Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01426/06.1BEBEG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2010
Relator:Fonseca Carvalho
Descritores:DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL POR RECURSO AOS MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:1 – O recurso aos métodos indirectos de determinação da matéria colectável pela Administração Pública são sempre um meio subsidiário e a Administração Fiscal apenas pode lançar mão deste meio desde que verificados os pressupostos que a lei determina.
2 – A AF apenas pode lançar mão deste meio quando ocorrer a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação correcta da matéria colectável de qualquer imposto – al. b) artº 87º da LGT – devendo também fundamentar as razões de tal impossibilidade – artº 77º nº4 da LGT.
3 – No caso dos autos, constatada que foi a ausência de elementos na escrita da impugnante de onde poderia concluir-se pela veracidade da matéria colectável declarada, a AF que fundamentou o recurso aos métodos indirectos nessa circunstância, estava legitimada para poder socorrer-se de tal método subsidiário, não podendo sustentar-se nesta situação que a actuação da AF se não encontrava fundamentada.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Não se conformando com a sentença do TAF de Braga, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por Cavifafe – Comércio e Distribuição de Vinhos de Fafe, Lda., contra a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios do exercício de 1999, veio o Ministério Público dela interpor recurso para o TCAN, concluindo assim as suas alegações:

1 - A impugnante limita-se a questionar a liquidação em causa pedindo a sua anulação, alegando a falta de requisitos legais que autorizam o recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria tributável;
2 - Não é assacada à fundamentação qualquer vício intrínseco, alguma falta de clareza, congruência ou insuficiência nem que não lhe foi dada oportunidade de rectificar a contabilidade (cfr. art. 125°, do CPA);
3 - tendo a impugnante se limitado a alegar falta de fundamentação substancial estava a M° juiz a quo impedida de apreciar, como fez, a eventual falta de fundamentação formal do recurso a métodos indirectos, pelo que incorreu em excesso de pronuncia, o que acarreta nulidade da decisão que se invoca (cfr. art. 125°, n°1 do CPPT)
5 - A douta sentença recorrida ao considerou provados os factos enunciados sob os n°s 9, que, aliás, se encontram descritos no relatório de inspecção (item IV) demonstram claramente que a contabilidade da impugnante não reflectia a realidade do seu negócio.
6 - consta expressamente do relatório e a Mma. juiz fez constar nos Factos provados que: “(...), não existirem elementos suficientes, na contabilidade do sujeito passivo, para demonstrar se é este exactamente, o valor da matéria tributável declarada pelo mesmo exercício de 1999.
Assim, e de acordo com o disposto na al. b) do art. 87°, da LGT, e ainda alínea a) do art. 88° daquele mesmo diploma, recorre-se à avaliação indirecta, relativamente ao exercício de 1999, na impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, em resultado de anomalia e incorrecções que inviabilizam tal apuramento, nomeadamente:
A inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade... -alínea a) do artigo 88°, da Lei Geral Tributária (...)”
7 - A prova produzida pela impugnante não é suficiente para contrariar e pôr em crise os factos relatados no relatório de inspecção nem sequer para considerar instalada a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário a que se refere o art.° 100.° do CPPT
8 - Em suma, a inspecção tributária fez prova, como lhe competia, da existência e verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos para determinação da matéria tributável da impugnante, de acordo com o disposto nos artigos 84.° do CIVA e 87, al. b) a 90.° da LGT. Por isso, a liquidação adicional impugnada encontram-se devidamente fundamentadas e não padecem de qualquer ilegalidade;
9. Decidindo como decidiu, a M.ma Juiz «a quo» não apreciou correctamente a prova produzida nos autos, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais referidas nestas conclusões.
Pelo exposto e colocando à consideração de Vossas Excelências a apreciação da sentença em crise aguarda-se, agora como sempre, a costumada Justiça.


A recorrida Cavifafe apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1 - A recorrente alegou que não adquiriu as mercadorias à firma espanhola “Bodegas Arnoya de Orense S.L.” B32229809, no aludido montante de 70.458€, que foi detectada no sistema VIES;
2 - E acrescenta que, a aplicação dos aludidos métodos no presente caso é ilegal e não integra nenhuma das situações a que alude o art.º 87.º da LGT, pois a contabilidade da impugnante reflecte a realidade da actividade da empresa na sua íntegra;
3 - Acresce que a recorrente impugnou expressamente o teor dos documentos juntos com o relatório, os quais não são do conhecimento da requerente;
4 – Assim, a liquidação adicional de imposto está assente em meios de prova frágeis e inconsistentes, no que toca à intervenção da recorrente no alegado negócio assim como inexiste fundamento para a aplicação de métodos indirectos
5 – De acordo com a lei e a jurisprudência à Administração cumpre o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação;
6 - Ora, nenhuma prova foi produzida pela Fazenda Nacional no sentido da verificação dos factos tributários que se arrogou para liquidar o imposto e os documentos não usufruem da força probatória a que alude o disposto no art.º 75.º, n.º 3 da LGT;
7 - Pelo que, a Mm.º Juíza “a quo”, bem andou em considerar que não estavam reunidos os requisitos necessários para aplicação dos métodos indirectos dado que os factos recolhidos em sede de inspecção e mencionados no ponto 9 dos factos assentes não aviltaram a força probatória da escrituração da recorrente, nos termos do disposto no n.º 1, daquele art.º 75.º da LGT;
8 - Pelo que, não ocorre a invocada nulidade de excesso de pronúncia, já que se cingiu à alegação da recorrida em sede de petição inicial;
9 - Outrossim, não existe qualquer contradição entre a fundamentação de facto, mormente o constante do ponto 9 dos factos assentes e a decisão de considerar não estarem reunidos os pressupostos para a liquidação adicional do imposto;
10 – Dos elementos fácticos considerados no relatório de inspecção, transcritos como tal no ponto 9, conclui-se que a Administração Fiscal apenas assentou a sua actuação na informação dada pela autoridade tributária espanhola, por declarações prestadas a esta por uma empresa que era absolutamente estranha à recorrida;
11 - Assim, bem andou a Mm.ª Juíza “ a quo” quando, em conformidade com a matéria de facto julgada assente, anulou a liquidação por falta de verificação dos pressupostos para a liquidação adicional e aplicação de métodos indirectos.
12 - Assim, não merece a sentença recorrida qualquer censura e por isso deve ser mantida nos seus precisos termos.

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado, e a sentença ser mantida nos seus precisos termos, com as legais consequências.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal a quo deu como assente:
1. A Administração fiscal procedeu às liquidações adicionais de IVA, n° 03361222, relativo ao ano de 1999, no valor de 4 051,34 €, tendo por data limite de pagamento voluntário 29.02.2004;
2. Foram ainda efectuadas as liquidações adicionais de juros compensatórios do período de 9903, 9906, 9909 e 9912, no valor de 298.72 €, 280.85 €, 262.98 €, 245.10 €, tendo por data limite de pagamento voluntário 29.02.2004;
3. A Impugnante foi submetida a inspecção externa, que teve início em 01.10.2002 e terminou em 29.09.2003 (Fls.2, 36 a 44 do PA);
4. Por carta datada de 01.10.2003 foi notificada da fixação da matéria colectável por métodos indirectos (fls. 33 a 35 do PA apenso);
5. Em 03.11.2003, a impugnante requereu a revisão da matéria tributável, na qual não houve acordo (fls. 67 a 73 dos autos);
6. Por despacho de 02.12.2003, e notificado na mesma data, foi fixada pela Administração Fiscal o valor de 15 796.24 € de IRC e 4051.34 € de IVA, por não ter havido acordo (fis. 33 e 34 do PA);
7. As liquidações de IVA que deram origem a presente execução foram notificadas em 18.12.2003 e 30.10.2003;
8. O Relatório Final foi elaborado em 29.09.2003, consta de fls. 36 a 45 do PA, documento que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Com relevância para a decisão dele consta o seguinte:
IV - Motivos e Exposição dos Factos que implicam o recurso a Métodos Indirectos
(...)
2 - No exercício de 1999, nos períodos correspondentes ao 1º e 2º Trimestres (conforme quadro seguinte), (...)
(...) adquiriu ao fornecedor espanhol - “Bodegas Arnoya de Orense S.L. - b32229809 mercadoria, num total de 70 458 euros, informação esta fornecida através do Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES) e da Agência Tributário Espanhola.
3. Consultado elementos da escrita da empresa constatamos que não foram aquelas compras de mercadorias, ao fornecedor espanhol, contabilizados como aquisições intracomunitárias de bens, por força do disposto no artigo 1° do Decreto-Lei 290/92 de 28 de Dezembro que regulamenta o Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI).
(...)
2. Motivo, âmbito e incidência temporal
(...)
4- Face ao exposto neste relatório de inspecção, concluímos que, sendo o lucro tributável aferido pela realidade contabilística do sujeito passivo, esta deverá verificar todos os requisitos do n° 3 do artigo 17° do Código do imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC) ou seja:
- “Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor “ - alínea a) do n°3 do artigo 17º do CIRC), e, - “Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo....” - alínea b) do n° 3 do artigo 17° do CIRC).
5- Deste modo, e do descrito sobre a escrita da empresa, constata-se, não existirem elementos suficientes, na contabilidade do sujeito passivo, para demonstrar se é este, exactamente, o valor da matéria tributável declarada pelo mesmo exercício de 1999.
Assim, e de acordo com o disposto na alínea b) do artigo 87° da Lei Geral Tributária, e ainda alínea a) do artigo 88° daquele mesmo diploma, recorre-se à avaliação indirecta, relativamente ao exercício de 1999, na impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, em resultado de anomalias e incorrecções que inviabilizam tal apuramento, nomeadamente:
“A inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade...- alínea a) do artigo 88° da Lei Geral Tributária.(...)”
10.A Impugnante deduziu, em 13.02.2004, impugnação judicial á qual foi atribuído o n° 125/04.3 BEBRG, sendo absolvida a Fazenda Pública da instância, tendo a referida sentença transitado em julgado em 02.10.2006;
11. Em 20.10.2006 foi deduzida a presente impugnação.

Foi perante esta factualidade que a Mª Juiz “a quo”passou a apreciar as questões que lhe foram postas e importava decidir e que no fundo se prendiam com a invocada caducidade do direito de liquidação por a Impugnante referir não ter sido notificada da liquidação do imposto dentro do prazo da caducidade e ainda com a inexistência dos pressupostos fundamentadores da aplicação dos métodos indirectos na determinação da matéria colectável, bem como, por último, a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios.
Concluindo pela inexistência desta excepção por ficar provado que a notificação da liquidação do IVA ocorreu dentro do prazo dos 4 anos a que se refere o artigo 45º nº2 da LGT e não ser de aplicar o nº2 do artigo citado.
Debruçou-se depois a Mª Juiz sobre a questão de saber se “in casu” se verificavam os pressupostos da aplicação dos métodos indirectos e considerando que a Administração Fiscal não explicou as razões pelas quais é impossível o recurso à avaliação directa, partindo de imediato para a aplicação dos métodos indirectos, considerou não estar fundamentado o recurso subsidiário da aplicação dos métodos indirectos na determinação da matéria colectável pelo que julgou procedente a Impugnação e anulou as liquidações impugnadas.
O Ministério Publico como se vê do teor das suas alegações de recurso e conclusões não se conforma com esta decisão e diz que a sentença enferma de erro de julgamento quanto à avaliação dos elementos de prova carreados para os autos e enferma igualmente do vicio de violação de lei por errada interpretação dos artigos 84º do CIVA e 87º al. b) e 90 da L.G.T.
Cumpre decidir:
Uma vez que as partes não questionaram a matéria de facto levada ao probatório da sentença os Juízes deste TCAN, dão aqui por provados todos os factos constantes do probatório da sentença, para todos os efeitos legais.
Se bem analisarmos a dissenção ou desconformidade do Ministério Publico em relação à sentença verificamos que o Ministério Publico considera errado que a Mª Juiz tenha decido a questão invocando a existência do vicio de fundamentação da aplicação dos métodos indirectos por considerar que o que foi invocado foi a inexistência dos pressupostos de facto que legitimariam a Administração Tributaria a usar o poder correctivo da matéria colectável declarada como aconteceu no caso “sub júdice”.
Para a Mª Juiz a Administração Fiscal e mais concretamente a Inspecção Tributaria não explicaram as razões pelas quais consideraram ser impossível o recurso à avaliação directa e tendo em conta o disposto no art. 87 al. b) e 88º ambos da LGT considerou existir falta de fundamentação do recurso a estes métodos e a liquidação deles decorrente eivada do vicio de violação de lei.
Todavia, em nosso entender, a Mª Juiz “a quo” não apreciou e avaliou como devia os factos constantes do relatório e que levou ao probatório da sentença. Efectivamente consta do ponto 5 de folhas 8 do relatório incerto no PA anexo, que não existiam elementos suficientes na contabilidade do sujeito passivo para demonstrar a veracidade da matéria tributável declarada relativamente ao exercício de 1999.
Por isso, tendo em conta o disposto na al. b) do art. 87º da LGT, a Administração lançou mão dos métodos indirectos para determinar a matéria tributável face à insuficiência dos elementos constantes da contabilidade da impugnante que deveria tê-los nessa contabilidade pois só assim a mesma faria presumir verdadeira e de boa fé a declaração apresentada pela Impugnante cfr. art. 75º da LGT.
Constata-se assim que os pressupostos legitimadores da aplicação dos métodos indiciários na determinação da matéria colectável se verificavam neste caso e que podem sintetizar-se da seguinte forma:
Ausência de elementos na escrita da Impugnante suficientes e capazes de alicerçar a matéria tributável declarada;
Impossibilidade de comprovação dessa mesma matéria derivada dessa ausência de elementos o que tudo é da responsabilidade da Impugnante.
Sendo assim, a sentença recorrida que não ponderou estes factos sofre de erro de julgamento quer quanto à matéria de facto, como acabou de se deixar dito quer quanto à interpretação da lei na medida em que afrontou os artigos 87 d) e 88º da LGT.
Todavia, se bem atentar-mos no pedido da Impugnação constata-se que a mesma questionou a liquidação dos juros compensatórios alegando não haver fundamento para os mesmos.
Mas não tem razão.
Os juros compensatórios vêm previstos nos artigos 94º do CIRC e no artigo 89º do CIVA e são devidos sempre que por facto imputável ao contribuinte for retardada a liquidação e serão fixados nos termos do art. 35º da LGT sendo que a sua taxa é a legal fixada nos termos do nº1 do art. 559º do Código Civil por força do nº10 do art. 35º da LGT.
No caso dos autos está provado que o atraso da liquidação se deveu a culpa do contribuinte, pelo que, não tendo a Impugnante alegado causa alguma que implique a anulabilidade da sua liquidação, esta não merece censura.
Face a todo o exposto, acordam os Juízes do TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a Impugnação totalmente improcedente.
Custas pela Recorrida apenas em 1ª instância.
Notifique e Registe.
Porto, 14 de Julho de 2010
José Maria da Fonseca Carvalho
Francisco Rothes
Álvaro Dantas