Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00432/08.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OMISSÃO DA INTENÇÃO DE REINVESTIMENTO, MAIS-VALIAS, IRS – CATEGORIA B
Sumário:I - A intenção do legislador não foi invalidar a opção pelo regime de reinvestimento aos sujeitos passivos que, embora incluindo no lucro tributável apenas metade da diferença positiva entre as mais-valias e a menos-valias fiscais, não mencionaram na declaração anual de informação contabilística e fiscal a intenção de reinvestir – cfr. artigo 45.º do Código de IRC.

II - Nem sempre, que um de vários dos fundamentos de facto subjacentes a correcção tributária deixe de poder ser valorado, fica o acto tributário que dela deriva irremediavelmente ferido do vício de violação de lei, pois que tudo depende da aptidão e suficiência dos demais para fundar a actuação da Administração Tributária.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S., com o número de identificação fiscal (…) e domicílio fiscal no Lugar (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 30/03/2012, que julgou improcedente impugnação judicial versando, de forma mediata, a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2003, e, de forma imediata, o acto que decidiu a Reclamação Graciosa que deduzira contra aquela liquidação, mantendo esse acto de liquidação nos termos do deferimento parcial da Reclamação Graciosa.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A) “Tem o presente recurso por objecto a sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida pela Recorrente, no que concerne à específica questão da ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS do ano de 2003 por desconsideração do reinvestimento do valor da realização das mais-valias.
B) Atendendo à crítica análise da prova documental constante dos autos, mormente documentos juntos pela Recorrente através de requerimento datado de 04-03-2009, deveria constar dos factos provados que o aí Impugnante "procedeu ao reinvestimento de €95.513,74, encontrando-se o mesmo documentalmente comprovado na declaração anual de informação contabilística e fiscal relativa ao ano de 2005".
C) Não o tendo feito desconsiderou o Tribunal a quo a prova produzida, fazendo uma errada valoração da mesma, violando, nessa sequência, o disposto nos artigos 653.° n.º 2 e 655.°, ambos do Código de Processo Civil ex vi art. 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
D) Não obstante a falta de manifestação da intenção de efectuar reinvestimento na declaração, efectivamente a Recorrente procedeu ao reinvestimento, pelo que o acto impugnado deveria ter tido em consideração tal circunstancialismo.
E) Este o entendimento seguido nos acórdãos do Supremo Tribunal de Administrativo de 02-02-2006, Processo 0746/05 e do Tribunal Central Administrativo Sul de 24-05-2011, Processo 03514/09, bem como o decorrente da ratio do regime da revisão de actos tributários (cfr. art. 78.° da LGT), bem como do princípio constitucional da igualdade fiscal (vide arts. 104.° e 3.° da CRP).
F) Decidindo de forma diversa, isto é, pela improcedência da Impugnação Judicial deduzida por falta de menção de intenção de reinvestimento não obstante ter o mesmo sucedido, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 45.° do CIRC, 78.° da LGT e 104.° e 13.° da CRP, pelo que deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue procedente a pretensão da Recorrente.
NESTES TERMOS E, NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA ORA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE, POR PROVADA E FUNDADA, A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, JULGUE ILEGAL O ACTO IMPUGNADO.
EM CONSEQUÊNCIA, ALTERANDO A DOUTA SENTENÇA APELADA, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao desconsiderar o reinvestimento do valor da realização das mais-valias, por falta de manifestação da intenção de efectuar reinvestimento na respectiva declaração.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:
1. A Impugnante S. exerce a actividade de Cafés (CAE 055401) - cfr. fls. 31 do processo administrativo.
2. Em 30 de Dezembro de 1992, a Impugnante aceitou o trespasse, pelo preço de Doze Mil Contos, do estabelecimento comercial de café, instalado no rés-do-chão, com entrada, além de outras, pelo número 814, do prédio sito na Rua da (...), bem como de todos os elementos que o integram - cfr. fls. 13-15 do processo administrativo.
3. Em 16 de Abril de 2003, a Impugnante trespassou o estabelecimento referido no ponto anterior, com todos os elementos que o integram, por € 124.699,47 - cfr. fls. 48 do processo administrativo.
4. No dia 18 de Maio de 2004, a Impugnante apresentou a sua declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2003 - cfr. fls. 3 e 33 do processo administrativo.
5. No anexo C daquela declaração:
- O campo 415, relativo às mais-valias fiscais para efeito de apuramento do lucro tributável, não foi preenchido;
- O campo 424, relativo às mais-valias contabilísticas, foi preenchido com o montante de € 65.323,94 - cfr. fls. 4 do processo administrativo.
6. Em 21 de Agosto de 2004, foi emitida a Liquidação n.º 2004-5003196422, relativa ao IRS de 2003 do agregado familiar da lmpugnante, da qual resultou o valor a pagar de € 29.010,30 - cfr. fls. 6 do processo administrativo.
7. No dia 11 de Outubro de 2004, a lmpugnante deduziu Reclamação Graciosa contra aquela Liquidação, com fundamento na falta de declaração, por mero lapso, do custo de aquisição do trespasse - cfr. fls. 2 do processo administrativo.
8. A Impugnante apresentou uma declaração de substituição Modelo 3 atinente aos rendimentos de 2003, sendo que no Anexo C:
- O campo 415 foi preenchido com € 37.310,07;
- O campo 424 foi preenchido com € 190.023,41 - cfr. fls. 18-24 do processo administrativo.
9. A Impugnante não preencheu o quadro 14 do anexo I da sua Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal relativa ao ano de 2003, onde se menciona a intenção de reinvestir mais-valias - cfr. fls. 238-241v, maxime 239v.
10. A Impugnante não preencheu o quadro 14 do anexo I da sua Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal relativa ao ano de 2004 - cfr. fls. 242-243v, maxime esta última.
11. A Impugnante preencheu o quadro 14 do anexo I da sua Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal relativa ao ano de 2005, tendo declarado o reinvestimento, nesse ano, de € 95.513,74 - cfr. fls. 244-247v, maxime 245.
12. Em 12 de Setembro de 2007, o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo remeteu os autos à Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo a fim de ser prestada informação sobre os valores apresentados na declaração de substituição e o seu suporte contabilístico - cfr. fls. 25 do processo administrativo.
13. No Relatório de Inspecção foi proposta a aceitação da substituição do campo 424 e, quanto ao 415, foi proposta a correcção para € 101.012,24, dos quais € 37.310,07 relativos a mais-valias obtidas com o trespasse e € 63.702,17 relativos a mais-valias obtidas com o imobilizado corpóreo - cfr. fls. 35-36 do processo administrativo.
14. Por despacho do Chefe de Divisão, de 25 de Janeiro de 2008, no uso de competência delegada, foi projectado o deferimento parcial da Reclamação Graciosa nos termos propostos - cfr. fls. 87 do processo administrativo.
15. No exercício do seu direito de audição prévia, a Impugnante manifestou a sua discordância com o montante proposto de € 101.012,24, tendo insistido que o lucro tributável seria de € 10.916,40, já que tinha reinvestido € 91.509,68 - cfr. fls. 93 do processo administrativo.
16. Por despacho do Chefe de Divisão, de 22 de Fevereiro de 2008, no uso de competência delegada - acto impugnado -, a Reclamação Graciosa foi deferida parcialmente, com base em informação que apreciou o exercício do direito de audição prévia tendo concluído que o alegado reinvestimento não consta das declarações Modelo 3 nem vem alegado o período durante o qual foram detidos os elementos do activo imobilizado - cfr. fls. 94-95 do processo administrativo.
17. Em 27 de Agosto de 2008, foi emitida a Nota de Compensação n.º 2004-764307, relativa à liquidação de IRS de 2003 referida no ponto 6., através da qual foram anulados ao montante inicial de € 29.010,30, por força do deferimento parcial da Reclamação Graciosa, € 9.001,46, ficando em dívida € 19.568,90 - acto impugnado - cfr. fls. 98 do processo administrativo.
18. No dia 9 de Outubro de 2009, a Impugnante, em sede executiva, efectuou o pagamento da dívida exequenda (dívida de IRS de 2003 referida no ponto anterior, mais juros e custas) - cfr. fls. 113 dos autos.”
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2. O Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença que julgou improcedente a impugnação por si deduzida, que visava a liquidação de IRS do ano de 2003, uma vez que o Tribunal a quo desconsiderou a prova produzida, fazendo uma errada valoração da mesma, defendendo que, não obstante a falta de manifestação da intenção de efectuar reinvestimento na declaração, efectivamente a Recorrente procedeu ao reinvestimento, pelo que o acto impugnado deveria ter tido em consideração tal circunstancialismo.
Vejamos como a sentença recorrida ponderou a matéria invocada nos artigos 7.º a 11.º da Petição Inicial, única que cabia, agora, analisar:
“(…) Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CIRS, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, devendo ser-lhes juntos, fazendo dela parte integrante:
a) Os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo;
b) Os elementos mencionados no n.º 6 do artigo 72.º do Código do IRC, quando se aplicar o disposto no n.º 8 do artigo 10.º, entendendo-se que os valores a mencionar relativamente às acções entregues são o valor nominal e o valor de aquisição das mesmas, nos termos do artigo 48.º.
Assim, é obrigação do sujeito passivo apresentar a declaração de modelo oficial com os anexos necessários para permitir a definição, pela Administração, da sua concreta situação tributária quanto aos rendimentos auferidos no ano anterior ao desta apresentação.
Quanto a estes, consideram-se rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) as mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no n.0 1 do artigo 10.0, quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais - artigo 3.0, n.0 2, alínea b), do CIRS.
No âmbito do CIRC (artigo 43.º, n.º 2), as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas, sem prejuízo do disposto na parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 29.º.
Todavia, para efeitos de determinação da matéria colectável, a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por período não inferior a um ano, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor da realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC como qual existam relações especiais - cfr. o artigo 45.º, n.º 1, do CIRC.
Ou seja: por regra, a mais-valia é tributada pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição mas, verificados determinados pressupostos que permitam o reinvestimento, esta diferença é apenas considerada em metade do seu valor.
Para a efectivação deste regime mais favorável, impõe o n.º 5 do mesmo artigo 45.º que os contribuintes mencionem a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109.º do exercício da realização, comprovando, na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes, os reinvestimentos efectuados.
Esta alínea c) do n.º 1 do artigo 109.º refere-se à declaração anual de informação contabilística e fiscal.
Isto é: a consideração de apenas metade da diferença entre os valores de aquisição e de realização está dependente, desde logo, da menção, pelo sujeito passivo, da intenção de efectuar o reinvestimento, efectuada na Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal do exercício da realização.
Vejamos, pois:
Alega a Impugnante que procedeu ao reinvestimento do valor da realização, tendo pretendido expressar a intenção de reinvestir na declaração de substituição relativa ao ano de 2003 que queria apresentar mas sobre a qual não foi proferida qualquer decisão.
Quanto à admissibilidade da apresentação desta declaração de substituição se pronunciou já o Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão que consta de fls. 197-202 dos autos, e que, com força de caso julgado, julgou o recurso da Fazenda procedente fundamentando-se em que "o pedido formulado pela ora Recorrida no requerimento inicial da Reclamação Graciosa, no sentido de ser autorizada a substituição da declaração de IRS, surge destituído de qualquer relevância no contexto procedimental próprio da reclamação graciosa, atentos os termos em que aquela formulou a sua pretensão conclusivamente anulatória do próprio acto tributário e, nesta medida, nenhum dever de pronúncia sobre tal pedido recaía sobre a administração tributária (isto, mesmo admitindo, o que está longe de ser líquido, que, em abstracto, existe um dever de pronúncia relativamente a um pedido de substituição de declaração, na medida em que a apresentação de tal declaração é da iniciativa do próprio contribuinte e não depende de autorização da administração, sendo certo que a norma do artigo 56.°, n.º 1, da LGT, apenas obriga a administração tributária a pronunciar-se sobre todos os assuntos que sejam da sua competência)", pelo que entendeu não ter a Administração incorrido em omissão de pronúncia e ordenou a baixa do processo para aqui se conhecer da ilegalidade invocada nos artigos 7.º a 11.º da Petição Inicial.
Como se mostra provado no ponto 9. do probatório, a Impugnante não preencheu o quadro 14 do anexo I da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal relativa ao ano de 2003, onde deveria mencionar a intenção de reinvestir mais-valias.
Pelo que, à míngua desta menção, nos apontados termos do artigo 45.0 do CIRC, o alegado reinvestimento, ainda que tenha sido efectuado, não pode ser considerado para efeitos de determinação da matéria colectável.
Pelo que falece razão à Impugnante. (…)”
Nesta sequência, o tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo o acto de liquidação relativo ao IRS de 2003, nos termos do deferimento parcial da Reclamação Graciosa.
Esta Reclamação não foi deferida totalmente, pois na petição que apresentou a reclamante, ora Recorrente, não havia incluído no valor de realização, além do montante do trespasse, a quantia por que alienou o imobilizado corpóreo (€91.509,58); logo, à mais-valia fiscal que tinha apurado a reclamante (€37.310,07) houve que adicionar a mais valia fiscal apurada pela AT, decorrente da alienação do imobilizado corpóreo, no montante de €63.702,17 (€37.310,07+€63.702,17=€101.012,24). Por consequência, o lucro tributável não ascenderia ao valor de €10.916,40, conforme foi indicado na petição de reclamação graciosa, mas antes a €74.618,57, daí a proposta de deferimento apenas parcial da reclamação.
Perante este projecto de decisão, a reclamante, em sede de audição prévia, afirmou, simplesmente, que o lucro tributável deve ascender a €10.916,40, por ter considerado que haverá reinvestimento do valor de realização de €91.509,68 e que a divergência quanto ao lucro tributável apurado pela AT se deve a esta não ter considerado o montante do valor a reinvestir, solicitando a reapreciação do processo de reclamação.
A AT converteu o projecto de decisão da reclamação graciosa em definitivo, dado ter sido surpreendida com tal facto – “não foi considerado o montante do valor a reinvestir”. Com efeito, este facto não constava da petição de reclamação, nem das declarações modelo 3 então apresentadas (do exercício anterior ao da realização, do próprio exercício ou até ao segundo exercício após a realização). Chamou, igualmente, à colação o disposto no artigo 45.º do CIRC, tendo concluído não ter ocorrido qualquer ilegalidade no procedimento tributário, com dois fundamentos: i) não consta das declarações modelo 3 de IRS referidas o reinvestimento efectuado; ii) nem o período durante o qual foram detidos os elementos do activo imobilizado foi não inferior a um ano. Não aceitando, portanto, os argumentos invocados pela reclamante, com esta motivação.
É, realmente, este o teor do acto impugnado (imediatamente), não estando já em causa o vício formal invocado (definitivamente decidido em acórdão anterior deste TCAN, como é referido na sentença recorrida), mas somente a ilegalidade invocada na petição inicial, por falta de consideração do valor do reinvestimento, vertida nos pontos 7 a 11 desse articulado. Afirmando, singelamente, que procedeu ao reinvestimento do valor da realização no montante de €91.509,68 e que protesta juntar toda a documentação comprovativa, que no momento da apresentação da petição de impugnação ainda não tinha reunido, no decurso dos dois exercícios posteriores ao da realização. Insistindo que tal reinvestimento não foi considerado na decisão da reclamação em crise.
Se quanto ao primeiro fundamento, para tornar definitivo o projecto de deferimento parcial, a impugnante, aqui Recorrente, afirmou, no ponto 11 da petição inicial, que a intenção de reinvestimento seria expressa na declaração de substituição que a impugnante pretendia apresentar, relativa ao ano de 2003; quanto ao segundo fundamento do acto impugnado, concernente à verificação dos pressupostos previstos no artigo 45.º do CIRC - nem o período durante o qual foram detidos os elementos do activo imobilizado foi não inferior a um ano, a impugnante nada contra argumentou ou alegou, conformando-se com essa parte da motivação do acto.
A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, que determinou a manutenção dos actos impugnados (imediato – deferimento parcial da reclamação e mediato – liquidação) na ordem jurídica, defendendo que, não obstante a falta de manifestação da intenção de efectuar reinvestimento na declaração, efectivamente procedeu ao reinvestimento, pelo que os actos impugnados deveriam ter tido em consideração tal circunstancialismo.
Não residem dúvidas que existem obrigações declarativas nos casos de reinvestimento. Apenas nos interessa atentar aos rendimentos de categoria B (regime de contabilidade organizada), dado ser a situação da Recorrente no ano de 2003 em causa. Relembramos que se consideram, em determinadas condições, rendimento da categoria B as mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 43.º do Código do IRC – cfr. artigo 3.º, n.º 2, alínea c) do Código de IRS, na redacção vigente à data. Considerando esta remissão para o Código de IRC, importa, então, chamar à colação o seu artigo 45.º, como foi efectuado no acto impugnado e na sentença recorrida: para efeitos de determinação da matéria colectável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias (…) realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por período não inferior a um ano, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor da realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58.º.
Para efeitos do disposto neste n.º 1, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109.º do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados – cfr. artigo 45.º, n.º 5 do CIRC.
Não surpreende, portanto, o teor dos actos impugnados, uma vez que a Recorrente não deu cumprimento a estas obrigações declarativas.
De facto, a consideração em metade do valor depende da verificação de um comportamento futuro e objectivamente incerto: o do reinvestimento, nas condições definidas no artigo 45.º, na redacção aplicável à data do facto tributário.
Temos, assim, um “benefício” condicionado, para efeitos de determinação do lucro tributável, que opera mediante o diferimento (suspensão) da tributação para o termo do período dentro do qual esse reinvestimento é admissível nos termos do artigo 45.º - no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte.
Esta suspensão de tributação opera em face de mera intenção de realizar o reinvestimento, manifestada na declaração a que se refere o artigo 109.º, n.º 1, alínea c) do CIRC (declaração anual de informação contabilística e fiscal) correspondente ao ano de realização, em 2003 in casu.
Salientamos que não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respectivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista no n.º 1 do artigo 45.º não incluída no lucro tributável, majorada em 15% - cfr. n.º 6 do artigo 45.º do CIRC.
Assim, resulta claro que a intenção de reinvestir o valor de realização deve ser mencionada na declaração anual de informação contabilística e fiscal, conforme expressamente previsto no n.º 5 do artigo 45.º do CIRC.
A partir daqui, importará averiguar as consequências da não indicação nessa declaração da intenção de reinvestir, uma vez que este facto resulta apurado na decisão da matéria de facto – cfr. ponto 9.
Ao invés da sentença recorrida, a Recorrente alude a jurisprudência no sentido da relevância do reinvestimento, não obstante a falta de manifestação da intenção de efectuar reinvestimento na declaração, ou seja, o que efectivamente importará será a Recorrente ter procedido ao reinvestimento, pelo que o acto impugnado deveria ter tido em consideração tal circunstancialismo substancial.
Apesar de a jurisprudência citada não ter tido na sua base factualidade semelhante à dos presentes autos, a verdade é que não deixa de ser esse o entendimento seguido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Administrativo, de 02/02/2006, no âmbito do processo n.º 0746/05 e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24/05/2011, no processo n.º 03514/09.
Nestas decisões, afirma-se que o que releva em direito fiscal, são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção do rendimento ou a capacidade contributiva, e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam, exteriormente, pelo que a mais valia apurada em 1999 foi, de facto, reinvestida no exercício de 2000, não obstante não ter sido formulada a intenção expressa de reinvestimento, não pode ser tributada, atento o estatuído no artigo 44.º do CIRC, na redacção, então, vigente.
Abstraindo um pouco das situações concretas vertidas naquela jurisprudência, é, no entanto, nossa convicção que a omissão de comunicação na declaração da intenção de efectuar o reinvestimento não invalida a opção pelo regime de reinvestimento previsto no n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, nos casos em que o sujeito passivo tenha considerado, para efeitos de determinação do lucro tributável, metade da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais apuradas na transmissão onerosa dos activos imobiliários corpóreos aí previstos.
Se o não preenchimento do respectivo quadro da declaração anual de informação contabilística e fiscal invalidasse, só por si, a opção pelo regime de reinvestimento, ter-se-ia de considerar que o contribuinte que sujeita a tributação apenas 50% do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias fiscais estava a cometer um erro na autoliquidação, ficando sujeito a juros compensatórios à taxa de 4% pelo imposto que deixou de ser liquidado.
Ao invés, se o contribuinte opta pelo regime de reinvestimento e preenche, como lhe compete, o tal quadro da declaração anual de informação contabilística e fiscal, não vai poder invocar um erro na autoliquidação, ficando manietado à opção manifestada na declaração. E se não proceder ao reinvestimento no prazo legal, tem de dar cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 45.º do CIRC, como vimos; ou seja, tem de considerar como rendimento a parcela da mais-valia que não foi incluída no lucro tributável, majorada em 15%.
Ora, não seria razoável que o sujeito passivo que cumpriu a obrigação acessória e complementar que lhe competia ficasse prejudicado em relação a outro sujeito passivo que, deliberadamente ou por descuido, não preencheu o dito quadro 14 da declaração anual de informação contabilística e fiscal.
Concluímos, portanto, que a intenção do legislador não foi invalidar a opção pelo regime de reinvestimento aos sujeitos passivos que, embora incluindo no lucro tributável apenas metade da diferença positiva entre as mais-valias e a menos-valias fiscais, não mencionaram na declaração anual de informação contabilística e fiscal a intenção de reinvestir.
Por este motivo, não podemos acompanhar a fundamentação vertida na sentença recorrida para manter os actos impugnados na ordem jurídica.
Todavia, como desde logo avançámos, o acto de deferimento parcial da reclamação tem, ainda, um outro fundamento, concernente à verificação dos pressupostos previstos no artigo 45.º do CIRC - nem o período durante o qual foram detidos os elementos do activo imobilizado foi não inferior a um ano.
Lembramos que a impugnante nada contra argumentou ou alegou a este propósito, conformando-se com essa parte da motivação do acto.
Com efeito, a impugnante, aqui Recorrente, limitou-se a afirmar, laconicamente, ter procedido ao reinvestimento do valor da realização no montante de €91.509,68 – cfr. ponto 8 da petição inicial, sem que invoque quaisquer factos concretizadores da alegação. No entanto, já na pendência da impugnação judicial, juntou ao autos, ex novo, várias facturas, todas emitidas no final do ano de 2005 – cfr. fls. 63 a 78 do processo físico.
Alertamos que a prova se destina a demonstrar a realidade de factos (cfr. artigo 341.º do Código Civil), não podendo entender-se que os próprios documentos consubstanciam circunstâncias da vida, tendo, apenas, o fim de reproduzir ou representar factos, coisas ou pessoas (cfr. artigo 362.º do Código Civil). Para produzir qualquer prova, a impugnante deveria ter invocado os factos que pretendia demonstrar, tanto mais que in casu não estaremos perante factos de conhecimento oficioso. Além disso, tendo este tribunal “a quem” procedido à soma dos montantes constantes das facturas juntas, obteve a quantia de €95.123,96, sem respaldo na alegação.
No acto impugnado, a AT considerou não se mostrar verificado o pressuposto constante do artigo 45.º, n.º 1 do CIRC, de que os elementos do activo imobilizado corpóreo tenham sido detidos por um período não inferior a um ano.
Logo, independentemente de a Recorrente ter ou não manifestado a intenção de reinvestimento do saldo das mais-valias obtidas, a verdade é que foi, ainda, posto em causa pela Administração Tributária que a Recorrente, de facto, tenha procedido, de forma válida e legal, ao reinvestimento da mais-valia apurada no exercício em causa de 2003. Sendo que a Recorrente não veio comprovar estarem reunidos todos os requisitos previstos no artigo 45.º do CIRC, designadamente, o elemento apontado pela AT (ou sequer que o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos do activo imobilizado corpóreo tenha sido reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, por exemplo).
Não pode afirmar-se, à partida, que caindo um de vários dos fundamentos de facto fica o acto tributário subjacente irremediavelmente ferido do vício de violação de lei, pois que tudo depende da aptidão e suficiência dos demais para fundar a pretensão tributária do Fisco. Pode até suceder assim, não por regra aritmética mas porque os demais fundamentos invocados deixem de ter, desacompanhados daquele que não pode ser valorado, aptidão para fundamentar a correcção – cfr. Acórdão do STA, de 09/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1007/13.
In casu, independentemente de a Recorrente não ter declarado a intenção de reinvestir, a falta de demonstração, em concreto, dos requisitos de aplicabilidade do artigo 45.º do CIRC é suficiente para manter os actos impugnados na ordem jurídica.
Nesta conformidade, urge manter a sentença recorrida, mas com a presente fundamentação; negando, por isso, provimento ao recurso.

Conclusões/sumário

I - A intenção do legislador não foi invalidar a opção pelo regime de reinvestimento aos sujeitos passivos que, embora incluindo no lucro tributável apenas metade da diferença positiva entre as mais-valias e a menos-valias fiscais, não mencionaram na declaração anual de informação contabilística e fiscal a intenção de reinvestir – cfr. artigo 45.º do Código de IRC.

II - Nem sempre, que um de vários dos fundamentos de facto subjacentes a correcção tributária deixe de poder ser valorado, fica o acto tributário que dela deriva irremediavelmente ferido do vício de violação de lei, pois que tudo depende da aptidão e suficiência dos demais para fundar a actuação da Administração Tributária.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida com a presente fundamentação.
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Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 25 de Março de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira