Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00692/09.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA CONCLUSIVA
Sumário:I) O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II) Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
III) Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva(somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova,já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J…., Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Rebordosa, Paredes, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 18/10/2012, que julgou improcedente a impugnação judicialdeduzida contra as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios de 2004 e 2005, no valor de €26.226,23 e €12.152,86, respectivamente.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1.- A douta decisão não se pronunciou quanto aos factos:
Que os serviços constantes das facturas e propostas não foram realizados por mais ninguém”
“ Que sem os serviços constantes das facturas e propostas constantes dos autos não era possível as obras ficarem concluídas”
2.- A douta decisão atribuiu apenas credibilidade ao relatório inspectivo e ao depoimento prestado pelo senhor Inspector, quando este nunca esteve na empresa recorrente; não verificou as obras para saber se as mesmas foram ou não realizadas; não verificou se, estando realizadas, quem as realizou; não verificou os elementos contabilísticos da recorrente para saber se relativamente às mesmas obras existem ou não outras facturas.
Pelo que, ao contrário de ser dado credibilidade ao depoimento do Senhor Inspector, o mesmo não merecia crédito.
3.- A ora recorrente não tem trabalhadores ligados à produção, contratando todas as obras que executa.
4.- O depoimento do Senhor Inspector apenas se pronunciou sobre a empresa de construções “A…”, nada depondo sobre as outras empresas, não se compreendendo que tenha sido dado crédito apenas ao relatório, desprezando-se em absoluto as provas produzidas por documentos e restantes testemunhas.
5.- A matéria dada por não provada, devia ser dada por provada, face à prova produzida.
6.- As regras da experiência levariam em sentido inverso à alegada na douta decisão, a qual necessitaria de fundamentação, pois as obras nunca seriam dadas como concluídas se não existissem os trabalhos que constam nas facturas e propostas juntas aos autos.
7.- As testemunhas arroladas pela ora recorrente demonstraram ter conhecimento directo da substância dos factos, não se entendendo que os seus depoimentos não tivessem sido credibilizados.
8.- Violou a douta decisão, entre o mais, o disposto nos artigos 513º e ss e 668º CPC.
TERMOS EM QUE, REVOGANDO OU ANULANDO A DOUTA DECISÃO, SE FARÁ JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por não se ter pronunciado acerca de determinados factos invocados, e se enferma de erro de julgamento de facto.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva ao IRC do exercício de 2004 (fls. 61 do processo reclamação graciosa apenso (PRG)).
B) A impugnante foi sujeita a duas acções inspectivas ao IRC do exercício de 2005 (fls. 61 2 124 do PRG).
C) A primeira acção inspectiva realizada à impugnante ao exercício de 2005, foi concluída pelo relatório de inspecção tributária junto ao PRG de fls. 124 a 139, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) A acção inspectiva realizada à impugnante ao exercício de 2004 e segunda acção inspectiva realizada ao exercício de 2005, foi concluída pelo relatório de inspecção tributária junto ao PRG de fls. 61 a 89, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
E) A primeira acção inspectiva ao exercício de 2005 teve origem no facto de ter-se constatado a existência na contabilidade da impugnante de facturas emitidas pelos sujeitos passivos alegadamente emitentes de facturação falsa, P…– Construções, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, abreviadamente designada P…, e J…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, abreviadamente designada J… (fls. 124 a 139 do PRG).
F) A acção inspectiva ao exercício de 2004 e segunda acção inspectiva ao exercício de 2005 teve origem no facto de se ter-se constatado a existência na contabilidade da impugnante de facturas emitidas pelo sujeito passivo alegadamente emitentes de facturação falsa, Sociedade de Construções A…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, abreviadamente designada SCA… (fls. 61 a 89 do PRG).
G) No exercício de 2004 a impugnante contabilizou as seguintes facturas emitidas pela SCA... (fls. 61 a 86 do PRG):
Factura n.ºDataValor
2723/12/200429.155,00 €
27517/12/200457.358,00 €
H) A impugnante tinha registado na sua contabilidade no exercício de 2005 as seguintes facturas emitidas pela P…, J… e SCA… (fls. 61 a 89 e 124 a 139 do PRG):
EmitenteFactura n.ºDataValor
SCA…31728/2/200538.284,68 €
P…15222/11/200560.646,41 €
J…808924/11/200524.589,62 €
I) A impugnante registou estas facturas na sua contabilidade originando custos para efeitos de IRC nos exercícios de 2004 e 2005 (fls. 61 a 89 e 124 a 139 do PRG).
J) Os serviços de inspecção tributária consideraram que estas facturas emitidas pela P…, J… e SCA…, registadas na contabilidade da impugnante não titulavam serviços efectivamente prestados pelas emitentes (fls. 61 a 89 e 124 a 139 do PRG).
K) A administração tributária chegou a esta constatação com base nos fundamentos constantes dos relatórios da inspecção tributária de fls. 61 a 89 e 124 a 139 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
L) A administração tributária considerou que os custos em sede de IRC de 2004 e 2005 relativos a essas facturas foram indevidamente contabilizados (fls. 61 a 89 e 124 a 139 do PRG).
M) Em consequência a administração tributária procedeu às seguintes correcções meramente aritméticas da matéria tributável do IRC:
M.1) No exercício de 2004 no valor de 86.513,00 €, passando a matéria colectável da impugnante para o montante de 192.597,15 € (fls. 62 e 91 do PRG);
M.2) No exercício de 2005, na sequência da primeira inspecção, no valor de 85.236,03 €, passando a matéria colectável da impugnante para o montante de 100.225,64€ (fls. 109 e 141 do PRG); e
M.3) No exercício de 2005, na sequência da segunda inspecção, no valor de 38.284,68 €, passando a matéria colectável da impugnante para o montante de 138.510,32€ (fls. 63 e 90 do PRG).
N) Estas correcções deram origem ao lucro tributável corrigido de 221.852,86€, no exercício de 2004, e de 138.510,32 €, no exercício de 2005 (fls. 42 e 43 do PRG) e às liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios no valor de 26.226,23 € e 12.152,86 €, para os exercícios de 2004 e 2005 (fls. 44 a 48 do PRG).
O) A impugnante reclamou graciosamente da liquidação de IRC de 2004, pelo requerimento de fls. 1 a 13 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
P) A impugnante reclamou graciosamente da liquidação de IRC de 2005, pelo requerimento de fls. 22 a 34 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Q) Sobre estas reclamações foi proferido o projecto de despacho de fls. 142 a 152 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
R) A impugnante exerceu o direito de audição sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa, pelo requerimento de fls. 204 e 205, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
S) As reclamações graciosas foram indeferidas pelo despacho de fls. 207 e 208, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
T) A impugnante recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pelo requerimento de fls. 2 a 14 do processo de recurso hierárquico (PRH), cujo teor aqui se dá por reproduzido.
U) O recurso hierárquico foi indeferido por despacho de 14/5/2009, proferido de fls. 21 a 31 verso do PRH, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) As facturas n.ºs 272, 275 e 317 emitidas pela SCA… contabilizadas pela impugnante em 2004, as duas primeiras, e 2005, a última, correspondem a trabalho efectivamente prestado à impugnante nas obras da Estrada Nacional n.º 209 e no Lote n.º 8 de Soutelo, Lordelo.
2) A factura n.º 152, emitida em nome da P… contabilizada pela impugnante em 2005 corresponde a trabalho efectivamente prestado à impugnante na obra situada no Lote n.º 8 de Soutelo, Lordelo.
3) A factura n.º 8089, emitida em nome da J… contabilizada pela impugnante em 2005 corresponde a trabalho efectivamente prestado à impugnante na obra situada no Lote n.º 8 de Soutelo, Lordelo.
4) As obras constantes das facturas consistiram concretamente no seguinte:
4.1) Quanto à factura n.º 272: – Tapar todas as caixas de saneamento e fossas já desactivadas; – Todas as coretes nas caves; – Fracções A e B: - Arranjar todos os portões, incluindo um novo; – Substituir tomadas partidas e interruptores partidos; – Mudar cinco circuitos que estão queimados e dois quadros eléctricos com chave; – Arranjar 4 portas das casas de banho e substituição de uma delas por uma nova; – Pintar as fracções A, B e D com cerca de 750 m2 tectos; pintar paredes, com tinta plástica branca e retocar;
4.2) Quanto à factura n.º 275: – Muro de suporte, junto ao ribeiro em toda a extensão; – Paredes de mecan de 15 cm de espessura; – Arear paredes e pintar em creme argamassa; – 6 armaduras e duas lâmpadas; 6 tomadas, quadro eléctrico e ramal subterrâneo;
4.3) Quanto à factura n.º 317: – Fazer garagens individuais, com divisões a tijolo; – Gesso nos tectos das garagens e zonas comuns; – Arear paredes e chão; Pinturas; – Portões de báscula;
4.4) Quanto à factura n.º 152: - Fazer chão em toda a cave com 10 cm de rachão, 5 cm de brita e malhassol; - Dividir 9 garagens individuais em tijolo de 9 cm espessura; – Acabar tectos a gesso; – Arear paredes; – Acabamento do chão; – Pinturas portões; – Tijoleira no chão; – Gesso em 3 lojas no rés do chão; – casas de banho; e
4.5) Quanto à factura n.º 8089: - Execução de trabalhos de electricidade em 15 garagens, 1 sala de condomínio e respectivas zonas comuns e 3 lojas; – Instalações eléctrica.
3.1.1 – Motivação.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PRG e PRH e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
Pese embora, a impugnante tivesse impugnado os relatórios da inspecção tributária e os documentos apresentados pela administração tributária, a impugnante não invocou a falsidade de tais documentos, nem fez prova que contrariasse o teor dos referidos documentos. Assim, não tendo sido feita prova da falsidade desses documentos, nem contraprova do seu teor, o tribunal valorizou-os para fundamentar a sua convicção.
Além disso para a matéria de facto provada o tribunal relevou ainda o depoimento isento e coerente da testemunha Rogério Rodrigues, que reiterou, em síntese, o teor do relatório de inspecção tributária realizado por si, conjugado com a restante prova já carreada para o processo e com as regras da experiência.
A matéria de facto não provada resultou da insuficiência de prova.
Sendo factos alegados pela impugnante recaía sobre ela o respectivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT).
Para prova dos factos alegados, além dos documentos já juntos aos autos, a impugnante juntou ainda documentos relacionados com as alegadas facturas, designadamente as propostas de orçamento e cheques emitidos para pagamento das facturas emitidas à SCA... e arrolou três testemunhas, sendo uma sua arrendatária e duas filhos do sócio gerente da impugnante e seus ex-funcionários.
Os documentos juntos – propostas de orçamento e cheques – só por si, desacompanhados de outras provas que estabeleçam uma ligação coerente e verosímil entre os documentos apresentados e a efectiva prestação de serviços que constam das facturas e a que respeitam esses documentos, não são bastantes para convencer o tribunal da prestação efectiva do serviço pelas emitentes das facturas, sobretudo quando se pondera essa prova com a prova consistente e coerente da Fazenda Pública que revelam a existência de fortes indícios que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a uma efectiva prestação de serviço, que abalam a credibilidade da contabilidade da impugnante e a presunção da sua veracidade (arts. 73.º e 75.º da LGT), passando a competir à impugnante o ónus da prova dos factos alegados que demonstrem a veracidade das operações económicas desconsideradas pela administração tributária (art. 74.º da LGT).
Por outro lado, o depoimento das testemunhas não se revelou suficientemente coerente e consistente para convencer o tribunal dos factos alegados pela impugnante e que foram julgados não provados.
As testemunhas nos seus depoimentos não exteriorizaram espontaneidade e consistência bastante para convencer o tribunal, respondendo de forma genérica e vaga, corroborando os factos alegados pela impugnante.
Porém, os depoimentos têm algumas discrepâncias e incoerências que abalam a sua credibilidade e que conjugados com a coerência da prova documental carreada para os autos são insuficientes para convencer o tribunal.
A testemunha Paulo... não sabia nada acerca das prestações de serviço de P… e J… e relativamente à SCA… apenas referiu de forma genérica que tinha visto a trabalhar nas obras da impugnante umas pessoas que utilizavam uma carrinha que tinha umas letras “M…” e que diziam que eram empregadas do “M…”. Porém, não logrou identificar concretamente quem era essa pessoa e que vinculo existia entre ela e a impugnante e qual era a natureza e tipo de contrato que as ligava, não estabelecendo qualquer tipo de relação consistente entre o dito “M…” e a SCA… e se ele poderia até ser seu empregado.
A testemunha Jorge… declarou de forma vaga os trabalhos efectuados pela SCA... não os concretizando e apresentou algumas discrepâncias com as facturas em causa, porquanto declarou que no Lote n.º 8 trabalhou nas lojas e num piso das garagens, quando a factura refere-se apenas a trabalhos efectuados nas garagens. Acresce que esta testemunha referiu-se às pessoas que trabalharam na obra de forma vaga não identificando concretamente as empresas emitentes das facturas e no que se refere ao alegado fornecimento de material respondeu de forma imprecisa e coma algumas contradições e correcções que abalaram a espontaneidade e credibilidade do depoimento.
A testemunha V… também prestou um depoimento genérico declarando de forma vaga que trabalharam nas obras um Sr. M… e um Sr. P… e na parte eléctrica um Sr. C…, não os identificando de forma cabal, mas não soube identificar as obras concretas realizadas. Apesar de ter declarado que a SCA... no lote n.º 8 só trabalhou num dos pisos das garagens, corroborando a factura, relativamente à obra da Estrada Nacional n.º 209 declarou que “do que sabe” só trabalhou nos armazéns, que não trabalhou nas fracções nem nas garagens, o que contraria o teor da factura n.º 272, que refere reparações realizadas nas fracções A, B, C, D, E e F.
Acresce que nos seus depoimentos referiram que o material era fornecido pelas empresas, o que contraria o teor das facturas da SCA... que não referem o fornecimento de qualquer material.
Estas incoerências e contradições, conjugadas com as restantes incoerências que se assinalarão na fundamentação do erro nos pressupostos, abalam a credibilidade do depoimento destas testemunhas.
«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.º do CC).
No caso em apreço, a inconsistência destes depoimentos, conjugada com a restante prova carreada para os autos, levaram a que o tribunal não lhes atribuísse credibilidade suficiente para julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada.
Perante a prova objectiva, consistente e convincente que a administração tributária carreou para os autos, através da fundamentação do relatório da inspecção tributária, para prova da inexistência das operações económicas subjacentes às facturas desconsideradas pela administração tributária, a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil de que as facturas emitidas por esses fornecedores tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 516.º do CPC).
Motivo pelo qual julgaram-se não provados os factos constantes da matéria de facto não provada.
Relativamente à matéria de facto do ponto 4) acresce dizer que apesar das obras estarem discriminadas nas propostas de orçamento apresentadas pela impugnante, nas facturas não foram, discriminados os trabalhos prestados e materiais fornecidos e as testemunhas não identificaram concretamente os trabalhos realizados e os materiais fornecidos, pelo que não pode dizer-se que os trabalhos prestados foram os alegados pela impugnante.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.”
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2. O Direito

A primeira questão suscitada pela recorrente respeita à invocação da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, remetendo para o artigo 668.°, n.º 1, alíneas b) do Código de Processo Civil (CPC).
A recorrente alerta que a douta decisão não se pronunciou quanto aos seguintes factos:
“Que os serviços constantes das facturas e propostas não foram realizados por mais ninguém”;
“Que sem os serviços constantes das facturas e propostas constantes dos autos não era possível as obras ficarem concluídas”.
Defendendo que a omissão em si destes factos alegados é passível de integrar a nulidade da sentença recorrida, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668.º, actualmente 615.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Entendemos que a sentença identificou e apreciou as questões concretamente suscitadas pela ora recorrente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
In casu, verifica-se que o tribunal terá desconsiderado alguma factualidade alegada.
Ora, o invocado poderá constituir erro de julgamento na valoração da matéria de facto e na (não) subsunção da mesma ao direito, mas já não omissão de pronúncia por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do CPC e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Com efeito, nos termos do direito supra exposto, a obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se inclui matéria de facto que deva (eventualmente) ser valorada e considerada na decisão da causa.
Aliás, a própria recorrente, paralelamente, subsume ao erro de julgamento referindo: “A douta decisão não se pronunciou sobre os factos alegados, os quais deviam ter sido objecto de apreciação e não foram, havendo, deste modo, erro de julgamento”.
Contudo, logo no parágrafo seguinte, a recorrente imputa nulidade à sentença, subsumindo a omissão desses factos alegados à situação prevista na alínea b) do n. 1 do artigo 668.º do CPC.
Nos termos do preceituado neste artigo 668.º, actualmente artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Como explicava já o Prof. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, no seu volume V, na página 140, «(…) por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º»
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença do Tribunal “a quo”, é este fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Assim, a circunstância de a sentença recorrida não se reportar expressamente ao facto de os serviços constantes das facturas não terem sido “realizados por mais ninguém” ou à impossibilidade de as obras ficarem concluídas sem os mesmos, não permite concluir ser a mesma nula.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita na sentença é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta por não ter consideradotoda a matéria de facto invocada (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode dizer-se que ocorre a invocada nulidade.
Concluindo, improcedem as conclusões do recurso incidentes sobre as alegadas omissão de pronúncia e falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.

A recorrente manifesta também discordância quanto ao julgamento sobre a matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido. Refere, por um lado, que o tribunal atribuiu apenas credibilidade ao relatório inspectivo e ao depoimento prestado pelo senhor Inspector Tributário e, por outro, que apresentou prova documental e testemunhal que confirma a veracidade das transacções.
Ora, o tribunal recorrido deu como provado que as liquidações impugnadas tiveram por fundamento um relatório de fiscalização e foi o teor parcial deste relatório que o Tribunal levou ao probatório. Quanto à factualidade julgada não provada, não esteve em causa a credibilidade do depoimento prestado pelo senhor Inspector, mas antes a natureza vaga e genérica dos depoimentos das restantes testemunhas, que, pornão exteriorizarem espontaneidade e consistência bastante, não se apresentaram suficientes para a formação de convicção do tribunal com a segurança e certeza exigíveis.
O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a factualidade alegada e a matéria de facto fixada na decisão recorrida contemplou toda a prova produzida nos autos, incluindo os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante. Como se constata da leitura da sentença recorrida, o tribunal recorrido enunciou os factos provados e não provados e fundamentou essa sua decisão ao considerar que a prova apresentada pela impugnante era insuficiente para provar a veracidade das transacções, fazendo um exame crítico do depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “subjudice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Assim, estando em causa a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se que a recorrente, pretendendo impugná-la, além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tivesse indicado os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa daquela que consta da sentença, em observância do disposto no artigo 685º-B do CPC, na redacção aplicável, por força do disposto no artigo 281.º do CPPT.
A este propósito, referiu-se no acórdão deste TCAN de 06/01/2011, proferido no âmbito do processo n.º 813/09.8BECB: “ (….) bem se compreendem estas exigências da lei pois ao tribunal ad quem que tenha competência em matéria de facto não compete reapreciar toda a prova de forma a efectuar um novo julgamento da matéria de facto, como se este não tivesse alguma vez sido efectuado. Quanto ao âmbito do segundo grau de jurisdição em matéria de facto é elucidativo o teor do relatório do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma que introduziu a redacção ao art. 690.º-A que acima deixámos referida. Aí se diz: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica, naturalmente, a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
No caso, tal ónus não foi cabalmente cumprido pela recorrente.
Nas conclusões das alegações de recurso, a recorrente afirma que os factos não provados foram incorrectamente julgados, devendo transitar como assentes para o probatório, impondo decisão diversa o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas. Referindo, mesmo, que as testemunhas arroladas pela recorrente demonstraram ter conhecimento directo da substância dos factos, não se entendendo que os seus depoimentos não tivessem sido credibilizados.
A recorrente limitou-se a atacar o facto de o tribunal recorrido se ter motivado no depoimento da testemunha indicada pela AT, referindo não ser razoável dar-se crédito a uma testemunha que afinal só elaborou um relatório e depois veio defendê-lo para tribunal.
Contudo, este não foi o principal motivo para o tribunal recorrido considerar os factos que constam identificados nos pontos 1 a 4 como “não provados”.
Vejamos,parcialmente, a fundamentação da decisão da matéria de facto:
“(…) No caso em apreço, a inconsistência destes depoimentos, conjugada com a restante prova carreada para os autos, levaram a que o tribunal não lhes atribuísse credibilidade suficiente para julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada.
Perante a prova objectiva, consistente e convincente que a administração tributária carreou para os autos, através da fundamentação do relatório da inspecção tributária, para prova da inexistência das operações económicas subjacentes às facturas desconsideradas pela administração tributária, a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil de que as facturas emitidas por esses fornecedores tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 516.º do CPC).
Motivo pelo qual julgaram-se não provados os factos constantes da matéria de facto não provada. (…)”
Ou seja, o Meritíssimo Juiz a quoconcluiu que a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil de que as facturas emitidas por esses fornecedores tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços. Logo, acima de tudo, a recorrente tinha que indicar especificamente que meios probatórios levariam a factualidade constante dos pontos 1 a 4 a transitar para a matéria assente, incluindo as partes da gravação que determinariam decisão da matéria de facto diferente, o que se mostra omisso nas alegações de recurso. Impunha-se uma delimitação positiva desses meios probatórios, apresentando-se insuficiente tentar descredibilizar a única testemunha que o tribunal acolheu.
Não foram, assim, indicados os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação da prova, que impunham decisão diversa, pois mesmo que se elimine a consideração do depoimento do senhor inspector tributário, continua a falhar a indicação concreta de prova consistente e segura que permita elencar os factos 1 a 4 na matéria de facto provada.
Não obstante, a recorrente reitera, de forma conclusiva, que produziu prova da realização das obras, referindo que o depoimento da testemunha Jorge… deveria ser valorado, sendo exagerado o facto da descredibilização da mesma, já que foi prestado passados muitos anos dos acontecimentos, podendo haver algum esquecimento.
Isto é certo, mas a aqui recorrente não pode também esquecer que cabia à impugnante provar que as facturas emitidas em apreço tinham subjacente a prestação efectiva dos respectivos serviços por esses específicos fornecedores.
O alegado concernente à testemunha V…, funcionária do escritório, é elucidativo de como a recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus que sobre si recaía e que decorre do artigo 685º- B, do CPC, inviabilizando uma análisedas questões que no entender da mesma foram incorrectamente julgadas, referentes às provas produzidas, e que poderão impor decisão diversa da recorrida: “(…) a testemunha V… também depôs o que sabia. (…) não se deslocava às obras. Mas verificava as facturas, conferindo-as e com conhecimento directo do seu pagamento. (…)”
A acção inspectiva ao exercício de 2004 e segunda acção inspectiva ao exercício de 2005 teve origem no facto de se ter constatado a existência na contabilidade da impugnante de facturas emitidas pelo sujeito passivo alegadamente emitente de facturação falsa, Sociedade de Construções A…, Ld.ª [alínea F) da factualidade]. Ora, nestes autos, estão apenas em causa as correcções ao IRC de 2004 e 2005, decorrentes da não aceitação dos custos apresentados pela impugnante, por força da eliminação das facturas emitidas por Sociedade de Construções A… (“SCA...”).
Se assim é, não alcançamos a relevância da conclusão 4 das alegações de recurso: “O depoimento do Senhor Inspector apenas se pronunciou sobre a empresa de construções “A…”, nada depondo sobre as outras empresas, não se compreendendo que tenha sido dado crédito apenas ao relatório, desprezando-se em absoluto as provas produzidas por documentos e restantes testemunhas.” Pois que nestes autos estão precisamente em apreço somente as facturas emitidas pela Sociedade de Construções A….
Embora, como referimos, o cumprimento do ónus que sobre a recorrente recaía e que decorre do artigo 685º- B, do CPCse mostre bastante deficiente, este tribunal optou por não rejeitar, in limine, esta parte do recurso referente à decisão da matéria de facto. Uma vez que somente a concatenação integral das provas produzidas permitem ao tribunal formar a sua convicção, não descuraremos a prova testemunhal produzida.
Neste âmbito, não podemos deixar de reiterar que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
Assim, “o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
O Meritíssimo Juiz a quo exarou a motivação também quanto à decisão da matéria de facto não provada, da qual se retira a sua convicção, designadamente quanto às testemunhas indicadas pela impugnante, que não lhe mereceram credibilidade pelos motivos que referiu. Daí a conclusão de que a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil para abalar a credibilidade da prova da AT e comprovar que as facturas emitidas pela “SCA...” tiveram subjacente o fornecimento efectivo dos serviços aí descritos.
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que, como veremos, se verifica no caso em apreço.
A propósito deste último aspecto, na conclusão 6, a recorrente defende que as regras da experiência levariam em sentido inverso à alegada na douta decisão, a qual necessitaria de fundamentação, pois as obras nunca seriam dadas como concluídas se não existissem os trabalhos que constam nas facturas e propostas juntas aos autos.
Note-se que não foi posto em causa pela AF, nem pelo tribunal, que as obras tenham sido realizadas pela impugnante, impondo-se, antes, a demonstração que os serviços e operações comerciais referidas nas facturas desconsideradas tenham sido efectivamente realizados pelo emitente das facturas (e não por outro empreiteiro diferente, por exemplo).
Neste contexto, importa, novamente, chamar à colação a factualidade que a recorrente invocou na sua petição inicial: “Os serviços constantes das facturas não foram efectuados por mais ninguém” (artigo 55.º); “Sem os serviços constantes das facturas, não era possível dar-se as obras por concluídas” (artigo 57.º).
Efectivamente, a decisão da matéria de facto não se referiu expressamente a esta alegada factualidade, nem tinha que o fazer, por não estarem em causa factos simples, mas sim matéria conclusiva. Aliás, refere-se no final da respectiva fundamentação: “A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa”.
Na verdade, a factualidade relevante para a solução do presente litígio foi apresentada na petição inicial de forma conclusiva: as obras foram realizadas (artigo 36.º); trabalhosestes que foram realizados de acordo com as propostas apresentadas à impugnante (artigo 42.º).
Não obstante se ter concretizado no artigo 41.º em que consistiram concretamente as obras, não foram invocados quaisquer outros factos simples que permitam concluir que as obras foram realizadas especificamente pela emitente das facturas - “SCA...”. Não foi produzida qualquer alegação respeitante às relações comerciais existentes, duradouras ou precárias, entre a impugnante e a “SCA...”;embora a recorrente não tenha trabalhadores ligados à produção (conclusão 3), nada invocou concernente à identificação/quantidade dos trabalhadoresda empreiteira que terão estado especificamente em obra, ou ao início e fim da obra, nomeadamente dos trabalhos descritos. Somente a alegação desta ou outra factualidade respeitante ao circunstancialismo do decurso dos trabalhos, como por exemplo a forma de deslocação dos trabalhadores da “SCA...” para a obra, acompanhados de encarregado de obra ou não, (eventualmente fiscalizados pelo dono da obra), permitiria concluir que as obras foram realizadas especificamente pela “SCA...”. Essa conclusão levaria, necessariamente, à conclusão de que as obras não foram realizados por outro empreiteiro (“por mais ninguém”).
A conclusão de que, sem os serviços constantes das facturas, não era possível dar-se as obras por concluídas, seria uma ilação quase evidente por força do facto de os trabalhos descritos não terem sido efectuados. Contudo, como vimos, irrelevante no caso concreto, por não ter sido colocado em causa pela AF, nem pelo tribunal, que as obras tenham sido realizadas pela impugnante.
Pelas razões constantes da fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido considerou que os depoimentos das testemunhas não serviram os propósitos da impugnante, pois não demonstraram a veracidade das transacções desconsideradas pela AT.
Aí se refere que as testemunhas não exteriorizaram espontaneidade, respondendo de forma genérica e vaga, revelando-se os seus depoimentos inconsistentes, conjugados com a objectividade da restante prova carreada para os autos pela AT, o que levou a que o Tribunal não lhes atribuísse credibilidade e consistência suficiente para julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada.
Embora todas as testemunhas tenham respondido a “toda a matéria”, conforme teor da acta de inquirição de testemunhas a fls. 119 a 122 do processo físico, o certo é que, em rigor, a matéria elencada nos pontos 1 a 3 dos “factos não provados” não consubstancia factualidade simples, mas antes conclusiva; pelo que a mesma não deveria, talquale, constar nem do elenco dos factos assentes, nem da enumeração dos factos não provados. Trata-se, antes, de ilações a que o tribunal poderia chegar em face da factualidade apurada.
Impõe-se acentuar que a forma como a impugnante, ora recorrente, invocou factualidade na sua petição inicial limita exponencialmente a apreciação em concreto dos fundamentos constantes das suas alegações de recurso. Dado que a prova deve ser produzida sobre factos simples, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, que, in casu, foram insuficientemente invocados.
No que tange ao ponto 4 da factualidade não provada, não vislumbramos qualquer erro palmar na fundamentação constante da decisão em crise. Embora as obras estejam discriminadas nas propostas de orçamento apresentadas pela impugnante, nas facturas não foram discriminados os trabalhos prestados e materiais fornecidos, nem as testemunhas o fizeram. Desta forma, não pode dizer-se que os trabalhos prestados foram os alegados pela impugnante. Logo, não se tendo logrado provar, com a segurança e certeza exigíveis, que as obras constantes das facturas consistem concretamente nos trabalhos descritos no ponto 4, tal matéria não poderá transitar para a factualidade assente, como pretende a recorrente.
Neste sentido, apesar da prova documental e testemunhal produzida, não existem condições para alterar a decisão da matéria de facto, mormente transferindo os factos considerados não provados para os factos provados, pois não foi possível, nomeadamente, formar convicção, com a segurança e certeza exigíveis, de que, nos anos de 2004 e 2005, a recorrente acordou com a “SCA...” a execução dos trabalhos descritos em 4 dos “factos não provados” e que esta os tivesse efectivamente realizado. Saliente-se que tal conclusão seria fulcral para, eventualmente, inverter a decisão recorrida acerca do mérito da causa; não se vislumbrando que o tribunal recorrido tenha cometido qualquer erro grosseiro na apreciação e valoração da prova.
Atento ao exposto, e em suma, o juiz a quo não errou na apreciação e valoração da prova, não se verificando o invocado erro de julgamento; sendo, portanto, de manter a decisão recorrida.

Conclusões/Sumário

I) O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II) Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
III) Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva(somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova,já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente,nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto,15 de Outubro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves