Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00571/13.1BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONCURSO PÚBLICO; REVISÃO DE PREÇOS; CORREÇÃO DE ERROS
Sumário:
1 – A correção de um suposto erro material, constante do caderno de Encargos, não poderá ser corrigido unilateralmente pela Administração após a assinatura do contrato de empreitada, mormente quando a correção se consubstancie num prejuízo significativo para o empreiteiro
Acresce ao referido a circunstância do erro detetado não ter apenas uma única potencial solução de correção.
2 - A retificação a introduzir sempre teria de se mostrar intuitiva e não suscetível de subverter o contratualizado, mal se compreendendo como uma retificação unilateral se poderia consubstanciar num acréscimo do encargo para o empreiteiro em mais de 60.000€, já depois de celebrado o correspondente contrato de empreitada. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:LEC, SA.
Recorrido 1:Município de Mortágua
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar improcedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A LEC, SA., devidamente identificada nos autos, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada pelo Município de Mortágua, tendente à condenação daquela no pagamento de 64.326,17€, no âmbito do concurso público para a execução da empreitada de “construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche”, inconformada com a Sentença proferida em 19 de dezembro de 2017, no TAF de Viseu, que julgou a Ação procedente, veio interpor Recurso para esta instância em 30 de janeiro de 2018, no qual concluiu (Cf. fls. 317 a 319 Procº físico):
A) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que condenou a Recorrente a pagar à Recorrida 64.326,17€, acrescido de IVA, quantia decorrente do cálculo da revisão de preços da empreitada denominada “Construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche”;
B) O citado contrato de empreitada foi outorgado entre Entidade Recorrida e Recorrente em 17/02/2009;
C) A Entidade Recorrida alegou nos presentes autos que a fórmula de revisão de preços que constava no caderno de encargos da empreitada in casu apresentava um lapso de escrita, um mero erro material porquanto as somas dos coeficientes da fórmula não eram iguais à unidade;
D) Em consonância com este entendimento, após a outorga do contrato, em 18-03-2009, a Entidade Recorrida deliberou unilateralmente efetuar a retificação de tal erro de modo que passasse a estar escrito “0,02M10/Mo10” onde estava escrito “0,05 M10/Mo10”, tendo escolhido corrigir uma das parcelas da fórmula – a parcela que lhe foi mais conveniente - de modo a que as somas dos coeficientes totalizassem uma unidade;
E) A retificação assim preconizada (e os respetivos cálculos de revisão de preços), e que foi integralmente acolhida pela douta sentença recorrida, atribui à Entidade Recorrida o direito de receber da Recorrente 64.326,17€ a título de revisão de preços e respetivos juros;
F) Na fundamentação de Direito, o tribunal ad quo entendeu que “na fórmula, onde constava 0,05 M10 deveria constar 0,02 M10/Mo10” e decidiu que “(…) tratava-se de um erro material que, nos termos do artigo 148º do CPA, quando manifesto, como era o caso, uma vez que facilmente se concluía que a soma dos coeficientes dos índices não eram iguais à unidade, poderia ser retificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato.”
G) Assim, o meritíssimo juiz a quo decidiu que, nos termos do artigo 148º do CPA a Entidade Recorrida podia, de forma unilateral, retificar um erro material na fórmula da revisão após a outorga do contrato de empreitada datado de 17/02/2009.
H) Porém, a retificação dos atos administrativos prevista no artigo 148º do CPA conforme decidido pela sentença recorrida não ser aplicado à factualidade dos presentes autos.
I) Desde logo porque a retificação efetuada pela Entidade Recorrida através de deliberação incide sobre o conteúdo de um contrato de empreitada;
J) Com efeito, após a outorga do contrato de empreitada, o Caderno de Encargos que o integra assume natureza contratual, vinculando as partes;
K) Quer isto dizer que a entidade recorrida retificou, não um acto administrativo, conforme, em teoria é permitido pelo artigo 148º do CPA, mas um contrato, que pressupõe um acordo bilateral de vontades e que, como tal está excluído da regulamentação daquele normativo legal do CPA;
L) Após a outorga do contrato a relação contratual é uma relação paritária que se compõe de direitos e de deveres e que se desenrola segundo o esquema do consenso ou do pactum.
M) Ora, o artigo 148º do CPA - sob a epígrafe “Retificação dos atos administrativos”, dispõe sobre a correção de eventuais erros materiais no âmbito da prática de acto administrativo e não em matéria contratual;
N) Não versando o caso sub iudice a um acto administrativo, a correção de erro não pode ocorrer por vontade unilateral da entidade Recorrida, mas qualquer modificação contratual deverá ter a aquiescência da contraparte, a aqui Recorrente, no âmbito do contrato de empreitada.
O) Destarte, no âmbito contratual a retificação deliberada pela Recorrida e que sustenta a condenação da Recorrente é de todo inadmissível e não tem sustento legal,
P) Acresce ainda que, a pugnar-se pela aplicabilidade do artigo 148º do CPA in casu - o que aqui se faz por mera hipótese académica – o certo é que a retificação desse erro efetuada pela Entidade Recorrida não cumpre os critérios deste normativo legal.
Q) Com efeito, só há lugar a retificação no âmbito do artigo 148º do CPA caso o erro seja manifesto e indiscutível;
R) No caso dos autos – embora o erro em si seja manifesto porquanto a soma das parcelas da fórmula não é igual á unidade, o certo é que a sua correção está longe de ser indiscutível;
S) Ao invés, a retificação em causa poderá ser efetuada alterando qualquer uma das parcelas da fórmula de modo a que a sua soma totalize uma unidade;
T) A Entidade Recorrida pugna pela substituição do coeficiente 0,05M10/M10 pelo coeficiente 0,02M/M10 – cujo cálculo corre a seu favor - mas o certo é que a Recorrente na sua contestação avançou com outro método corretivo, porquanto sendo a fórmula constituída por várias parcelas qualquer uma destas parcelas poderá ser corrigida de forma a totalizar uma unidade;
U) Daqui se conclui que a retificação ocorrida não é indiscutível - atentas as múltiplas possibilidades de retificação existentes e, ao invés representa uma correção substancial ao conteúdo do contrato de empreitada e não uma mera correção formal, como decorre do disposto do artigo 148º do CPA;
V) De tudo o exposto resulta a inadmissibilidade da retificação do erro material contido na fórmula do caderno de encargos deliberada pela Entidade Recorrida conforme foi decidido na douta sentença por falta de fundamento legal.
W) Nestes termos a douta sentença padece de erro de julgamento ao decidir pela aplicação do artigo 148º do CPA e em consequência ao ter admitido a correção do erro na fórmula de revisão de preços conforme pugnado pela Entidade Recorrida. Acresce ainda que,
X) A admitir-se que uma das cláusulas do contrato de empreitada sub iudice poderia ser alvo de retificação unilateral por parte da Entidade Recorrida, como se de um acto administrativo se tratasse, como o fez a douta sentença, certo é que soçobra ainda outra questão cuja decisão, salvo o devido respeito, também enferma de erro de julgamento.
Y) A douta sentença deu como provado que “o autor emitiu o oficio n.º 1593 de 19-03-2009, mediante correio não registado, comunicando à autora [Ré] que a retificação da fórmula foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18/03/2009 (…)”, (cfr. Ponto 7 dos factos)
Z) Ora, olvidou a sentença que a alegada retificação de erro não pode ser efetuada mediante “correio não registado” e sem que tenha sido feita qualquer prova em como o seu conteúdo tenha sido real e efetivamente dado a conhecer à Recorrente.
AA) De acordo do artigo 51º do decreto-lei 59/99 de 2 de Março que rege a empreitada in casu “as notificações no processo do concurso serão feitas pelo correio sob registo (…)”
BB) Caso se entenda que, no âmbito das notificações, se devem aplicar as normas da execução da própria empreitada – uma vez que a retificação foi comunicada à Recorrente pela Entidade Recorrida após a outorga do contrato e já em sede de execução do mesmo – deverá atender-se ao disposto no artigo 140º do citado diploma legal, que prevê que “as notificações das resoluções do dono de obra ou do seu fiscal serão obrigatoriamente feitas ao empreiteiro ou seu representante por escrito”, e (número 2), o empreiteiro devolverá “um dos exemplares com recibo”.
CC) Em qualquer dos casos – seja em fase de formação de contrato, seja em fase de execução da empreitada, o legislador determinou que a notificação seja efetuada por escrito e estabeleceu formas de notificação que asseguram que o conteúdo dos atos praticados pela entidade administrativa chegue efetivamente ao seu destinatário.
DD) Ora, nos termos do artigo 393º do Código Civil, “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”.
EE) Assim, mal andou a sentença em crise ao dar como provado o alegado envio pela entidade Recorrida do ofício n.º 1593 de 18-03-2009 através de prova testemunhal, conforme decorre do descrito no ponto 7 do Factos.
FF) Ademais, decorre da prova testemunhal (cfr. Testemunho de CMLC) que a deliberação de retificação da disposição contratual relativa a revisão de preços não foi recebida pela Recorrente;
GG) Ou seja, in casu não resulta da prova produzida que o acto de retificação tenha chegado ao conhecimento da Recorrente.
HH) Não tendo sido feita tal prova ou inexistindo dúvidas acerca da notificação desse acto, essa dúvida sempre terá de ser valorizada a favor da Recorrente e não da Entidade Recorrida
II) A obrigação legal de notificação dos atos que afetem os direitos e interesses legítimos dos particulares traduz-se na sua ineficácia até que os mesmos sejam notificados, o que no caso sub iudice nunca ocorreu.
JJ) Quando a notificação é condição de eficácia do acto notificando a sua falta determina a sua inexigibilidade, o que deveria ter sido decidido na sentença em crise.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Excelências doutamente suprirão, deverá a mui douta sentença ser revogada e a ora Recorrente ser absolvida do pedido, como é de plena e inteira JUSTIÇA.
*
O Recorrido/Município, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 1 de março de 2018, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 332 a 335v Procº físico):
I. A recorrente, com o recurso que interpõe da douta sentença que julgou totalmente procedente a ação administrativa comum em referencia, pretende pôr em causa, em primeiro lugar, a possibilidade de correção de erro por vontade unilateral da entidade recorrida, sem aquiescência da contraparte no âmbito do contrato de empreitada e em segundo lugar a notificação feita à recorrente da modificação contratual em causa, contudo, não lhe assiste razão ou fundamento na sua pretensão, devendo ser mantida a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
II. Quer o julgamento da matéria de facto, quer o julgamento de direito não padecem de qualquer vício que determine a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
III. A fórmula para cálculo da revisão de preços, que consta do ponto 6 das cláusulas complementares do Caderno de Encargos, apresentava um erro material, que impedia que a soma dos coeficientes dos índices de custos da fórmula polinomial fossem iguais à unidade, por evidente lapso de escrita na transcrição da fórmula, pois, onde constava 0.05M10/Mo10, deveria constar 0.02M10/Mo10.
IV. Na expressão da vontade da entidade que colocou a obra a concurso, foi cometido um engano de números (0,05 em vez de 0,02), que não afetavam a validade do ato, mas apenas a sua correção formal, constituindo esse lapso um erro material, que não foi detetado no período do concurso, nem pelos concorrentes, nem pelos serviços,
V. A fórmula correta, que correspondia à vontade do recorrido, constava do rascunho elaborado pelos serviços da Câmara Municipal de Mortágua, tendo-se verificado um lapso material na transcrição da fórmula daquele documento interno, redigido pelos serviços que elaboraram o caderno de encargos, para o exemplar que ficou disponível para os concorrentes à empreitada em causa.
VI. Tratava-se de um lapso de escrita, de um erro material manifesto do caderno de encargos, que teve lugar antes do início do concurso, havendo necessidade de proceder a uma correção desse engano, que ocorreu em data anterior ao processo do concurso, ou seja, numa fase pré-concursal.
VII. O caderno de encargos tinha uma formula adaptada à obra em concreto, tendo o erro sido detetado pelo Tribunal de Contas, porque a soma dos índices de custos ultrapassava a unidade, tendo os funcionários da recorrida concluído que tinha existido um erro na transcrição da formula dos rascunhos, onde constava 0.02M10, para o caderno de encargos onde, erradamente, foi escrito 0.05M10.
VIII. Havia necessidade de se proceder à retificação do erro material que ocorreu nessa fase pré-concursal, no momento da transcrição da fórmula, constante do documento interno elaborado pelos serviços, para o caderno de encargos e não após ter sido outorgado o contrato administrativo entre recorrido e recorrente, que se formou posteriormente ao erro em apreciação, pelo que, a reposição dos índices corretos da fórmula, constituiu a correção do erro material e a expressão da vontade do recorrido quando elaborou o caderno de encargos e colocou a obra a concurso.
IX. Nos termos do disposto no artigo 62.º do DL nº 59/99, o caderno de encargos é elaborado pelo dono da obra, ora recorrido, cabendo-lhe, de forma exclusiva, a definição dos termos e índices da fórmula de revisão de preços inserta nesse caderno de encargos, tomando em consideração, como elemento meramente indicativo, o Despacho n.º 22637/2004 (2ª série), publicado no Diário da República, 2ª série, de 5 de novembro de 2004, aplicável na altura da elaboração do caderno de encargos, que foi adaptado à fórmula de revisão de preços relativa à obra em causa.
X. A fórmula foi retificada em reunião de câmara de 18-3-2009, tendo sido comunicada à recorrente pelo ofício n.º 1593 de 19-3-2009, enviada em correio simples, tendo a ata referente àquela reunião de câmara sido objeto de publicação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 91.º da Lei n.º 169/99.
XI. Aquele erro material manifesto, poderia ser retificado a todo o tempo pela câmara municipal, órgão competente para a revogação do ato, nos termos do disposto no artigo 148.º do CPA, vigente à data dos factos, uma vez que, nos termos do artigo 249.º do Código Civil, tal erro de escrita dava direito à sua retificação.
XII. “Trata-se da correção do chamado “lapsus calami”, quando sejam evidentes as divergências entre a vontade real e a vontade declarada do órgão. Os efeitos jurídicos do ato originário mantêm-se, havendo lugar apenas à correção de erros ou imprecisões na sua expressão” - in “Código do Procedimento Administrativo Anotado” de Diogo Freitas do Amaral, pág. 148.
XIII. Não há dúvida que o erro ocorreu numa fase pré-concursal, aquando da transcrição da fórmula do documento interno para o caderno de encargos e não após ter sido outorgado o contrato administrativo entre o Município de Mortágua e a recorrente.
XIV. Tratou-se, por isso, da correção de erro material, correção de um mero lapso de escrita e da reposição da vontade do recorrido quando elaborou o caderno de encargos e colocou a obra a concurso, tendo o contrato administrativo sido celebrado entre o recorrido e a recorrente posteriormente à ocorrência do erro em apreciação.
XV. Nenhuma legitimidade tem a recorrente para estabelecer, propor ou negociar uma fórmula de cálculo da revisão de preços, cuja elaboração cabe, de forma exclusiva, à entidade que colocou a obra a concurso, sendo destituído de qualquer fundamento a formula que a recorrente propõe como alternativa à fórmula aplicável.
XVI. Nos termos do artigo 1.º n.º 1 do DL n.º 6/2004, o preço das empreitadas de obras públicas a que se refere o DL n.º 59/99 fica sujeita a revisão de preços, em função das variações para mais ou para menos, dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas.
XVII. No caso de eventual omissão do contrato relativamente à fórmula de revisão de preços, aplicar-se-á a fórmula tipo estabelecida para obras da mesma natureza, nos termos do disposto no artigo 199.º do DL nº 59/99.
XVIII. A fórmula que o recorrido elaborou será a única que poderá ser utilizada no cálculo da revisão de preços da empreitada em causa, sendo certo que a revisão de preços é obrigatória nos termos do artigo 1.º n.º 2 do DL n.º 6/2004.
XIX. A retificação de atos administrativos prevista no artigo 148.º do CPA será aplicável à factualidade dos presentes autos, não se tratando de uma modificação contratual, mas sim da correção de um erro material na expressão da vontade do recorrido, sem necessidade da aquiescência da contraparte.
XX. A douta sentença recorrida não padece de erro de julgamento ao decidir pela aplicação do artigo 148.º do CPA e em consequência ter admitida a correção do erro material que existia na fórmula de revisão de preços.
XXI. O teor da deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18-3-2009, que corrigiu o erro material e repôs a fórmula como havia sido elaborada inicialmente, foi objeto de publicidade nos termos legais e comunicada à recorrente por via postal, através do oficio de 19-3-2009.
XXII. O artigo 70.º n.º 1 do CPA, vigente à data dos factos, permitia a notificação via postal, desde que existisse distribuição domiciliária na localidade de sede do notificando, tendo a notificação do teor da deliberação sido enviada à recorrente, através de correio simples.
XXIII. Tal comunicação, dando nota da retificação do referido erro material e do teor da deliberação tomada em reunião de câmara de 18-3-2009, foi registada no registo de correspondência da câmara municipal com o n.º 1593 e enviada à recorrente para a morada que constava do procedimento e para onde foi remetida a demais correspondência que foi sempre recebida, não tendo sido devolvida até à presente data, tratando-se da única carta remetida pelo recorrida no âmbito do procedimento em causa que a recorrente alega não ter sido recebida!
XXIV. Como se tratava de um erro material manifesto, sendo fácil concluir que a soma dos coeficientes dos índices não eram iguais à unidade, poderia ser retificado a todo o tempo, nos termos do artigo 148.º do CPA, pelos órgão competentes para a revogação do ato, como veio a suceder.
XXV. Tendo a recorrente conhecimento do teor da deliberação e sendo a retificação do erro possível a todo o tempo, a fórmula retificada terá de ser utilizada no calculo da revisão de preços da empreitada em causa.
XXVI. Pelo que, não existe fundamento, nem de facto nem de direito, para a revogação da sentença, nem para a absolvição da recorrente do pedido, sendo certo que, a revisão de preços é obrigatória, nos termos do disposto no artigo 1.º n.º 2 do DL n.º 6/2004, com observância do disposto nesse diploma legal.
XXVII. Devendo ser mantida a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
Termos em que, deverá ser julgado improcedente o recurso e, consequentemente, ser mantida a douta sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida, tudo com os demais termos até final. Assim se fazendo JUSTIÇA”
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O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 10 de abril de 2018 (Cfr. Fls. 338 Procº físico).
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Já neste TCAN foi o Ministério Público notificado em 30 de abril de 2018 (Cfr. fls. 342 Procº físico), nada tendo vindo dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Suscita-se no Recurso intentado, designadamente, a indevida correção do teor “da fórmula de revisão de preços que constava do caderno de encargos da empreitada”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“Dos autos resultam provados os seguintes factos:
1) Por deliberação de 10-10-2013, levada a registo em 31-10-2013 e publicada 4-11-2013, foi concretizada a fusão por incorporação com transferência global do património da sociedade anónima “CAB, S.A.” na ora ré – cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial.
2) No exercício da sua atividade, a incorporada, CAB S.A., concorreu ao concurso público para execução da empreitada de "Construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche", promovido pelo autor.
3) Com data de 17-2-2009 foi celebrado entre o autor e a CAB S.A., o contrato da aludida empreitada – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4) No seguimento dos trâmites processuais do concurso público, o autor por deliberação da Câmara Municipal de Mortágua tomada em reunião de 21-1-2009, adjudicou à CAB S.A. a referida empreitada – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial.
5) A CAB S.A. assumiu o compromisso de cumprir as condições técnicas e jurídicas do DL n.º 55/99 de 2 de Março e do caderno de encargos que serviu de base ao concurso – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial.
6) A retificação da fórmula de revisão de preços constante no caderno de encargos foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18-3-2009, cuja ata foi objeto de publicação – cfr. docs. 6 e 8 e depoimento testemunhal.
7) O Autor emitiu o ofício nº 1593 de 19-03-2009, mediante correio não registado, comunicando à autora que a retificação da fórmula foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18-3-2009, com o seguinte teor:
(dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância - Artº 663º nº 6 CPC).
- cfr doc 7 e depoimento testemunhal.
8) Em 19-4-2012 foi efetuada a receção provisória da obra, não tendo sido efetuada a receção definitiva - cfr. doc. 5.
9) Foi efetuado o cálculo da revisão de preços, com base no último cronograma financeiro e plano de pagamento proposto pela CAB S:A, enviado através do ofício de 14-9-2010 – referência 013/LM/2010 (cfr doc. 10).
10) Procedeu-se ao cálculo da revisão de preços da empreitada, através da fórmula indicada no caderno de encargos corrigida cujas operações e coeficientes se encontram discriminados – cfr. documento n.º 11, que se junta e dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e depoimento testemunhal.
11) Em reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 28-05-2013 cuja ata foi objeto de publicação (artigo 91º da Lei nº 169/99) foi deliberado aprovar o cálculo da revisão de preços – cfr. docs. 12 e 13 juntos com a petição inicial.
12) Através do ofício nº 1798 de 31-5-2013, recebido pela CAB S.A. em 4-6-2013, foi comunicado que havia sido aprovado o cálculo da revisão de preços e que o autor tinha a receber da ré, a esse titulo, a quantia de 60.685,07 €, acrescida de IVA no valor de 3.641,10 €, ou seja a importância global de 64.326,17 € (doc 14).
13) Através de comunicações datadas de 12-6-2013, 8-7-2013 e 8-8-2013 a CAB S.A. veio afirmar que a deliberação de 18-3-2009 nunca lhe foi notificada – cfr. docs. 15 a 17 juntos com a petição inicial.

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado, em função dos factos dados como provados.
Pela sua relevância para a ponderação que se fará, importa transcrever condensadamente o essencial “do direito” da decisão recorrida.
Aí se diz:
“Veio o autor peticionar a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 64.326,17 €, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 18/7/2013 até integral pagamento.
Argumenta para o efeito que procedeu-se ao cálculo da revisão de preços da empreitada, através da fórmula indicada no caderno de encargos (artigo 5º alínea a) do DL 6/2004), cujas operações e coeficientes se encontram discriminados no documento n.º 11, que se junta e dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Tendo o autor a receber da ré, a título de revisão dos trabalhos de natureza prevista, a quantia de 66.424,84 € (cfr doc 11) e a ré a receber do autor, a título de revisão de trabalhos de natureza imprevista 5.739,77 € (cfr doc 11).
Deste modo terá o autor direito a receber da ré, a título de revisão de preços, a quantia de 60.685,05 €, acrescido de IVA à taxa de 6% no valor de 3.641,10 €.
Ora, nos termos do disposto no artigo 1.º, nº 1 do DL nº 6/2004, o preço das empreitadas de obras públicas a que se refere o DL n.º 59/99 fica sujeito a revisão, em função das variações para mais ou para menos, dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores no mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas.
Sendo a revisão de preços obrigatória (artigo 1º nº 2 do DL nº 55/99).
Acontece que, a fórmula de revisão de preços descrita no ponto 6 das cláusulas complementares do Caderno de Encargos apresentava um lapso de escrita, um mero erro material, uma vez que, onde constava 0,05 M10 / Mo10 deveria constar 0,02 M10 / Mo10.
Em consequência desse erro, a somas dos coeficientes dos índices de custos da respetiva fórmula polinominal não eram iguais à unidade.
Sendo que tal lapso constituía um erro material, que não foi detetado no período de concurso, nem pelos concorrentes, nem pelos serviços.
A referida retificação da fórmula foi efetuada em reunião de câmara de 18-3-2009 (doc. 6), tendo sido comunicada à ré pelo ofício nº 1593 de 19-3-2009, enviado em correio simples, (doc 7) e a respetiva ata objeto de publicação (cfr doc 8).
Ora, como argumenta o autor, tratou-se de um erro material manifesto, que nos termos do disposto no artigo 148º do CPA poderia ser retificado a todo o tempo pela Câmara Municipal, órgão competente para a revogação do ato.
Deste modo, nos termos da cláusula 6ª das cláusulas complementares do caderno de encargos, que serviu de base ao concurso público da empreitada (doc 9), foi efetuado o cálculo da revisão de preços, com base no último cronograma financeiro e plano de pagamento proposto pela CAB S:A, enviado através do oficio de 14-9-2010 – referencia 013/LM/2010 (cfr doc. 10).
Assim procedeu-se ao cálculo da revisão de preços da empreitada, através da fórmula indicada no caderno de encargos (artigo 5º alínea a) do DL 6/2004), cujas operações e coeficientes se encontram discriminados no documento n.º 11, que se junta e dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Como resulta da matéria provada em reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 28-05-2013 (cfr doc 12), cuja ata foi objeto de publicação (artigo 91º da Lei nº 169/99) (cfr doc 13), foi deliberado aprovar o cálculo da revisão de preços.
Através do ofício nº 1798 de 31-5-2013, recebido pela CAB S.A. em 4-6-2013, foi comunicado que havia sido aprovado o calculo da revisão de preços e que o autor tinha a receber da ré, a esse titulo, a quantia de 60.685,07 €, acrescida de IVA no valor de 3.641,10 €, ou seja a importância global de 64.326,17 € (doc 14).
Ficou a CAB S.A. notificada, em 4-6-2013, que, nos termos do disposto no artigo 17º do DL nº 6/2004, tinha o prazo de 44 dias para pagar aquela quantia ao autor (cfr doc 14).
Através de comunicações datadas de 12-6-2013, 8-7-2013 e 8-8-2013 a CAB S.A. veio afirmar que a deliberação de 18-3-2009 nunca lhe foi notificada.
Acrescentando que tal deliberação consubstanciaria uma alteração unilateral do contrato de empreitada, e que, dada a ausência de notificação da mesma, era manifestamente ilegal.
E que, na sequência do erro material da fórmula, o valor reclamado pelo autor a titulo de revisão de preços não era devido pela ré (cfr. doc. 15, 16 e 17).
Com efeito, a fórmula da revisão de preços estava incorreta, pois a soma dos coeficientes dos índices de custos da fórmula polinominal não eram iguais à unidade.
De facto, na fórmula, onde constava 0,05M10/Mo10 deveria constar 0,02M10/Mo10.
Porém, tratava-se de um erro material que, nos termos do artigo 148º do CPA, quando manifesto, como era o caso, uma vez que facilmente se concluía que a soma dos coeficientes dos índices não eram iguais à unidade, poderia ser retificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato.
A verdade é que a reposição da fórmula como havia sido elaborada inicialmente, foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18-3-2009 e comunicada à ré através do oficio nº 1593 de 19-3-2009 (cfr docs 6, 7 e 8 e depoimento testemunhal).
Sendo certo que a comunicação enviada pelo autor à ré, dando nota da retificação do referido erro material, ocorrida em reunião de câmara de 18-3-2009, foi registada na correspondência da câmara municipal com o n.º 1593 e enviada à ré para a morada que consta do procedimento e para onde foi remetida a demais correspondência, que foi sempre recebida, embora tenha sido enviada em correio simples.
Acresce que, a ata da reunião de câmara referida, foi objeto de publicidade nos termos legais.
Não subsistem dúvidas em como o erro dizia respeito a uma fase pré-concursal, à elaboração do caderno de encargos.
Tratou-se assim da retificação de erro material que ocorreu nessa fase pré-concursal, na transcrição da fórmula constante do documento interno elaborado pelos serviços que redigiram o caderno de encargos e não após ter sido outorgado o contrato administrativo entre autor e ré.
Sendo que, tal contrato administrativo entre autor e ré formou-se posteriormente ao facto em apreciação.
Tratando-se da correção do erro material e da reposição da vontade do autor quando elaborou o caderno de encargos e colocou a obra a concurso.
Não podemos olvidar que, a quem cabe elaborar o caderno de encargos é à entidade que colocou a obra a concurso.
É ao autor que caberá definir os termos da fórmula de revisão de preços, tendo, nomeadamente, como elemento meramente indicativo, na altura da elaboração do caderno de encargos em causa, o Despacho nº 22637/2004 (2ª série), publicado no Diário da República, 2ª série, de 5 de Novembro de 2004.
E, de facto, o teor desse despacho foi adaptado à revisão de preços relativa à obra em causa.
Assim, não pode o empreiteiro fixar qualquer fórmula de revisão de preços, sendo certo que os vários elementos, valores e coeficientes da fórmula foram pré-determinados no caderno de encargos.
Não podendo por isso aceitarem-se os cálculos que a ré desenvolve.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 62º do DL nº 59/99, o caderno de encargos é elaborado pelo dono da obra, ora autor.
Cabendo ao autor, como dono da obra, de forma exclusiva, a elaboração da fórmula de revisão de preços inserta no caderno de encargos.
Sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 199º do DL nº 59/99, no caso de eventual omissão do contrato relativamente à fórmula de revisão de preços, aplicar-se-á a fórmula tipo estabelecida para obras da mesma natureza.
Pelo que nenhuma legitimidade tem a ré para estabelecer ou propor, uma fórmula de cálculo da revisão de preços.
Assim, a fórmula que o autor elaborou, deverá ser utilizada no cálculo da revisão de preços da empreitada em causa.
O prazo estabelecido no artigo 17º do DL nº 6/2004, para ser efetuado o pagamento da quantia de 64.326,17 €, referente à revisão de preços da empreitada, terminou em 17-7-2013.
Deste modo, o cálculo da revisão de preços e que o autor tinha a receber da ré, a esse título, a quantia de 60.685,07 €, acrescida de IVA no valor de 3.641,10 €, ou seja, a importância global de 64.326,17 €, é devida.”
Efetivamente, veio na presente Ação o Município peticionar que a aqui Recorrente fosse condenada a pagar-lhe 64.326,17€, correspondente à revisão de preços da empreitada de “Construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche”.
Em síntese, alegou o Município que a fórmula de revisão de preços que constava no caderno de encargos da empreitada atrás identificada apresentava um lapso de escrita, sendo que onde constava “0,05 M10/Mo10” deveria referir-se “0,02M10/Mo10”, pois que a soma dos coeficientes da fórmula não correspondiam á unidade.
Mais entendeu o Município, o que veio a ser corroborado na decisão recorrida do tribunal a quo, que tratando-se de um erro material, o mesmo deveria ser corrigido nos termos do artigo 148º do CPA, em face do que procedeu à correção do erro constante da fórmula de revisão de preços, por deliberação de câmara de 18.3.2009.
A referida deliberação terá sido notificada à aqui Recorrente através do ofício nº 1593 de 19-3-2009, enviado por via postal simples, sendo que a Recorrente afirma não ter recebido o referido ofício.
A correção introduzida na referida fórmula determinou que a Recorrente tivesse de pagar acrescidamente ao Município 64.326,17€.
Em contraponto, entende a Recorrente que a retificação operada ao abrigo do artigo 148º do CPA não podia ter lugar no procedimento em causa por se tratar de um contrato administrativo.
Vejamos:
Atenta a matéria de facto dada como provada, há um conjunto de circunstâncias que importa evidenciar:
a) No seguimento da realização de Concurso Público, o Município de Mortágua em 21 de janeiro de 2009, deliberou adjudicar à aqui Recorrente a Empreitada de "Construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche”
b) Em de 17-2-2009 foi celebrado entre as partes o correspondente Contrato de Empreitada.
c) Em 18-3-2009 o município delibera retificar a fórmula de revisão de preços constante no caderno de encargos;
d) Em 19-03-2009, o município notifica a Recorrente, por via postal simples, não registado, a referida retificação;
e) A Recorrente afirma nunca ter recebido a referida notificação;
f) O Município não tem meios de fazer prova de que a referida notificação chegou ao conhecimento da Recorrente.
Efetivamente, confirmando a decisão proferida pelo Município, o Tribunal a quo veio a entender que “na fórmula, onde constava 0,05 M10 deveria constar 0,02 M10/Mo10” tendo decidido que se tratava “(…) de um erro material que, nos termos do artigo 148º do CPA, quando manifesto, como era o caso, uma vez que facilmente se concluía que a soma dos coeficientes do índices não eram iguais à unidade, poderia ser retificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato.”
Mais entendeu o tribunal a quo que estaríamos perante a “retificação de erro material que ocorreu nessa fase pré-concursal, na transcrição da fórmula constante do documento interno elaborado pelos serviços que redigiram o caderno de encargos e não após ter sido outorgado o contrato administrativo entre autor e ré.”
Independentemente do momento em que ocorreu o erro, o que é facto é que a sua correção só veio unilateralmente a ser corrigida depois de celebrado o contrato de empreitada, alterando significativamente os seus pressupostos, no que concerne ao cálculo da fórmula de revisão de preços constante no caderno de encargos, em desfavor da aqui Recorrente.
Refira-se desde já que é incontornável que se verificou um erro na fixação da fórmula de revisão de preços, constante do caderno de encargos, pela singela razão que a soma dos coeficientes dos índices não correspondem à unidade.
No entanto, está por provar que o modo como a correção foi unilateralmente efetuada, seria a única suscetível de ser realizada, ao que acresce a circunstância da fórmula fixada se ter manifestado francamente desfavorável à Recorrente.
É pois manifesto que o Município efetuou a controvertida retificação da fórmula de revisão de preços que constava no caderno de encargos, após a celebração do contrato de empreitada, enquanto contrato administrativo, nos termos do Artº 178º nº 2 alínea a) do CPA, com consequências manifestas no próprio contrato, em face do que se não mostra legítima a intervenção unilateral do Município como se estivesse em causa uma mera correção de um ato administrativo.
Como afirmam em anotação ao referido artigo 178º do Código do Procedimento Administrativo, José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho (Pág. 1031 – 5ª Ed. 2002) “aquela bilateralidade envolve, necessariamente a ideia de que a administração, para prosseguir o interesse público que a lei pôs a seu cargo, não pode agir com o poder de autoridade que caracteriza a produção do acto administrativo. Ela carece do acordo do particular para dele obter colaboração no fim administrativo a que tende a sua atividade.”
Mal seria que a Administração, mesmo corrigindo eventuais erros, pudesse alterar unilateralmente contratos de empreitada já celebrados, mormente quando a correção a realizar não tenha apenas potencialmente uma única solução.
Ainda assim, como afirmam em anotação ao Artº 148º do CPA os já referidos autores, um eventual erro “(...) só dará lugar a retificação quando for ostensivo, manifesto e indiscutível”, sendo que na situação em apreciação, uma vez que como se disse já, a retificação a operar poderia seguir caminhos divergentes, naturalmente que desde logo fica comprometido o referido pressuposto de “indiscutibilidade”.
É certo que o erro existe, sendo que o que não é pacífico e indiscutível é que a solução adotada pelo Município seja a única potencialmente adotável.
Na realidade, mesmo que estivéssemos em presença de um mero ato administrativo, a retificação a introduzir em decorrência de um lapso verificado, nunca poderia subverter o sentido e os termos e condições estabelecidos no contrato de empreitada.
Mesmo que se estivesse perante uma mera retificação de um ato administrativo, o que, como se referiu, não é o caso, ainda assim, como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 01147/06.5BEVIS, de 29.02.2012, “a retificação de atos administrativos é figura reservada para “a hipótese de na expressão da vontade administrativa, normalmente por escrito, serem cometidos erros materiais (enganos de nomes, de números, de qualidades, de localização, etc.) que não afetem a validade do acto mas apenas a sua correção formal”. Daquilo que se trata é, pois, de um acto válido mas que, em resultado de um engano de quem o redigiu, padece de alguma incorreção.
A retificação pressupõe a manutenção do acto retificado, já que se limita a corrigir lapsos manifestos de cálculo e de escrita. A intenção que a motiva “é apenas e tão só, a clarificação do acto praticado ou a correção de um evidente erro de cálculo ou de escrita e não a sua modificação ou alteração substancial”.
A retificação a introduzir sempre teria de se mostrar intuitiva e não suscetível de subverter o contratualizado, mal se compreendendo como uma retificação unilateral se poderia consubstanciar num acréscimo do encargo da aqui Recorrente em mais de 60.000€, já depois de celebrado o correspondente contrato de empreitada.
Em face do precedentemente expendido, entende-se que a Sentença aqui Recorrida não poderá ser mantida na ordem jurídica, por padecer de erro de julgamento ao ter ratificado o entendimento adotado pelo Município de proceder retificação da fórmula de revisão de preços a seu favor, já após a celebração do contrato de empreitada.
Ainda que entenda que a fórmula a adotar na revisão de preços, constante do Caderno de Encargos, não era suscetível de ser unilateralmente retificada, vem ainda pela Recorrente suscitar a questão da ausência de notificação do ato retificativo.
O que aqui está em causa predominantemente, é uma questão de prova, pois que o Município entende que notificou o referido ato, ao invés da Recorrida que afirma não ter recebido a notificação.
Consta da Sentença recorrida que “a reposição da fórmula como havia sido elaborada inicialmente foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18/03/2009 e comunicada à ré através do oficio n.º 1593 de 19-03-2009”.
Aliás, foi dado como provado que “o autor emitiu o oficio n.º 1593 de 19-03-2009, mediante correio não registado, comunicando à autora que a retificação da fórmula foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18/03/2009 (…)”, (cfr. Ponto 7 dos factos provados.)
Mais se refere na Sentença Recorrida que o “Tribunal firmou a sua convicção com base na análise de todos os documentos juntos aos autos, bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, designadamente (…), CMLC, controler de obra, funcionária da ré, faz parte do departamento de gestão, dá apoio à parte técnica e administrativa, prestou o seu depoimento defendendo o ponto de vista da ré, referiu que não foi recebida a correspondência em causa, (…)”
Confessadamente o Município reconhece que a controvertida notificação foi enviada por via postal simples, não registada, em face do que não logrou fazer prova que a mesma tenha chegado ao seu destinatário, o que necessariamente favorece a tese da Recorrente, tanto mais que o artigo 51º do decreto-lei nº 59/99 de 2 de Março aplicável à situação em apreciação, refere expressamente que “as notificações no processo do concurso serão feitas pelo correio sob registo (…)”
Uma vez que a referida retificação só veio a ser aprovada após a celebração do contrato de empreitada, ainda assim, resulta do artigo 140º do DL nº 59/99 que “as notificações das resoluções do dono de obra ou do seu fiscal serão obrigatoriamente feitas ao empreiteiro ou seu representante por escrito”, sendo que empreiteiro devolverá “um dos exemplares com recibo”.
É pois manifesto que a via postal simples, não registada, não assegura a necessária prova da efetivação da notificação em causa.
A circunstância do facto 7 da matéria provada, assegurar que “O Autor emitiu o ofício nº 1593 de 19-03-2009, mediante correio não registado, comunicando à autora que a retificação da fórmula foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18-3-2009 (...)”, não significa, nem faz prova de que o mesmo tenha chegado ao seu destinatário, sendo que é isso que está por provar e que o Município não logrou demonstrar.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, Revogando-se a Sentença Recorrida, mais se julgando improcedente a Ação.
Custas pela Entidade Recorrida
Porto, 28 de junho de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira