indemnização por este dano deve ser satisfeita no valor de €80.000 (oitenta mil euros).
No que respeita ao dano não patrimonial referente ao sofrimento da vítima antes da morte, este dano consubstancia-se no sofrimento físico e/ou psíquico suportado pela vítima entre o momento em que sofre a lesão e o momento da morte. São aqui valorizáveis as dores físicas causadas diretamente pelas lesões sofridas e eventualmente no âmbito de subsequentes tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas e ainda a angústia sentida com o aproximar da morte.
No caso, está assente que, a vitima caiu de cabeça do telhado para o interior de armazém, em cimento, ficou prostrado no chão, perdeu a consciência, foi assistido pelo bombeiros que o transportaram para o SUB de M… com politraumatismos graves (TCE), após a estabilização dos sinais de vida foi helitransportado para o hospital de Vila Real, e daí, com diagnostico muito reservado, foi transferido para o hospital de Santo António do Porto, para a unidade de cuidados intensivos polivalentes, no dia 3 de novembro, encontrando-se a vitima em estado coma irreversível foram-lhe desligadas as maquinas de suporte de vida. Estando este na fase terminal, no dia 4 de novembro foi transferido para o hospital de Lamego onde veio a falecer do dia 5. Como consequência direta e necessária do acidente em serviço, a vítima mortal sofreu múltiplas e graves lesões, TCE grave, trauma do tórax, trauma abdominal, trauma da bacia, trauma dos membros superiores e inferiores e choque hemorrágico, que foram a causa adequada da sua morte. A vítima no momento da queda sofreu como é normal a angústia dos ferimentos (e da morte) mas em relação e ao sofrimento físico e psicológico das suas lesões (politraumatismos) e tratamentos subsequentes e por fim a angústia sentida com o aproximar da morte, não podemos aferir com segurança, considerando que esteve sempre em coma. Como resulta da consulta técnico-científica manteve o estado neurológico inalterado, em coma grau 3/15 (Glasgow). Quanto menor for a pontuação registrada no paciente, mais grave é a sua situação. Aliás, caso a contagem seja de 3 pontos significa que o paciente está em coma profundo, representando mais de 80% de chance de morrer, não respondendo a qualquer estímulo.
Neste circunstancialismo, a pretensão das AA no pedido de uma indemnização por este dano deve ser atendida no valor de € 10,000,00 (dez mil euros).
Em relação aos danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge e filhas, danos próprios das AA pela perda de um familiar próximo (marido e pai), também estes são fixados de acordo com o disposto no artigo 496º do Código Civil. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o seu montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3]. Os danos não patrimoniais em causa traduzem-se no desgosto e sofrimento pela perda da vida do seu marido e pai. Importa ter presente que, este dano não patrimonial vem assumindo na jurisprudência uma dimensão quantitativa proporcional à relevância que a sociedade dá aos valores do dano, o que aponta para a aplicação de indemnizações ¯não miserabilistas‖, mas sim ajustadas à realidade e a compensar, com dignidade, os padecimentos causados.
Resulta apurado que, a vítima com 51 anos de idade, eram um bom marido e pai para as AA e nesse sentido especialmente acarinhado no seio da sua família. Ora, sendo o falecido tão próximo e querido no seio da sua família, a perda gerada com a sua morte nas AA foi e é necessariamente causadora de enorme sofrimento, desgostos e dor, dum sentimento de privação da companhia e do apoio, quanto ao cônjuge e, quanto às filhas, de privação também daquilo que eram os conselhos, os ensinamentos e o acompanhamento por parte do seu progenitor. Ponderando as circunstâncias do caso, em que se evidenciam desde logo, o grau de parentesco imediato, o tempo de convivência conjugal, a ligação íntima e cooperante entre a vítima, a esposa e as filhas de ambos, o acompanhamento familiar, a assídua presença do falecido, a circunstância repentina e inesperada da morte, as circunstâncias da sua ocorrência e a capacidade económica da lesante consideramos equitativamente adequado o montante indemnizatório de €55.000, sendo €25.000 para a cônjuge e €15.000 para cada uma da filhas, necessário para compensar a angústia, a tristeza, o sofrimento, a falta de apoio, carinho, assistência e companhia da vítima e toda a factualidade constante dos autos e que resulta provada.
(...)
Quanto à pensão de sobrevivência, considerando que é inferior à pensão por morte e não sendo legalmente acumulável, fica prejudicada.”

Do Recurso da CGA
Em síntese, entende a CGA no seu Recurso que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada, atenta a ausência de quaisquer factos que possam ser imputados à CGA, geradores de responsabilidade civil subjetiva.
Desde logo e no que concerne à legitimidade passiva da CGA acolhemos a este respeito o entendimento preconizado pelo tribunal a quo, em despacho já transcrito e referenciado.
Com efeito, o tribunal de 1ª instância não deixou de atender ao facto de que a CGA não é a entidade empregadora, nem contribuiu para a produção do sinistro.
Em qualquer caso, depois de considerar o sinistro como acidente de serviço, mais afirmou o tribunal a quo que “No número 3 do artigo 5º (do regime jurídico dos acidentes de serviços e doenças profissionais – DL 503/99, 20/11, estabelece-se que, nos casos em que se verifique a incapacidade permanente ou a morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a respetiva avaliação e reparação nos termos previsto neste diploma”.
Na realidade, refere o Artº 34º do citado RJAS (Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço), nos seus nºs 1 e 4, que em caso de morte haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral as quais são atribuídas e pagas pela CGA, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição.
De acordo com o artigo 3º, nº 1, al. a) do RJAS, considera-se regime geral, o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei 100/97, de 13 de setembro (LAT), e legislação complementar.
Neste regime geral (LAT) prevê-se o regime de agravamento de responsabilidade nos termos do disposto no artigo 18º.
Mais adiante, no seu artigo 43º do RJAS sob a epigrafe “Reembolso” estipula-se que: “A Caixa Geral de Aposentações é reembolsada das despesas e prestações que tenha suportado, caso o serviço ou organismo da Administração Pública possua autonomia administrativa e financeira”.
É pois patente que o tribunal de 1ª instância não confundiu a personalidade jurídica e personalidade judiciária dos RR, enquanto entidades coletivas distintas, tendo apenas tirado as devidas ilações do facto de resultar da lei a responsabilidade de ambos (CGA e Município).
Se é certo que a responsabilidade da CGA é objetiva, independentemente de culpa, enquanto entidade que está legalmente obrigada a pagar as prestações devidas aos familiares dos seus beneficiários, por morte destes em acidente de serviço, e, solidária, porquanto responde integralmente por todas as prestações, cabe-lhe, no entanto, se for caso disso, o direito ao reembolso dos encargos que pagou sobre o Município, enquanto entidade empregadora, dotada de autonomia administrativa e financeira, a qual não transferiu a sua responsabilidade pela reparação dos acidentes de serviço para uma entidade seguradora.
Na análise do recurso interposto, terá ainda de se atender à circunstância que o controvertido sinistro só veio a ser reconhecido como acidente de serviço, designadamente pelo Município, na pendencia da Ação, o que determinou que o tribunal tenha tido a necessidade de se pronunciar sobre o pedido de reconhecimento do acidente.
Em qualquer caso, tendo os originários demandados, acabado por reconhecer que o sinistro deveria ser qualificado como acidente de serviço, a questão da qualificação do acidente pelo tribunal enquanto acidente de serviço, perde objeto, não se vislumbrando a verificação de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
Com efeito, a decisão proferida, como lhe competia e resulta da factualidade provada, não podia deixar de reconhecer o sinistro em apreciação como acidente de serviço.
No que concerne à terceira questão invocada no Recurso em apreciação da CGA, de acordo com a qual por não ser entidade empregadora, e estando em causa a responsabilidade culposa pelo acidente (artigo 18º da LAT), não poderia ser responsabilizada pelo acidente, por não ter contribuído para a violação das regras de segurança no trabalho que estiveram na origem do acidente.
A presente questão já foi tratada precedentemente, porquanto a responsabilidade da CGA é objetiva e solidária, respondendo independentemente da culpa e integralmente pelos danos do acidente, cabendo-lhe, se for caso disso, o direito de reembolso sobre o Município.
Na realidade, respondendo a CGA em primeira linha e objetivamente por todas as prestações devidas aos familiares da vítima mortal, a ausência da sua condenação poderia determinar um impasse no pagamento das indemnizações definidas judicialmente.
É incontornável que é a CGA quem paga as prestações devidas aos familiares da vítima (artigo 34º 1 e 4 do RJAS), em face do que a decisão a determinar a obrigação do pagamento indemnizatório terá de o contemplar.
Invoca ainda a CGA no seu Recurso que não será responsável pelo pagamento do subsídio por morte nem pelo reembolso das despesas com o funeral do sinistrado porquanto o subsídio por morte é pago pelo serviço onde o funcionário exercia funções e que o reembolso das despesas de funeral não é cumulável com o subsídio por morte (artigos 9º e 14º, 1 do DL 223/95 de 8/9).
Importa não perder de vista que não está aqui em causa uma morte natural, mas antes um acidente de serviço, do qual resultou a morte do trabalhador, em face do que não será no aspeto em apreciação, aplicável o DL 223/95, que regula o subsídio por morte dos funcionários e agentes da Administração Pública.
Em caso de morte por acidente de serviço será de aplicar o DL 503/99, de 20 de novembro (RJAS), o qual remete para o regime geral (LAT), enquanto conjunto normativo especial face ao regime geral.
Na realidade, é incontornável que os artigos 65º e 66º da LAT reconhecem o direito ao subsídio por morte e ao subsídio por despesas de funeral.
Por outro lado, o RJAS no nº 4, al. f) do artigo 4º, sob a epigrafe “Reparação”, prevê o direito ao pagamento das despesas de funeral e subsídio por morte.
Sendo solidária a responsabilidade da CGA, responderá pelo pagamento do subsídio por morte e despesas com o funeral, sem prejuízo, se for caso disso, do emergente exercício do direito de reembolso sobre o Município.
Refere ainda a Recorrente CGA que o prazo para requerer o subsídio de despesas de funeral é de um ano a contar da realização das despesas nos termos do disposto no artigo 66º, nº 5 da LAT, prazo que teria sido ultrapassado.
Em qualquer caso, e em concreto, tendo a despesa sido realizada em 31.12.2014, e o pedido de reembolso feito não âmbito da presente Ação, entrada em juízo em 17-09-2015, é manifesto que o pedido se mostrará tempestivo.
Em qualquer caso, sendo a referida invocação uma questão nova, apenas tratada em sede de Recurso, não tendo sido invocada nem tratada anteriormente, nunca a mesma teria a virtualidade de se mostrar procedente.
Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste TCAN nº 613/17.1BEBRG, de 04-10-2017 “A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas
Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram”
No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1.
Invoca ainda a Recorrente CGA o artigo 7º da LAT no que respeita à entidade responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.
Em qualquer caso, importa ter presente o RJAS, o qual, nos seus artigos 5º, nº 3 e 43º estabelece uma responsabilidade objetiva, independentemente da culpa, e solidária, respondendo, no caso, a CGA integralmente por todas as prestações, podendo, como reiteradamente se afirmou já, exercer o direito de regresso sobre o Município.
Finalmente, não se conforma a CGA com a sua condenação solidária no pagamento da pensão por morte agravada (artigo 18º da LAT) e da indemnização por danos não patrimoniais no valor de €145.000, no quadro da responsabilidade civil culposa do empregador.
Invoca que, não tendo na situação em apreciação a qualidade de empregador, não lhe será oponível o regime previsto no artigo 18º da LAT.
Como já anteriormente se abordou, estando predominantemente em causa o pagamento de pensões, e sendo a CGA a entidade que as processa, poder-se-ia criar um impasse, caso a CGA não fosse condenada no pagamento dos montantes judicialmente definidos como devidos às Autoras.
Como afirma a aqui Recorrida “Sendo a recorrente a entidade que processa pensões, em caso de morte, não vemos como poderiam as AA exigir-lhe a dita pensão agravada se não fosse também ela condenada em tal pagamento.”
Tendo o Tribunal a quo entendido ser devida uma pensão agravada (artigo 5º, nº 3 do RJAS) é incontornável que terá de ser em primeira linha a CGA, independente da culpa, quem deverá proceder ao pagamento da mesma.
Se é certo que é o Município a entidade responsável pelos seus trabalhadores, já a CGA será responsável pelo pagamento das pensões reconhecidas aos familiares dos seus beneficiários, no caso de morte destes por acidente de serviço.
No que concerne já ao pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais, a correspondente condenação não assentou no disposto no artigo 483º do CC, o que sempre pressuporia a verificação, designadamente, de dolo ou mera culpa.
Com suficiente clareza afirmou-se na decisão recorrida que “A nossa jurisprudência tem sido unanime em aceitar que o preenchimento da segunda parte do n.º 1 do artigo 18.º da LAT – e a consequente responsabilidade do empregador na reparação agravada – não depende de qualquer imputação subjetiva culposa, no sentido mais estrito deste conceito, basta-se com a ilicitude que é a violação (por ação ou omissão) das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente. (…)
Assim sendo, impunha-se que estivessem instalados no local meios de proteção coletiva, designadamente, uma rede de proteção, destinada a amparar a eventual queda dos trabalhadores para o interior do pavilhão, ou então uma linha de vida à qual os trabalhadores pudessem ligar o equipamento de proteção individual, nomeadamente, arnês de segurança.
Ora, resulta provado que esses meios de proteção não existiam quando e onde ocorreu a queda da vítima. (…)
Invocam as AA. o Acórdão do STJ (3411/06.TTLSB.L1.S1, 10.11.2010,): No contexto do regime atendível a responsabilidade principal e agravada, do empregador, pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte; a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de diretrizes sobre higiene e segurança no trabalho. A par, respetivamente, daquele comportamento culposo ou desta violação normativa, ambos os fundamentos exigem a necessária prova do nexo causal entre o ato ou omissão e o acidente que veio a ocorrer. E, mais à frente, apreciando precisamente a segunda parte do n.º 1 do artigo 18.º, esclarece que a sua verificação exige a concorrência de dois pressupostos: que recaia sobre o empregador o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada.
(…)
No caso vertente, verifica-se este nexo de causalidade adequada entre o sinistro ocorrido e o incumprimento das apontadas regras de segurança, que é em geral e abstrato adequado a provocá-lo, parecendo-nos evidente que, se por baixo do local onde decorriam os trabalhos, estivesse instalada uma rede de segurança ou, pelo menos, existisse uma linha de vida ou cabos de segurança onde o trabalhador pudesse ligar os respetivo arnês/cinto de segurança, a queda do A. para o solo do armazém não teria ocorrido.
Deste modo, verificam-se reunidos em concreto os pressupostos necessários à verificação da responsabilidade agravada a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 da LAT.”
Com efeito, a responsabilidade agravada, que acarreta correspondentemente o pagamento da pensão por morte agravada, bem como os danos não patrimoniais pela ocorrência do acidente de serviço, teve por fundamento, não uma imputação subjetiva culposa, mas sim a ilicitude resultante da violação das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente, no sentido de que se existem meios de proteção individual a queda do trabalhador não se teria verificado.
A responsabilidade da Recorrente CGA é assim objetiva e independente da sua culpa, enquanto responsável pelo pagamento das prestações devidas aos familiares dos sinistrados por morte destes em acidente de serviço, e, solidária, porquanto responde integralmente por todas as prestações podendo exercer o direito de regresso relativamente aos encargos entretanto assumidos.
Em face do que precede, improcederá o Recurso interposto pela CGA.

Do Recurso das Autoras e Do Recurso Subordinado do Município
Uma vez que, quer o Recurso das Autoras quer o Recurso Subordinado do Município assentam nos valores indemnizatórios atribuídos, no primeiro caso, entendendo os mesmos como insuficientes e no segundo, como exagerados, serão ambos os recursos analisados conjuntamente.
Efetivamente, as Autoras vêm predominantemente Recorrer para esta instância em resultado de entenderem que os valores indemnizatórios atribuídos se mostrarão insuficientes.
Já o Recurso subordinado do Município resulta do entendimento de que “as quantias fixadas são exageradas”.
No que aqui releva, decidiu o Tribunal a quo:
“Reconhecer o direito ao subsídio por morte, correspondente a 12 vezes o valor de 1,1IAS, considerando o IAS em 2014, de € 419,22, sendo metade para a viúva e a outra metade para as duas filhas, em partes iguais e as despesas de funeral no valor € 1.825,00, à viúva do sinistrado, considerando já paga a quantia de €6.060.
A pagar, solidariamente, às Autoras:
a) Pensão por morte da vítima, anual e vitalícia fixada nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) e n.º 5, 59.º, n.º 1, alínea a) e 71.º da LAT, a remir.
b) Pensão por morte da vítima, anual e temporária, anual e temporária (até 25 anos se estiver dependente ou sem limite de idade quando se for afetada por deficiência ou doença crónica que atinga a sua capacidade de ganho) a fixar nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) e n.º 5, 60.º, n.º 1, alínea c) e 71.º da LAT, a remir.
c) Indemnização por danos não patrimoniais devidos pela perda da vida €80.000, sofrimento da morte da vítima €10.000 e sofrimento dos familiares, viúva e duas filhas €55.000, no valor global de €145.000.
Refira-se desde logo que se não vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância.
Nos termos do artigo 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil), compreendendo o “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – nº 1 do artigo 564º do Código Civil.
Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564º nº 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização visaria a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº 1 do artigo 566º do Código Civil).
A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que a que teria nessa data se não existissem danos (nº 2 do artigo 566º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do artigo 566º).
Foi do ponto de vista indemnizatório inicialmente peticionado o seguinte:
Subsídio por morte no valor € 11.229,72, sendo metade para a viúva e a outra metade para as duas filhas, em partes iguais.
Despesas de funeral no valor € 1.825,00, à viúva do sinistrado.
Pensão por morte da vítima, anual e vitalícia, igual à retribuição anual de € 13.101.34 à viúva, desde a data do acidente, a remir.
Pensão por morte da vítima, anual e temporária, igual à retribuição anual de € 13.101.34 para a filha AR, desde a data do acidente, a remir.
Pensão por morte da vítima, anual e temporária, igual à retribuição anual de € 13.101.34 para a filha AL, desde a data do acidente, a remir.
Indemnização por danos não patrimoniais devidos pela perda da vida (€ 100.000,00), sofrimento da morte da vítima (€ 20.000,00) e sofrimento dos familiares, viúva e duas filhas (€ 80.000,00), no valor global de € 200.000,00 (duzentos mil euros).
Pensão de sobrevivência às legais beneficiárias na parte cumulável com a pensão por morte.
Desde logo, e no que concerne ao Recurso Subordinado do Município, alega-se relativamente ao dano morte que o valor deste não deveria exceder os 60.000€ em conformidade com acórdãos de 03/11/18 e 10/05/17 do STJ.
A jurisprudência tem vindo tendencialmente a considerar na quantificação da indemnização pelo dano morte os seguintes fatores:
- A importância do bem jurídico violado que é o bem supremo “a vida”;
- A idade e esperança de vida, deverão relevar na fixação da indemnização:
- A culpa do lesante e do lesado têm sido tidos em consideração no valor indemnizatório atribuído;
- A saúde da vítima é atendível na quantificação indemnizatória;
- Considera-se ainda a relevância social e familiar do falecido;
- A situação económica do lesante e do lesado;
- Atende-se ao grau de parentesco dos familiares potencialmente beneficiários da indemnização.
Atualmente a jurisprudência, em ambas as jurisdições, tem fixado indemnizações resultantes de dano morte, quantificadas em valores que em média rondarão os 70.000€, os quais se mostram, no entanto, flexíveis em função dos critérios anteriormente referenciados.
Aludiu-se, designadamente em Acórdão do STJ de 07/02/2013 que o critério para a fixação judicial do dano morte reside no Código Civil e, pese embora a Portaria nº 377/2008 possa ser considerada pelo julgador, não se sobrepõe a este, tendo a mesma um âmbito de aplicação extrajudicial.
É hoje ponto assente que a fixação do valor indemnizatório decorrente do dano perda de vida não é compatível com a atribuição de indemnizações simbólicas ou miserabilistas, o que não significa, aqui em concreto, que se viabilize a atribuição de indemnizações com os valores peticionados pelas Autoras, por extravasarem os limites atendíveis, isto sem colocar em causa o sofrimento decorrente da perda de um familiar, cônjuge ou pai, que era o suporte da economia e vida familiar.
Em concreto, considerando que a vítima era uma pessoa com 51 anos de idade, sendo, como se disse já, o suporte económico da família, entende-se que os valores fixados judicialmente em 1ª instância se mostram adequados, atentos todos os pressupostos e requisitos aplicáveis e já referenciados.
Acresce que o Município agiu omissivamente com elevado grau de culpa, na medida em admitiu que o sinistrato exercesse a sua função no telhado de um pavilhão, a uma altura superior a 7,50m numa superfície de fibrocimento já degradada, sem que tivesse cuidado de instalar um qualquer sistema de proteção contra acidentes.
Assim, como se afirmou, atentos todos os pressupostos e requisitos que determinaram a atribuição dos valores indemnizatórios em questão e no que concerne ao dano vida, atento ao disposto nos artigos 496º, nº4 e 494º do CC, considera-se que os mesmos se mostram equilibrados, proporcionais, adequados e suficientes à satisfação da pretensão indemnizatória das AA.
Por outro lado, mas no mesmo sentido, divergindo quer o Município quer as Autoras relativamente aos valores indemnizatórios atribuídos a título dos danos sofridos pela cônjuge e filhas da vítima (com 24 e 17 anos), ainda que e naturalmente em sentido divergente, não pode este tribunal deixar de considerar que os valores estabelecidos pela morte do sinistrado, de 25.000€ para a mulher e 15.000€ para cada uma das filhas, se afigura igualmente proporcional e adequado e conforme com aquilo que tem vindo genericamente a ser decidido pelos Tribunais quer Administrativos quer Judiciais.
É certo que as Autoras pediam uma compensação por deste dano, traduzido no desgosto e sofrimento pela perda da vida do seu marido e pai, no valor de 80.000€, sendo 40.000€ para a cônjuge sobreviva, e 20.000€ para cada uma das filhas, no entanto os valores estabelecidos não merecem censura.
Efetivamente, os montantes indemnizatórios fixados deverão sê-lo equitativamente, atento o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - arts 496º, nº 3 e 494º do CC, sendo que a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso.
Em bom rigor, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar desajustada por desconforme a esses elementos – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009.
Como se afirmou, por outro lado, no acórdão do STJ 4/14.0PCSRQ.S1 de 25.11.2015, “Na fixação do montante de indemnização devido pelo dano morte, deve o tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico (art. 496.º, do CC). O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano causado, devendo ainda atender-se, na sua fixação, a todas as regas de prudência, de bom senso prático, de justa medida das cosias, e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Como se reafirmou já, entende este Tribunal de Recurso que se mostram adequadas, ou no mínimo admissíveis, as compensações indemnizatórias fixadas pelo tribunal a quo, não carecendo de qualquer intervenção corretiva por parte deste tribunal.
Aqui chegados, ponderando as circunstâncias do caso, em que se evidenciam desde logo, o grau de parentesco imediato, o tempo de convivência conjugal, a ligação entre a vítima, a sua cônjuge e as filhas de ambos, o acompanhamento familiar, e a presença regular do falecido, a circunstância repentina e inesperada da sua morte, perfeitamente evitável, e as circunstâncias da sua ocorrência e a capacidade económica do lesante, considera-se que os valores indemnizatórios estabelecidos se mostram adequados, na medida do possível, ao ressarcimento dos danos verificados, por forma a, designadamente, compensar a angústia, tristeza, sofrimento causados.
Importa assim sublinhar e concluir sublinhar que, quer o Recurso das Autoras, quer o Recurso subordinado do Município, não lograram demonstrar tudo quanto alegaram conclusivamente, no sentido de determinar o recálculo dos valores indemnizatórios estabelecidos em 1ª instância, os quais se mostram equitativos e consentâneos com o entendimento que tem vindo a ser adotado pela Jurisprudência dominante.
Decorre pois de tudo quanto se foi discorrendo que se ratifica tudo quanto se expendeu no discurso fundamentador da Sentença de 1ª instância, cuja decisão se confirmará, negando-se provimento a todos os Recursos apresentados, em virtude de, em momento algum, se ter reconhecido que o decidido tenha afrontado “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, em face do que se não justifica qualquer intervenção corretiva desta instância, mormente no que concerne aos valores indemnizatórios estabelecidos, os quais se mostram ajustados à realidade de facto e de direito em que assentam.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento aos Recursos, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Porto, 3 de maio de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa