Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00048/15.0BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IABA; MATÉRIA DE FACTO; ART. 100.º DO CPPT
Sumário:Não padece de erro no julgamento a sentença na qual se constata que não pode subsistir o ato de liquidação oficiosa de Imposto Especial sobre o Consumo fundado num testemunho que não é confirmado em depoimento prestado perante o Tribunal, assim concluindo pela respetiva anulação com fundamento no disposto no disposto no n.º 1 do art. 100.º do CPPT.

É à Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, cabe o ónus de provar a existência do facto tributário, cabendo-lhe, sustentar substancialmente o ato de liquidação oficiosa em conformidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:Vinhos F., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 2014-08-29 que julgou procedente a impugnação judicial interposta por Vinhos F., Lda., assim anulando a liquidação oficiosa de Imposto Especial sobre o Consumo e juros compensatórios referente a 1999 no montante global de EUR 240.139,90, efetuada pela Direção Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto no Proc. n.º DCA/CA/1-10/02, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
I. O objecto do presente recurso é a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 29/08/2014, proferida nos autos em epígrafe, ao julgar procedente e impugnação e, consequentemente, ao mandar anular a liquidação impugnada (IABA e Juros Compensatórios e Impresso), no montante total de € 240.139,90, conforme documentação constante do Processo Administrativo Apenso (adiante PAA).
II. Da FUNDAMENTAÇÃO da douta sentença recorrida não constam FACTOS DADOS COMO PROVADOS pela administração tributária, quando os mesmos estão alicerçados em prova bastante, documental e testemunhal;
III. Ao não acolher os factos e as provas apresentadas pela administração tributária não faz a douta sentença recorrida qualquer referência expressa a essas provas nem adere a uma eventual contraprova apresentada pela impugnante;
IV. Conclui a douta sentença recorrida para justificar a procedência da impugnação que não se poderá ter como certa a verificação do facto tributário, mas não apresenta ou adere a douta sentença recorrida a outras provas a contradizer a prova feita quer pela GNR quer pelo serviço responsável pela liquidação;
V. Vem a douta sentença recorrida, sem que a impugnante tivesse sequer apresentado provas a colocar em dúvida a ocorrência dos factos que levaram à liquidação, dizer que a liquidação está baseada em pressupostos vagos e que, por essa razão, é inconsistente;
VI. Não pode o RFP aceitar a conclusão a que chegou a douta sentença recorrida já que a liquidação assentou em factos concretos constantes da documentação junta aos autos e dos testemunhos prestados, enumerados no ponto 2.17 supra;
VII. É unânime a jurisprudência em considerar que a prova para o efeito relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar. Nesse sentido ver o Acórdão do STA - 2.ª Secção, de 29/11/1995, proferido no Recurso n.º 19 247;
VIII. E ainda a consideração de que fundada dúvida referida no art.º 100.º do CPPT é a que resulta da ponderação de todo o apport probatório trazido ao processo pela administração tributária e pelo contribuinte e tendo em conta ainda as diligências ordenadas pelo juiz, nos termos do seu art.º 40.º n.º 1 (e do equivalente art.º 100.º do CPPT), que não apenas a «imputável» ao Fisco».
IX. Assim sendo, cabia ao juiz da 1ª Instância realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade pois não pode considerar-se fundada a dúvida que implica a anulação do acto impugnado se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, especialmente do impugnante
X. É que este não pode limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário», incumbindo-lhe o «ónus probandi» de tais factos sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação só sendo possível concluir-se pelo fundamento da dúvida mediante a prova concludente dos mesmos
XI. A sentença recorrida ao considerar como incerta a verificação do facto tributário e a respectiva quantificação fez errada apreciação da prova, violando os art.ºs 653.º e 668.º do CPC;
XII. O que está em causa nos presentes autos não é a prática ou a condenação por uma contra-ordenação ou crime fiscal, mas a ocorrência de factos susceptíveis de gerar uma dívida tributária;
XIII. Cabe à administração tributária indicar os pressupostos de facto em que se fundamentou a liquidação. E essa tarefa foi cumprida rigorosamente pela administração tributária, enumerando factos concretos, datas concretas, números, baseados em documentos e depoimentos que lhe permitiram proceder com rigor à liquidação impugnada;
XIV. Agindo a administração tributária em conformidade com a lei, aquando da prática da liquidação oficiosa, e contestando a impugnante a legalidade dessa liquidação, cabe-lhe a ela o ónus da prova desses factos com vista a provar a inexistência do facto tributário (art.º 342.º do Código Civil);
XV. Mas nenhuma prova carreou a impugnante para os autos a destruir ou a contradizer os factos em que se baseou a liquidação;
XVI. Decorre de toda a prova produzida que a impugnante, se não era a proprietária deste álcool, deve ser fiscalmente considerada como sua detentora (mera possuidora) para efeitos do disposto no (n.º 7 do art.º 20.º do DL 52/93, de 26/02, aditado pelo artigo 46.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, legislação à data aplicável);
XVII. E, desse modo, é solidariamente responsável pelo pagamento do imposto (IEC), constituindo-se na obrigação de proceder ao pagamento das imposições fiscais devidas, já que o álcool se encontrava em circulação na Comunidade em regime de suspensão de imposto;
XVIII. Acresce dizer que a entrada do álcool num armazém não autorizado a receber mercadorias em regime de suspensão é facto gerador de imposto, nos termos do art.º 4.º do DL 52/93, de 26/02;
XIX. Normas violadas; art.ºs 653.º e 668.º, alínea b), do CPC e art.º 4.º do DL 52/93, de 26/02 (à data aplicável)

Termina pedindo:
NESTES TERMOS, a douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação apresentada pelo ora recorrido.
***
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
***
Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, nos termos do disposto na alínea b) do art. 668.º, a que corresponde a atual alínea b) do art. 615.º, do CPC, ou do “erro na apreciação da prova”, vícios que lhe são imputados pela entidade Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

FUNDAMENTAÇÃO
A) Dos factos
Com interesse para a decisão considero provados os seguintes factos:
1. A Direção-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo -Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto liquidou à sociedade aqui Impugnante VINHOS F., LDA., NIPC (…), o Imposto Especial de Consumo sobre o Álcool a quantia global de 240.139,90 €, de que a sociedade Impugnante foi notificada através do ofício de 25/10/2002 (constante de fls. 255 ss. do Processo Administrativo) que lhe foi remetido por correio registado com aviso de receção que se mostra assinado em 29/10/2002.
(cfr. fls. 255-257 do Processo Administrativo/Vol. II)
2. A Petição Inicial da presente Impugnação Judicial foi apresentada em 17/02/2003 na Direção da Alfandega do Porto.
(cfr. fls. 2 dos autos)
3. Aquela liquidação teve origem na comunicação efetuada pela GNR - Brigada Fiscal - SIPCO de Coimbra em 21/02/2001 à Direção-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (através do ofício constante de fls. 3 ss. do Processo Administrativo/Vol. I), sobre a qual veio a ser emitido o Parecer de 27/09/2002 (constante de fls. 106 ss. do Processo Administrativo/Vol. II), propondo a liquidação, com os fundamentos ali vertidos, do que a sociedade aqui Impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia.
(cfr. fls. 3 ss. do Processo Administrativo/Vol. I e fls. 106 ss. e fls. 110 ss. do Processo Administrativo/ Vol. II).
4. É o seguinte o teor do Parecer de 27/09/2002 (constante de fls. 106 ss. do Processo Administrativo/Vol. II), propondo a liquidação em causa, sobre o qual recaiu o despacho de 30/09/2002 do Diretor Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direção das Alfandegas e Impostos Especiais sobre o Consumo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 106 ss. do Processo Administrativo/Vol. II)
5. No exercício do direito de audiência prévia o represente legal da sociedade Impugnante, Sr. J., proferiu em 11/10/2002 junto da Divisão de Controlo Aduaneiro e Venda de Mercadorias da Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, as declarações constantes do respetivo Auto de Declarações (de fls. 112 ss. do Processo Administrativo/Vol. II), ali declarando que a sociedade aqui Impugnante não rececionou qualquer quantidade de álcool nas suas instalações, mencionando ainda que a decisão de aplicação de coima proferida pela Brigada Fiscal de Coimbra, que foi objeto de recurso para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra, tendo a sociedade Impugnante sido ali absolvida, encontrando-se a sentença pendente de recurso dela interposto.
(cfr. fls. 112 ss. do Processo Administrativo/Vol. II)
6. Com aquelas declarações foram juntas cópias da sentença referida e respetivo recurso.
(cfr. fls. 112 ss. do Processo Administrativo/Vol. II)
7. Após, foi emitida a Informação de 17/10/2002 (constante de fls. 254 do Processo Administrativo/Vol. II) no sentido de ser mantida o projeto de liquidação sobre que recaiu o despacho de 30/09/2009, Informação cujo teor é o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 254 do Processo Administrativo/Vol. II)
8. Sobre aquela Informação de 17/10/2002 recaiu o despacho de 21/10/2002 do Diretor Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direção das Alfandegas e Impostos Especiais sobre o Consumo (constante de fls. 253 do Processo Administrativo/Vol. II) com o seguinte teor:
«Visto. Concordo. Registe-se e proceda-se à respetiva notificação.»
(cfr. fls. 253-254 do Processo Administrativo/Vol. II)
9. Na sequência do que foi efetuada a liquidação e respetiva notificação vertida no ofício de 25/10/2002 (constante de fls. 255 ss. do Processo Administrativo) referidas em 1. supra.
(cfr. fls. 255-257 do Processo Administrativo/Vol. II)
10.Foi com base na Participação de 08/03/99 com o n.º 49000016399 elaborada pelo Comandante do Destacamento Fiscal de Coimbra da GNR (Guarda Nacional Republicana) (constante de fls. 34-35 do Processo Administrativo/Vol. I), que foi instaurado o Processo de Contraordenação aduaneira n.º 106/99, no âmbito do qual foi proferida a Decisão de 05/02/2001 da Brigada Fiscal da GNR (constante de fls. 4 ss. do Processo Administrativo/Vol. I) pela qual foi aplicada à sociedade aqui Impugnada a coima de 19.000.000$00, pela autoria da infração prevista nas alíneas c) e f) do artigo 31.º-A do DL. n.º 104/93 de 5 de Abril, com base na circunstância, ali dada como apurada, de que «a sociedade rececionou, em 29/01/1999, 29.919 litros de álcool constante da DAA 4553 e CMR 226356 destinados à Adega Cooperativa (...)», «sem ser acompanhado de qualquer documento para a sustentação da circulação e receção para a sua contabilidade, não estando habilitada a fazê-lo no seu entreposto fiscal».
(cfr. fls. 4 ss. e fls. 34-35 do Processo Administrativo/Vol. I)
11. Interposto Recurso daquela decisão para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra foi nele proferida sentença de 03/08/2001 (junto a fls. 38 ss. dos autos), pela qual foram os arguidos naquele identificado Processo de Contraordenação, entre os quais a sociedade aqui Impugnante, absolvidos das coimas em que haviam sido condenados, tendo naquela sentença, entre o demais, sido dado como não provado que a sociedade aqui Impugnante tenha rececionado em 29/01/1999 os 29.919 litros de álcool.
(cfr. fls. 38 ss. do Processo Administrativo/Vol. I)
12. Interposto recurso jurisdicional daquela sentença foi o mesmo julgado procedente pelo Acórdão de 05/11/2002 do Tribunal Central Administrativo (junto a fls. 65 ss. dos autos), tendo a sentença sido revogada e anulada a decisão de aplicação da coima, por verificação de nulidade do processo de contraordenação, pelos fundamentos ali vertidos.
(cfr. fls. 65 ss. do Processo Administrativo/Vol. I)
13. Na decisão de 05/02/2001 da Brigada Fiscal da GNR (constante de fls. 4 ss. do Processo Administrativo/Vol. I), pela qual foi aplicada à sociedade aqui Impugnada coima no Processo de Contraordenação aduaneira n.º 106/99, em que se suportou a liquidação impugnada, é vertido o seguinte, a respeito da fundamentação da circunstância, ali dada como apurada, de que a sociedade aqui Impugnante rececionou em 29/01/1999 29.919 litros de álcool etílico:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 4 ss. do Processo Administrativo/Vol. I - pág.s 42-44 da decisão)
**
Não existem outros factos provados com relevância para a decisão.
**
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, alicerçando-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, nos documentos juntos aos autos, bem como os que integram o Processo Administrativo, supra referenciados. Sendo que a prova testemunhal produzida, levada a cabo na Diligência de Inquirição de Testemunhas que teve lugar no dia 24/09/2009 (cuja respetiva Ata consta de fls. 224-226 dos autos), no âmbito da qual foram inquiridas duas (2) testemunhas arroladas pela Impugnante e duas (2) testemunhas arroladas pela Impugnada (ali identificadas), cuja respetiva gravação (constante de 2 cassetes) ouvimos com toda a atenção, nada revelou, no essencial, quanto à factualidade em causa nos autos, relevante para a decisão a proferir, tendo em consideração o quadro normativo aplicável, como infra se verá.
*
A fls. 343-344 dos autos o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade suscitada nos presentes autos.
***
II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente.

Antes de mais, importa assentar em que, ainda que a presente ação tenha sido interposta em 2003-02-17 (cf. ponto 2 da fundamentação de facto), atendendo a que a sentença recorrida foi proferida em 2014-08-29 (após a data de entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, que ocorreu em 2013-09-01, tal como resulta do respetivo art. 8.º), é de aplicar supletivamente e por força da remissão constante no art. 281.º do CPPT, o regime aplicável aos recursos constante no CPC posterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, tal como resulta do disposto nos arts. 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 da referida Lei (cf. neste sentido, GEMAS, Laurinda – Introdução. A aplicação da lei no tempo. In O Novo Processo Civil. Contributos da Doutrina para a Compreensão do Novo Código de Processo Civil Caderno I. 2.ª edição. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2013. Disponível na internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil_2edicao.pdf>, pág. 40).

No caso em apreço está em causa a liquidação adicional de Imposto Especial de Consumo sobre o Álcool no montante de EUR 240.139,90, liquidação que teve origem na comunicação efetuada pela GNR - Brigada Fiscal - SIPCO de Coimbra à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo.

Com efeito, o que resulta dos autos é que a liquidação em causa não resulta de qualquer ação inspetiva levada a cabo pela ATA, mas de diligências efetuadas pelo Destacamento da Brigada Fiscal de Coimbra da GNR no âmbito do Processo de Contraordenação aduaneira n.º 106/99 (cf. ponto 10, da fundamentação de facto), resultando igualmente provado nos autos que a decisão que aplicou a contraordenação veio a ser anulada por Acórdão proferido pelo TCA em 2002-11-05 (cf. ponto 12, da fundamentação de facto).

A entidade Recorrente imputa à sentença proferida pelo Tribunal a quo o “erro na apreciação da prova” e a nulidade prevista na alínea b) do art. 668.º [a que corresponde a atual alínea b) do art. 615.º] do CPC, por alegada falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, no que é secundada pelo Ilustre Magistrado do M.º Público, que no parecer exarado nos autos defende que não foi feita a necessária análise crítica das provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos decisivos para a formação da convicção, na medida em que o Tribunal a quo se terá limitado, relativamente à prova testemunhal, a referir que relativamente à prova testemunhal, ouvida a gravação nada revelou, no essencial, quanto à factualidade em causa nos autos, relevante para a decisão a proferir.

Ora, e com o devido respeito, desde já se adianta que não têm razão, não se verificando a alegada nulidade.

Com efeito, será “nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a falta absoluta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o desacerto da decisão (STJ 2-6-16, 781/11)” (cf. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 763).

Por outro lado, e no que se refere à apontada omissão da análise crítica das provas, a mesma ocorrerá, como tem vindo a ser afirmado na jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a fundamentação de facto se limite a uma mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, não revelando o “itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto”, e assim impedindo que se conheçam “… as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro” (veja-se a propósito, designadamente, o Acórdão proferido por este TCAN em 2018-10-18, no proc. 01646/04.3BEVIS, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Também a propósito refere o Supremo Tribunal Administrativo que “Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e do exame crítico das provas, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a aludida falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (cf. Acórdão do STA proferido em 2020-10-28, no proc. 01729/10.0BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt), jurisprudência na qual este Tribunal se revê totalmente, e sem qualquer reserva.

Ora, sendo certo que na sentença sobre recurso se refere, como aponta o Digno Magistrado do M.º Público, que a gravação da prova testemunhal gravação “nada revelou, no essencial, quanto à factualidade em causa nos autos, relevante para a decisão a proferir”, também acrescenta que esse juízo seria feito “tendo em consideração o quadro normativo aplicável, como infra se verá(destacado nosso).

Compulsando a referida sentença, o que resulta “infra” a propósito da ponderação da prova produzida, é que o Tribunal a quo explicita, aliás, com meridiana clareza, que, e tendo em consideração que a prova efetuada no âmbito do procedimento que esteve na origem da liquidação sub judice se suportara, sobretudo, nas declarações tomadas ao motorista do veículo que transportava o álcool em questão, e atendendo a que o referido motorista no depoimento prestado perante o Tribunal no âmbito na diligência de inquirição de testemunhas efetuada em 2009-09-24 “nada de concreto” afirmou, tendo-se limitado a “dizer que foi uma vez à zona industrial, na (...), não se lembrando da data nem do local ou empresa, referindo ali ter ido levar álcool…” (destacado nosso), não ser possível relevar o referido depoimento para sustentar o ato impugnado.

Por outro lado, e no que se refere à circunstância de, como refere o Digno Magistrado do M.º Público, não resultar especificada na sentença matéria de facto não provada, também não conduz à invocada nulidade da sentença.

De facto, o Tribunal a quo depois de elencados os factos considerados provados “com interesse para a decisão”, refere que com relevância para a decisão “não existem outros factos provados” relevantes, o que é quanto basta para que, no caso em apreço, atentando nos factos dados como provados e na apreciação crítica da prova feita adiante no segmento decisório destinado à apreciação da matéria de direito, se compreenda o “itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto”.

Donde improcede a invocada nulidade da sentença.

Prossegue a entidade Recorrente, imputando à sentença o que qualifica como sendo um “erro na apreciação da prova”.

Nesse sentido argumenta, em síntese, que na sentença recorrida não constam factos dados como provados pela ATA, quando os mesmos estão alicerçados em prova bastante, documental e testemunhal, e que ao não acolher os factos e as provas apresentadas pela ATA não faz a douta sentença recorrida qualquer referência expressa a essas provas nem adere a uma eventual contraprova apresentada pela Impugnante.
Vejamos.

Comecemos por recordar que constituem erros de julgamento de facto o erro na apreciação das provas, que consiste no “erro de avaliação de um concreto meio de prova, i.e., um erro sobre os factos que estão representados por um dado meio de prova”, e o erro na fixação dos factos materiais da causa, que “é o erro de julgamento dos factos controvertidos, i.e., de subsunção da factualidade dada como representada nos meios de prova a um juízo de realidade ou não realidade da factualidade” (PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, págs. 30-31).

Sobre a ponderação da prova efetuada, tendo em perspetiva o que considerou ser a fundamentação substantiva frágil do ato impugnado, resulta da sentença proferida pelo Tribunal a quo o seguinte:
Em sintonia com o disposto nos artigos 349.º e 350.º n.º 1 do Código Civil e no artigo 74.º n.º 1 da LGT, de acordo com o qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e estando a Administração Tributária submetida ao princípio da legalidade, incumbe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua atuação. Do que se retira que sobre ela recai o ónus de demonstrar os factos constitutivos do direito a desconsiderar os dados da declaração do sujeito passivo, que deixam então de beneficiar da presunção prevista no artigo 75.º n.º 1 da LGT, de acordo com a qual “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
Sendo certo que nos termos do disposto no n.º 2 daquele mesmo artigo 75.º tal presunção não se verificará quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (al. a)); quando o “contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações” (al. b)); quando “a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei” (al. c)) e quando “os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A” (al. d)).
Temos assim que reunidos tais indícios, o sujeito passivo de imposto “já não pode reconduzir-se á presunção de verdade da sua declaração (porque esta já foi elidida) nem pode remeter para o ónus da AT (porque já foi cumprido), assim como também não pode amparar-se no facto de lhe estar a ser exigida uma prova impossível (a de que não teve os rendimentos que a AT lhe imputa) porque, como já não beneficia da presunção de verdade da sua declaração na parte correspondente, do que se trata é de provar um facto positivo: o de que os rendimentos” reais “correspondem aos valores declarados ou outros valores diferentes dos apurados” (cfr. Acórdão do TCA Norte de 27/09/2012, Proc. 885/ 07.0BEPRT). O que significa que em tais casos cabe à Administração Tributária o ónus de coligir factualidade capaz de abalar a presunção de veracidade das operações constantes na escrita do sujeito passivo de imposto. De molde que quando a Administração Tributária reúna tais indicadores, demonstrando-os, cumpre o ónus que sobre si incidia, nos termos do disposto no artigo 74.º n.º 1 da LGT.
Na situação dos autos nada foi invocado pela Administração Tributária, no caso, pela Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direção das Alfandegas e Impostos Especiais sobre o Consumo, a tal respeito tendo-se unicamente baseado na decisão de 05/02/2001 da Brigada Fiscal da GNR (constante de fls. 4 ss. do Processo Administrativo/Vol. I), pela qual foi aplicada à sociedade aqui Impugnada coima no Processo de Contraordenação aduaneira n.º 106/99, na qual foi considerado de que a sociedade aqui Impugnante havia rececionado em 29/01/1999 29.919 litros de álcool etílico a 96,2%, através de descarregamento efetuado pelo veículo com a matrícula XX-XX-XX nas suas instalações.
Perscrutado o que ali é vertido, a tal respeito (vide págs. 42-44 da Decisão, constante de fls. 24/verso a 25/verso do Processo Administrativo/Vol. I), temos que as conclusões ali chegadas pela Brigada Fiscal da GNR se suportam essencialmente, no que aqui respeita, nas declarações tomadas ao motorista do indicado veículo com a matrícula 51- 83-EJ, dizendo-se ali, em face dos elementos atinentes às portagens e ao relatório de viagem do veículo que «faz todo o sentido o veículo ter descarregado na firma Ferreira Lopes entre as 18h40 e as 20h00». Porém nada mais ali é apurado ou vertido. Como o também não foi pela Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direção das Alfandegas e Impostos Especiais sobre o Consumo em sede de procedimento da liquidação de imposto aqui em causa.
O que é manifestamente insuficiente, desacompanhado de qualquer outros elementos factuais mais precisos, para concluir que a sociedade Impugnante recebeu o dito álcool, na quantidade indicada. Sendo que em face do depoimento testemunhal prestado pelo referenciado motorista em sede do presente Processo de Impugnação, A. (1a testemunha da Entidade Impugnada, inquirida em sede de Diligência de Inquirição de Testemunhas efetuada em 24/09/2009, cuja respetiva Ata consta de fls. 224-226 dos autos), nada de concreto é referido que permita concluir nesse sentido, já que o mesmo se limita a dizer que foi uma vez à zona industrial, na (...), não se lembrando da data nem do local ou empresa, referindo ali ter ido levar álcool, dizendo que levava a cisterna, que levava à volta de 30.000 litros, que na empresa onde foi ficaram cerca de 15.000 litros e que estava lá outro camião que levou os outros 15.000 litros («metade para um lado, metade para o outro», nas suas palavras). Nada de concreto precisando ou confirmando. Sendo certo que também foi referido na decisão de aplicação da coima, subsequente à fiscalização, em que se baseou a Entidade Impugnada para proceder à liquidação aqui em causa, que parte do álcool foi transferido para outro veículo propriedade de uma empresa da Régua. O que tudo conduz a não ter-se como certa a verificação do facto tributário e respetiva quantificação, existindo, ao contrário, fundada dúvida sobre a sua existência e quantificação. O que conduz, inevitavelmente, à anulação do ato de liquidação de imposto aqui impugnado, nos termos do disposto no artigo 100.º n.º 1 do CPPT. Não podendo concluir-se que sociedade aqui Impugnante rececionou em 29/01/1999 29.919 litros de álcool etílico, não se pode concomitantemente concluir pela existência de facto tributário.

Ou seja, refere a sentença que em face da presunção consagrada no n.º 1 do art. 75.º da LGT, é à ATA que cabe o ónus da prova quanto à existência do facto tributário, e que no caso, a liquidação não se fundou em factos apurados pela Direção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direção das Alfandegas e Impostos Especiais sobre o Consumo, mas sim, e exclusivamente, em factos apurados pela Brigada Fiscal da GNR no âmbito do Processo de Contraordenação aduaneira n.º 106/99.

Mais se afirma na sentença que a decisão da GNR assenta, substancialmente, nas declarações tomadas ao motorista veículo com a matrícula XX-XX-XX, acrescentando-se ainda que em face dos elementos atinentes às portagens e ao relatório de viagem do veículo que «faz todo o sentido o veículo ter descarregado na firma F. entre as 18h40 e as 20h00», mas que para além disso, nada mais é ali apurado ou vertido.

Com efeito, o que resulta é que efetivamente, nada mais de substancial é apurado.

É um facto que da decisão da GNR consta que foi feita uma contagem de quilómetros entre o local da descarga “e o local do Pinhão”, ali sendo referido que se registaram exatamente os mesmos quilómetros que estão registados nos documentos que servem de base aos movimentos efetuados pelo veículo, nomeadamente um relatório de viagem, tacógrafos e uma listagem de cobrança das portagens da Brisa para se concluir que “pela análise desses documentos, faz todo o sentido o veículo ter descarregado na firma F., entre as 18h40 e as 20h00, tal como afirmou o motorista e a própria firma onde trabalha” (cf. ponto 13, da fundamentação de facto; destacado nosso).

No entanto, não se pode concluir – como de resto, não resulta da fundamentação da própria decisão – que essa análise documental prove definitivamente o que foi afirmado no referido depoimento, mas apenas, e tão só, que não o contradiz, ou, dito por outras palavras, que é consistente com o mesmo.

Com efeito, nenhum dos documentos referidos é idóneo para provar com precisão que o veículo que transportava o álcool tenha estado efetivamente no local, e, ainda menos, que parte do álcool tenha sido descarregado no armazém da Impugnante, facto que é essencial para que se conclua pela bondade da liquidação de imposto em discussão.

Nem a contagem de quilómetros, nem o relatório de viagem, a leitura do tacógrafo (que monitoriza o tempo de uso, a distância percorrida e a velocidade desenvolvida pelo veículo, mas não assegura a sua georreferenciação exata), ou a listagem de cobrança das portagens da Brisa têm a virtualidade de colocar o veículo naquele local, àquela hora, ou, ainda menos, de provar que o álcool tenha sido descarregado no armazém da Impugnante.

Acrescenta-se ainda na decisão datada de 2001-02-05 (cf. ponto 13, da fundamentação de facto) que o motorista posteriormente reconheceu o local, bem como os gerentes da firma, ou seja, e uma vez mais, fazendo recair a sustentação substancial do ato no que foi afirmado pelo motorista que conduzia o veículo no qual o álcool foi transportado, ou seja, o Sr. A., que como é referido na sentença, também prestou depoimento perante o Tribunal, o que fez de forma pouco precisa e, como tal, inconclusiva.

De facto, e como é referido na sentença sub judice, na diligência de inquirição de testemunhas efetuada no Tribunal, o Sr. A. não pode precisar o local exato onde foi feita a descarga do álcool, ou a data e hora da mesma.

O seu depoimento foi, tal como refere a sentença, impreciso e como tal, inidóneo para a corroboração da factualidade descrita na decisão que esteve na génese da liquidação, tendo-se limitado a “dizer que foi uma vez à zona industrial, na (...), não se lembrando da data nem do local ou empresa, referindo ali ter ido levar álcool, dizendo que levava a cisterna, que levava à volta de 30.000 litros, que na empresa onde foi ficaram cerca de 15.000 litros e que estava lá outro camião que levou os outros 15.000 litros («metade para um lado, metade para o outro», nas suas palavras). Nada de concreto precisando ou confirmando. Sendo certo que também foi referido na decisão de aplicação da coima, subsequente à fiscalização, em que se baseou a Entidade Impugnada para proceder à liquidação aqui em causa, que parte do álcool foi transferido para outro veículo propriedade de uma empresa da Régua. O que tudo conduz a não ter-se como certa a verificação do facto tributário e respetiva quantificação, existindo, ao contrário, fundada dúvida sobre a sua existência e quantificação.”

Por outro lado, e quanto aos alegados restantes elementos de prova referidos pela entidade Recorrente nas respetivas alegações de recurso, não se revelam idóneos para suportar a factualidade que sustenta a liquidação.

Com efeito, andou bem o Tribunal a quo em não valorar, como pretendido pela Recorrente um “Fax da firma T. enviado ao Comando do Destacamento Operacional de Coimbra …: «que as cisternas de álcool em questão não foram efectivamente descarregadas nas instalações da Adega Cooperativa (...), conforme consta do DAA, mas por instruções da firma C., em Nogueira de Cravo - Caves P. e na Póvoa de Varzim - Vinhos F.»”. Recorde-se que a T. foi a transportadora proprietária do veículo que transportou o álcool, e empregadora do motorista A..

Ora, não se vislumbra que autoridade teria a T. para, através de uma afirmação conclusiva transmitida por fax, certificar os acontecimentos a que o mesmo se reporta.

Pretende ainda a entidade Recorrente que o Tribunal tivesse valorizado declarações prestadas no procedimento administrativo por C., empregado de J., afirmando nas suas alegações de recurso que “Declarações prestadas no mesmo auto de declarações, a folhas 18 dos autos de contra-ordenação, por C., empregado de J., confirmam a descarga do álcool nas instalações da firma impugnante”.

No entanto, e uma vez mais, bem andou bem o Tribunal a quo em não ter valorizado qualquer declaração prestada por C. no âmbito do referido procedimento.

Com efeito, o que se retida do depoimento que prestou, a fls. 18 do despacho datado de 2001-02-05 (cf. ponto 13, da fundamentação de facto), é que negou ter estado “na firma Vinhos F.”, e que tendo-se deslocado ao local acompanhado do instrutor do procedimento administrativo, reafirmou nunca ali ter estado.

De facto, as afirmações feitas no âmbito do procedimento que atribuem a C. ter estado naquele local foram feitas não pelo próprio, mas por um terceiro, J., que é referido a fls. 19 da decisão como tendo afirmado que em Espanha, e em data que não soube indicar, teria ouvido C. admitir que quando era empregado do J. teria feito o transbordo de parte de um carregamento de álcool que A. teria transportado até à firma Vinhos F..

Trata-se por isso de um depoimento que não podia ter sido valorado pelo Tribunal, pois o próprio tudo negou, não podendo ser consideradas idóneas afirmações vagas e inverificáveis feitas por um terceiro.

Recorde-se ainda a este propósito que J., empregador do motorista C., era o proprietário do veículo para o qual, alegadamente, terá sido descarregado metade do álcool que não terá chegado ao seu destino previsto (na Adega Cooperativa (...)).

Também não se vislumbra em que medida é que do facto de “o C. e o M., da firma M., que deram ordens ao motorista do camião (A.) com a matrícula XX-XX-XX para descarregar o álcool na firma Vinhos F., Lda., conforme consta de folhas 46 dos autos de contra-ordenação, e foram aqueles que recepcionaram o álcool nas instalações da firma impugnante” ou o facto de ter sido “… o C. quem se deslocou à Holanda e tratou do transporte do mesmo álcool para Portugal (a folhas 23 dos autos de contra-ordenação n.º 106/99), se pode retirar que o veículo em questão tenha efetivamente estado no local ou ainda que tenha descarregado metade da sua carga no armazém da Impugnante, aqui Recorrida.

Em suma, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o ato recorrido não se encontrava suficientemente fundamentado, por suportar a liquidação nas diligências efetuadas pela GNR, que se sustentaram apenas no testemunho de A., cujo depoimento prestado perante o Tribunal não foi de molde a sustentar, tendo assim decidido anular o ato com fundamento no disposto no n.º 1 do art. 100.º do CPPT, por não ser possível “concluir-se que a sociedade [ali] Impugnante rececionou em 29/01/1999 29.919 litros de álcool etílico”, não se podendo por isso concluir pela existência do facto tributário.

Sublinhe-se que está em causa é a (falta de) fundamentação substancial do ato, tal como resulta da categorização dos vícios do ato feita pela doutrina (cf. ANDRADE, Vieira de - O dever de fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra, Almedina, 2003, pág. 231), de resto, com amplo acolhimento na jurisprudência (a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos proferidos pelo STA em 30-04-2013, no proc. 0383/13, em 08-11-2017, no proc. 01255/16, ou em 20-05-2020, no proc. 0276/14.6BECBR).

Como refere o citado autor, “a diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo” (idem, ibidem).

Refira-se ainda que não faz sentido afirmar-se, como faz a Recorrente nas suas alegações de recurso que as razões apresentadas pela Impugnante a justificar a não receção das mercadorias nas suas instalações são desadequadas, ou que não carreou qualquer prova pertinente para os autos.

Antes de mais, recorde-se que como é referido na sentença sub judice, e bem, era a ATA que cabia substanciar corretamente a liquidação efetuada.

Quanto à Impugnante, viu-se a mesma na circunstância de ter de fazer a prova de um facto negativo – que não fora descarregado qualquer álcool nas suas instalações naquela data -, cuja dificuldade acrescida, como é sabido, exige da parte do julgador uma maior flexibilidade na aceitação da respetiva demonstração.

Com efeito, nesse sentido se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão proferido em 2008-12-17, no proc. 0327/08 (disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta), cuja argumentação aqui se acompanha, ali se frisando que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»”.

Neste preciso contexto, não é, assim, desadequado, que se tenha procurado defender argumentando e tentando provar que não procedeu ao pagamento das mercadorias, não tendo poder económico para fazer tal aquisição, e, desde logo, invocando em sua defesa que o varejo efetuado em 1999-03-12 às suas instalações pela Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão da Fraude, da Direção das Alfândegas do Porto com vista a averiguar da existência de álcool nada revelou, não se tendo detetado que detivesse nos seus entrepostos fiscais, em (…), qualquer quantidade de álcool, não se constatado qualquer irregularidade, varejo esse que é também referenciado na decisão de 2001-02-05 da Brigada Fiscal da GNR (a fls. 10) (cf. ponto 13, da fundamentação de facto).

Acrescente-se que também não é correto afirmar, como faz a Recorrente, que a Impugnante não terá contraditado os factos, limitando-se “a concluir não ter existido crime por ter sido absolvida da prática do crime”, pois o que se constata é que nos presentes autos, assim como no procedimento administrativo, sempre afirmou que o facto tributário não existia, não tendo recebido nas suas instalações o álcool que esteve na origem da liquidação oficiosa em questão.

Também não se vislumbra que diligências probatórias caberia ao Tribunal realizar para além das que foram promovidas nos autos – não deixando de se notar que a Recorrente não indica que “diligências” deveriam ter sido promovidas – com vista ao apuramento da verdade.

O Tribunal apreciou, como lhe cabia, a prova constante no processo administrativo e produzida nos autos, e no caso, nada mais lhe era exigido, tanto mais que o princípio do inquisitório, enquanto dever de promoção das diligências necessárias à descoberta da verdade material, consagrado no art. 99.º da LGT e no art. 13.º do CPPT, não tem o alcance de tornar o Tribunal responsável pelo esforço probatório que cabe a cada uma das partes, de acordo com o respetivo ónus probatório, e muito menos, como era aqui o caso, de se substituir à Administração na correta instrução e fundamentação substancial do ato administrativo.

Assim sendo, e em face do exposto, improcede o recurso na sua totalidade.
*
No que diz respeito à responsabilidade por custas, em face da decisão de improcedência do presente recurso, a entidade Recorrente decai, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas, tal como resulta do disposto no art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT.

No entanto, a impugnação judicial aqui em causa foi interposta, como se viu, em 2003-02-17 (cf. ponto 2 da fundamentação de facto), data em que se encontrava em vigor Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de fevereiro, e entrado em vigor no dia 1998-02-12 (cf. art. 10.º do DL 29/98), em cuja alínea a) do n.º 1 do art. 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do “Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados”.

Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro no art. 2.º do Código das Custas Judiciais.

No entanto, aquele DL 324/2003 continha uma disposição transitória no seu art. 14.º, n.º 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais que introduziu apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 2004-01-01, nos termos do disposto no n.º 1, do seu art. 16.º.

Por sua vez, nos termos do disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP), quanto à respetiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13 de fevereiro, a qual, no n.º 4 do respetivo art. 8.º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.”

A isenção tributária, no caso, subjetiva, tem a natureza jurídica de “facto impeditivo autónomo e originário”, e não de uma simples delimitação negativa do facto tributário (cf. Xavier, Alberto – Manual de Direito Fiscal. Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa. Lisboa [s.n.], 1981, pág. 282), o que significa que continua a existir o facto tributário, que não opera pela coincidência do facto impeditivo “isenção”.

Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Recorrente não pagará as mesmas por delas se encontrar isenta.
***
Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Não padece de erro no julgamento a sentença na qual se constata que não pode subsistir o ato de liquidação oficiosa de Imposto Especial sobre o Consumo fundado num testemunho que não é confirmado em depoimento prestado perante o Tribunal, assim concluindo pela respetiva anulação com fundamento no disposto no disposto no n.º 1 do art. 100.º do CPPT.

É à Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, cabe o ónus de provar a existência do facto tributário, cabendo-lhe, sustentar substancialmente o ato de liquidação oficiosa em conformidade.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia.
*
Porto, 25 de fevereiro de 2021

Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.