Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02794/04 - VISEU
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2010
Relator:Francisco Rothes
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA - IRC - DEDUTIBILIDADE DE CUSTOS - FACTURA FALSA - ÓNUS DA PROVA DA REALIDADE DAS OPERAÇÕES
Sumário:I - Para que em sede de impugnação judicial seja proferido julgamento de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 287.º, n.º 1, alínea e), do CPC) com fundamento na prescrição da obrigação tributária que teve origem na liquidação impugnada, exige-se que estejam disponíveis do processo todos os elementos que permitam concluir com segurança nesse sentido, designadamente todos os elementos necessários à apreciação de eventuais causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos.
II - Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que uma factura que documentava custos não correspondia a operações reais, motivo por que desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquela factura, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os “factos-índice” – indícios objectivos e credíveis – que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais), competindo depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.
III - Não basta ao contribuinte criar dúvida a esse propósito pois o art. 121.º, n.º 1, do CPT, em vigor à data, não logra aqui aplicação, pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente na determinação da matéria colectável os custos que diz ter suportado, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.
IV - Sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cf. art. 115.º, n.º 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cf. art. 655.º do CPC), deve o tribunal pautar a sua actividade de valoração da prova apresentada para convencer da realidade das operações e/ou da sua dimensão pautar por critérios de exigência e rigor, não servindo esse desígnio a prova documental inconcludente e a prova testemunhal contrariada pelos elementos recolhidos pela AT.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma acção de fiscalização à “Corticeira , Lda.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) e considerando que esta sociedade registara na sua contabilidade como custo um montante de Esc. 1.008.000$00 suportado por uma factura que não corresponde a operação real, desconsiderou aquele custo e procedeu à correcção do lucro tributável declarado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1995, fazendo-lhe acrescer o montante daquela factura. Consequentemente, procedeu à liquidação adicional do imposto e respectivos juros compensatórios, de que resultou o montante a pagar pela Contribuinte de Esc. 497.123$00.

1.2 A Contribuinte impugnou esta liquidação, sendo que a factualidade alegada suporta apenas os vícios de preterição de formalidade legal, de falta de fundamentação e de erro nos pressupostos de facto. Nos termos da sua alegação,
– verifica-se a preterição de formalidade legal prevista nos n.ºs 4 e 5 do art. 75.º do Código de Processo Tributário (CPT), porque a Contribuinte foi objecto de exame à escrita em 1996, sendo que nunca recebeu o respectivo relatório e apenas em 1998 foi notificada de um relatório de inspecção, mas este subscrito por um funcionário que nunca procedeu a qualquer exame à sua contabilidade;
– no referido relatório põe-se em causa a «autenticidade da factura nº 623 de 20.06.1995» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.), mas essa conclusão padece de falta de fundamentação, que se repercute na liquidação impugnada;
– há erro nos pressupostos de facto, porque a factura que a AT entendeu não titular operação real corresponde a efectiva prestação de serviços efectuada à Impugnante pela sociedade que a emitiu, não podendo a AT afastar a presunção decorrente do art. 78.º do CPT (() Em vigor à data dos factos. Hoje, corresponde-lhe o art. 75.º da Lei Geral Tributária.).

Concluiu pedindo ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro a anulação da liquidação impugnada.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (() Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro foi extinto e sucedeu-lhe na sua competência o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.) julgou a impugnação improcedente. Isto, em síntese, porque fez constar da factualidade que deu como assente a seguinte asserção: «a factura nº 623 de 20.06.1995, emitida a favor da Impugnante pela “CORTICEIRA MOREIRA , LDA” não correspondeu à efectiva prestação de serviços aí identificados».
Na sequência dessa afirmação, entendeu que bem andou a AT ao desconsiderar, como desconsiderou, os custos suportados por aquele documento e que a Impugnante não logrou demonstrar, como considerou competir-lhe, a realidade das operações a que se refere a factura pois para esse efeito apenas apresentou prova testemunhal, sendo que as testemunhas «nada sabiam sobre o que está posto em crise nos presentes autos».
Considerou ainda que o relatório da fiscalização constitui fundamentação «clara, coerente e concreta» do acto impugnado.
Mais considerou que «o facto da ora Impugnante ter recebido as conclusões do relatório em 23-03-1988 (data em que se concluiu todo o processo de investigação e se chegou a conclusões concretas que permitiram fundamentar as correcções efectuadas), assinadas por um perito diferente daquele que efectuou a recolha de elementos em 26-09-1996, não põe em causa as liquidações reclamadas, visto que a visita efectuada pelo Perito em 26-09-1996 não revestiu o carácter de «Exame à Escrita» mas sim de fiscalização cruzada com vista à recolha de elementos considerados necessários…».

1.4 Inconformada com essa sentença, a Impugnante dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
« 1) A decisão recorrida ao referir na sua fundamentação que as testemunhas “nada sabiam”, implica, salvo o devido respeito por melhor opinião, a nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o juiz devia apreciar, pela oposição dos fundamentos com a decisão e não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão – artº. 125 do CPPT e artº 668 nº 1 alíneas b), c) e d), do CPC.
2) Ao contrário do referido pelo Tribunal “a quo” e conforme o depoimento de fls. 32 e 33 dos autos, cujas transcrições foram efectuadas supra, as duas testemunhas indicadas pela impugnante referem ambas que esta mantinha relações comerciais com a “Corticeira Moreira do Couto, Lda.”.
3) Referem, ainda, ambas as testemunhas que a “Corticeira Moreira , Lda.” prestava serviços de transporte para a impugnante no carregamento de fardos de cortiça, e que a impugnante não tinha empregados para poder fazer tais carregamentos.
4) O Tribunal “a quo” nunca podia dar como assentes os factos da alínea c) da decisão recorrida, pois, o facto de a factura nº. 623 não ter uma sequência temporal anterior ou posterior relativamente a outras só por si não chega para se saber se determinada relação comercial existiu ou não? Para além de que, tal facto não pode ser imputável à ora impugnante.
5) Por uma questão de facilidade a administração fiscal mete umas e outras no mesmo saco, ou seja, que são todas falsas as facturas, mas, do próprio relatório da administração fiscal resulta que a “Corticeira Moreira , Lda.” exercia efectivamente uma actividade comercial, tinha empregados, armazém/fábrica e outros bens móveis, incluindo veículos automóveis.
6) Por isso, a ser correcto o entendimento perfilhado na douta sentença posta em crise, não era necessária a existência de tribunais para sindicar os actos praticados pela Administração fiscal, pois esta, segundo aquele entendimento é infalível !!??
7) A decisão do Tribunal “a quo” violou claramente o princípio do contraditório – artº 3 nº 3 do CPC, já que foram juntos aos autos os documentos comprovativos do pagamento da transacção comercial relativamente à factura nº. 623 e tais documentos não foram impugnados pelo Representante da Fazenda Pública.
8) Não podia o Tribunal “a quo” ter dado como provados os factos constantes da alínea C), pois da prova documental e da prova testemunhal resulta precisamente o inverso, ou seja, que a relação comercial é real e existiu.
9) Atento o referido nas alíneas anteriores tal matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” deverá ser retirada da sentença – artº 712 nº 1 alínea b) e nº 3 do CPC.
10) A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu está ferida de vício de violação de lei por preterição de formalidades essenciais e por falta de fundamentação do acto tributário – artºs 75 nº 4 e nº 5 do CPT e 268 da CRP. Na verdade,
11) não está em causa saber se no ano de 1996 foi efectuado um “Exame à Escrita” ou uma fiscalização cruzada, o que interessa é o que serviu de base à liquidação do acto tributário no ano de 1998 não foi precedido de qualquer comunicação ao contribuinte do exame à escrita, nem foi precedido de exame concreto à escrita – artº 60 nº 1 alíneas a) a e) da Lei Geral Tributária.
12) A notificação efectuada à ora recorrente em Março de 1998 e que deu origem à liquidação do imposto é feita, apenas, em 3 folhas, de forma inadequada, deficiente e com falta de fundamentação (V. Proc. Reclamação Graciosa apensa aos presentes autos – Vol. II – Proc. Administrativo).
13) A inspecção Tributária não pôs em causa a contabilidade da ora recorrente (nem podia, porquanto não foi efectuado qualquer exame à escrita por a inspecção que efectuou o relatório no ano de 1998), mas sim da “Corticeira Moreira do Couto, Lda.”, a que a ora recorrente é completamente estranha e de forma alguma poderá ser responsável pela mesma.
14) No caso concreto, já decorreram mais de 10 anos a partir da data em que ocorreu o facto tributário, pelo que, o imposto dos presentes autos já prescreveu o que se alega e para os devidos efeitos legais – artº 48 nº 1 e 49 nº 2, ambos da Lei Geral Tributária e art. 297 do C.Civil (V. Ac. STA de 1-10-2003- Proc. nº 1848/02 – 2ª Secção)
15) A douta sentença do Tribunal “A quo” violou, entre outros preceitos legais, o disposto nos artºs 121 nº 2, artº 125, ambos do CPPT, artº 3 nº 3, 668 nº 1 alíneas b), c) e d), 712 nº 1 alíneas b) e nº 3, todos do CPC, 75 nº 4 e nº 5 do CPT, artºs 48, 49 e 60, todos da Lei Geral Tributária, artº 268 nº 3 da CRP e artºs 21, 82, 124 e 125 do Código de Procedimento Administrativo.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito doutamente supríveis por V.Exªs, deve o presente recurso ser recebido e a final ser considerado procedente e provado, com as legais consequências».

1.6 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.7 A Juíza considerou que a sentença não enfermava de qualquer nulidade.

1.8 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
Para tanto, depois de proceder à análise exaustiva da prova produzida nos presentes autos, concluiu que bem andou a sentença ao dar como não demonstrado que a factura em causa corresponda a serviços realmente prestados.

1.9 Os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos.

1.10 As questões suscitadas pela Recorrente, na interpretação que fazemos das suas alegações, são as seguintes:
– a prescrição da obrigação tributária subjacente à liquidação impugnada (cf. conclusão com os n.ºs 14 e 15);
– saber se a sentença enferma das nulidades por falta de pronúncia, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão (cf. conclusões com os n.ºs 1 e 15);
– saber se a sentença fez correcto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar os depoimentos das testemunhas e relevar apenas os elementos em que a AT suportou a correcção da matéria tributável e a liquidação impugnada (cf. conclusões com os n.ºs 2 a 9);
– saber se a sentença fez correcto julgamento de direito
· ao considerar que o exame à escrita não enfermava do vício de preterição de formalidade legal, a repercutir-se na validade da liquidação (cf. conclusões com os n.ºs 10 e 11);
· ao considerar que a liquidação não padecia de falta de fundamentação (cf. conclusões com os n.ºs 10 e 12);
· ao considerar que a AT estava legitimada para corrigir a matéria tributável declarada, desconsiderando o custo a que se refere a factura em causa (cf. conclusão com o n.º 13).

*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos, que ora transcrevemos ipsis verbis:

« FACTOS PROVADOS:

Em face dos elementos juntos aos autos, com base no teor dos documentos identificados em cada uma das seguintes alíneas, bem como nas regras de experiência comum, considero assente, com interesse para a decisão da causa que:
A) A impugnante exerce a actividade de “comércio por grosso de cortiça”, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação, dispondo de contabilidade regularmente organizada (cfr. fls. 2 dos autos, e fls. 30 do Volume I do Processo Administrativo apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
B) Na sequência de uma acção de fiscalização cruzada, e de exame à escrita, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IRC, e respectivos juros compensatórios, referente ao período de 1995, com fundamento em correcções técnicas (cfr. fls.1 a 55 do Volume I do Processo Administrativo apenso aos autos, e fls. 5 do Volume II do Processo Administrativo apenso aos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
C) A factura nº 623 de 20.06.1995, emitida a favor da Impugnante pela “CORTICEIRA MOREIRA , LDA” não correspondeu à efectiva prestação de serviços aí identificados, pois “… a factura número 623 (doc. 62), datada de 20 de Junho de 1995, embora de numeração superior, tem data anterior à factura de numeração inferior, a seguir discriminada: [cfr. último quadro de fls. 32], (cfr. fls. 1 a 55 do Volume I do Processo Administrativo apenso aos autos, sobretudo ponto 6.2.1.4., ponto 7, ponto 7.1. e ponto 7.1.2.3., e fls. 39 e 54 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
D) Em 1998-08-17, a impugnante reclamou para o Director Distrital de Finanças de Aveiro (cfr. carimbo aposto a fls. 2 do Volume II do Processo Administrativo apenso aos autos), a qual veio a ser indeferida com os fundamentos da decisão se encontram a fls. 52 a 55 e 60 do Volume II do Processo Administrativo apenso aos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
E) Em 2000-12-04, a impugnante apresentou no Serviço de Finanças da Feira – 3ª a presente impugnação judicial.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provaram quaisquer dos factos alegados na douta petição – se bem que quase todas as asserções aí insertas constituam antes meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito –, em resultado da ausência e/ou da contraditoriedade da prova produzida, pois atendendo ao apurado em sede de fiscalização, incumbia à impugnante demonstrar que, não obstante, as aludidas transacções haviam realmente sido realizadas.
Nem mesmo a prova testemunhal logrou provar o alegado pela impugnante pois ambas as testemunhas nada sabiam sobre o que está posto em crise nos presentes autos».

2.1.2 Pese embora a sentença não os tenha registado no local próprio, descortinamos ainda na sentença as seguintes considerações relativamente à apreciação crítica da prova:

«[…] apesar de ter apresentado como prova documental fotocópia de cheque emitido em nome da “CORTICEIRA MOREIRA , LDA., no mesmo valor da factura em causa, o facto é que tal por si só e em face da prova produzida nos autos – consubstanciada sobretudo no relatório da fiscalização […] não põe em causa a conclusão que acima se indicou.

Conclusão que igualmente se impõe em face da realização da inquirição das testemunhas arroladas, e que como ficou demonstrado nos autos e consta da Acta de Inquirição de fls. 31 a 34, a Impugnante não logrou contrariar a matéria dada por assente e que bem dá nota de todo o processo utilizado para emissão de facturação sem correspondência nas prestações de serviços nelas mencionadas».

2.1.3 Não podemos concordar com os termos em que o julgamento de facto foi efectuado pela 1.ª instância, maxime com o teor da alínea C), pelos motivos que exporemos adiante, no ponto 2.2.3.
Assim, ao abrigo dos poderes que nos são concedidos pelo art. 712.º, n.º 1, alínea a), do CPC, entendemos retirar do probatório essa alínea C), mantendo-o no demais, bem como aditar-lhe outros factos, que reputamos de interesse para a decisão a proferir:
F) Em 26 de Setembro de 1996 um funcionário dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Aveiro notificou Arnaldo José Pereira, na qualidade de sócio gerente da sociedade ora Impugnante para apresentar cópia do cheque destinado ao pagamento da factura dita em C) (cf. cópia da notificação a fls. 6 do processo de reclamação graciosa em apenso);
G) Em 4 de Fevereiro de 1998 foi elaborado um relatório de fiscalização da sociedade ora Impugnante, no âmbito do qual a AT, para além do mais, propunha a desconsideração como custo fiscal do ano de 1995 do montante de Esc. 1.008.000$00, por a factura que o suportava, dita em C), «não titular quaisquer aquisições de prestações de serviços» (cf. o referido relatório de fls. 1 a 43 do processo administrativo em apenso);
H) Por ofício datado de Março de 1998, foi remetida à sociedade ora Impugnante cópia das conclusões desse relatório (cf. cópia do ofício a fls. 10 do processo de reclamação graciosa em apenso);
I) Por ofício registado em 21 de Abril de 1998, a sociedade foi notificada das correcções efectuadas à matéria tributável declarada para efeitos de IRC do ano de 1995 em virtude da desconsideração do custo fiscal referida em G) (cf. cópia do ofício e do respectivo talão de registo a fls. 56 e 57 do processo administrativo em apenso);
J) Na sequência dessas correcções, a AT efectuou a liquidação adicional dita em B) (cf. o processo administrativo em apenso e cópia do documento de cobrança respeitante a essa liquidação a fls. 5 do processo de reclamação graciosa em apenso);
K) No descritivo da factura dita em C) consta que os serviços prestados se referem a «Sedencia [sic] de 5 empregados da N/ Firma 12 dias homens», «Sedencia [sic] de 2 empregadas da N/ Firma 12 dias Mulheres», « Sedencia [sic] da carrinha da N/ Firma 12 dias» e «Sedencia [sic] da Caldeira 12 dias» (cf. cópia da factura a fls. 39 do processo administrativo em apenso);
L) A sociedade denominada “Corticeira Couto, Lda.” sucedeu nas instalações, no equipamento e no pessoal à sociedade denominada “Corticeira , Lda.” que, por sua vez, sucedeu à “Corticeira Moreira , Lda.”, sendo que todas elas tinham como gerente efectivo Manuel Pereira Dias que, antes também exerceu actividade em nome individual e no de sua mulher, Noémia Moreira de Couto Dias (cf. o relatório de exame à escrita, maxime fls. 2 a 41, no processo administrativo em apenso);
M) Entre todos, desde 1986 emitiram facturas sem correspondência à realidade no valor de cerca de Esc. 6.000.000.000$00 (idem);
N) A sociedade denominada “Corticeira Moreira , Lda.” não apresentou à AT a sua escrita relativamente aos anos de 1993 a 1995, não obstante ter sido notificada para o efeito e sempre se apresentou perante os serviços do IVA na situação de credora de imposto (idem);
O) A mesma sociedade dedicava-se apenas ao fabrico de rolhas e não tinha caldeira, sendo que, quando precisava de cozer a cortiça, o fazia na caldeira de Fernando de Jesus Moreira Monteiro, em Rio Meão (cf. as declarações de Maria Emília Moreira do Couto Jesus, Maria de Fátima Moreira Couto, sócias e trabalhadoras da “Corticeira Moreira Couto, Lda.”, prestadas perante os serviços de fiscalização);
P) Aquela sociedade não prestava serviços a terceiros (idem);
Q) A sociedade só dispunha de um veículo, ligeiro de mercadorias, com a matrícula JD-00-30, o qual era conduzido pelos seus empregados (idem);
R) Armando Pereira Dias não era empregado da “Corticeira Moreira , Lda.” (idem);
S) A factura dita em C) tem o n.º 623 e data de 20 de Junho de 1995, enquanto as facturas emitidas pela mesma sociedade com o n.ºs 620 e 678 têm datas de 23 de Junho de 1995 e de 6 de Junho de 1995, respectivamente (cf. o relatório de exame à escrita, maxime fls. 32/33, no processo administrativo em apenso).

2.1.4 Deixaremos a análise crítica da prova para momento ulterior, no ponto 2.2.3.

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2.2 DE DIREITO
2.2.1 DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
2.2.1.1 Vem a Recorrente, em sede de recurso, invocar a prescrição da obrigação tributária decorrente da liquidação impugnada.
Como é sabido, a prescrição da obrigação tributária não pode constituir fundamento da impugnação da liquidação pois respeita, não à validade deste acto, mas à exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Ou seja, a prescrição da obrigação tributária determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva.
Assim, a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – como deve ser, nos termos do art. 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – é a execução fiscal, onde o executado pode arguí-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).
Em todo o caso, o prosseguimento da impugnação, no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, constitui acto inútil: a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução, caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 287.º, n.º 1, alínea e), do CPC) (() Neste sentido,
· na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 5 ao art. 99.º, pág. 708/709, e II volume, anotação 4 ao art. 175.º, pág. 205, e Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, págs. 21 a 23;
· na jurisprudência, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 16 de Janeiro de 2008, proferido no processo com o n.º 451/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32210.pdf), págs. 38 a 42 e com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/22e98ba36e893ecc802573d90040950e?OpenDocument;
– de 11 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 659/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 378 a 384, e com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1b119221f4bccaa48025757b00441aaa?OpenDocument.).
No entanto, a nosso ver, a referida possibilidade de conhecer prejudicialmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, pág. 22.), tanto mais que, se a obrigação tributária estiver realmente prescrita, sempre a prescrição deverá ser conhecida oficiosamente na execução fiscal, bem como sempre o impugnante aí poderá invocá-la com sucesso, nos termos que deixámos já referidos.
Sem prejuízo do que deixámos exposto, sempre diremos que os elementos constantes dos autos, por si só, nunca autorizariam a conclusão de que a obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada está prescrita.

2.2.1.2 No caso, porque estamos perante IRC do ano de 1995, suscita-se desde logo uma questão de sucessão de leis no tempo: à data em que ocorreram os factos, o art. o art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPT, fixava o prazo da prescrição em dez anos a contar do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário. Entretanto, em 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT) (() Cf. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma legal que aprovou a LGT.), que veio regular a matéria da prescrição da obrigação tributária nos seus arts. 48.º e 49.º, encurtando o prazo da prescrição, de dez para oito anos (cf. art. 48.º, n.º 1).
Para se decidir a questão da sucessão das leis no tempo, impõe-se observar o disposto no art. 297.º, n.º 1 do Código Civil (CC) (() Disposição legal que dispõe: «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».), aplicável ex vi do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT. Vejamos:
Se o prazo da prescrição, que teve o seu termo inicial em 1 de Janeiro de 1996, tivesse corrido ininterruptamente e sem qualquer suspensão até 1 de Janeiro de 1999 (sendo que a respectiva averiguação se fará à luz da legislação então em vigor), o prazo aplicável seria o de dez anos previsto no art. 34.º do CPT – pois nesta última data só faltariam sete anos para o termo do prazo, ou seja, menos que os oito anos fixados pela LGT como prazo de prescrição.
No entanto, os elementos disponíveis nos autos permitem-nos verificar que em 17 de Agosto de 1998 a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação. O que significa que, pelo menos nessa data, se interrompeu o prazo da prescrição, nos termos do disposto no art. 34.º, n.º 3, do CPT.
Assim, se não houve qualquer outra causa de interrupção anterior que cumpra relevar, o que os autos não nos permitem afirmar com segurança, então será de concluir pela aplicação do prazo de prescrição de oito anos, previsto na LGT, uma vez que a interrupção do prazo determinada pela instauração da reclamação graciosa (na ausência de paragem por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte) tem como efeito a inutilização de todo o tempo do prazo, nos termos do disposto no art. 326.º, n.º 1, do CC. Donde, em 1 de Janeiro de 1999, por força da inutilização do prazo da prescrição decorrente do efeito instantâneo do facto interruptivo, não tinha corrido nenhum prazo para a prescrição e, como tal, porque faltava mais tempo para se completar o prazo do CPT do que o prazo fixado na LGT, é de aplicar este último, a contar da data do início da vigência desta Lei.
Nesse caso, e se após 1 de Janeiro de 1999 não tiverem ocorrido outros motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição (sempre na legislação em vigor à data) para além da instauração da impugnação judicial em 4 de Dezembro de 2000, facto a que a lei em vigor (art. 49.º, n.º 1, da LGT) atribui efeito interruptivo do prazo, não se terá ainda completado o prazo de prescrição de oito anos. Vejamos:
Mesmo levando em conta que a impugnação judicial terá parado em 10 de Maio de 2002 e assim se terá mantido durante mais de um ano, a aguardar despacho judicial (cf. fls. 21 e 22), o que determinará que o efeito interruptivo decorrente da instauração da impugnação se degrade em suspensivo, nos termos do n.º 2 do art. 49.º da LGT, na redacção inicial do preceito (() A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007), através do seu art. 83.º-B, revogou o n.º 2 do art. 49.º da LGT. No entanto, à data da sua entrada em vigor – 1 de Janeiro de 2007 (cf. o seu art. 163.º) – já se tinha verificado a paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano.), haverá que adicionar o tempo decorrido desde o seu termo inicial até à data da instauração da impugnação judicial (desde 1 de Janeiro de 1999 até 4 de Dezembro de 2000, ou seja, 11 meses e 4 dias), com o decorrido após um ano da paragem até à data (desde 11 de Maio de 2003 até ao presente, ou seja, 6 anos e 10 meses), o que ainda não perfaz os oito anos.
Tudo isto, reiterámos, sem prejuízo da eventual existência de outras causas de interrupção ou de suspensão que se imponha considerar na contagem do prazo, o que não podemos ponderar, porque os autos não fornecem elementos para tanto.

2.2.2 DAS NULIDADES DA SENTENÇA
A Recorrente arguiu a nulidade da sentença por falta de pronúncia, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Começando pela alegada oposição entre os fundamentos e a decisão, a Recorrente, salvo o devido respeito, não substancia minimamente a invocação dessa nulidade. Como é sabido, essa nulidade «apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão» (() JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, I volume, anotação 9 ao art. 125.º, pág. 910.).
Ora, compulsadas as alegações de recurso, nelas não vislumbramos qualquer alusão a eventual oposição entre os fundamentos invocados pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e a decisão. O que a Recorrente alegou, como suporte daquela nulidade, foi que não é verdade a afirmação feita na sentença, de que «ambas as testemunhas nada sabiam sobre o que está posto em crise nos presentes autos», uma vez que ambas se pronunciaram sobre os factos controvertidos em depoimento «isento, credível e objectivo». Ou seja, sob a veste da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, o que a Recorrente invoca é, afinal, o erro no julgamento da matéria de facto.
Quanto às invocadas nulidades da sentença por falta de pronúncia e por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a alegação da Recorrente, sempre salvo o devido respeito, é de todo ausente. A única alusão que encontramos a esses vícios ao longo das alegações de recurso é do seguinte teor:
«Para a ora recorrente, é manifesto que a decisão recorrida está em oposição com os fundamentos, o que salvo o devido respeito por melhor opinião, gera a nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o juiz devia apreciar e não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão – artº 668 n º1 alíneas b) c) e d) do CPC, o que se alega para os devidos efeitos legais»
Essa alegação, manifestamente, não é apta a suportar a invocação das nulidades por omissão de pronúncia (que ocorre quando o juiz deixe de conhecer de questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja solução não esteja prejudicada pela solução dada a outras) e por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito (que se verifica quando o juiz não discrimine, de entre os factos relevantes para a decisão, os que considera provados e não provados e não faça o exame crítico das provas e quando não indique as normas legais, os princípios jurídicos ou a doutrina jurídica em que se baseia). A Recorrente parece deduzir estas nulidades, tão-só, da verificação da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão. Ora, não só tal dedução é de todo injustificada, como também, nos termos que deixámos já referidos, não se verifica aquela oposição ou contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.
Assim, improcedem as invocadas nulidades da sentença.

2.2.3 DO ERRO NO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO EFECTUADO EM 1.ª INSTÂNCIA
2.2.3.1 Na alínea C), de forma anómala, registou-se uma conclusão que, por si, encerra a solução da causa: «A factura nº 623 de 20.06.1995 emitida a favor da Impugnante pela “CORTICEIRA MOREIRA , LDA” não correspondeu à efectiva prestação de serviços aí identificados». Aí se registaram também os fundamentos que alicerçaram essa conclusão e que teriam sede própria em sede da apreciação crítica da prova: «[…] pois “… a factura número 623 (doc. 62), datada de 20 de Junho de 1995, embora de numeração superior, tem data anterior à factura de numeração inferior […]».
Ora, salvo o devido respeito, não deveria ter-se levado tal conclusão ao probatório.
O que a sentença deveria ter levado ao probatório eram os factos constantes do relatório da AT e a que, na ponderação que fez (se bem que fora do local onde se propôs efectuar a análise crítica da prova), a Juíza do tribunal a quo deu preponderância relativamente aos elementos de prova apresentados pela Impugnante, para concluir que a factura em causa não correspondia a serviços efectivamente prestados ou, pelo menos, que a Impugnante não logrou demonstrar a realidade dessa correspondência.
O que nos leva, de imediato, a tecer alguns considerandos em torno da distribuição do ónus da prova.

2.2.3.2 Para a boa compreensão dos termos em que se coloca a questão a dirimir, cumpre relembrar que nos casos, como o presente, em que o acto da Administração se traduz no não reconhecimento pela AT do direito do contribuinte a relevar negativamente na sua matéria tributável para efeitos de IRC os custos suportados com base em facturas que reputa de falsas, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a afirmar que à AT compete comprovar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, isto é, cumpre reunir e demonstrar “factos-índice” de que as facturas não correspondem à realidade, a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas que documentam esses custos na escrita do contribuinte são simuladas; feita essa prova, competirá ao contribuinte demonstrar a existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente na sua matéria tributável, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 121.º do CPT (em vigor à data dos factos) não tem aplicação. Na verdade, o ónus consagrado no art. 121.º, n.º 1, do CPT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente na sua matéria tributável.
Dito isto, passemos agora à análise crítica da prova.

2.2.3.3 Para afirmar que a Impugnante não logrou a prova da realidade das operações referidas na factura em causa a sentença não se ateve, ao contrário do que parece sugerir a Recorrente, ao facto de essa factura «não ter uma sequência temporal anterior ou posterior relativamente a outras». A sentença afirma que ponderou toda a prova produzida nos autos, designadamente a prova documental apresentada pela Impugnante – o cheque que a Impugnante afirma ter servido para o pagamento da factura em causa – e a prova testemunhal por ela oferecida. Assim, na sentença ficou dito que ««[…] apesar de ter apresentado como prova documental fotocópia de cheque emitido em nome da “CORTICEIRA MOREIRA , LDA., no mesmo valor da factura em causa, o facto é que tal por si só e em face da prova produzida nos autos – consubstanciada sobretudo no relatório da fiscalização […] não põe em causa a conclusão que acima se indicou» e que esta conclusão – da não realidade das prestações de serviços referidas naquela factura «igualmente se impõe em face da realização da inquirição das testemunhas arroladas, e que como ficou demonstrado nos autos e consta da Acta de Inquirição de fls. 31 a 34, a Impugnante não logrou contrariar a matéria dada por assente e que bem dá nota de todo o processo utilizado para emissão de facturação sem correspondência nas prestações de serviços nelas mencionadas».
No julgamento da matéria de facto – um dos momentos mais delicados e mais nobres da missão de julgar confiada aos Tribunais no seu desígnio constitucional de aplicação da justiça – deve o juiz dar conta, ainda que sumariamente, da ponderação em concreto das provas que determinou o sentido do seu juízo (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e arts. 653.º, n.º 2, e 659.º, n.º 2, do CPC).
Assim, não subscrevemos o carácter genérico dos considerandos expendidos na sentença. Mas concordamos com os mesmos no que se refere à sua substância.
Na verdade, o simples facto de existir um cheque do mesmo montante da factura em causa e emitido com data próxima da que consta como de emissão da factura não nos permite concluir, sem mais, que tal cheque se destinou ao pagamento dos serviços referidos na factura. A não ser assim, bastava aos emitentes e aos receptores de “facturas falsas” o cuidado de se prevenirem com esse documento para ficarem ao abrigo da possibilidade de a operação referida na factura vir a ser considerada como não correspondente à realidade. Manifestamente, não pode ser assim. A realidade ou não das operações referidas nas facturas há-de apurar-se em face de uma série de factos, conjugados uns com os outros e ponderados à luz das regras da experiência.
No caso, temos que o emitente das facturas – quer através da sociedade denominada “Corticeira Moreira , Lda.” quer de através de outras formas jurídicas sob as quais se abrigou ao longo do tempo – é, manifestamente, um emitente de “facturas falsas”. Nem a Impugnante o nega, se bem que pretenda diminuir a relevância desse facto com o argumento de que a AT “não pode meter tudo no mesmo saco”, ou seja, não pode sem mais desconsiderar todas as facturas emitidas pela sociedade denominada “Corticeira Moreira , Lda.”, pois esta, comprovadamente, tinha uma estrutura empresarial e exercia actividade.
Nesse ponto, tem razão a Recorrente. Mas, não foi exclusivamente com fundamento no reconhecido estatuto de “emitente de papel falso” que a AT desconsiderou a factura em causa. Também aí tiveram relevância decisiva as declarações das sócias da sociedade emitente no que se refere à actividade por aquela desenvolvida e onde não se incluíam a prestação de serviços de qualquer natureza, bem como quanto à inexistência de caldeira.
É certo que as testemunhas arroladas pela Impugnante vieram corroborar a tese por esta sustentada na petição inicial. Mas, a nosso ver, sem mereceram qualquer credibilidade. Vejamos:
A primeira testemunha – técnico oficial de contas da Impugnante –, limitou-se a afirmar que esta mantinha relações comerciais com a “Corticeira Moreira , Lda.”, que lhe prestava serviços de transporte.
Para além da manifesta vacuidade do depoimento, que não se encontra minimamente concretizado em termos de tempo e espaço, o mesmo é posto em causa pelas declarações das sócias e trabalhadoras da sociedade emitente da factura, que asseguram que a única actividade desta sociedade era o fabrico de rolhas e que a mesma não prestava serviços a terceiros.
A segunda testemunha – cunhado de Manuel Pereira Dias – disse que entre 1993 e 1995, como estava desempregado, prestou alguns serviços na “Corticeira Moreira Couto, Lda.”, designadamente conduzindo os veículos da sociedade, que ao tempo eram «uma carrinha de 3500 Kg de caixa aberta e dois carros ligeiros»; mais disse que «conhecia o Sr. Arnaldo» – sócio-gerente da Impugnante – e que «o mesmo não tinha carro» e «o seu cunhado lhe prestava dois a três vezes por mês o serviço de transporte dos fardos», desconhecendo «se por esse serviço o seu cunhado lhe levava alguma coisa».
Este depoimento suscita, desde logo, dúvidas relativamente ao número de vezes referido como de prestação de serviços de transporte quando, relativamente ao ano de 1995, apenas há uma única factura de cedência de uma carrinha e respeitante a «12 dias».
Por outro lado, o mesmo é infirmado pelas declarações das sócias e trabalhadoras da sociedade emitente da factura, que, para além de assegurarem que a única actividade desta sociedade era o fabrico de rolhas e que a mesma não prestava serviços a terceiros, nunca referiram a testemunha como condutor de qualquer veículo da sociedade e também afirmaram que a sociedade apenas tinha um veículo.
Note-se ainda que, ambos os depoimentos, se referem exclusivamente a serviços de transporte e já não a serviços de cedência de pessoal ou de caldeira, sendo que a sociedade denominada “Corticeira Moreira , Lda.” não dispunha de caldeira própria.
Tudo ponderado, eis as razões por que fixámos os factos nos termos enunciados em 2.1.3.

2.2.4 DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
2.2.4.1 DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL
Sustenta a Recorrente que a sentença «está ferida de vício de violação de lei por preterição de formalidades essenciais» (cf. conclusão com o n.º 10), alegação que interpretamos com o sentido de que a sentença enferma de erro de julgamento quanto à invocada preterição de formalidade legal verificada no procedimento de alteração da matéria tributável, que se repercutiria na validade da liquidação.
Na petição inicial, a Impugnante sustentou que os serviços da fiscalização procederam a um exame à escrita em 1996 e que nunca foi notificada do respectivo relatório, sendo que apenas em 1998 foi notificada de um exame à escrita, mas subscrito por outro funcionário que não o do exame de 1996 e com a agravante de que este último nunca se deslocou a empresa nem procedeu a qualquer exame à escrita da Impugnante.
Salvo o devido respeito, a impugnante labora em erro. Nem em 1996 nem em 1998 lhe foi efectuado qualquer exame à escrita. Apenas, em 1996, foram-lhe solicitados elementos, faculdade que assiste à AT ao abrigo dos poderes de fiscalização que lhe estão legalmente conferidos e independentemente de qualquer exame à escrita e, em 1998, foi elaborado um relatório pelos serviços de fiscalização tributária, que serviu de fundamentação à alteração da matéria tributável que deu origem à liquidação impugnada.
Foi isso, em síntese, que ficou dito na sentença, sem que nos mereça qualquer reparo.

2.2.4.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sustenta ainda a Recorrente que a sentença «está ferida […] por falta de fundamentação do acto tributário» (cf. conclusão com o n.º 10), alegação que, conjugada com a vertida na conclusão com o n.º 12 interpretamos com o sentido de que a sentença enferma de erro de julgamento quanto ao invocado vício de falta de fundamentação da liquidação impugnada.
Também aqui, salvo o devido respeito, é difícil alcançar o sentido da alegação da Recorrente. A liquidação foi motivada pelas alterações à matéria tributável e estas foram alicerçadas no relatório da fiscalização, para que remetem expressamente (cf. a fls. 55 do processo administrativo em apenso cópia da declaração de correcção modelo DC-22, maxime o seu quadro 22).
É sabido que os actos tributários carecem de fundamentação, como resulta inequivocamente dos arts. 19.°, alínea b), 21.° e 82.° do CPT, aplicável à data, do art. 125.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), do art. 1.°, n.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho, e é, aliás, exigência constitucional, nos termos do disposto no 268.°, nº 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A jurisprudência tem vindo a afirmar que a fundamentação do acto tributário tem de externar-se mediante um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para permitir ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, conhecer as razões de facto e de direito que levaram a AT a praticá-lo (as razões por que decidiu no sentido adoptado e não em qualquer outro), permitindo-lhe optar esclarecidamente entre conformar-se com tal acto ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente.
Ora, da leitura do relatório elaborado pelos serviços de fiscalização resultam, clara e suficientemente, os motivos por que a AT entendeu desconsiderar o custo que a Impugnante levou à sua contabilidade com suporte documental na factura em causa.
A sentença, na medida em que considerou improcedente o alegado vício de falta de fundamentação, não merece reparo.
Salvo o devido respeito, parece que a Impugnante confunde de algum modo a fundamentação formal com a fundamentação substancial, ou seja, sendo certo que a liquidação revela os motivos por que a AT a ela procedeu parece que o que a Impugnante pretende questionar é que essas razões sejam substancialmente capazes de sustentar aquele acto.
Mas, aqui, estamos já no campo do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito, que já não no da validade formal do acto. Dessa outra questão conheceremos de seguida.

2.2.4.3 DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
Eis-nos chegados ao âmago da questão: o de saber se a AT podia ou não ter desconsiderado o custo em causa, o que passa por saber se reuniu os indícios suficientes de que que a factura em causa não titula operações reais.
A AT corrigiu o lucro tributável declarado com base na conclusão de que aquela factura não corresponde a operações reais, conclusão a que chegou com base em diversos elementos, que referiu expressamente, que destacamos:
- a empresa emitente das facturas, bem como as que antes dela exerceram no mesmo local, com o mesmo equipamento e os mesmos trabalhadores igual actividade estão ligadas entre si, estando omnipresente na sua génese e na sua gerência, directamente ou por interposta pessoa, Manuel Pereira Dias;
- este, através das diversas formas jurídicas que foi assumindo o exercício da sua actividade, terá já emitido desde 1986 “facturas falsas” no valor de cerca de Esc. 6.000.000.000$00;
- a sociedade emitente da factura em causa não só não apresentou a sua contabilidade para exame, como solicitado pela AT, como sempre se manteve em situação de crédito de IVA;
- a mesma sociedade dedicava-se exclusivamente ao fabrico de rolhas, nunca prestou serviços a terceiros e não dispõe de qualquer caldeira;
- relativamente à factura em causa, existem facturas com numeração mais alta e data de emissão anterior e facturas com numeração mais baixa e data de emissão ulterior.

Estes “factos-índice”, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são mais do que suficientes para permitir à AT desconsiderar o custo que tem a factura em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessa factura são simuladas.
Assim, a impugnação judicial nunca poderia proceder com fundamento na ilegítima actuação da AT ao corrigir o lucro tributável declarado.
Será, no entanto, que a Contribuinte, como alega, conseguiu demonstrar inequivocamente que à factura controvertida correspondem operações reais? A Recorrente considera que sim, que a prova produzida nos autos demonstra a realidade dessas operações.
Nos termos que ficaram referidos em 2.2.3.2, à Impugnante não basta criar a dúvida quanto à correspondência das facturas à realidade, antes lhes competindo, a esse propósito, demonstrar a materialidade das operações nela referidas.
Dito isto, cumpre desde já referir que a Impugnante procurou demonstrar que a factura corresponde a operações reais com base numa argumentação que podemos resumir nos seguintes termos: existe um cheque comprovativo do pagamento da factura e a prova testemunhal comprova a materialidade das operações nela referidas.
Como resulta da análise crítica da prova que deixámos feita em 2.2.3.3, a Impugnante não logrou apresentar prova convincente quanto à realidade daquelas operações. É certo que, contrariamente ao que ocorre relativamente ao IVA (em que as exigências de carácter formal das facturas que suportam o direito à dedução não podem ser supridas pela prova, ainda que inequívoca, das operações por outro meio de prova (() No IVA exige-se, como decorrência do próprio mecanismo do imposto (método indirecto subtractivo, método do crédito de imposto ou método das facturas) e fins visados, que o documento – factura – respeite determinados requisitos, expressos no art. 35.°, n.° 5, do CIVA, «com a outorga de um carácter quase sacramental à factura», que, para efeitos de IVA, assume a natureza de um título de crédito (cf. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.° 164, pág. 140, que impressivamente, diz: «Em regime de IVA, como se sabe, cada factura mencionando imposto constitui um cheque sobre o Tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido»).)), em sede de IRC, para que se admita a relevação negativa dos custos, as exigências formais não são tão severas, sendo que no respectivo código não está concretizada a noção de «documento justificativo», expressamente adoptada no art. 98.°, n.° 3, alínea a), disposição que estipula regras a observar na execução da contabilidade, bastando «uma qualquer forma externa de representação da operação (que não uma factura, por não incluir as imperativas e específicas solenidades documentais, como a numeração ou o timbre da empresa) [...] desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)» (() Cf. TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 123.). E mesmo a ausência de documento externo de suporte ou a insuficiência do mesmo não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois admite-se a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio (() Idem, págs. 125-126.).
No entanto, como é manifesto, se não há limitações quanto à admissibilidade de qualquer meio de prova (cf. art. 115.º, n.º 1, do CPPT, que corresponde ao art. 134.º do CPT), deve exigir-se grande rigor na prova da materialidade e/ou da dimensão das operações referidas em facturas relativamente às quais a AT recolheu indícios sérios e credíveis de que não lhe correspondem operações reais ou de que a dimensão das operações aí referidas (com repercussão no respectivo valor) não corresponde à realidade.
Como deixámos já dito, à Impugnante não basta criar a dúvida a esse propósito, antes lhe competindo demonstrar a materialidade das operações referidas nas facturas.
A Impugnante apresentou como único de prova documental o referido cheque, que, como dissemos já, desacompanhado que está de outros meios de prova, não pode assumir papel de relevo para formar essa convicção. Nada nos garante a efectiva transmissão de meios financeiros da Impugnante para o emitente da factura, sendo que a experiência de muitos e muitos casos nos permite afirmar que o cheque é usado muitas vezes como um meio para reforçar a aparência de realidade das operações, mas que a quantia por ele titulada não é efectivamente ou, pelo menos, não é na sua totalidade apropriada pelo emitente da factura.
Também a prova testemunhal apresentada, como deixámos referido, não permite que se conclua pela realidade das operações a que aludem a factura em causa. Note-se que se impunha que as testemunhas conseguissem, pormenorizada e detalhadamente, dar conta dos serviços prestados e datas da sua realização. Para além disso, está em flagrante contradição com os factos firmados com base nas declarações das sócias e trabalhadoras da sociedade emitente da factura. Seja como for, afigura-se-nos que só em circunstâncias excepcionais (() Uma hipótese será a da comprovada impossibilidade de aceder a quaisquer meios de prova documental.) o Tribunal se poderá convencer da realidade de determinadas operações exclusivamente com base na prova testemunhal.
Em conclusão, analisada criticamente toda a prova produzida nos presentes autos, entendemos que a Impugnante não logrou demonstrar que a factura em causa titula serviços realmente prestados, motivo por que não merece censura alguma a actuação da AT, que desconsiderou os custos declarados que tinham tal factura como suporte na contabilidade da Impugnante e, consequentemente, corrigiu o lucro tributável declarado para o ano de 1995 e procedeu à liquidação adicional do IRC e respectivos juros compensatórios. Note-se que, nos termos do art. 23.º do Código do IRC a relevação como custos fiscais só é permitida relativamente aos encargos “comprovados”.
Por tudo o que ficou dito, a impugnação judicial não pode ser julgada procedente, como decidiu o Tribunal a quo, motivo por que o recurso não merece provimento.

2.2.5 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A sede própria para declarar a prescrição de uma obrigação tributária (que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva) é a execução fiscal em que esta esteja a ser exigida, podendo o executado, caso a prescrição não seja conhecida oficiosamente (como deve ser – cf. art. 175.º do CPPT), argui-la mediante requerimento dirigido à execução ou, dentro do prazo da oposição à execução fiscal, como fundamento desta.
II - Em todo o caso, porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, a impugnação judicial que visa a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade (a AT não mais pode cobrar a dívida e se tiver já instaurado execução fiscal deve declará-la extinta), deve, nesse circunstancialismo, extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 287.º, n.º 1, alínea e), do CPC).
III - A referida decisão de inutilidade da lide só deve ser proferida quando o processo esteja municiado com todos os elementos que permitam concluir com segurança pela prescrição da obrigação tributária, designadamente quando nele estiverem disponíveis todos os elementos necessários à apreciação de eventuais causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos.
IV - As nulidades da sentença são vícios de natureza formal, motivo por que nunca podem dar-se como verificadas se a sua invocação não é substanciada senão com erros de julgamento.
V - No julgamento da matéria de facto, deve o juiz proceder à apreciação crítica da prova, em termos sintéticos, mas concretos, e especificar os fundamentos decisivos para a sua convicção (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e arts. 653.º, n.º 2, e 659.º, n.º 2, do CPC).
VI - Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que uma factura que documentava custos não correspondia a operações reais, motivo por que desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquela factura, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que as operações a que se referem as facturas eram simuladas), competindo depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.
VII - À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar os custos que têm suporte naquelas facturas e de afastar a presunção de veracidade da escrita, à data consignada no art. 78.º do CPT.
VIII - Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte, nos termos que ficaram expostos em VI e de acordo com o disposto no art. 23.º do CIRC (que só permite a relevação como custos fiscais dos encargos “comprovados”), demonstrar que a factura em causa corresponde a operações realmente efectuadas pela empresa que as emitiu e pelo valor nela referido e, assim, comprovar os custos que contabilizou.
IX - Não basta ao contribuinte criar dúvida a esse propósito pois o art. 121.º, n.º 1, do CPT, em vigor à data, não logra aqui aplicação, pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente na determinação da matéria colectável os custos que diz ter suportado, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável, de acordo com a regra geral do art. 234.º do CC.
X - Sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cf. art. 115.º, n.º 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cf. art. 655.º do CPC), deve o tribunal pautar a sua actividade de valoração da prova apresentada para convencer da realidade das operações e/ou da sua dimensão pautar por critérios de exigência e rigor, não servindo esse desígnio a prova documental inconcludente e a prova testemunhal contrariada pelos elementos recolhidos pela AT.

* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Impugnante, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC.


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Porto, 11 de Março de 2010

(Francisco Rothes)

(Fonseca Carvalho)

(Moisés Rodrigues)