Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03098/12.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR; IMPARCIALIDADE; USURPAÇÃO DE PODERES
Sumário:I- A usurpação de poderes consiste na prática por um órgão da Administração de ato que decide uma questão que é da competência dos outros poderes do Estado (legislativo, moderador e/ou judicial).
II- As normas constantes do art. 44º do CPA destinam-se, primordialmente, a assegurar a transparência e a imparcialidade da actividade administrativa, e abrangem nas suas proibições não só os órgãos e agentes com competência para proferir decisões, mas igualmente quem tem no procedimento outro tipo de “intervenção”.
III- São garantias de imparcialidade que estão em causa na consagração da figura (e dos casos) de impedimentos previstos no art.º 44.º do CPA, visando-se com tais impedimentos obstar a que participem em dado procedimento administrativo os titulares de órgãos que tenham interesse pessoal na decisão do caso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:LPMG
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
LPMG vem interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 25 de Setembro de 2015, e que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada contra o Ministério da Educação e Ciência e onde era solicitado que:
a) Deverá ser declarada a nulidade dos actos administrativos impugnados (decisão do Director Regional de Educação do Norte datada de 05-06-2012, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/125/RN/11, aplicou ao Autor uma pena de suspensão graduada em 20 dias; e decisão da autoria do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, datada de 25-09-2012, de indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado que, consequentemente, manteve a pena disciplinar de suspensão;) por vício de violação de lei e usurpação de poderes;

Sem prescindir,

b) Deverão os actos administrativos impugnados (decisão do Director Regional de Educação do Norte datada de 05-06-2012, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/125/RN/11, aplicou ao Autor uma pena de suspensão graduada em 20 dias; e decisão da autoria do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, datada de 25-09-2012, de indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado que, consequentemente, manteve a pena disciplinar de suspensão;) ser anulados por vício de violação de lei, vício de incompetência, vício de violação do princípio da autonomia local, por erro nos pressupostos d e facto e por vício de falta (ou insuficiente) fundamentação.

Em alegações o recorrente concluiu assim:
A) Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a ação administrativa especial proposta pelo autor, ora recorrente, e, em consequência, decidiu manter uma pena disciplinar de 20 dias de suspensão;
B) O recorrente não se pode conformar com o referido acórdão, razão pela qual interpõe o presente recurso;
C) Na verdade, os actos impugnados padecem de vários vícios, conforme passamos a demonstrar;

1) Do vício de violação de lei por usurpação de poderes e da violação do princípio da autonomia local
D) Alega o recorrente na petição inicial que os actos impugnados – de aplicação de uma pena disciplinar de 20 dias de suspensão e de indeferimento do respectivo recurso hierárquico interposto – são ilegais, não apenas porque não foi cometida qualquer infracção disciplinar, mas também porque, por arrastamento, os responsáveis pelas decisões aqui em crise, relativamente aos actos e omissões alegadamente praticados pelo recorrente, não são titulares do poder de disciplinar, isto porque os actos que motivaram a abertura do processo disciplinar e a consequente aplicação da pena disciplinar impugnada foram praticados no exercício de competências delegadas pela Câmara Municipal de Paços de Ferreira (doravante designada por CMPF);
E) Considera, no entanto, o Tribunal a quo que “a relação de delegação criada entre a CMPF, órgão delegante, e o Autor, órgão delegado, em nada altera o exercício da competência disciplinar pelo Director Regional de Educação...”;
F) Contudo, não pode o recorrente concordar com tal posição jurisprudencial, designadamente por entender que a mesma não está em conformidade com a legislação em vigor;
G) Com efeito, resulta do disposto no artigo 39.º do antigo CPA que o órgão delegante detém sobre o órgão delegado o poder de emitir diretivas ou injunções vinculativas sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados, bem como os poderes de avocar e revogar os atos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação;
H) E, com efeito, embora não se diga expressamente que é o órgão delegante que, nesta relação, também assume os poderes disciplinares quanto aos actos praticados pelo órgão delegado, certo é que a própria natureza da relação de delegação assim o exige,
I) Isto, na medida em que, não tendo o recorrido quaisquer poderes disciplinares sobre o órgão delegante, também não pode ter em relação ao órgão delegado quando estejam em causa atos praticados no âmbito da relação de delegação;
J) Acresce que, a se entender que o poder disciplinar poderia ser confiado a um outro órgão que não o delegante, poderia levar a que o órgão delegado se sujeitasse a um processo disciplinar quando, apesar de tudo, os atos estivessem a ser praticados apenas em cumprimento das referidas diretivas e injunções do órgão delegante,
K) Em face do exposto, entende o recorrente, salvo melhor opinião em contrário, que o poder disciplinar respeitante aos atos praticados no exercício dos poderes de delegação pertencem ao órgão delegante, pelo que, os atos impugnados, ao serem praticados pelo Diretor Regional de Educação do Norte e pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar são nulos, por padecerem de vício de violação de lei, por usurpação de poderes, razão pela qual o acórdão de que se recorre deverá ser revogado;
L) Configurando também os referidos atos uma intromissão ilegítima na esfera da autonomia local da CMPF, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da CRP,

2) Do vício de violação de lei por incompetência absoluta do órgão que instaurou o processo disciplinar
M) O órgão que instaurou o processo disciplinar não tinha poderes para o efeito;
N) Na verdade, de acordo com os factos dados como provados no acórdão a quo, a pretensa infracçaÞo disciplinar do recorrente ter-se-ia verificado no dia 6 de Maio de 2011 e o processo disciplinar é mandado instaurar contra o recorrente no dia 8 de Julho de 2011, mediante “informação” da Inspeção Geral de EducaçaÞo e Ciência;
O) Ora, nos termos do artigo 115.º, n.º 3, do DL n.º 270/2009, cabia à Inspeção Geral de Educação instaurar o processo disciplinar, o que não aconteceu na medida em que o processo em causa foi instaurado pelo Diretor da Direção Regional de Educação do Norte, o que traduz o vício de incompetência absoluta para a emissão do ato, tendo como consequência jurídica a sua invalidade, pois o Diretor Regional só tem competência para decidir o processo disciplinar;
P) Mais, ao não ser determinada pelo Inspetor Geral de Educação a instauraçaÞo do processo disciplinar no prazo de 30 dias, o mesmo prescreveu, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 2, do ED, donde resulta a ilegalidade dos atos impugnados;

3) Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto: elemento objectivo do ilícito disciplinar
Q) Os actos impugnados padecem, ainda, de erro nos pressupostos de facto, isto porque o Relatório Final, que sustenta os actos sub iudice, no que respeita aos factos, peca por defeito, na medida em que, apesar da prova testemunhal produzida pelo recorrente, não se deu como provado que o facto de o recorrente não ter qualquer interesse no procedimento contra-ordenacional n.º 10.07/122/RN/10 e, bem assim, o facto de aquele não ter qualquer relação de parentesco com o funcionário AMRM, resumindo-se o seu relacionamento à esfera estritamente profissional;
R) A este respeito, resulta do acórdão de que se recorre que a ausência de “interesse”, quer a relação de parentesco ou o relacionamento entre o autor e o funcionário AMRM constituem “matéria irrelevante para a decisão no que concerne ao preenchimento dos pressupostos da infração”, afirmação esta que deixou o recorrente perplexo…
S) Com efeito, a propósito recorde-se que a sanção disciplinar impugnada foi aplicada por se entender que o recorrente, no âmbito do processo disciplinar 10.07/122/RN/10), não podia ter aplicado uma determinada pena, por se encontrar impedido, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do antigo CPA;
T) Ora, estabelece o referido normativo que nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa;
U) Em face do exposto, parece evidente que, sem a verificação do requisito “do interesse”, não ocorre causa de impedimento, sendo o “interesse” um elemento do tipo da norma alegadamente violada, sem o preenchimento do qual não existe ilícito,
V) Sendo, consequentemente, manifesta a existência de erro nos pressupostos de facto resultante, por um lado, da não consideração da prova produzida pelo recorrente quanto à “ausência de interesse” e, por outro lado, da consagração nos factos assentes da existência desse “interesse”, donde resulta que, por estar em causa um erro grosseiro, o mesmo tinha de ter sido conhecido pelo Tribunal a quo, impondo-se uma decisão que conheça da ilegalidade dos actos impugnados;

4) Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito: elemento objectivo do ilícito disciplinar
W) Os actos impugnados são praticados partindo do pressuposto que o recorrente estava incurso numa situação de impedimento, prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea a) do antigo CPA, donde decorre que “[n]enhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo [...]”, quando “nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa”;
X) A decisão recorrida sustenta o “interesse” na circunstância de o recorrente ser arguido em “processo conexo” àquele em que exercera a competência disciplinar sobre o funcionário AMRM – processo n.º 10.07/122/RN/10;
Y) Acontece que estamos perante processos disciplinares distintos, nunca tendo sido determinada qualquer conexão processual entre os mesmos, nos termos do que seria permitido, no âmbito do direito processual penal (artigo 24.º), por parte de quem tinha competência para o fazer – neste caso, a Inspeção Geral da Educação;
Z) É, todavia, dado como assente que o aqui recorrente teria um “interesse” naquele procedimento, o que o colocaria, então, numa posição de interessado;
AA) Era o próprio antigo CPA que definia o conceito de interessado, como sendo aquele que tem “direito ou interesse legalmente protegido” (artigo 55.º n.º 1) e, por essa via, estabelece o que deve entender-se por “interesse” para efeitos de subsunção do artigo 44.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma,
BB) Constatando-se que, no caso em apreço, o recorrente não tinha qualquer “interesse”, ainda que mediato, que, por si só, o obrigasse a declarar impedido, nos termos em que é defendido pela decisão recorrida;
CC) Tê-lo-ia, obviamente, se tivesse sido determinada a conexão dos dois processos distintos, caso em que se apresentaria como decisor em causa própria;
DD) E teria também interesse se um processo fosse questão prejudicial do outro; i. é., uma decisão de um processo condicionasse irredutivelmente a decisão do outro, nos termos do artigo 31.º do antigo CPA então em vigor;
EE) Mas nunca foi determinada conexão, nem nunca foi alegado (por quem quer que seja) que uma decisão no processo 10.07/122 iria ter alguma consequência no processo 10.07.120. Como, efetivamente, não teve;
FF) Pelo que o caso foi indevidamente tratado como uma causa de impedimento, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, alínea a) do antigo CPA, geradora do dever de comunicação imposto pelo artigo 45.º, n.º 1, do antigo CPA, o que inquina todo o processado disciplinar posterior, sendo, assim, manifesto o alegado erro nos pressupostos de direito e a consequente anulabilidade dos actos impugnados;
GG) Na verdade, a factualidade em causa nos presentes autos seria antes de subsumir a uma situação em que ocorre “circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta”, nos termos do proémio e elenco exemplificativo do artigo 48.º, n.º 1, do antigo CPA, norma que, embora noutra perspetiva, também visa salvaguardar o princípio da imparcialidade da Administração;
HH) Isto é, seria um caso de pedido de escusa, que efetivamente não foi apresentado pelo recorrente, mas que não gera a anulabilidade dos actos praticados (conforme determina do artigo 51.º, n.º 2, do antigo CPA para os casos de impedimento);
II) Por outro lado, é também importante ter presente o facto de o processo ter sido remetido para decisão pela própria InspecçaÞo-Geral, que conhecia, melhor que o recorrente, as exatas circunstâncias relativas à factualidade e à aludida “conexão” de processos, não tendo antecipado a existência de qualquer situação de impedimento,
JJ) Sendo ainda fulcral atender-se a que, logo no dia em que, sem nunca o ter solicitado, recebeu o processo para decisão, remeteu-o à Direção Geral de EducaçaÞo do Norte, com pedido de parecer que nunca mereceu resposta – a não ser a instauração de um processo disciplinar;
KK) Em face do exposto, é manifesto que os actos impugnados são ilegais, padecendo de erro nos pressupostos de direito;

5) Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto: elemento subjectivo do ilícito disciplinar
LL) Estabelece do artigo 114.º do Decreto-lei 270/2009 (que aprovou o Estatuto da Carreira Docente), na versão em vigor, que “[c]onstitui infracçaÞo disciplinar a violaçaÞo, ainda que meramente culposa, de algum dos deveres gerais ou especiìficos que incumbem ao pessoal docente” (sublinhado nosso);
MM) Significa este preceito, na linha dos princípios do direito sancionatório, no qual se inclui o direito disciplinar, que só se verifica infracçaÞo disciplinar quando se reúnem, na conduta de um indivíduo: i) um elemento objetivo, traduzido num ato que consubstancie a violação de um dever jurídico geral ou específico: ii) um elemento subjetivo, traduzido num nexo psicológico que ligue o agente à conduta; e permita afirmar a sua motivação e a censurabilidade ético-jurídica da sua conduta;
NN) Não basta, pois, a violação de um dever (elemento objetivo), sendo ainda necessário que o agente esteja consciente dos elementos objectivos que compõem o tipo-de-ilícito em causa e, ainda assim, agir (elemento subjetivo), sendo essa forma de atuar culposa (rectius, censurável) porque o agente actuou de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso;
OO) Ora, no caso vertente, ocorre insuficiência fáctica para o preenchimento de qualquer infracçaÞo disciplinar, nomeadamente violação dos deveres de prossecução do interesse público, zelo e imparcialidade, previstos no arigo 3.º, alíneas a, e) e c), do Estatuto da Carreira Docente, por absoluta omissão, nos factos provados, quer do elemento subjetivo da infracçaÞo (dolo ou negligência), quer do elemento culpa;
PP) Também importante seria averiguar a que título e com que motivação o recorrente solicitou, a 15 de abril de 2011, um parecer à decisão ao Diretor Regional de Educação do Norte, que acabou por nunca lhe ter sido fornecido – cfr. ponto 7) da matéria de facto
QQ) Mas mais importante ainda: o processo disciplinar n.º 10.07/122 foi remetido ao recorrente, “para decisão”, no dia 15 de abril de 2011, tendo sido entendido por quem ordenou a remessa que aquele, enquanto Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV, seria competente para exercer a competência disciplinar sobre o pessoal não docente, ao abrigo de uma deliberação da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, datada de 6 de abril de 2009;
RR) É importante sublinhar que não foi o recorrente que exigiu ou impôs a remessa do processo disciplinar para sua decisão, tendo recebido o mesmo da Inspeção Geral de Educação, que conhecia perfeitamente a factualidade que deu origem aos processos n.º 10.07/120 (relativo ao aqui recorrente) e n.º 10.07/122 (relativo ao arguido AMRM);
SS) Ora, se a Inspeção-Geral de Educação não anteviu qualquer impedimento, previsto no artigo 44.º, n.º 1, alínea a) do antigo CPA então em vigor, nomeadamente pelo facto de, supostamente, o arguido ser visado num processo “conexo”, então como poderia o recorrente, professor de Físico-Química, configurar tal impedimento?;
TT) Nessa medida, não estavam - como não estão - reunidos os pressupostos indispensáveis para uma decisão punitiva, sendo consequentemente manifesta a existência de um erro grosseiro que determina a ilegalidade dos actos impugnados por erro nos pressupostos de facto no que respeito ao elemento subjectivo do ilícito disciplinar;
UU) Sem conceder, sublinha-se ainda que deve, igualmente, determinar-se a anulação dos actos impugnados, porquanto o concreto circunstancialismo dado como provado – a remessa do processo, para decisão, por parte da Inspeção Geral da Educação – constitui circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, nomeadamente ao abrigo do artigo 24.º, alínea d), do ED;

6) Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito: o artigo 17.º do ED (I)
VV) Ao contrário do decidido no acórdão de que se recorre, os actos impugnados padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito ao dar como assente que o facto de o artigo 51.º, n.º 2, do antigo CPA, estabelecer que “[a] omissão do dever de comunicação a que alude o artigo 45.º, n.º 1, constitui falta grave para efeitos disciplinares” implica a imediata e irredutível subsunção da conduta no artigo 17.º da Lei n.º 58/2008, pois esta estabelece, no seu n.º 1, que “[a] pena de suspensão é aplicável aos trabalhadores que actuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função”;
WW) Acontece que não existe uma relação necessária entre “grave negligência” ou “grave desinteresse” e a classificação de uma “falta grave”, pois estes constituem, como se sabe, conceitos normativos, cada um deles a preencher com factos concretos;
XX) A Lei n.º 58/2008 não classifica nem define as infrações disciplinares “graves”, limitando-se a uma referência às “infrações leves de serviço”, puníveis como pena de repreensão escrita – cfr. artigo 15.º da referida Lei;
YY) O mesmo diploma apenas faz corresponder sanções disciplinares a determinados comportamentos, em elenco exemplificativos – cfr. artigos 16.º, 17.º e 18.º;
ZZ) Não se afigura, pois, correto, do ponto de vista jurídico, equiparar a referência a uma “falta grave”, prevista no artigo 51.º, n.º 2, do CPA, a um caso de “grave negligência” ou “grave desinteresse”, na medida em que a uma falta grave, em obediência ao princípio da proporcionalidade, pode igualmente corresponder outra pena, como multa ou demissão;
AAA) Ora, para além da coincidência do uso do vocábulo “grave” nas duas normas jurídicas, carecem os actos impugnados da enunciação de factos concretos que sustentem a subsunção no artigo 17.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 58/2008, pois limita-se a estatuir que o artigo 51.º, n.º 2, “é suficientemente claro e inequívoco na qualificação da gravidade da conduta do agente que, estando impedido, não comunica tal circunstância ao respetivo superior hierárquico, não tendo o legislador deixado ao aplicador qualquer margem de discricionariedade relativamente à qualificação da conduta”;
BBB) Sendo importante, desde logo, esclarecer que o artigo 51.º, n.º 2 do CPA se refere à conduta do agente, enquanto o artigo 17.º do ED alude à medida de pena aplicável, relevando, neste contexto, designadamente, o grau de culpa, pelo que estamos perante dois normativos diferentes que regulam questões distintas, verificando-se que a qualificação do comportamento operada pelo artigo 51.º, n.º 2, do antigo CPA não origina uma aplicação automática da pena de suspensão, por um determinado período de tempo;
CCC) Pelo contrário, conforme preceitua o artigo 20.º do ED, «Na aplicação das penas atende-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 15.º a 19.º, à natureza, missão e atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do arguido, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade da sua relação jurídica de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele.»;
DDD) Neste sentido, os autores dos actos impugnados deviam ter testado a subsunção de diversa factualidade ao disposto no artigo 17.º, alínea d), do ED e concluído, necessariamente, pelo não preenchimento dos requisitos aí previstos;
EEE) Com efeito, em primeiro lugar, não se verifica, tão pouco está demonstrado, o requisito da grave negligência nem o grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais – requisitos que, reitera-se, não se confundem com a qualificação da infracção (como mais ou menos grave), tanto mais que o recorrente, neste processo, actuou com toda a lisura e transparência, ao ponto de, após a recepção do processo disciplinar para decisão e antes mesmo de a proferir, ter solicitado parecer ao Director Regional da Educação do Norte – cfr. processo administrativo, sendo de destacar que esse pedido é clarividente quanto a aspectos fundamentais da decisão que veio (viria) a ser tomada, designadamente no que respeita à competência, fundamentos e sentido da decisão;
FFF) Isto é, aquele pedido de parecer, para além de relatar e comunicar ao Director Regional de Educação do Norte todos os factos relevantes no que concerne ao processo disciplinar n.º 10.07/122/RN/10, em particular os necessários à aferição da existência (ou não) da alegada situação de impedimento, anuncia que o recorrente, por via de delegação de competências da CMPF, tinha competência e preparava-se para praticar actos no âmbito do processo disciplinar em causa, designadamente para aplicar uma pena no processo disciplinar em questão;
GGG) Contudo, perante tal pedido, em vez de adoptar medidas preventivas – que mais não seriam do que cumprir o dever legal de decidir –, o Director Regional de Educação do Norte remeteu-se ao silêncio!;
HHH) Em segundo lugar, não se verifica, nem está demonstrado que o comportamento descrito e imputado ao recorrente atenta gravemente contra a dignidade e o prestígio da função;
III) Em terceiro lugar, não está também preenchido, tão pouco está demonstrado o requisito de que a norma ou normas que se dizem violadas constituam normas essenciais reguladoras do serviço, tão pouco o requisito do seu desconhecimento;
JJJ) Ora, não se verificando estes requisitos, a presente situação não se subsume na norma que serve de fundamento à aplicação da pena de suspensão, fazendo com que as decisões impugnadas sejam anuláveis, por erro nos pressupostos;

7) Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito: o artigo 17.º do ED (II)
KKK) Os actos impugnados puniram o recorrente subsumindo o seu comportamento à alínea d) do art.º 17.º do ED, sendo requisitos cumulativos para a aplicação desta norma punitiva, os seguintes: i) a demonstração de factos que integrem “grave negligência” ou “grave desinteresse”; ii) demonstração de desconhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço (neste caso, o artigo 44.º, n.º 1, alínea a) do CPA); e iii) prejuízos para o órgão ou serviço;
LLL) Os actos impugnados preocupam-se em evidenciar (ainda que de forma conclusiva), o requisito da “grave negligência”, conexionando-a com a estatuição da “falta grave”, prevista no artigo 51.º, n.º 2, do antigo CPA, e procurando ainda integrar a omissão de comunicação de depoimento, por parte do recorrente, na previsão “demonstração de desconhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço”;
MMM) Todavia, os actos impugnados são totalmente omissos quanto ao terceiro requisito exigido para a subsunção da conduta do recorrente na norma punitiva prevista no artigo 17.º, alínea d) do ED, pelo que, não se verificando este requisito (e outros já enunciados supra e dos quais se não prescinde), a presente situação não se subsume na norma que serve de fundamento à aplicação da pena de suspensão, fazendo com que as decisões impugnadas sejam anuláveis por erro nos pressupostos de direito;
NNN) Acresce que a ausência deste pressuposto (prejuízo para o serviço) foi questão expressamente invocada pelo recorrente na petição inicial (artigo 127.º) como fundamento da alegação de inexistência de infração, não tendo merecido qualquer pronúncia por parte do acórdão recorrido;
OOO) Nessa medida, assaca-se à decisão recorrida o vício de omissão de pronúncia, o que se traduz numa causa de nulidade do acórdão, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Novo Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA;

8) Do vício de violação de lei por falta ou insuficiente fundamentação
PPP) Conforme resulta do exposto, os actos impugnados não se encontram devidamente fundamentados verificando-se que, também neste âmbito, não andou bem o Tribunal a quo ao decidir pela não constatação do referido vício, violando o disposto nos artigos 124.º e 125.º da CRP;
QQQ) Na verdade, no caso concreto, as decisões em crise não esclarecem – isto é, não fundamentam – a subsunção da situação em apreço na acima referida alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CPA, não e explicando em que medida é que tal situação consubstancia um impedimento legal, ficando-se por meras declarações abstractas e conclusivas;
RRR) Por outro lado, as decisões também não esclarecem – isto é, não fundamentam – a subsunção da situação em apreço na supra referida alínea d) do artigo 17.º do ED, o que é, inclusive, admitido pela informação n.º I/03633/SC/12 (acolhida pelo despacho do Secretário de Estado, de 25.09.2012), onde se alega que por força da «qualificação jurídico-disciplinar feita pela própria lei, está fundamentada a subsunção»;
SSS) Sucede, porém, que a qualificação da conduta feita pelo artigo 51.º, n.º 2, do CPA não é suficiente para se determinar a medida concreta da pena e, portanto, para justificar a aplicação do artigo 17.º do ED;
TTT) Pelo contrário, e conforme foi acima referido, a escolha e graduação da pena está dependente dos vários critérios enunciados no artigo 20.º do ED;
UUU) Acresce que as decisões impugnadas sempre teriam de ter fundamentado, mediante a invocação de factos concretos, a subsunção da situação ao artigo 17.º, alínea d), do ED, o que também não foi feito;
VVV) Com efeito, as decisões impugnadas não fundamentam (tão pouco está demonstrado) que o recorrente tenha actuado com grave negligência, ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, ou ainda que o comportamento descrito atente contra a dignidade e o prestígio da função;
WWW) Da mesma forma que também não fundamenta (nem está demonstrado) o (alegado) desconhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço, e, bem assim, que do comportamento adoptado haja resultado prejuízos para o órgão ou serviço ou para terceiros;
XXX) Enfim, e uma vez mais, acabam as decisões impugnadas por não concretizarem os factos alegados e de não os provar, donde resulta que os actos impugnados deverão ser anulados por vício de falta ou insuficiente fundamentação;

O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. Com a vénia devida, considera o recorrido que nenhuma das conclusões produzidas pelo Recorrente, num total de 76 (setenta e seis), cópia das alegações, merece provimento.
2. O douto acórdão recorrido decidiu corretamente ao julgar improcedente a ação, absolvendo o Réu, ora Recorrido, do pedido, pelo que deve manter-se na íntegra e o deve recurso ser julgado totalmente improcedente.
3. O Recorrente ataca os vícios que já havia imputado aos atos impugnados, no âmbito da p.i. e aproveita para submeter à apreciação do Tribunal ad quem matéria/argumentos novos, o que lhe está especificamente vedado, sendo que os recursos visam apreciar, apenas, as questões decididas na decisão judicial recorrida.
4. Resulta da matéria de facto provada que o Recorrente cometeu a infração que lhe foi imputada no processo disciplinar e pela qual foi punido, matéria que não foi colocada em crise nas alegações de recurso.
5. À data da prática da infração, o Recorrente era Diretor do Agrupamento e Escolas Dr. MPV e, por essa qualidade, era responsável disciplinarmente perante o Diretor Regional de Educação do Norte, como decorre dos arts. 113º, n.º 2, 115º, n.º 2 e 116º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ECD), republicado pelo DL n.° 270/2009, de 30/09, mesmo estando em causa atos praticados ao abrigo de uma delegação de competências de outra, entidade, como sucedeu no caso sub judice.
6. Como se refere o acórdão recorrido (fls. 15 e 16), a relação de delegação criada entre a Câmara Municipal de Paços de Ferreira (órgão delegante) e o Recorrente (órgão delegado) em nada alterou o exercício da competência disciplinar pelo Diretor Regional de Educação, nos termos do citado art.° 113.°, n.º 2, do ECD.
7. Inexiste o alegado vício de violação do princípio da autonomia local uma vez que a competência para o exercício do poder disciplinar sobre o Autor pertencia, como se viu, à Entidade demandada, não à Câmara Municipal de Paços de Ferreira.
8. Não existe qualquer intromissão ilegítima na esfera da autonomia local da Câmara Municipal.
9. Assim, nenhum reparo ou censura merece o acórdão recorrido ao concluir que não se verificavam os vícios de violação de lei e de usurpação de poderes.
10. O Recorrente, aproveita o recurso para invocar a prescrição, argumento que não constava da p.i. e não foi apreciado pelo Tribunal a quo, estando vedada a sua apreciação e decisão, nesta sede.
11. Caso assim não se entenda, por dever de patrocínio, defende o Recorrido que não ocorre a invocada prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.
12. Sendo certo que o Autor, ora Recorrente, praticou o ato ilícito em 06.05.2011 é igualmente certo que a entidade com competência disciplinar, o Sr. DREN, instaurou o procedimento disciplinar dentro do prazo de 30 dias, úteis, após o conhecimento da suposta infração, conforme previsto no n.º 2, do art. 6º da Lei n.º 58/2008, o ED em vigor à data da prática dos factos.
13. O Sr. IGEC não tinha competência para instaurar processo disciplinar ao Autor, ora Recorrente, uma vez que, a montante, não existiu qualquer ação inspetiva, determinada pelo Inspetor-Geral.
14. Pela informação NID: I/02269/RN/11, a IGEC deu notícia à entidade competente (DREN) dos factos que chegaram ao seu conhecimento e que constituíam a prática de ilícito disciplinar.
15. Não se verifica o alegado vício de “incompetência absoluta”, tendo o Sr. DREN competência para instaurar o processo disciplinar e para punir o Autor, ora Recorrente.
16. Muito bem esteve o acórdão recorrido ao considerar que “Não há qualquer erro grosseiro na avaliação da prova produzida, nomeadamente da prova testemunhal, visto que se considerou expressamente no relatório da instrutora que as testemunhas não adiantaram razões concretas que justificassem a falta de interesse do ora Autor no processo n.º 10.07/122, facto que este pretendia ver provado. Nada se censura à decisão do R. quanto à conclusão de que os factos provados e relevantes para a punição disciplinar do Autor assentaram essencialmente na prova documental coligida no procedimento disciplinar, mais concretamente, que o Autor era arguido em processo conexo por idêntica factualidade”.
17. O “interesse” do Autor, ora Recorrente, na decisão a proferir naquele procedimento, resulta da situação de “co-arguido” em processo com matéria factual conexa.
18. O ato proferido pelo autor, ora Recorrente, no processo disciplinar n.º 10.07/122/RN/10, apenas patenteia uma situação de impedimento legal - art.º 44.º, n.º 1, al. a) do CPA - ou seja, o autor, ora Recorrente, estava impedido de decidir naquele processo concreto, já que era arguido em processo conexo (PD n.º 10.07/00120/RN/10) e nele estava em causa matéria factual conexa com a que constava do processo em que era arguido, o chefe de serviços de administração escolar (PD 10.07/00122/RN/10).
19. Os documentos juntos no recurso não são suscetíveis de relevar para a decisão do mesmo, em sentido diferente do que foi proferido pelo Tribunal a quo.
20. Conforme se conclui no acórdão recorrido, a “intervenção do Autor naquele procedimento, em especial na tomada da decisão punitiva, potenciou o confronto entre os interesses respeitantes à própria pessoa do Autor (ao qual não seria inteiramente indiferente o conteúdo do ato final no processo disciplinar n.º 10.07/122, uma vez que era arguido em processo conexo pela prática dos mesmos factos e considerando que o Autor não decidiu no sentido proposto no relatório final — pena de suspensão —, antes aplicando uma sanção disciplinar menos gravosa — repreensão escrita, suspensa por um ano; cfr. pontos 5 e 8 dos factos provados) e os interesses do ente público que representa (neste caso, no exercício de competências delegadas pela CMPF) na prossecução da ação disciplinar, circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência comum, fazem perigar uma tomada de decisão imparcial e isenta”, fls. 23 e 24 do acórdão.
21. Os interesses conflituantes salvaguardados pela alínea a) do n.º 1 do art.° 44.° do CPA não se resumem, única e exclusivamente, a interesses decorrentes de relações de parentesco e, por outro lado, mesmo que fosse possível asseverar que a decisão tomada pelo Autor não teria qualquer influência no processo disciplinar que então corria contra ele, a verdade é que a simples existência de eventuais interesses contrapostos foi suscetível de afetar a imparcialidade daquela decisão, atendendo ao que ficou exposto supra.
22. Estando impedido de participar no procedimento em causa, sobre o Autor, aqui Recorrente, recaía a obrigação de comunicar de imediato tal impedimento ao seu superior hierárquico, nos termos do disposto no art.º n.º 45.°, n.º 1, do CPA.
23. Nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao julgar não verificado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos ou de inexistência de infração disciplinar.
24. Com a argumentação vertida no ponto 5 das alegações, o Recorrente invoca um “vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto: elemento subjetivo do ilícito disciplinar”, o que constitui uma questão nova ou alegação de um vício novo, que nem não pode ser assumido como um mero desenvolvimento lógico da petição inicial, pelo que é inadmissível.
25. Caso assim não se entenda, por dever de patrocínio, sempre se dirá que não assiste razão ao Recorrente, pois como clara e abundantemente demonstram os autos, encontra-se provada a culpa que originou a punição do Recorrente, por factos integrativos da infração subsumíveis no artigo 17.º, alínea d) do Estatuto Disciplinar.
26. O incumprimento do dever de comunicar o impedimento acarreta consequências legais e, nos termos do n.º 2 do art. 51.° do CPA, tal omissão "constitui falta grave para efeitos disciplinares".
27. Dúvidas não restam de que o Autor, ora Recorrente, agiu com culpa e a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito, sendo que pelas funções exercidas (Diretor do Agrupamento) e em face das circunstâncias concretas da situação, concluiu-se podia e devia ter agido de outro modo.
28. A concreta conduta do Autor, ora Recorrente, nas circunstância apuradas em sede disciplinar é sancionada com a pena disciplinar de suspensão, ao abrigo do disposto no art. 17º, al. c) do Estatuto Disciplinar, não sendo de formular um juízo de censura quanto à conclusão que foi efetuada, neste aspeto, pela entidade recorrida em sede disciplinar, nem pelo acórdão em apreço, inexistindo razões ou fundamentos, juridicamente atendíveis, para que o Tribunal ad quem substitua ao juízo ali formulado.
29. Sabido que é que não cumpre ao Tribunal substituir-se nessa qualificação e correspondente subsunção legal, salvo em caso de erro grosseiro, que não resulta verificar-se no caso.
30. Acresce referir que as circunstâncias de não ter obtido resposta da DREN, relativamente ao seu pedido informação, de a IGEC lhe ter remetido o processo e o facto de ser professor de Físico-Química não constituem circunstâncias dirimentes da culpa do Autor, ora Recorrente, pois enquanto Diretor tinha o dever, acrescido, de conhecer as leis e cumpri-las.
31. A qualificação da gravidade da conduta para efeitos disciplinares é operada ope legis, por força do n.º 2 do artigo 51.º do CPA, não carecendo, portanto, da sua demonstração por parte do instrutor do processo disciplinar.
32. Muito bem andou o Tribunal a quo ao considerar que este último preceito “é suficientemente claro e inequívoco na qualificação da gravidade da conduta do agente que, estando impedido, não comunica tal circunstância ao respetivo superior hierárquico, não tendo o legislador deixado ao aplicador qualquer margem de discricionariedade relativamente à qualificação da conduta”.
33. Os factos apurados no PD são suficientes para qualificar o comportamento do autor, ora Recorrente, de ilícito, assim como para o enquadrar nas normas indicadas na acusação e no relatório final.
34. Nenhuma censura merece a decisão recorrida ao concluir pela não verificação do vício de violação de lei por erro nos pressupostos — art.° 17.° do EDTFP.
35. E, relativamente à alínea d) do art. 17º importa dizer que são evidentes e patentes os prejuízos que resultaram da conduta do Autor, ora Recorrente, para o serviço e para o interesse público, não havendo necessidade de maiores concretizações.
36. Ademais, não ocorre a alegada omissão de pronúncia do acórdão recorrido, o que se pode constatar pela leitura dos fundamentos constantes das fls. 25 a 27.
37. A decisão punitiva e a decisão de indeferimento do recurso hierárquico estão devidamente fundamentadas, sendo que de acordo com a fundamentação que se deixou expressa supra é claro que sendo a qualificação jurídico-disciplinar feita pela própria lei, está fundamentada a subsunção.
38. A qualificação jurídico-disciplinar é feita pela própria lei, encontrando-se fundamentada a subsunção dos factos apurados aos arts. 44º, n.º 1, al. alínea a), do CPA e 17.°, alínea d), do ED.
39. O acórdão recorrido também não merece qualquer censura ou reparo ao julgar inverificado o vício de falta ou insuficiente fundamentação.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de que se deveria confirmar in totum o Acórdão recorrido.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento quanto à apreciação do procedimento disciplinar em causa nos autos, nomeadamente se verificam os vícios invocados, nomeadamente, vício de usurpação de poderes e violação do princípio da autonomia local, ,vício de violação de lei por incompetência do órgão que instaurou o processo disciplinar, vício de violação e lei por erro os pressupostos de facto e de direito, em várias formas, e vício de forma por falta de fundamentação

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

No Acórdão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1) O Autor é professor do Grupo de Recrutamento 510 (ciências físico-químicas), ex-Presidente do Conselho Executivo e ex-Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV, em F..., no concelho de Paços de Ferreira (cfr. doc. de fls. 36 do suporte físico do processo e doc. de fls. 17 e 18 do processo disciplinar n.º 10.07/125/RN/11, doravante 10.07/125).

2) Desde o ano letivo 2004/2005 até ao ano letivo 2010/2011, o Autor exerceu as funções de Presidente do Conselho Executivo e de Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV (acordo e doc. de fls. 17 e 18 do processo disciplinar n.º 10.07/125).

3) Em 20/07/2010 foi mandado instaurar o processo disciplinar n.º 10.07/120/RN/10 (doravante, 10.07/120), em que é arguido o Autor, e o processo disciplinar n.º 10.07/122/RN/10 (doravante, 10.07/122), em que é arguido AMRM, mediante despacho proferido pelo Inspetor-Geral da Educação, com o seguinte teor:

Concordo.

Instauro processo disciplinar ao Diretor, LPMG, à Subdiretora, ACNS e ao CSAE AMRM.

Determino as audições dos membros do Conselho Administrativo, LPMG, ACNS e MOAB para efeitos de apuramento da eventual responsabilidade financeira

(cfr. doc. de fls. 5 do volume I do processo disciplinar n.º 10.07/120).

4) O despacho supra foi proferido com base em informação emitida pelo Inspetor Principal, em 20/07/2010, da qual consta, além do mais, o seguinte:

Termos em que se propõe com os fundamentos da presente informação e do relatório de auditoria, em tudo o que não contrarie o presente parecer, o seguinte:
1. A instauração de processo disciplinar a LPMG, na qualidade de membro do Conselho Administrativo (Presidente) em exercício de funções entre Setembro de 2008 e Agosto de 2009, pelos pagamentos indevidamente efetuados nesse período, nos montantes de 9.126,76 € (nove mil, cento e vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos) e de 397,98 € (trezentos e noventa e sete euros e noventa e oito cêntimos) e enquanto Diretor de escola em virtude da atribuição indevida de horários a um conjunto de docentes e, bem assim, por permitir a existência de animais nas instalações da escola em desrespeito pelas normas de exploração, abertura de pecuárias e respetiva comercialização.
2. A instauração de processo disciplinar aos membros do Conselho Administrativo em exercício de funções entre Setembro de 2008 e Agosto de 2009, pelos pagamentos indevidamente efetuados, nos montantes de 9.126,76 € (nove mil, cento e vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos) e de 397,98 € (trezentos e noventa e sete euros e noventa e oito cêntimos), respetivamente:
a) ACNS, Vice-Presidente do Conselho Administrativo;

b) AMRM, Chefe dos Serviços de Administração Escolar, este último apenas pelos pagamentos indevidos a partir de Abril de 2009, data a contar da qual iniciou as suas funções

(cfr. doc. de fls. 5 a 9 do volume I do processo disciplinar n.º 10.07/120, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5) Em 15/03/2011 foi concluído o relatório final no processo disciplinar n.º 10.07/122, em que é arguido AMRM, e do qual consta, além do mais, o seguinte:

10. Capítulo: Proposta

10.1 Assim, tudo compulsado e tendo por suporte o que vimos de dizer (…), proponho, por força da aplicação do número 4, in fine, do artigo 10.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (ED), que ao arguido, AMRM, Chefe de Serviços de Administração Escolar no Agrupamento de Escolas Dr. MPV, F..., Concelho de Paços de Ferreira, seja aplicada a pena de SUSPENSÃO POR UM PERÍODO DE 20 (vinte) DIAS, prevista na alínea c) do número 1 do artigo 9.º, caracterizada nos números 3 e 4 do artigo 10.º e punível pela cláusula geral do artigo 17.º, todas estas normas do ED.

10.2 Porém, tendo em conta o bom comportamento do arguido, proponho, nos termos do artigo 25.º do ED, a suspensão da execução da pena pelo período de um ano

(cfr. doc. de fls. 570 a 622 do volume II do processo disciplinar n.º 10.07/122, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

6) Em 15/04/2011 foi proferido despacho, no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/122, pelo qual se ordenou a remessa do referido processo, para decisão, ao Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV (F...), cargo que naquela data era exercido pelo Autor, com base numa deliberação da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, datada de 06/04/2009, nos termos da qual a competência para exercer o poder disciplinar sobre o pessoal não docente do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico foi delegada nos Diretores / Conselhos Executivos do Agrupamento de Escolas de F..., Eiriz, Paços de Ferreira e Frazão onde o pessoal em causa se encontra afeto e a prestar serviço (cfr. docs. de fls. 25 e 127 a 130 do processo disciplinar n.º 10.07/125, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

7) Em 15/04/2011, o Autor solicitou parecer ao Diretor Regional de Educação do Norte sobre a decisão a tomar no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/122 (cfr. doc. de fls. 120 a 121 do processo disciplinar n.º 10.07/125, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

8) Ao arguido AMRM veio a ser aplicada, no processo disciplinar n.º 10.07/122, a pena de repreensão escrita, por despacho proferido pelo Autor, em 06/05/2011, ao abrigo da delegação de competências acima mencionada, com o seguinte teor:

(…)

2.2.3 – A aplicação ao arguido da pena de repreensão escrita parece mais do que suficiente por se tratar de uma infração leve de serviço, tendo sido corrigido o lapso informático, quando detetado, e não se verificando benefício nem prejuízo do próprio nem de terceiros.

3 – Assim, considero que se revela ajustada a aplicação da pena de repreensão escrita como mero reparo pela irregularidade praticada (…), mas a mesma deve ficar suspensa por um ano.

(…)

(cfr. doc. de fls. 21 e 22 do processo disciplinar n.º 10.07/125, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9) Por despacho do Diretor Regional de Educação do Norte, de 08/07/2011, foi mandado instaurar contra o Autor o processo disciplinar n.º 10.07/125/RN/11, nos seguintes termos:

Concordo.

Com os fundamentos constantes da presente informação, decido:

a) revogar a decisão proferida em 06.05.2011 pelo então Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV, com fundamento na sua invalidade;

b) solicitar à Inspeção-Geral da Educação a remessa do processo disciplinar à atual Diretora do mesmo agrupamento, para apreciação e ser proferida nova decisão;

c) instaurar processo disciplinar a LPMG;

d) solicitar à Delegação Norte da IGE a nomeação de instrutor, atento o facto de o docente ocupar o cargo de subdiretor, não se afigurando adequada a nomeação de docente do agrupamento nem dispondo estes serviços dos meios nem recursos humanos necessários à instrução

(cfr. doc. de fls. 5 do processo disciplinar n.º 10.07/125) .

10) Em 23/12/2011 foi proferida acusação contra o Autor no processo disciplinar n.º 10.07/125 (cfr. doc. de fls. 133 a 135 do processo disciplinar n.º 10.07/125, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

11) Em 02/04/2012 foi concluído o relatório final no processo disciplinar n.º 10.07/125, do qual consta o seguinte:

Em face do exposto no capítulo anterior, ficam provados os seguintes factos:

------ Em sede do processo disciplinar n.º 10.07/122/RN/10 foi proposta a aplicação ao arguido AMRM, Chefe dos Serviços de Administração Escolar do Agrupamento de Escolas Dr. MPV, F..., da pena de suspensão por um período de 20 dias, com suspensão da sua execução pelo período de 1 ano (…) --

------ Ao arguido veio, porém, a ser aplicada pelo então Diretor do Agrupamento, agora arguido, por seu despacho de 06/05/2011 (…), a pena de repreensão escrita, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano (…), por força da delegação de competências que lhe foi atribuída em deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, do dia 06 de Abril de 2009 (…) -----

------ Acontece, porém, que o Diretor do Agrupamento à época, LPMG, é arguido em processo conexo (Processo n.º 10.07/120/RN/10), por factualidade igualmente conexa com o processo do funcionário AMRM. -----

------ No entanto, e apesar da existência da delegação de competências, o então Diretor do Agrupamento, agora arguido, não poderia ter exercido, no caso concreto, essa competência, por se verificar a existência de impedimento legal para o efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). -------

------ O arguido devia, assim, ter comunicado de imediato ao seu superior hierárquico (Diretor Regional de Educação do Norte) e à Câmara Municipal de Paços de Ferreira o seu impedimento, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 45.º do CPA. --------

(…)

------ Com o comportamento descrito (…), o arguido, ao não comunicar o seu impedimento para proferir decisão no caso concreto, incorreu em falta grave para efeitos disciplinares nos termos conjugados dos n.os 1 e 2 do artigo 51.º, 45.º e 44.º, n.º 1, alínea a), todos do CPA, incorrendo em infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e imparcialidade, estabelecidos nas alíneas a), e) e c) do n.º 2 e n.os 3, 7 e 5 do art.º 3.º do ED, prevista e punida nos termos do corpo e da alínea d) do art.º 17.º do ED, com a PENA DE SUSPENSÃO. -----

(…)

Tendo em consideração o exposto nos capítulos anteriores (…), proponho que seja aplicada ao arguido (…) a pena de SUSPENSÃO, graduada em 20 (vinte) dias, em atenção aos critérios estabelecidos no art.º 20.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro

(cfr. doc. de fls. 41 a 55 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

12) Em 25/05/2012 foi elaborada a informação n.º 11/266/GJ/EM, no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/125, na qual se propõe a aplicação ao Autor da pena de suspensão graduada em 20 dias (cfr. doc. de fls. 26 e 27 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

13) Por decisão do Diretor Regional de Educação do Norte, datada de 05/06/2012, foi aplicada ao Autor, no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/125, a pena de suspensão graduada em 20 dias, nos seguintes termos:

Com os fundamentos constantes da presente informação e do relatório elaborado pela Senhora Instrutora determino que ao arguido LPMG seja aplicada a pena de suspensão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º, n.os 3 e 4 do artigo 10.º e artigo 17.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9.09, graduada em 20 (vinte) dias

(cfr. doc. de fls. 26 do suporte físico do processo).

14) A decisão referida no ponto anterior foi notificada ao Autor em 03/07/2012 (cfr. doc. de fls. 37 do suporte físico do processo).

15) O Autor interpôs recurso hierárquico da decisão referida em 13), tendo o mesmo sido indeferido, com base na informação n.º I/03633/SC/12, de 04/09/2012, por despacho do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, datado de 25/09/2012, com o seguinte teor:

Indefiro o recurso, nos termos e com os fundamentos constantes na presente informação

(cfr. doc. de fls. 29 a 34 e 92 a 107 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

16) Da informação n.º I/03633/SC/12 referida supra resulta o seguinte:

Conclusões:

1. Improcedem os argumentos apresentados por LPMG, subdiretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV (F...), no recurso hierárquico do despacho de 05.06.2012 do Diretor Regional de Educação do Norte, que, na sequência de processo disciplinar, lhe aplicou a pena de suspensão, graduada em vinte dias;

2. Deve assim negar-se provimento ao recurso mantendo-se na ordem jurídica o ato punitivo de 05.06.2012 do Diretor Regional de Educação do Norte que aplicou ao recorrente a pena de suspensão, graduada em vinte dias (…)

(cfr. doc. de fls. 29 a 34 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

17) A decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi notificada ao Autor em 30/10/2012 (cfr. doc. de fls. 35 do suporte físico do processo).

18) Por decisão de 05/03/2013, proferida em processo cautelar que correu termos neste Tribunal sob o n.º 2784/12.4BEPRT, apenso à presente ação, foi decretada a suspensão de eficácia da decisão do Diretor Regional de Educação do Norte de 05/06/2012, bem como do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, de 25/09/2012.

2.2 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I- Nas suas longas e esgotantes conclusões vem o recorrente invocar os mesmos vícios que formulou na petição inicial ao acto impugnado. Não concorda com a análise feita pelo Acórdão recorrido, batalhando nos mesmos argumentos.
No entanto, na sua conclusão NNN) vem referir que a ausência do pressuposto na aplicação da pena disciplinar, prejuízo para o serviço, foi questão expressamente invocada pelo recorrente na petição inicial (artigo 127.º) como fundamento da alegação de inexistência de infracção, não tendo merecido qualquer pronúncia por parte do acórdão recorrido.
Esta questão levaria a que tivesse ocorrido omissão de pronúncia e portanto nulidade do Acórdão recorrido.
De acordo com a alínea d) do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando: “ o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”
Como refere A. Reis (Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143. não se pode confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Ou seja, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas (A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688).
Como se refere no Acórdão deste Tribunal, Proc. n.º 0157/07.1BEBRG, de 11-02-2915:
2. Apenas se verifica a nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia, a que alude a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, por referência à primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, por referência ao artigo 660º do anterior Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
3. Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes.
No caso em apreço estamos perante a análise do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito invocado, nomeadamente violação do disposto no artigo 17º do Estatuto Disciplinar, uma vez que não estaria demonstrada a grave negligência, ou o grave desinteresse que teria de se verificar para que lhe fosse aplicada a pena de suspensão. Também não estaria demonstrado o prejuízo para o serviço. Ou seja, estamos perante argumentos utilizados pelo recorrente para sustentar que não ocorre vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito. Este vício foi analisado na decisão recorrida não se tornando necessário que esta se tenha de pronunciar sobre todos os argumentos utilizados. Apenas ocorre omissão de pronúncia quando não são analisadas todas as questões que têm de ser resolvidas. No caso em apreço, foram analisadas todas as questões que tinham de ser resolvidas, razão pela qual não ocorre a nulidade invocada.
Indefere-se, assim, a arguição desta nulidade.

II- Passaremos agora a analisar os vícios invocados ao acto impugnado, recorrendo aos títulos dados pelo recorrente a cada capítulo das suas conclusões de forma a sistematizar melhor as questões a apreciar.
É de referir, em primeiro lugar, que ao caso dos autos é aplicado o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (ED) aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, em vigor à data dos factos.
Nas conclusões D) a P) vem o recorrente sustentar que ocorre vício de violação de lei por usurpação de poderes e por violação do princípio da autonomia local e ainda por incompetência absoluta do órgão que instaurou procedimento disciplinar.
Neste campo refere o recorrente que o poder disciplinar em causa nos autos não se encontra cometido ao Director Regional de Educação e ao Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, uma vez que os factos que levam à infracção disciplinar resultaram de uma delegação de competências da Câmara Municipal de Paços de Ferreira.
Na decisão recorrida referiu-se quanto a este aspecto:

O art.º 113.º, n.º 2, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, republicado pelo Decreto-Lei n.º 270/2009, de 30/09, dispõe que “os membros do órgão de administração e gestão dos estabelecimentos de educação ou de ensino são disciplinarmente responsáveis perante o competente diretor regional de educação”.
O art.º 115.º, n.º 2, do mesmo diploma prevê, a respeito da competência para instaurar o processo disciplinar, que, “sendo o arguido membro do órgão de administração e gestão do estabelecimento de educação ou de ensino, a competência cabe ao diretor regional de educação”, determinando, por fim, o n.º 2 do art.º 116.º que “a aplicação das penas de multa, suspensão e inatividade é da competência dos diretores regionais de educação”.
Ora, sendo o Autor, à data dos factos, Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. MPV, era o mesmo responsável disciplinarmente perante o Diretor Regional de Educação do Norte, incluindo por atos praticados ao abrigo de uma delegação de competências de outra entidade.
É certo que a decisão de aplicação da pena de repreensão escrita tomada pelo Autor no processo disciplinar n.º 10.07/122, e que constitui a base da infração disciplinar que lhe é imputada no processo n.º 10.07/125 ora em crise, teve por fundamento um ato de delegação de competências praticado pela CMPF (cfr. pontos 6 e 8 da factualidade provada), ao abrigo de norma de habilitação constante do art.º 5.º, n.os 1, alínea d), 2 e 4, do Decreto-Lei n.º 148/2008, de 28/07 (que veio desenvolver o quadro de transferência de competências para os municípios em matéria de educação).
No entanto, a relação de delegação assim criada entre a CMPF, órgão delegante, e o Autor, órgão delegado, em nada altera o exercício da competência disciplinar pelo Diretor Regional de Educação, nos termos do citado art.º 113.º, n.º 2, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário.
O ato de delegação criou entre a CMPF e o Autor uma relação jurídica nova, uma vez que entre ambos não existia uma qualquer relação prévia relativa à sua competência, tendo essa relação de delegação o regime específico previsto nos art.os 35.º e seguintes do CPA aplicável (anterior ao novo CPA aprovado pelo Decreto-Lei N.º 4/2015 de 7 de janeiro).
Nos termos do art.º 39.º, o órgão delegante detém sobre o órgão delegado o poder de emitir diretivas ou instruções vinculativas sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados, bem os poderes de avocar e de revogar os atos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação.
Nada se dispõe, contudo, quanto à competência para o exercício do poder disciplinar sobre o delegado, no âmbito da relação de delegação, o qual se mantém, em qualquer caso, na esfera das Direções Regionais de Educação, pois que tal poder e competência não se extinguiu por efeito da relação de delegação entre o Autor e a CMPF.
Assim, no caso concreto, quer o Diretor Regional de Educação do Norte, quer o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar (em sede de recurso hierárquico), eram, à data dos factos, os titulares do poder disciplinar sobre o Autor.
Pelo exposto, conclui-se pela não verificação do vício de violação de lei e de usurpação de poderes.

O vício de usurpação de poderes consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições de poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial (ver, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2011, 2ª edição, pág. 423).
Ou seja, a usurpação de poderes consiste na prática pela Administração de um acto que decide uma questão do âmbito do poder legislativo, moderador ou judicial. Dito de outro modo, quando se pratica um acto que é da competência dos outros poderes do Estado.
Ver neste sentido Acórdão deste Tribunal n.º 00217/08.0BEVIS, de 03-05-2012, quando refere:
I- A usurpação de poderes consiste na prática por um órgão da Administração de ato que decide uma questão que é da competência dos outros poderes do Estado (legislativo, moderador e/ou judicial).
No caso em apreço, vem o recorrente sustentar que o acto punitivo deveria ter sido praticado pelo Município de Paços de Ferreira e não pelo Ministério da Educação. Ou seja, não estamos perante uma usurpação de poderes, uma vez que estamos perante a prática de um acto que sempre estaria dentro do poder Administrativo do Estado. Para que estivéssemos perante uma usurpação de poderes o acto em causa, praticado por uma entidade Administrativa, deveria ser da competência do poder judicial, legislativo ou moderador, o que não é o caso. A existir qualquer irregularidade da forma como o recorrente a vem colocar, a mesma configuraria uma incompetência do órgão para proferir a decisão. No entanto, como se refere na decisão recorria também não se verifica a existência deste vício. É que o poder disciplinar prante os membros dos órgãos de Administração e Gestão dos Estabelecimentos de Educação e Ensino estão confinados ao Director Regional de Educação, conforme refere o artigo 113º, n.º 2 do ECD, transcrito na parte da decisão recorrida referida anteriormente.
Por seu lado o art.º 115.º, n.º 2, refere que: “sendo o arguido membro do órgão de administração e gestão do estabelecimento de educação ou de ensino, a competência cabe ao Director Regional de Educação”, determinando, por fim, o n.º 2 do art.º 116.º que “a aplicação das penas de multa, suspensão e inactividade é da competência dos Directores Regionais de Educação”.
De notar que a questão de fundo colocada no processo disciplinar em causa nos autos apenas colateralmente tem a ver com a delegação de competências, argumentada pelo recorrente.
De acordo com a matéria de facto dada como provada o recorrente teria aplicado uma pena de repreensão escrita ao arguido AMRM no âmbito do processo disciplinar n.º 10.07/122.
Como este processo disciplinar teria conexão com outro procedimento disciplinar aberto ao recorrente, por despacho de 8 de Julho de 2001 foi mandado instaurar procedimento disciplinar contra o ora recorrente, e com data de 5 de Junho de 2012, foi-lhe aplicada a pena disciplinar de suspensão por vinte dias. É este o acto impugnado. Os fundamentos desta punição prendem-se com o facto de o recorrente poder estar impedido de ter praticado o acto de punição em matéria disciplinar. Ou seja, não está em causa a aplicação directa da delegação de competências que tinha para proceder disciplinarmente perante funcionários da Escola, mas sim o exercício de um poder em que poderia estar impedido. Dito de outro modo, não está em causa a delegação de competências, que ninguém põe em causa, mas sim um eventual impedimento para o exercício dessa delegação, adstrito à situação concreta. Não estando em causa directamente a delegação de competências, não se levante a questão da competência para o presente procedimento. De acrescentar que o poder disciplinar sobre os órgãos de Administração e Gestão dos Estabelecimentos de Educação pertence sempre ao respectivo Director Regional de Educação. Não é pelo facto de um qualquer trabalhador exercer determinadas funções resultantes de um acto de delegação de terceiros que essa competência disciplinar pertencerá ao órgão delegante. O órgão delegante tem poderes para emitir directivas ou instruções vinculativas para o delegado ou subdelegado, e também tem o poder de avocar, revogar ou substituir o acto praticado pelo delegado (artigo 49º do CPA), mas este poder nada tem a ver com o poder disciplinar. O exercício do poder disciplinar exerce-se, em princípio, no âmbito das relações hierárquicas (artigo 4º do ED) e não numa relação de delegação de poderes.
Pelas razões referidas também não se vê que a decisão em causa tenha violado qualquer princípio referente à autonomia local, uma vez que não está em causa qualquer acto ou instrução emanada da autarquia. Está em causa, frisamos, uma eventual violação do princípio da imparcialidade.
Improcedem assim estas conclusões.

III- Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto: elemento objectivo do ilícito disciplinar
Nas suas conclusões Q) a V) vem o recorrente sustentar que ocorre erro nos pressupostos uma vez que, apesar da prova testemunhal produzida, não se deu como provado o facto de o recorrente não ter qualquer interesse no procedimento contra-ordenacional 10.07/122/RN/10.
Refere-se na decisão recorrida quanto a este aspecto o seguinte:
Segundo o Autor, o relatório final elaborado pela instrutora, em cuja fundamentação os atos impugnados se basearam, omite factos importantes para a decisão e que foram demonstrados através da prova testemunhal produzida na fase de instrução, designadamente que não tem qualquer interesse no procedimento contraordenacional n.º 10.07/122 e, bem assim, que não tem qualquer relação de parentesco com o funcionário AMRM, resumindo-se o seu relacionamento à esfera estritamente profissional. Alega ainda que consta do relatório matéria meramente conclusiva e de direito, a qual, pela sua natureza, não se pode considerar como matéria factual e muito menos como factualidade provados.
Contesta a Entidade demandada que o Autor se limita a alegar de forma genérica, não invocando qualquer circunstância que abale a factualidade dada como assente, nem a forma como a instrutora do processo se pronunciou sobre a alegação da defesa, pelo que os factos relevantes para apreciação e decisão do processo disciplinar foram devidamente ponderados e analisados no relatório final e nas decisões ora impugnadas.
O erro nos pressupostos de facto consiste na “divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é, os fundamentos da motivação do ato em causa não existiam ou não tinham a dimensão que foi por ele suposta” (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/03/2009, proc. n.º 0545/08, publicado em www.dgsi.pt). Estamos, pois, perante uma “desconformidade entre os factos pressupostos da prolação do ato e os factos reais de modo a que sejam considerados para efeitos da decisão factos não provados ou desconformes com a realidade” (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/11/2003, proc. n.º 01127/03, disponível em www.dgsi.pt).
No caso sub judice, o Autor alega que a instrutora do processo disciplinar deveria ter considerado provado, com base na prova testemunhal produzida, o facto de este não ter qualquer interesse no procedimento n.º 10.07/122, bem como o facto de não ter qualquer relação de parentesco com o funcionário AMRM, resumindo-se o seu relacionamento à esfera estritamente profissional, razão pela qual as decisões enfermam de erro nos pressupostos de facto.
Antes de mais cumpre evidenciar que, no processo disciplinar, vigora o princípio da livre apreciação da prova, tendo a instrutora do procedimento valorado os depoimentos das testemunhas e justificado essa valoração, fazendo uso de uma certa margem de discricionariedade inerente às suas funções, como se esclarece no capítulo IV, ponto 4, do relatório final (cfr. ponto 11 dos factos provados). Importa ter presente que “o tribunal não volta a apreciar a prova para substituir o julgamento de facto realizado pela entidade administrativa pelo seu, porque o poder disciplinar não lhe pertence e isso seria invadir este poder. A atuação do tribunal remeter-se-á ao plano da justiça emergente da legalidade, às normas e aos princípios jurídicos a que a entidade administrativa está obrigada, avaliando se estes foram ou não violados. Deste modo, e em princípio, apenas nos casos de violação de normas de competência, de abuso e desvio de poder, e casos de erro manifesto ou grosseiro na aplicação do direito ou na avaliação da prova, o tribunal deverá intervir dando procedência ao pedido do autor” (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2013, proc. 00331/07.9BEVIS, publicado em www.dgsi.pt – sublinhado nosso).
Não há qualquer erro grosseiro na avaliação da prova produzida, nomeadamente da prova testemunhal, visto que se considerou expressamente no relatório da instrutora que as testemunhas não adiantaram razões concretas que justificassem a falta de interesse do ora Autor no processo n.º 10.07/122, facto que este pretendia ver provado. Nada se censura à decisão do R. quanto à conclusão de que os factos provados e relevantes para a punição disciplinar do Autor assentaram essencialmente na prova documental coligida no procedimento disciplinar, mais concretamente, que o Autor era arguido em processo conexo por idêntica factualidade.
Com efeito, quer a ausência de “interesse”, quer relação de parentesco ou o relacionamento entre o A. e o funcionário AMRM constituem, como bem entendeu o R., matéria irrelevante para a decisão no que concerne ao preenchimento dos pressupostos da infração (admitindo-se apenas que, tais circunstâncias pudessem ter influência no quantum da pena (agravando-a) caso se se viesse a demonstrar o seu contrário).
Alega ainda, o Autor, que certos factos elencados no relatório consubstanciam matéria conclusiva ou de direito.
É inegável que os dois últimos parágrafos do capítulo dos factos provados contêm já uma apreciação de fundo quanto à conduta do Autor.
Porém, a inclusão dessa matéria nos “factos provados” ao invés da sua inclusão no capítulo “do direito aplicável” não tem qualquer consequência invalidante consubstanciando apenas uma mera irregularidade já que em nada prejudicou o A.
Pelo exposto, julga-se não verificado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
O recorrente vem sustentar que da prova feita não foi dado como provado que tinha interesse no processo contra-ordenacional e no qual decidiu aplicar pena de repreensão escrita.
E isto porque nos termos do artigo 44º, n.º 1, do antigo CPA, nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento“ quando nele tenha interesse, por si, com representante ou como gestor de negócios de outra pessoa.
O interesse aqui em causa tem a ver com qualquer interesse material, pessoal ou mesmo moral, que um qualquer titular possa ter ao intervir em determinado procedimento. Ou seja, estamos a falar de uma qualquer conexão que o titular interveniente possa ter com o procedimento em que se encontra envolvido e que possa por em causa a sua imparcialidade. Estamos a falar de um conceito de direito que terá de resultar de factos dados ou não como provados, mas como conceito de direito não está sujeito a prova, contrariamente ao referido pelo recorrente. O que poderá estar sujeito a prova são os factos pelos quais se pode concluir que ocorre no caso concreto um qualquer interesse do recorrente. Mas esta é uma conclusão a retirar pelo Tribunal relativamente à prova produzida.
No caso concreto, encontra-se provado que o recorrente interveio como aplicador de uma sanção no procedimento disciplinar n.º 10.07/122/RN/10 tendo aplicado ao arguido, AMRM, a pena de repreensão escrita. Na mesma data em que foi instaurado este procedimento disciplinar foi também instaurado procedimento disciplinar ao ora recorrente com os mesmos fundamentos e com os mesmos factos.
É com base nestes factos que temos de concluir se o recorrente tinha ou não um qualquer interesse no procedimento em que interveio como aplicador da pena disciplinar para então podermos concluir se ocorre ou não algum impedimento.
Tendo em atenção o exposto não há dúvidas que, de facto, o recorrente tinha interesse no procedimento uma vez que corria contra si um procedimento em que lhe era imputada a prática da mesma factualidade. Aqui interesse, poderá ser tudo aquilo que possa trazer uma vantagem pessoal, que possa beneficiar de qualquer forma, material pessoal ou moralmente, o interveniente num determinado processo. Se o recorrente tem um processo que corre contra si com uma factualidade igual a um outro que decidiu, obviamente que tem interesse, tem vantagem, que esse processo corra de determinada maneira e não de outra. O processo não é inócuo para si.
Este interesse, como referimos é um conceito de direito, que se tem de retirar da matéria de facto, e não está obviamente sujeito a prova.
Nestes termos não podem proceder estas alegações do recorrente.

IV- Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito: elemento objectivo do ilícito disciplinar

Nas suas conclusões W) a KK) vem o recorrente sustentar que os actos impugnados foram praticados no pressuposto da violação do artigo 44º n.º 1 do anterior CPA, quando refere que nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento, quando nele tenha interesse. Aqui foi considerado que o recorrente tinha interesse no procedimento em que interveio como decisor por se tratar de um processo conexo, quando nunca foi determinada nenhuma conexão entre os processos. Estamos perante dois processos distintos, refere o recorrente. Por seu lado, interesse vem definido no artigo 55 n.º 1 do CPA e não pode ter a finalidade referida no acto impugnado.
A decisão recorrida refere quanto a este aspecto:
No capítulo relativo às garantias de imparcialidade da atuação administrativa, dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA, na redacção vigente à data dos factos (Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11), que “nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública (…) a) quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa”.
Acrescenta o n.º 1 do art.º 45.º do CPA que, “quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão ou agente administrativo, deve o mesmo comunicar desde logo o facto ao respetivo superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial dirigente, consoante os casos”, constituindo a omissão do dever de comunicação falta grave para efeitos disciplinares (art.º 51.º, n.º 2, do CPA).
Com efeito, pretende-se com a consagração da figura dos impedimentos “proteger a independência das funções públicas e assegurar que a atuação da Administração Pública se paute por princípios objetivos e transparentes. Procura-se evitar que os titulares de órgãos e os agentes da Administração Pública se encontrem numa situação de possível confronto entre os seus interesses e os dos entes públicos que representam” (cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4.ª ed., Almedina, 2000, p. 227).
No que respeita a densificação do conceito indeterminado de interesse impeditivo, vertido na alínea a) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA, importa ter em conta dois critérios, que devem ser avaliados em concreto, perante as circunstâncias de cada caso: “por um lado, trata-se de garantir a objetividade e utilidade pública da decisão administrativa em vista da (melhor) prossecução do interesse público e, por outro lado, de assegurar a imparcialidade e a transparência dessa decisão, face àqueles que nela estão interessados e face à coletividade administrativa em geral” (cfr. M. Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo – Comentado, 2.ª ed., Almedina, 2010, p. 247).
Ora, atendendo aos contornos do caso concreto e às disposições legais acima enunciadas, julgamos que o Autor se encontrava, com efeito, na situação de impedimento prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA quando tomou a decisão de aplicar a pena de repreensão escrita ao arguido AMRM no processo disciplinar n.º 10.07/122, ainda que ao abrigo de uma delegação de competências.
De facto, importa ter presente que ao Autor também fora instaurado um processo disciplinar (n.º 10.07/120), pelo mesmo despacho que mandou instaurar o processo disciplinar n.º 10.07/122 ao arguido AMRM, tendo por base uma auditoria em que ambos são indiciados, entre outras condutas, pela prática dos mesmos ilícitos, a saber, pagamentos indevidamente efetuados entre Setembro de 2008 e Agosto de 2009, nos montantes de € 9.126,76 e de € 397,98 (cfr. pontos 3 e 4 dos factos provados).
Assim sendo, o Autor era parte interessada na decisão do procedimento disciplinar n.º 10.07/122, porquanto contra ele corria também, em simultâneo, um procedimento disciplinar em que lhe era imputada a prática da mesma factualidade. A intervenção do Autor naquele procedimento, em especial na tomada da decisão punitiva, potenciou o confronto entre os interesses respeitantes à própria pessoa do Autor (ao qual não seria inteiramente indiferente o conteúdo do ato final no processo disciplinar n.º 10.07/122, uma vez que era arguido em processo conexo pela prática dos mesmos factos e considerando que o Autor não decidiu no sentido proposto no relatório final – pena de suspensão –, antes aplicando uma sanção disciplinar menos gravosa – repreensão escrita, suspensa por um ano; cfr. pontos 5 e 8 dos factos provados) e os interesses do ente público que representa (neste caso, no exercício de competências delegadas pela CMPF) na prossecução da ação disciplinar, circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência comum, fazem perigar uma tomada de decisão imparcial e isenta.
Não colhem os argumentos do Autor no sentido de que o mesmo não tem qualquer relação de parentesco com o então arguido AMRM, resumindo-se o seu relacionamento à esfera estritamente profissional, e de que a decisão a proferir não seria suscetível de afetar, de forma alguma, o sentido da decisão a proferir no procedimento instaurado contra o Autor. Por um lado, os interesses conflituantes salvaguardados pela alínea a) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA não se resumem, única e exclusivamente, a interesses decorrentes de relações de parentesco e, por outro lado, mesmo que fosse possível asseverar que a decisão tomada pelo Autor não teria qualquer influência no processo disciplinar que então corria contra ele, a verdade é que a simples existência de eventuais interesses contrapostos foi suscetível de afetar a imparcialidade daquela decisão, atendendo ao que ficou exposto supra.
Ora, estando impedido de participar no procedimento em causa, sobre o Autor recaía a obrigação de comunicar de imediato tal impedimento ao respetivo superior hierárquico, nos termos do art.º 45.º, n.º 1, do CPA (cfr., em situação semelhante à dos autos, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/05/2006, proc. n.º 00510/03, publicado em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, julga-se não verificado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos – inexistência de infração disciplinar.

Diga-se, desde já que o assim decidido é para manter.
Como já referimos anteriormente, o artigo 44º, n.º 1, do anterior CPA referia que “ nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo…a) quando nele tenha interesse. Este interesse poderá ser tudo aquilo que possa trazer uma vantagem pessoal ao interveniente no procedimento, ou seja, que o possa beneficiar de qualquer forma, seja material, seja pessoal ou moralmente. Aqui, interesse, não tem a sua definição no artigo 55º, n.º 1, do anterior CPA, como sustenta o recorrente. Este artigo mencionava o que são interessados num procedimento, mas que nada tem a ver com o interesse referido neste artigo 44º. Quando se fala em interesse legalmente protegido tem a ver com o poder legal de garantir que o eventual sacrifício de um interesse privado, por razões de interesse público, seja sempre decidido com respeito pela legalidade administrativa vigente (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2011, 2ª edição, pág. 77). Ou seja, está em causa a garantia da legalidade das decisões que versem sobre um interesse particular. Este interesse nada tem a ver com o interesse referido no artigo 44º do CPA.
Sustenta ainda o recorrente que estamos perante dois processos distintos e não houve qualquer decisão de conexão entre eles.
Não ocorreu nenhuma decisão de conexão nem tinha que ocorrer. O que se torna relevante é saber se ocorre, ou não, nos dois processos alguma questão que possa levar a que entre eles haja alguma similitude, alguma relação lógica ou causal, que possa levar a que quem intervenha num deles possa ter vantagens numa determinada decisão.
Ora, é precisamente isso que acontece.
Como já verificámos o recorrente foi arguido num processo disciplinar onde estava em causa a mesma factualidade constante do processo em que interveio como decisor.
Na verdade ao Autor, ora recorrente, também foi instaurado um processo disciplinar (n.º 10.07/120), pelo mesmo despacho que mandou instaurar o processo disciplinar n.º 10.07/122 ao arguido, AMRM, tendo por base uma auditoria em que ambos são indiciados, entre outras condutas, pela prática dos mesmos ilícitos, a saber, pagamentos indevidamente efectuados entre Setembro de 2008 e Agosto de 2009, nos montantes de € 9.126,76 e de € 397,98 .
Não há dúvidas que entre os dois processos existe uma conexão, uma similitude de situações que deveriam ter levado o recorrente a não intervir como decisor no processo n.º 10.07/122.
Nos casos de impedimentos consagrados no artigo 44º do CPA estão em causa garantias de imparcialidade. Isto é, pretende-se com tais impedimentos obstar a que participem em dado procedimento administrativo os titulares de órgãos ou os agentes que tenham interesse pessoal na decisão do caso.
Com as garantias de imparcialidade pretende-se proteger a independência das funções públicas e assegurar que a actuação da Administração se paute por princípios objectivos e transparentes. Procura-se evitar que os titulares de órgãos e os agentes se encontrem numa situação de possível confronto entre os seus interesses e os dos entes públicos que representam (CPA anotado e comentado de José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido Pinho - pág. 227).
No caso em apreço o recorrente ao intervir como decisor num processo disciplinar com factualidade igual a um outro que lhe foi instaurado, está nitidamente a intervir num processo em que terá interesse que se desenrole de determinada forma. Não é curial que vá decidir um processo que tenha como fundamentos os mesmos factos que de um processo que corre contra si.
Improcedem assim também estas alegações do recorrente.

V- Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto: elemento subjectivo do ilícito disciplinar.

Nas suas conclusões LL) a UU) vem o recorrente sustentar que não ocorre elemento subjectivo caracterizador da sua conduta como culposa. O recorrente desconhecia que não podia decidir tal matéria. Por seu lado o processo foi-lhe remetido para decisão.

De acordo com o artigo 3º do ED, infracção disciplinar será uma conduta externa ilícita e culposa que viole deveres gerais e especiais inerentes à função que exerce. A actuação culposa pode abarcar vários graus referindo a doutrina que tal comportamento poderá ocorrer através do dolo ou da negligência

O dolo poderá revestir uma de três modalidades:
(i) Dolo directo – quando o agente tem por fim a violação do dever como resultado necessário e querido da sua conduta;
(ii) Dolo indirecto ou necessário, quando o agente representa a violação do dever como o resultado certo ou pelo menos altamente provável e;
(iii) Dolo eventual, no qual a violação do dever é representada como a consequência possível da conduta.

Por outro lado, a negligência é entendida como a inobservância do dever de cuidado, sendo consciente quando o agente admite a violação do dever como resultado da sua conduta, mas confia que o mesmo não se produzirá e inconsciente quando o agente nem sequer representa a possibilidade de violação do dever.
No caso em apreço o recorrente exercia à data dos factos as funções de Presidente do Conselho Executivo de um Agrupamento de Escolas. Foi-lhe remetido um processo disciplinar cuja factualidade era idêntica a um processo disciplinar que também lhe foi instaurado. No entanto, apesar desta similitude de processos, decidiu o processo que lhe foi remetido. Esta conduta é, no mínimo, indiciadora de uma negligência grave. O recorrente devia ter o cuidado de não ter decidido o processo em causa, porque sabia que corria contra si um processo idêntico e mesmo assim não deixou de proceder como procedeu.
De notar que não é pelo facto de lhe ter sido remetido o processo para decisão que a sua actuação deixa de ser culposa. Como Presidente de um Agrupamento de Escolas é normal que lhe seja remetido todo o correio. No entanto se sabia que não podia decidir o processo deveria tê-lo remetido à entidade competente para o efeito. Também não é pelo facto de a DRN não ter dado resposta à solicitação sobre a decisão a tomar no processo que o vai eximir da responsabilidade. A questão é de saber se poderia ou não decidir o processo e já vimos que não porque conflitua com os seus interesses. De notar que a solicitação feita à DRN não foi sobre a questão da competência mas sim sobre a pena que devia ser aplicada ao arguido. Ou seja, se o recorrente não questionou se ocorria qualquer incompatibilidade, não devia esperar qualquer resposta neste âmbito.
Improcedem assim também estas conclusões.

VI- Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito: artigo 17º do ED (I).
Nas alíneas VV) a JJJ) vem o recorrente sustentar que não se verifica nem está demonstrado o requisito da grave negligência nem o grave desinteresse pelos deveres profissionais, nem se podia subsumir o seu comportamento ao artigo 17º, n.º 1, alínea d) do ED.
Na decisão recorrida refere-se quanto a este aspecto:
A respeito da sanção a aplicar no caso de omissão do dever de comunicação dos impedimentos legalmente previstos, o n.º 2 do art.º 51.º do CPA é claro ao estabelecer que tal omissão “constitui falta grave para efeitos disciplinares”.
Ora, a alínea d) do art.º 17.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (doravante, EDTFP), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, que foi aplicada à situação do Autor pelas decisões impugnadas, prevê a aplicação da pena de suspensão “aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando: d) demonstrem desconhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço, do qual haja resultado prejuízos para o órgão ou serviço ou para terceiros” (sublinhado nosso).
Ora, o Autor considera que a omissão daquele dever não é subsumível na previsão normativa do art.º 17.º do EDTFP, porquanto a gravidade da conduta não resulta automaticamente do n.º 2 do art.º 51.º do CPA.
Porém, não tem razão já que este último preceito é suficientemente claro e inequívoco na qualificação da gravidade da conduta do agente que, estando impedido, não comunica tal circunstância ao respetivo superior hierárquico, não tendo o legislador deixado ao aplicador qualquer margem de discricionariedade relativamente à qualificação da conduta.
E, assim sendo, está legitimada a possibilidade de haver lugar à aplicação da pena de suspensão, atenta a redação do preâmbulo do art.º 17.º do EDTFP, nos termos do qual se exige uma conduta de “grave negligência” ou de “grave desinteresse”.
Acresce que o argumento do Autor de que o pedido de parecer por ele enviado ao Diretor Regional de Educação do Norte, após receção do processo disciplinar e antes de ser proferida decisão (ponto 7 dos factos provados), deveria ter sido considerado na medida de pena aplicada em nada altera o juízo acima formulado, pois tais considerações respeitam à graduação da medida da pena (art.os 20.º e seguintes do EDTFP) e não à determinação da pena a aplicar.
Pelo que se conclui pela não verificação do vício de violação de lei por erro nos pressupostos – art.º 17.º do EDTFP.
Também o assim decidido é para manter.

Refere o artigo 17º, nº 1, alínea d) do ED que:
A pena de suspensão é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando: …
d) demonstrem desconhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço, do qual haja resultado prejuízos para o órgão ou serviço ou para terceiros
Por seu lado, refere o artigo 51º, n.º 2, do anterior CPA que a omissão do dever de comunicação a que alude o artigo 45º, n.º 1 constitui falta grave para efeitos disciplinares.
Como se vê do acto que aplicou a pena disciplinar ao recorrente esta foi aplicada nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9º, n.ºs 3 e 4 do artigo 10º e artigo 17º do ED (ver informação referida no n.º 12 da matéria de facto dada como provada). A Sra. Instrutora do procedimento disciplinar no seu relatório final veio concluir que o recorrente incorreu em falta grave para efeitos disciplinares nos termos conjugados dos n.os 1 e 2 do artigo 51.º, 45.º e 44.º, n.º 1, alínea a), todos do CPA, incorrendo em infracção disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e imparcialidade, estabelecidos nas alíneas a), e) e c) do n.º 2 e n.os 3, 7 e 5 do art.º 3.º do ED.
Ou seja, a falta grave referida no relatório final não advém apenas da aplicação do artigo 51º n.º 2, mas também da violação dos artigos 44º e 45º, todos do ED.
A questão levantada pelo recorrente de que não existe qualquer relação necessária entre a “grave negligência” ou “grave desinteresse” e a classificação de uma “falta grave”, é uma não questão. O problema coloca-se em saber se o recorrente ao ter decidido um procedimento disciplinar em que estava em causa matéria igual a um outro que lhe foi também instaurado, actuou ou não com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais. E isto também porque deveria ter informado o seu superior hierárquico que estava impedido de decidir tal matéria. Não há dúvidas, como já referimos, que exercendo o recorrente funções Dirigentes na Administração e sabendo que o processo disciplinar em causa era em tudo idêntico a um outro que corria contra si, ao ter decidido esse processo actuou, no mínimo, com negligência grave. Deveria ter acautelado tal questão e deveria ter-se inibido de decidir tal matéria. Violou, no mínimo, um dever objectivo de cuidado que deveria ter perante matéria tão sensível.
Não é só pelo facto de no artigo 51º, n.º 2, do CPA se falar em falta grave que foi decidida a pena de suspensão ao recorrente, foi também por violação do artigo 44º n.º 1 alí. a) do mesmo Código.
E essa questão colocada também se refere ao disposto nas conclusões KKK) a OOO). Não há dúvidas que se encontra demonstrado com o comportamento do requerente a grave negligência na sua actuação.
Por seu lado refere que não está demonstrado um terceiro requisito constante da alínea d) do artigo 17º que será o prejuízo para o serviço.
Quando se menciona prejuízo para o serviço derivado de uma actuação de um qualquer órgão ou agente da Administração não se está apenas a falar de prejuízo material. Está-se a falar de toda a panóplia de prejuízos que possam advir para o serviço, incluindo os prejuízos morais, onde se deverá incluir o bom nome e/ou o interesse público que deve sempre estar presente na actuação da Administração. Está em causa, neste âmbito o princípio da imparcialidade, pretendendo-se com a sua aplicação proteger a independência das funções públicas e assegurar que actuação da Administração se venha a pautar por princípios objectivos e transparentes.
Ora, a actuação do recorrente ao decidir um processo disciplinar idêntico a um outro que corre contra si, não está certamente a prestigiar a função da Administração Pública. Não está com a sua actuação a dar sinais aos demais cidadãos que ocorre transparência nas decisões da Administração.
Improcedem assim também estas conclusões do recorrente.

VII- Vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação
Nas suas conclusões PPP) a XXX) vem o recorrente invocar vício de forma por falta de fundamentação.
Refere o recorrido que o acto recorrido não se encontra fundamentado uma vez que não se encontra esclarecido porque é que a questão em apreço se subsume ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 44º do CPA, assim como ao artigo 51º, n.º 2 do CPA e artigo 17º alínea d) do ED.
A decisão recorrida refere quanto a este aspecto:
A exigência legal e constitucional (cfr. art.º 268.º, n.º 3, da CRP) de fundamentação do ato administrativo visa, pois, que os seus destinatários possam compreender o ato praticado e dele discordar, dando a conhecer o iter cognitivo e volitivo da Administração e permitindo a defesa do particular, oscilando o grau de exigência da fundamentação em função da natureza do ato administrativo em causa (vide, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10/10/2014, proc. n.º 01932/07.0BEPRT, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/10/2014, proc. n.º 11329/14, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, apenas estará fundamentado o ato que, por revelar os motivos de facto e de direito que estiveram na sua base, com referência à aplicação dos normativos aplicáveis, permita compreender as razões que determinaram aquela concreta atuação administrativa.
No caso dos autos, e conforme factualidade provada, o despacho de 05/06/12, praticado pelo Diretor Regional de Educação do Norte, que aplicou a pena de suspensão ao Autor, graduada em 20 dias, contém fundamentação por remissão para a informação n.º 11/266/GJ/EM, bem como para o relatório final do procedimento disciplinar. O despacho de 25/09/2012, proferido pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo Autor e manteve aquela decisão punitiva, contém igualmente fundamentação por remissão para a informação n.º I/03633/SC/12.
No que respeita à alegada falta de fundamentação dos atos impugnados por não esclarecem a subsunção dos factos na alínea a) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA, julgamos que tal vício não procede. Com efeito, do teor das informações indicadas e do relatório final da instrutora, constam os necessários elementos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário, ora Autor, apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo do mesmo: neles é expressamente referido que foi a circunstância de o Autor ser arguido em processo conexo por factualidade igualmente conexa com o processo do arguido AMRM que levou à conclusão de que aquele estava impedido de tomar qualquer decisão neste último procedimento, ao abrigo do art.º 44.º, n.º 1, alínea a), do CPA, e que, portanto, omitiu o dever de comunicação a que se refere o art.º 45.º, n.º 1, do mesmo diploma.
No que concerne a alegada falta de fundamentação dos atos impugnados por não esclarecem a subsunção da situação em apreço na alínea d) do art.º 17.º do EDTFP, também não procede a alegação do A.
Nos termos daquele normativo, a pena de suspensão é aplicada aos trabalhadores que, com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, “demonstrem desconhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço, do qual haja resultado prejuízos para o órgão ou serviço ”.
Dispõe o n.º 4 do art.º 10.º do EDTFP que “a pena de suspensão varia entre 20 e 90 dias por cada infração, num máximo de 240 dias por ano”.
Segundo o art.º 20.º do EDTFP, “na aplicação das penas atende-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 15.º a 19.º, à natureza, missão e atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do arguido, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade da sua relação jurídica de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”. Nos artigos seguintes estão previstas circunstâncias dirimentes (art.º 21.º), circunstâncias atenuantes especiais (art.º 22.º) e circunstâncias agravantes especiais (art.º 24.º). Todos estes fatores devem ser avaliados e ponderados no caso concreto para se determinar a medida da pena a aplicar ao arguido, pelo que a fundamentação da decisão punitiva deve expressar essa ponderação.
Com efeito, de uma leitura completa do teor do relatório final do procedimento e das informações elaboradas em suporte dos despachos impugnados, constata-se que os mesmos estão suficientemente fundamentados no que respeita à aplicação da pena de suspensão, pena essa que foi graduada em 20 dias, correspondente ao limite mínimo da moldura legal. É possível compreender que tal pena foi aplicada devido à omissão do dever de comunicação do art.º 45.º, n.º 1, do CPA e devido à qualificação legal como grave dessa conduta (à qual não podia corresponder, portanto, a pena de multa prevista no art.º 16º do EDTFP) o que a instrutora do procedimento considerou, e bem, suficiente para subsumir ao art.º 17.º do EDTFP enquanto violação grave dos deveres de prossecução do interesse público, de zelo e de imparcialidade. Ou seja, os atos impugnados contêm os factos e as normas jurídicas que permitem conhecer as razões da aplicação da pena, o que se mostra igualmente compreendido pelo Autor, seu destinatário.
Por outro lado, também no relatório é explicada a razão por que o pedido de parecer enviado pelo Autor à Direção Regional de Educação do Norte, antes de proferir decisão (cfr. ponto 7 dos factos provados), não foi relevado na determinação da pena disciplinar, circunstância que o Autor pretendia que fosse considerada como fator atenuante. Ao que acresce a indicação da inexistência de circunstâncias agravantes ou atenuantes.
É certo que os elementos previstos no art.º 20.º do EDTFP, e que são ponderados na determinação da medida da pena, não aparecem concretizados individual e separadamente na fundamentação das decisões, uma vez que apenas é feita uma referência genérica aos critérios estabelecidos naquele preceito. Tal não permite, porém, concluir pela insuficiência da fundamentação, porquanto esta não tem, por imposição legal, de ser exaustiva, bastando que dê a conhecer ao seu destinatário as razões factuais e de direito por que se decidiu no sentido adotado nos atos e não num outro sentido possível.
Exigência que foi cumprida no caso sub judice, o que determina a não verificação do vício de falta ou insuficiência de fundamentação dos despachos impugnados.
É de referir que o assim decidido também é para manter.

Nos termos da lei, os actos administrativos, quer sejam praticados no exercício de poderes discricionários quer no de poderes vinculados devem, em geral, ser fundamentados (artigo do 124.º do CPA) – isto é, devem conter, de forma clara, congruente, suficiente e concreta, os motivos de facto e de direito que os fundamentam.
A fundamentação de um acto administrativo deve, naturalmente, constar do próprio acto, conquanto que seja expressa, e realizada mediante sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito (...) podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto – (cf. n.º 1 do artigo 125.º do CPA).
Como refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição pág. 391 e sgs., o objectivo essencial e imediato da “ fundamentação é, portanto esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adopção de um acto com determinado conteúdo”.
Como requisitos a preencher para que um acto possa considerar-se fundamentado refere este Ilustre Mestre que: em primeiro lugar tem de ser expressa, ou seja enunciado de modo explícito no contexto do próprio acto pela entidade decisória; em segundo lugar, tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão; e em terceiro lugar tem de ser clara, coerente e completa (obra citada fls. 392 e sgs.).
Na Jurisprudência, dado estarmos perante uma fundamentação por remissão, apenas trazemos à colação o sumário do Acórdão tirado no processo n.º 0554/10 de 02-12-2010, quando refere:
I – Segundo a jurisprudência uniforme deste STA, e atendendo à funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, ao fim instrumental que o mesmo prossegue, um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.
II – A fundamentação por remissão, expressamente prevista no art. 125º, nº 1 do CPA consiste na remissão para os termos de uma informação, parecer ou proposta que contenha, ela mesma, a motivação do acto, de tal modo que essa remissão deve ser entendida no sentido de que o acto administrativo absorveu e se apropriou da respectiva motivação ou fundamentação, que, assim, dele ficará a fazer parte integrante.
No caso em apreço não vemos como pode o recorrente sustentar que o acto não se encontra fundamentado, ou mesmo insuficientemente fundamentado.
O Director Regional do Norte no seu despacho refere: Com os fundamentos constantes da presente informação e do relatório elaborado pela Senhora Instrutora determino que ao arguido LPMG seja aplicada a pena de suspensão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º, n.os 3 e 4 do artigo 10.º e artigo 17.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9.09, graduada em 20 (vinte) dias.
Na informação a que se refere o despacho e no relatório final da Sra. Instrutora vêm referidos os factos em causa nos presentes autos e as normas jurídicas que se aplicam ao caso concreto. Vem descrita toda a situação factual. Encontra-se claramente descrita a razão pela qual se aplicou ao recorrente determinada pena disciplinar.
A fundamentação, como refere v. J.C. VIEIRA DE ANDRADE in O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Coimbra, 1991, p 227 e ss., tem de ser clara, congruente e suficiente. Tem de ser clara, uma vez que uma argumentação dubitativa, ambígua ou obscura, não pode fundamentar uma decisão. Tem de ser suficiente, ou seja, tem de conter os elementos capazes ou aptos a esclarecerem, na óptica do bom pai de família, o sentido da decisão, e tem de ser congruente, porque se deve basear num processo lógico, coerente e sensato, do qual resultou um conjunto de afirmações que não contenham erros de raciocínio.
Por seu lado, a fundamentação tem de permitir a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adopção pelo decisor de um de um determinado acto, com um determinado conteúdo.
Ora, no caso em apreço tendo em atenção o relatório final do procedimento disciplinar e a informação que sustentou directamente a prolação do acto, não pode o recorrente sustentar que não conhece o iter congnoscitivo do decisor, ou seja, os motivos pelos quais lhe foi aplicada uma determinada pena disciplinar. O Relatório Final que faz parte da decisão final, por remissão, contém os motivos de facto e de direito que fundamentam o acto punitivo, pelo que não ocorre falta de fundamentação.
O mesmo se passa com a decisão de indeferimento de recurso hierárquico. O recorrente pode não concordar coma decisão mas não pode é referir que a mesma não se encontra fundamentada. Aliás tando é assim que veio interpor a presente acção e o presente recurso com os fundamentos que já analisámos.

Por todo o exposto, tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida, tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo esta a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto.

3. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida
Custas pelo recorrente
Notifique

Porto, 7 de Outubro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco