Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00130/11/3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS.
Sumário:
I) O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento, pelo que ganha especial relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.
II) A Administração Fiscal não corrigiu a matéria tributável com fundamento na realização de operações tributáveis não faturadas (caso que sobre si impendia o dever de demonstrar a materialidade das operações) mas sim com fundamento nos proveitos constantes de faturas emitidas pela Impugnante não relevadas nas respetivas declarações de rendimentos, sendo que ao emitir as faturas a Impugnante implicitamente reconheceu a omissão que lhe era imputada e, consequentemente, inverteu-se o ónus probatório: se a Administração Fiscal tinha o ónus de demonstrar aquela materialidade, com a emissão das faturas, passou a ser a Impugnante a ter que demonstrar a inexistência dos pressupostos que levaram à sua emissão, isto é, que apesar de faturados aqueles serviços estes não correspondiam à realidade ou à perceção de qualquer proveito.
III) Ora, tratando-se se serviços que a Recorrente registou informaticamente, tal como se decidiu, impendia sobre esta o ónus de demonstrar que malgrado aquela prestação estes não eram suscetíveis de constituírem proveitos, nomeadamente, (i) por não serem suscetíveis de serem cobrados (por exemplo tratar-se de reparações em garantia); ou, (ii) embora fossem proveitos não deviam ser imputados aos anos de 2007 e 2008 em razão da aplicação de critérios de percentagem de acabamento e especialização de exercícios; ou (iii) que tinham sido realizadas aquelas obras mas com prejuízo; ou qualquer outra circunstância relevante. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:EETC, Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
“EETC, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 26-04-2018, que julgou improcedente a pretensão deduzida pela mesma na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as liquidações e juros compensatórios de IRC de 2007 e 2008, no valor de 13.498,41 €.
Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 103 e 104 dos autos ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1)- A correção efetuada pela ATA não cumpriu com o princípio da especialização dos exercícios, dos Art.º 18.° e 19.° do CIRC.
2)- Pois, claramente quanto aos valores que resultam dos Q4, Q5 e Q7, tais valores não foram apurados de acordo com a percentagem de acabamento.
3)- A percentagem de acabamento, é uma proporção entre os custos incorridos e os custos estimados para concluir a obra.
4)- A ATA não apurou nenhuma proporção, como a mencionada no parágrafo anterior.
5)- Antes, a ATA efetuou a correção na base da diferença entre os custos estimados e os valores já faturados.
6)- Esta métrica não tem suporte legal.
7)- Com base, na evidência em FACAB ou FACVD, considerou a ATA, os valores, dos Q1 e Q2, como em falta, tendo em conta o mesmo princípio da especialização dos exercícios.
8)- A recorrente entende, que ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo, que não existe nos autos evidências, de que os valores em causa deviam ser considerados como rendimentos nos anos em causa.
9)- Pelo que as liquidações recorridas têm de ser anuladas por violar a lei estabelecida, nos Art.º 18.° e 19.º do CIRC.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se as liquidações de IRC e Juros Compensatórios, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, para que assim se faça JUSTIÇA.”
*
A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr. fls. 111 dos autos).
*
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em indagar da bondade das liquidações de IRC de 2007 e 2008 tendo presente o princípio da especialização dos exercícios.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) A Impugriante foi objeto de ação inspetiva, a coberto da ordem de serviço 012010000357 onde foram propostas correções à matéria tributável em sede de 1RC nos montantes de EUR 26.113,30 e EUR 48.976,43, para os anos de 2007 e 2008, respetivamente
[cfr. relatório de avaliação de fls. 2 e ss. do procedimento administrativo apenso aos autos]
B) As correções constantes do facto precedente tiveram a seguinte fundamentação:
(...)
Recolha de dados
Em cumprimento do Despacho n.° D1201000052, os serviços de inspeção tributária deslocaram-se à sede do sujeito passivo na Zona Industrial de Campia - Vouzela com o objetivo de consulta e recolha de dados do programa de faturação, do ficheiro normalizado de exportação de dados - SAF-T (PT), previsto na portaria n.° 1192/2009 de 8 de Outubro, e de documentos / ficheiros de apoio à gestão e contabilidade.
Efetuou-se o procedimento de recolha de dados no servidor que se encontrava no escritório da sede da empresa, computador com um sistema operativo Windows. Podemos verificar que o sujeito passivo utiliza o programa de faturação WINSIG com motor de base de dados em Visual FoxPro. Assim, os ficheiros de bases de dados, o ficheiro de auditoria normalizado SAF-T (PT) e outros documentos / ficheiros de apoio à gestão e contabilidade foram objeto de cópia para CD não regravável, em dois exemplares, um destinado à Inspeção Tributária e o outro ao sujeito passivo. O representante da empresa assinou o termo de entrega/recibo dos dados recolhidos, dando dessa forma quitação da receção da sua cópia.
III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
Após ter sido efetuada a recolha dos dados, procedeu-se à análise para aferir da conformidade com os valores registados na contabilidade e declarados pelo sujeito passivo nas declarações periódicas de IVA e declarações de rendimentos de IRC, e a verificação do cumprimento do artigo 5.° do Decreto-lei n.° 198/90 de 19/ de Junho, alterado pela Lei n.° 60-A/2005 de 30 de Dezembro, que estabelece os princípios a que devem obedecer os sistemas informáticos de faturação.
Estrutura dos dados
A base de dados constituída pelos ficheiros com a extensão "dbf' e o ficheiro "sigdados.dbc", localizados na pasta WINSIG/F1000201, que se encontravam no computador do sujeito passivo, foi importada através do ODBC driver para o software de auditoria IDEA com o objetivo de proceder à análise dos dados, tendo sido também importados e analisados ficheiros de bases de dados que contêm cópias de segurança.
Procedemos à identificação das tabelas mais relevantes para determinar os valores das prestações de serviços e ou vendas do sujeito passivo assim como os respetivos campos que se apresentam nos quadros seguintes.
Tabelas
FIRMA
Descrição
Identificação do sujeito passivo que utiliza o programa de facturação
FACABCabeçalhos dos documentos de venda
FACVDCabeçalhos adicionais das vendas a dinheiro
FALINDetalhe dos documentos de venda
RECLINDetalhe dos recibos de venda
CLIENTESClientes da empresa
OBRASDados gerais descritivos das obras
OBRASMOVDetalhe dos trabalhos executados e material aplicado nas obras
OBRAS TIPOTipo de Obras
CONF DOCConfiguração de documentos
TIPO DE PAGAMENTOTipo de Pagamento
FORMA DE PAGAMENTOForma de Pagamento

Procedeu-se, também, à validação dos registos dos serviços prestados e ou operações de venda das bases de dados do programa de faturação do sujeito passivo, através dos dados recolhidos junto de clientes / proprietários de obra que mantiveram ou mantêm relações económicas com aquele, nos termos estabelecidos no artigo 59.º e artigo 63.º da Lei Geral Tributária, após requisição às Câmaras Municipais de Vouzela, C. M. de Oliveira de Frades, C.M. Águeda, C. M. de S. Pedro do Sul e C.M. de S. João da Madeira dos elementos referentes aos processos de autorização de licenças para obras e ou alvarás de licenças de construção, nos quais consta que o responsável pela execução dos trabalhos é a empresa EETC LDA (respostas dos proprietários de obra/ clientes do sujeito passivo constam do presente processo).
Realizados aqueles testes de verificação / validação, apuraram-se divergências nos valores das obras referenciadas nos quadros n.s.º 1 a n.º 7 que junto seguem, entre o total líquido de IVA do campo VALOR da tabela OBRASMOV, que regista o material aplicado e os trabalhos executados em cada obra, e o total líquido de IVA da tabela FACAS ou FACVD, cujos valores servem de base à faturação e, consequentemente, aos registos contabilísticos das operações de venda / prestação de serviços.
Estas diferenças apuradas pelos serviços de inspeção tributária tiveram, também, em consideração os inventários finais de obras em curso, apresentados pelo sujeito passivo no decorrer do procedimento, referentes aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009.
Q1 — QUADRO DAS DIFERENÇAS APURADAS EM OBRAS / CLIENTES COM CUSTOS IMPUTADOS E SEM VALORES FACTURADOS - 2007
Valores em Euros IVA não induiclo
CLIENTES1 - CUSTOS
IMPUTADOS
ANO DE 2007
2 - VALOR 3 - VAR. DIFERENÇA
FACTURADO PRODUÇÃO 1 - 2 - 3]
A…179,980,000,06179,98
CFT8.490,300,000,008.490,30
MM2.028,380,000,002.028
MDA0,000,000,00
R…321 35000000321
D1F-1 VALOR LIO IVA SUM11.020.010,000,0011,020,01
02 — QUADRO DAS DIFERENÇAS APURADAS EM OBRAS CLIENTES COM CUSTOS IMPUTADOS E SEM VALORES FACTURADOS - 2008
Valores em Euros IVA não incluído
CLIENTES1 - CUSTOS
IMPUTADOS
ANO DE 2008
2 - VALOR 3 - VAR
FACTURADO PRODUÇÃO
DIFERENÇA
11 - 2 - 31
A…218,550,000,00218,55
CFT5.363,070,000,005.363,07
MM0,000,000,000,00
MDA4,545,960,000,004.645,98
Ia0000000000 00
DIF-1 VALOR LIO IVA_SUM10.127,580,000,0010.127,58

Q3 — QUADRO RESUMO DAS DIFERENÇAS APURADAS EM OBRAS / CLIENTES
COM CUSTOS IMPUTADOS E SEM VALORES FACTURADOS2007 E 2008
CLIENTESNR_DOC__OBRADESCRICAO _OBRA20072008
A…190Remodelação de moradia179,98218,55
CFTConstrução de Moradia8.490,305.363,07
MM186Reparação de Piscina2.028,380,00
MDA219Muro de suporte0,004.545,96
R…194Vedação para Ursa.,32V50,00
DIF-1 VALOR LIQ IVA SUM11.020,0110.127,58

Anote-se que, nestes casos, e apesar dos trabalhos executados e do material aplicado nestas obras terem sido considerados como custos fiscalmente dedutíveis, não há evidência, de qualquer valor faturado a estes clientes e para estas obras, quer nas tabelas FACAB ou FACAVD, quer nos elementos contabilísticos referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009.
04 — QUADRO DAS DIFERENÇAS APURADAS EM OBRAS / CLIENTES COM CUSTOS IMPUTADOS SUPERIORES AOS VALORES FACTURADOS — 2007
CLIENTES1-CUSTOS
IMPUTADOS
ANO DE 2007
2-VALOR 3-VAR.
FACTURADO PROOU AO
DIFERENÇA
1-2 - 3
AJT
D…29.697,3526.372,190,003.325't
CMTD1.695,450,000,001.6954
JCA8.587,600,000,00
NOA1 485 08O 00000
OU- -2VALORLICLIVASUM41.465,4826.372 190,0015.0932'

Q5 - QUADRO DAS DIFERENÇAS APURADAS EM OBRAS / CLIENTES COM CUSTOS IMPUTADOS SUPERIORES AOS VALORES FACTURADOS - 2008
CLIENTES1 - CUSTOS
IMPUTADOS
ANO DE 2008
2 - VALOR 3 - VAR
FACTURADO PRODWÃO
DIFERENÇA
1-2-3
MFM8.874,287.500,000,001.374,28
ASA5.650,470,000,005.850,47
CMT Duarte41.611,585.053,0025.000,0011.558,58
Eng JPOM
M…903,490,000,00903,49
JCA7.637,238.245,180,00-607,98
JMDF9.701,230,000,009.701,23
MTR12.209,140,007.500,004.709,14
NOA18.555,4714.196,700,004.358,77
RNAM7.470 846.270 1,10 001.200 84
DIF-2 VALOR ,,LIQ IVA SUM112.613,7341.264.8832.500,0038.848,8

Nota: Estes quadros têm valores em euros líquidos de IVA
Q7 - QUADRO RESUMO DAS DIFERENÇAS APURADAS EM OBRAS / CLIENTES COM CUSTOS IMPUTADOS SUPERIORES AOS VALORES FACTURADOS - 2007, 2008 E 2009
CLIENTESNR DOC OBRADESCRICAO OBRA2007 2008 2009
AFMA
JTD AS
A…
CMTD
CMTD CMTD
CMTD Eng JPOMM
JCA J
MDF
MTR
NOA
RMAA
218
174
217
175
225
232
104
183
226
230
214
216
Muro de SupOrte Muro de Pedra
Moradia Esculca Remodelação da churrasquwa
Remode'ar-ão de casa
Construção de restaurante
Moradia em Serrazes Pintura e arranjos exteriores
Reconstrução e ampliação de moradia
Reconstrução de casa
Moradia Sampaio Vouzela Remodelação de sala
-6.096,82
0,00 1 3 4,28
3.325,16 0,00 0,00
0,00 5.650,47 -1.755,25
1 695 45 1 837,09 0.00
0,00 5.091,83 0.00
0,00 4.629,66 32 495,42
1.695,45 11.558,58 32.495,42
0,00 903,49 0,00
8.587,60 -607,95 0,00
0,00 9.701,23 -5.601,96
0,00 4.709,14 6.956,49
1.485,08 4.358,77 305,42
0,00 1.200,84 632,25
DIF-2 VALOR L1Q IVA SUM15.093,29 38.848,85 38.129,19

No decorrer do procedimento de inspeção, o sujeito passivo procedeu à regularização das diferenças apuradas pelos serviços de inspeção tributária que constam dos quadros anteriores, através da emissão de faturas no ano de 2010 àqueles clientes, contudo, não efetuou as devidas correções das declarações de rendimentos modelo 22 de IRC, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, e declarações periódicas de IVA dos períodos 0812 e 0912 (Vide Anexo 4).
Atente-se que, em sede de IRC, as regras de determinação do resultado tributável, estipulam nos artigos 18.º e 19.º do Código do IRC, que os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica e que os réditos e gastos de contratos de construção cujo ciclo de produção seja superior a um ano são efetuados segundo o critério da percentagem de acabamento. Assim sendo, relativamente aos valores dos trabalhos executados e material aplicado nas obras e que não foram faturados a clientes, devem ser reconhecidos como proveitos, independentemente do recebimento, nos períodos / exercícios em que os gastos foram considerados como custos, pelo menos pelos valores registados nas tabelas OBRAS e OBRASMOV.
A obrigação imposta pelo artigo 17.º do Código do IRC de relevar na contabilidade e nas declarações de rendimentos modelo 22 todas as operações realizadas, não foi, de facto, cumprida pelo sujeito passivo, pelo que se propõe a correção aritmética à matéria tributável de IRC, dos anos de 2007 e 2008, dos montantes de € 26.113,30 e de 48.976,43, respetivamente, determinados no quadro abaixo.
Q8 — CÁLCULO DO ACRÉSCIMO À MATÉRIA TRIBUTÁVEL DE IRC

CORRECÇÃO AO RESULTADO TRIBUTÁVEL DE IRC200720082009
1 - Volume de Negócios Declarado1.469.570,332.174.112,61.451.661,15
2 - Correcção VN11.020,0110.12/,580,00
3 - Correcção à Variação de Produção15.093,2938 848,8538.129,19
4 - Sorna Correcção RLE (2 + 3)26.113,3048.976,4338.129,19
5 - Resultado Tributável Declarado46.030,9810.350,09.1.041,29
6 - CORRECÇÃO RT IRC26.113,3048.976,4338.129,18
- Resultado Tributável Corrigido72.144,2859.326,52 Não Aplicável
8- IRC EM FALTA5.222,667,346,46 Não Aplicãvel
Nota As eventuais correcções à matéria tributável de IRC de 2009 serão efectuadas no ambito de um novo procedimento inspectivo.
(…)"
[cfr. relatório de avaliação de fls. 2 e ss. do procedimento administrativo apenso aos autos]
C) Em 16 de Novembro de 2011foi emitida liquidação de IRC n.º 2010 8310007070, respeitante ao exercício fiscal de 2007, onde se apurou um valor a pagar de EUR 5.730,89, incluindo juros compensatórios de EUR 508,24 em razão da consideração da matéria tributável de EUR 72.144,28 em vez de 46.030,98 constante da liquidação anterior (acréscimo de EUR 26313,30)
[cfr. liquidação de fls. 10 dos autos]
D) Em 22 de Novembro de 2011foi emitida a nota de cobrança no valor de EUR 5.730,89, referente ao exercício de 2007 com a seguinte discriminação:
Estorno da liquidação de 2007 — Liq. 2008 2910170028-0,01
Acerto liquidação de 2007 — Liq. 2010 8310007070-5.222,65
Juros Compensatórios — Liq. 2010 00001606686-508,24
Regularização de doc. anterior. Nula 2008 000013333035+0,01
Valor a pagar5.730,89
[cfr. nota de cobrança de fls. 11 dos autos]
E) Em 16 de Novembro de 2011foi emitida liquidação de IRC n.º 2010 8310007116, respeitante ao exercício fiscal de 2008, onde se apurou um valor a pagar de EUR 7.767,52, incluindo juros compensatórios de EUR 421,06 em razão da consideração da matéria tributável de EUR 59.326,52 em vez de 10.350,09 constante da liquidação anterior (acréscimo de EUR 48.976,43)
[cfr. liquidação de fls. 13 dos autos]
F) Em 23 de Novembro de 2011foi emitida a nota de cobrança no valor de EUR 7.767,52, referente ao exercício de 2008 com a seguinte discriminação:
Estorno da liquidação de 2008 — Liq. 2009 2910128101+0,00
Acerto liquidação de 2008 — Liq. 2010 8310007116-7.346,46
Juros Compensatórios — Liq. 2010 00001608967-421,06
Valor a pagar7.767,52
[cfr. nota de cobrança de fls. 14 dos autos]
G) A Impugnante emitiu faturas em 2010 consubstanciadas nos proveitos considerados omitidos pela Administração Fiscal nos anos de 2007 e 2008
[cfr. consta do relatório inspetivo e resulta implícito da alegação constante do art.º 27.º da petição inicial da Impugnante]
H) As faturas constantes do facto precedente não foram anuladas pela Impugnante.
[cfr. prova testemunhal]
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão, nomeadamente não se provou que aqueles proveitos teriam sido contabilizados em anos posteriores.
*
Motivação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes baseando-se, essencialmente, numa apreciação critica [artigos 396.° do Código Civil e n.º 5 do art.º 607.° do CPC, ex vi do art.º 2.° do CPPT], e à luz das regras da experiência comum, do exame dos documentos juntos aos autos (não impugnados), incluindo o processo administrativo apenso, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes.
Na formação da convicção do Tribunal foi, também, tomada em consideração a prova testemunhal realizada, sendo ouvidas as testemunhas arroladas pela lmpugnante, nomeadamente «ARB », contabilista da lmpugnante e pela Fazenda Pública «FAMR », inspetora tributária.
Importa referir que, em face da alegada emissão por parte da lmpugnante das faturas referentes aos proveitos alegadamente omitidos foi admitida aquela prova circunscrita à actualidade referente à respetiva emissão / anulação.
As testemunhas depuseram com isenção e imparcialidade, foram congruentes e espontâneas no seu depoimento, demonstrando a sua razão de ciência, sem contradições ou hesitações percetíveis, motivos pelos quais se reputa o seu depoimento de credível e como tal foi valorado.
No tocante às declarações do contabilista certificado destaca-se a referência feita por aquele que os proveitos alegadamente omitidos teriam sido contabilizados em 2010 e parte em 2011 e que, não obstante, as faturas em causa não foram anuladas.”
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, estaria cometida a tarefa de apreciar a bondade das liquidações de IRC de 2007 e 2008, no valor de 13.498,41 €.
Para desatender a pretensão da Recorrente, a decisão recorrida ponderou, além do mais, que:
“…
Em face da apresentação das Modelo 22 dos anos de 2007 e 2008 a Impugnante beneficia da verdade interina que a matéria tributável real corresponde à declarada.
Todavia, a Administração Fiscal carreou indícios de que essa matéria tributável se encontrava subavaliada porquanto constavam nos registos informáticos da Impugnante a realização de obras sem que estivesse contabilizada como proveito como contraprestação daqueles serviços.
Confrontada com aquelas divergências a Impugnante emitiu faturas relevando os proveitos de que era "acusada" de ocultar.
Afigura-se incontroverso que sendo emitidas tais faturas, a Impugnante tinha o dever de relevar os montantes nelas apostos, enquanto proveitos dos exercícios em causa na sua contabilidade e, consequentemente, de substituir as declarações de rendimentos apresentadas de molde a estas ficarem de harmonia com os proveitos registados contabilisticamente (cfr. art.º 17.º, 18.º, 19.º do CIRC).
Não o fazendo impunha-se à Administração Fiscal que as corrigisse de harmonia com aquelas.
Importa frisar que a Administração Fiscal, ao contrário do que parece pretender a lmpugnante, não corrigiu a matéria tributável com fundamento na realização de operações tributáveis não faturadas (caso que sobre si impendia o dever de demonstrar a materialidade das operações) mas sim com fundamento nos proveitos constantes de faturas emitidas pela Impugnante não relevadas nas respetivas declarações de rendimentos.
Ao emitir as faturas a Impugnante implicitamente reconheceu a omissão que lhe era imputada e, consequentemente, inverteu-se o ónus probatório: se a Administração Fiscal tinha o ónus de demonstrar aquela materialidade, com a emissão das faturas, passou a ser a Impugnante a ter que demonstrar a inexistência dos pressupostos que levaram à sua emissão, isto é, que apesar de faturados aqueles serviços estes não correspondiam à realidade ou à perceção de qualquer proveito.
Não está em causa qualquer presunção de verdade do ato tributário mas tão-somente a circunstância do ato tributário assentar na emissão das faturas.
Sendo incontroverso nos autos que aqueles serviços foram efetivamente prestados, razão porque a Impugnante os registou informaticamente, impendia sobre esta o ónus de demonstrar que malgrado aquela prestação estes não eram suscetíveis de constituírem proveitos, nomeadamente, (i) por não serem suscetíveis de serem cobrados (por exemplo tratar-se de reparações em garantia); ou, (ii) embora fossem proveitos não deviam ser imputados aos anos de 2007 e 2008 em razão da aplicação de critérios de percentagem de acabamento e especialização de exercícios; ou (iii) que tinham sido realizadas aquelas obras mas com prejuízo; ou qualquer outra circunstância relevante.
Todavia, a Impugnante limita-se a alegar que a Administração Fiscal não demonstrou que aqueles serviços não constituíam proveitos nem a forma da sua quantificação.
Consequente, sendo a própria lmpugnante a declarar perante a Administração Fiscal aqueles proveitos (mediante a emissão das respetivas faturas) são espúrias as considerações tecidas quanto às diferenças entre o valor faturado e os custos imputados não constituírem motivos para aquelas correções, nunca ter recebido tais importâncias, nem a Administração Fiscal não ter reconhecido ou mensurado os custos previsionais e a faturação previsional para determinar o grau de acabamento, porquanto, como emerge da fundamentação constante do relatório inspetivo, os atos impugnados não tiveram subjacentes tais questões mas, tão-somente, a emissão de faturas não relevadas nos proveitos declarados nas Modelo 22 de IRC.
Importa salientar, ainda, que a lmpugnante não anulou tais faturas.
Não procedendo à anulação destas nem à demonstração de que dos serviços prestados não emergia qualquer proveito apesar da sua emissão, forçosamente tem de improceder a alegação de inexistência de facto tributário e de erro quanto à sua quantificação. ...”.
Nas suas alegações, a Recorrente defende que a correção efetuada pela ATA não cumpriu com o princípio da especialização dos exercícios, dos Art.º 18.° e 19.° do CIRC, pois, claramente quanto aos valores que resultam dos Q4, Q5 e Q7, tais valores não foram apurados de acordo com a percentagem de acabamento, sendo que a percentagem de acabamento, é uma proporção entre os custos incorridos e os custos estimados para concluir a obra e a ATA não apurou nenhuma proporção, como a mencionada no parágrafo anterior, tendo efectuado a correção na base da diferença entre os custos estimados e os valores já faturados, verificando-se que esta métrica não tem suporte legal, além de que com base, na evidência em FACAB ou FACVD, considerou a ATA, os valores, dos Q1 e Q2, como em falta, tendo em conta o mesmo princípio da especialização dos exercícios, quando não existe nos autos evidências, de que os valores em causa deviam ser considerados como rendimentos nos anos em causa, pelo que as liquidações recorridas têm de ser anuladas por violar a lei estabelecida, nos Art.º 18.° e 19.º do CIRC.
Que dizer?
Com interesse nesta matéria, cabe notar que o princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento, pelo que ganha especial relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.
Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efectiva concretização, a lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. Daí que se devam imputar ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro.
Como regra que é, admitirá as excepções que a confirmam. E essas excepções, como tal, devem, obviamente, estar também previstas na lei e são elas:
Nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual;
Nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte;
Quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.
Diga-se ainda que este princípio, embora não seja absoluto, tem em vista não permitir ao contribuinte manipular o apuramento do lucro tributável de acordo com aquilo que for mais conveniente para a respectiva tributação, devendo as circunstâncias imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas que não permitiram ao contribuinte determinar-se pelo cumprimento da regra da imputação dos custos ou proveitos ao exercício do ano a que diziam respeito previstas no nº 2 do mesmo artigo, serem por este invocadas e provadas.
Por outro lado, importa notar que o art. 19º nº 1 do CIRC refere que “a determinação de resultados em relação a obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção seja superior a um ano pode ser efectuada segundo o critério de encerramento da obra ou segundo o critério da percentagem de acabamento, sendo que (nº 2) “é obrigatória a utilização do critério da percentagem de acabamento nos seguintes casos: a) Nas obras públicas ou privadas efectuadas em regime de empreitada quando se verifiquem facturações parciais do preço estabelecido, ainda que não tenham carácter sucessivo, e as obras realizadas tenham atingido o grau de acabamento correspondente aos montantes facturados; b) Nas obras efectuadas por conta própria vendidas fraccionadamente, à medida que forem sendo concluídas e entregues aos adquirentes, ainda que não sejam conhecidos exactamente os custos totais das mesmas”, verificando-se que o nº 6 desta norma determina que “salvo autorização prévia da Direcção-Geral dos Impostos, as empresas envolvidas em obras de carácter plurianual devem: a) Adoptar o mesmo critério de apuramento de resultados para obras de idêntica natureza; b) Manter até ao final da obra o método adoptado para o apuramento de resultados da mesma.”.
A partir daqui, em função da matéria posta em crise nos autos, resulta evidente que o presente recurso está condenado ao insucesso.
Na verdade, quando se percorre o RIT, o percurso seguido pela AT conduziu à afirmação de que a matéria tributável se encontrava subavaliada porquanto constavam nos registos informáticos da Impugnante a realização de obras sem que estivesse contabilizada como proveito como contraprestação daqueles serviços, situação que a Recorrente reconheceu através da emissão de facturas no ano de 2010, verificando-se, no entanto, que não procedeu às correcções das declarações de rendimentos modelo 22 de IRC referentes aos exercícios de 2007 e 2008.
Nesta sequência, ganha acuidade o exposto na decisão recorrida quando aponta que a Administração Fiscal não corrigiu a matéria tributável com fundamento na realização de operações tributáveis não faturadas (caso que sobre si impendia o dever de demonstrar a materialidade das operações) mas sim com fundamento nos proveitos constantes de faturas emitidas pela Impugnante não relevadas nas respetivas declarações de rendimentos, sendo que ao emitir as faturas a Impugnante implicitamente reconheceu a omissão que lhe era imputada e, consequentemente, inverteu-se o ónus probatório: se a Administração Fiscal tinha o ónus de demonstrar aquela materialidade, com a emissão das faturas, passou a ser a Impugnante a ter que demonstrar a inexistência dos pressupostos que levaram à sua emissão, isto é, que apesar de faturados aqueles serviços estes não correspondiam à realidade ou à perceção de qualquer proveito.
Ora, tratando-se se serviços que a Recorrente registou informaticamente, tal como se decidiu, impendia sobre esta o ónus de demonstrar que malgrado aquela prestação estes não eram suscetíveis de constituírem proveitos, nomeadamente, (i) por não serem suscetíveis de serem cobrados (por exemplo tratar-se de reparações em garantia); ou, (ii) embora fossem proveitos não deviam ser imputados aos anos de 2007 e 2008 em razão da aplicação de critérios de percentagem de acabamento e especialização de exercícios; ou (iii) que tinham sido realizadas aquelas obras mas com prejuízo; ou qualquer outra circunstância relevante.
Pois bem, a Recorrente depois de ter reconhecido a situação apontada pela AT, quando emitiu as tais facturas no ano de 2010, aponta agora que relativamente aos valores que resultam dos Q4, Q5 e Q7, custos imputados, superiores aos valores faturados, 2007 e 2008, não vislumbra a métrica legal, nem no relatório da inspecção, nem na decisão do Tribunal a quo, que valide a correcção aritmética, quando é dito de forma clara na decisão recorrida que a Administração Fiscal corrigiu a matéria tributável com fundamento nos proveitos constantes de faturas emitidas pela Impugnante não relevadas nas respetivas declarações de rendimentos, sendo que também não tem qualquer sentido a dificuldade em apreender a métrica utilizada quando é referido que, no que concerne aos Q1, Q2 e Q3, apesar dos trabalhos executados e do material aplicado nas referidas obras terem sido considerados como custos fiscalmente dedutíveis, não há evidência de qualquer valor facturado aos clientes e no âmbito das obras descritas, procedendo depois em relação ao Q4, Q5 e Q7 ao apuramento das diferenças apuradas em obras / clientes com custos imputados superiores ao valores facturados.
Assim, ao contrário do que refere a Recorrente, a métrica utilizada foi bastante linear, no sentido de fazer corresponder, em termos essenciais, o valor dos custos imputados com o valor facturado, correspondendo a diferença a omissão de proveitos, situação que a Recorrente não desdenhou, pois que procedeu à regularização das diferenças apuradas através da emissão de facturas no ano de 2010.
Assim, como já ficou dito, a Administração Fiscal corrigiu a matéria tributável com fundamento nos proveitos constantes de faturas emitidas pela Impugnante não relevadas nas respetivas declarações de rendimentos, facturas que não foram anuladas, sendo que a Recorrente não se desembaraçou do ónus de demonstrar que malgrado aquela prestação estes não eram suscetíveis de constituírem proveitos, até porque nem se preocupou verdadeiramente com esta matéria, preferindo voltar a discutir a questão a montante, quando tal realidade estava já ultrapassada a partir da altura em que a Recorrente procedeu à regularização apontada no parágrafo anterior, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Novembro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos