Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00497/19.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS NÃO JUSTIFICADOS, PRESSUPOSTOS DA TRIBUTAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODO INDIRECTO, ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - São pressupostos da fixação da matéria tributável pelo método indirecto, a que alude o disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da Lei Geral Tributária: a) existência de acréscimo de património ou de consumo (de valor superior a €100.000,00), evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa; b) a divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou de consumo do sujeito passivo no mesmo período de tributação; c) e que tal divergência não tenha justificação.

II - No âmbito das manifestações de fortuna, a lei confere à Administração Tributária a faculdade de decidir pela tributação por método indirecto, bastando-lhe, num primeiro momento, demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante; o que no caso não se verificou. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:G.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

G., NIF (…), com domicílio na Avenida (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 24/03/2020, que julgou improcedente o recurso da decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, que lhe fixou o rendimento líquido para efeitos de IRS, no ano de 2009, no valor de €208.246,56.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
“01. O acto objecto dos presentes autos está assente unicamente no relatório da Policia Judiciária, Sector de Perícia Financeira e Contabilística do Norte, datado de 28 de Setembro de 2015 e produzido no inquérito crime com NUIPC 959/11.2IDBGC, do DCIAP – Secção Única, constatando-se que a AT nem sequer porfiou pela obtenção, junto de qualquer instituição de crédito, dos documentos bancários que estarão na base dessa informação a fim de formar a sua convicção e de confrontar o Recorrente com tais indícios e / ou provas.
02. Tal omissão e displicência da AT faz enfermar o acto de diversas ilegalidades que deveriam ter determinado a invalidade do acto sob recurso – o que a Sentença recorrida não sancionou e que, por isso, são questões que se colocam à superior sindicância de V. Exas..
03. As questões que se submetem à superior sindicância do Tribunal de recurso podem, de forma sintética, assinalar-se do seguinte modo:
i) nulidade da Sentença, por omissão de pronúncia quanto à violação do n.º 11 do artigo 89.ºA da LGT por parte da AT;
ii) erro de julgamento da matéria de facto, por falta de suporte probatório nos autos que determinasse que fosse dado como provado o que se acha alinhado nos pontos nº 2 e 10 do probatório;
iii) erro de julgamento por não julgar verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT no procedimento – em síntese por não ter o Tribunal recorrido censurado a AT por não ter obtido nem ter procurado obter, muito menos compilar e interpretar os elementos de prova legalmente exigíveis (documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos) que sustentassem os sérios indícios que legitimassem a sua actuação [que a Sentença recorrida cataloga como “preterição de formalidade essencial” nas págs. 10 e 11];
iv) errada aplicação do n.º 3 do artigo 89.ºA da LGT, por não sancionar a violação por parte AT dos princípios da participação e audição no procedimento – em síntese porque a AT não possibilitou que o Recorrente cumprisse com o ónus de demonstração de não sujeição à tributação dos supostos “incrementos patrimoniais” [tema tratado pelo Tribunal a quo como “violação do princípio da participação e audição” na págs. 11 e 12];
v) erro de julgamento por não ter sancionado a violação do dever de fundamentação da AT – mormente por esta não ter, no procedimento, dado a conhecer ao Recorrente quais os concretos movimentos bancários que careceriam de “justificação” [a que a Sentença se debruça nas pag. 12 e 13 como “vício da falta de fundamentação];
04. A causa de nulidade da Sentença por omissão de pronúncia radica na questão invocada (essencialmente) nos artigos 64º a 66º da p.i: saber se o modus operandi da AT foi conforme o nº 11 do artigo 89º-A, porquanto se entende que não foi observada a injunção de que o procedimento “inclua a investigação das contas bancárias” e, bem assim, que não foi, nos termos da mesmo norma, facultada ao Recorrente oportunidade de “regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”.
05. A Sentença recorrida é absolutamente omissa quanto a essa questão, que por isso se invoca como causa de nulidade.
06. O erro de julgamento da matéria de facto atém-se com os pontos que, sob os n.ºs 2 e 10 do probatório, foram dados como provados.
07. A crítica que é assacada ao Tribunal recorrido centra-se na referência expressa, à existência de “informação bancária” como fonte das correcções perpetradas pela AT, quando dos autos não consta qualquer informação bancária.
08. Com efeito, a única informação de que a AT se louva é a informação policial plasmada no extracto do relatório da Polícia Judiciária referida na conclusão 1., sendo que tal relatório não é mais do que um documento de inferência de dados aparentemente suportados em documentos bancários que os autos desconhecem quais seja e que a AT não tratou nem validou.
09. Por outras palavras, a suposta informação bancária não é mais do que um documento produzido pela Polícia Judiciária onde se fazem menção a dados bancários que esse órgão de polícia criminal analisou, sendo ademais evidente desse documento que a “investigação policial” apenas visou os movimentos registados a crédito não tendo procedido a uma análise holística dos mesmos, mormente de movimentos a débito que anulassem ou de alguma forma explicassem os supostos “incrementos” patrimoniais.
10. Tarefa que – à luz dos princípios da boa fé, da descoberta material e para cumprimento do seu respectivo probatório – caberia à AT no âmbito de uma investigação que visasse imputar verdadeiros “incrementos” patrimoniais ao Recorrente, e não meros registos bancários a crédito.
11. Daí que seja se imponha que os pontos 2 e 10 probatório sejam dados como não provados, ou, pelo menos, que a respectiva redacção seja alterada de forma a que não se cristalize na ordem jurídica o facto (errado) de que a actuação da AT teve por base “informações bancárias”.
12. Imputa-se erro de julgamento ao Tribunal a quo por não ter julgado verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT no procedimento como decorrência da circunstância de AT, para proferir o acto objecto dos autos, não ter obtido, nem procurado obter, muito menos compilar e interpretar os elementos de prova legalmente exigíveis (documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos) que sustentassem os sérios indícios que legitimassem a sua actuação.
13. De acordo como o próprio RIT as informações provenientes do identificado inquérito crime seriam “susceptíveis” de se enquadrar no regime do 89º-A da LGT – razão pela qual se impunha que, para lá do que consta nesse relatório da Polícia Judiciária, a AT tivesse investigado os concretos movimentos bancários cuja soma constituirá os valores a crédito assinalados pelo processo criminal, tratando-os analisado e tratado (em colaboração com o contribuinte) do ponto de vista fiscal de forma a apurar se tal “susceptibilidade” se verificava, se não se verificava, ou se verificava só parcialmente e em que medida.
14. Todavia, a AT não o fez, e, perante tais informações colhidas do inquérito crime – rectius: apenas com tais informações – a AT veio a considerar os movimentos bancários referidos nesse processo correspondiam a rendimento da ora Recorrente nos referidos exercícios fiscais e que esta subtraiu à tributação, na lógica dos incrementos patrimoniais injustificados.
15. Isto é, apenas tendo por base a investigação criminal de onde emerge a notícia da existência de um valor global correspondente a movimentos a crédito em contas bancárias tituladas pelo Recorrente nos anos em apreço a AT considerou que tal soma consubstanciavam “incrementos patrimoniais” dos respectivos exercícios e, bem assim, que os mesmos haviam de ser tidos como “injustificados” – decidindo-se pelo acto de fixação em causa nos autos.
16. Ao contrário do que parece decorrer da Sentença a quo não está em causa saber se a AT lançou mãos do artigo 63.º-B da LGT – nem alguma vez o Recorrente afirmou que tivesse existido qualquer violação do sigilo bancário – mas sim a circunstância de se a AT ter servido da derrogação do sigilo bancário para fim e com objectivo diverso do legalmente previsto nesse inciso legal e do estatuído no n.º 11 do artigo 89.ºA da mesma Lei, porquanto se demitiu de obter e investigar os movimentos bancários em concreto.
17. Com efeito, a AT viu no regime do art.º 63-B um mero expediente para contornar a proibição de utilização de dados obtidos, tendo-se limitado a importar, de forma acrítica, os dados comunicados do processo de inquérito através da sua mera reprodução, eximindo-se de solicitar às instituições bancárias os elementos que lhe permitiriam confirmar – ou infirmar – as suspeitas que a informação do inquérito crime suscitaram.
18. Tal actuação está, inclusivamente em contradição a própria motivação que determinou o pedido de quebra do sigilo bancário (doc. 1 junto com a p.i.) de onde resultava que tal levantamento visava – e bem – o “acesso direto a todas as informações e documentos bancários (…) na prossecução do princípio norteador inspetivo da descoberta da verdade material plasmado no artigo”.
19. Ou seja, e ao contrário do que afirma a Sentença a quo o Recorrente não afirma em jeito de formalidade essencial que a AT tivesse de ter na sua posse “os suportes de papel”, antes afirmou e reitera que a AT estava vinculativamente obrigada a investigar os mesmos (ou a investigar “a informação que mesmos contém”, seguindo o preciosismo terminológico do Tribunal a quo).
20. Ponto é que o mero decalque da súmula da informação importada do processo crime não pode servir para cumprir a obrigação investigatória que imposta à AT, nem o cumprimento do ónus de prova bastante para confirmar ou infirmar o juízo de “susceptibilidade” da existência de rendimentos subtraídos à tributação.
21. Desta sorte temos que nem a AT, nem o Recorrente, nem os autos conhecem quais os documentos que foram perscrutados em sede de inquérito crime, desconhecendo-se, por inerência, se os valores globais aqui em causa têm efectiva correspondência com os documentos bancários, se são verdadeiros ou se estão bem calculados.
22. Na verdade, a AT – e o Recorrente e o processo também – desconhecem quantos movimentos a crédito existiram nas contas bancárias visadas pela investigação criminal, bem como os respectivos valores, datas e descritivos.
23. Daqui resulta que AT – por falta da devida investigação que se impunha – imputa ao Recorrente acréscimos patrimoniais não justificados por referência a valores globais (isto é, resultantes da soma de diversos movimentos bancários a crédito ocorridos há 11 anos), sem qualquer especificação sobre datas, montantes, proveniência, tipologia, etc, tão pouco curando de sustentar os mesmos em documentos bancários.
24. No limite o Recorrente, a AT, o Julgador a quo, por não terem acesso à globalidade dos documentos bancários não sabem, nem podem controlar ou verificar o que se encontra plasmado no relatório policial, sendo imperioso saber-se, entre outros factores:
i) se e em que medida se trata de transferências entre contas tituladas pelo Recorrente – o que a ter sucedido implica a contabilização multiplicada do mesmo “acréscimo”;
ii) se se tratam de movimentos a crédito seguidos de estornos a débito (como sucede com cheques sem provisão), caso em que não há qualquer “acréscimo”;
iii) se dos documentos bancários resulta a existência de movimentos com origem em operações de crédito concedido ao Recorrente, caso em que não é possível falar de acréscimos;
iv) se se tratam de movimentos a crédito seguidos de outros a débito que demonstrem a utilização instrumental da conta, numa lógica de conta veículo;
v) se se tratam de movimentos a crédito que correspondam à devolução de outros movimentos a crédito, p.e., de empréstimos concedidos, etc.
25. Tais factos só poderiam ser apurados e verificados se a AT tivesse verdadeiramente acedido aos documentos bancários em causa, analisado os mesmos e dado a conhecer o resultado dessa investigação ao contribuinte com vista ao contraditório – do que pura e simplesmente se demitiu de fazer,
26. tanto mais quando da informação policial apenas consta o montante global dos movimentos a crédito em determinados anos, o que é manifestamente insuficiente enquanto objecto habilitante do cumprimento dos ónus de prova tanto da AT como da exigida contra-prova do Recorrente.
27. Ademais, o Relatório da Polícia Judiciária não constitui um documento bancário (cuja definição, aliás, é taxativamente formulada no nº 10 do artigo 63-B da LGT) e não se encontra acompanhado de quaisquer documentos de suporte probatório, mormente documentos bancários – os quais foram expressamente pedidos pelo Recorrente e recusados pela DF de (...) conforme flui do probatório.
28. A AT não deu cumprimento nem ao n.º 11 do artigo 89.º-A, nem ao artigo 63.ºB, nem ao Despacho de 8/10/2019, não desenvolvendo as diligências investigatórias a que está legalmente obrigada e usando o pedido de derrogação do sigilo bancário para justificar a mera adesão às informações recebidas do inquérito criminal e que reproduziu no RIT – com o que saem violados os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material bem como o cumprimento do ónus da prova que, no procedimento, incumbe à AT.
29. Assim, o que do RIT resulta é um mero elencar de pretensa informação recebida terceiros e cuja validade, qualidade e fiabilidade i) a AT não testou, à luz dos critérios jurídico-tributários; ii) não foi, em sede de inquérito crime ou procedimento tributário, analisada e contraditada pelo interessado, o ora Recorrente; iii) não foi, no processo crime, sancionada judicialmente; iv) não é igualmente passível de ser sancionada no presente recurso por falta de qualquer suporte probatório.
30. Daí que as conclusões retiradas pela AT no RIT sejam imprestáveis, por insustentadas, e assim se imponha a anulação da fixação da matéria colectável em crise nos presentes autos – o que se impunha que o Tribunal recorrido tivesse declarado.
31. Acresce que do total laxismo investigatório e falta de interesse na descoberta da verdade material decorre também que a AT não produziu qualquer prova que lhe permitisse estribar as conclusões tiradas no Relatório de Inspecção Tributária.
32. Com efeito, e sendo certo que o regime das manifestações da fortuna comporta uma inversão do ónus da prova nos termos do qual compete ao recorrente demonstrar que não omitiu rendimentos à tributação através da prova da fonte dos “acréscimos”, não é menos evidente que a incumbência probatória exigida ao contribuinte tem, necessariamente, como precedente, o cumprimento, por parte da AT, dos pressupostos que lhe permitem colocar em crise a veracidade dos rendimentos declarados.
33. Como se afirma nos acórdãos do TCAS 419/04 de 18.01.2005, TCAN 636/06 de 25.01.2007, TCAS 2085/07 de 11.12.2007, TCAS 2259/08 de 04.03.2008 ou AC. TCAN 832/10 de 13.01.2011, todos disponíveis em dgsi.pt (processos em que, como nos presentes autos, está em causa a possibilidade de avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRS por recurso à disciplina do artigo 89º-A): “o ónus da prova que impende sobre o contribuinte relativo à prova tendente a afastar a manifestação de fortuna evidenciada, no mesmo n.º3 do citado art.º 89.º-A, deve ser concatenado com aquele outro princípio acima enunciado do inquisitório, com o carrear para os autos pela AT de todas as provas tendentes a demonstrar a realidade dos factos, de molde a operar apenas quando perante um caso em que afinal ficamos numa situação de non liquet, a decisão ser desfavorável ao contribuinte que não à mesma AT.
34. Vale por dizer que a AT tem a obrigação, no procedimento, de investigar, com imparcialidade, todos os elementos em que assenta o seu discurso fundamentador, consabido que “(…) a lei continua a atribuir à Administração Tributária o ónus da prova dos factos indiciários que constituem pressuposto da avaliação indireta, podendo o sujeito passivo efetuar a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que os acréscimos patrimoniais provêem de fonte que não está sujeita a declaração para efeitos de IRS (cfr. artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT)” (Ac. do Tribunal Constitucional de 15.10.2014, proc. n.º 1265/13, in www.tribunalconstitucional.pt).
35. A AT tem a obrigação de demonstrar e provar os pressupostos legais para aplicar o regime das manifestações de fortuna tanto mais quando tal implica a obliteração da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes prevista no art.º 75.º da LGT – o que no caso dos autos manifestamente não fez ao não ter promovido qualquer esforço probatório ou investigatório no sentido de sustentar os pressupostos inscritos na alínea f) do artigo 87° da LGT, mormente porque, como era sua obrigação legal, não procedeu “investigação das contas bancárias” (n.º 11 do at.º 89.º-A da LGT) no sentido de confirmar ou infirmar a informação que recebeu do já identificado processo de inquérito.
36. Com efeito, a mera importação da informação de que “no decurso do ano de 2009, foram detetadas entradas de valores nas contas bancárias do sujeito passivo, no montante de 208.246,56 €” provinda do referido inquérito crime, desprovida de qualquer investigação em sede tributária relativamente a contas bancárias (que o RIT nem sequer identifica) não se afigura legalmente suficiente para que se possam ter por cumpridos os pressupostos que autorizariam a AT a enveredar pela avaliação indirecta da matéria colectável.
37. Por força do artigo 58.º do LGT a AT deve realizar todas as diligências que sejam objectivamente relevantes para a concreta averiguação da realidade factual em que a decisão do procedimento deve assentar, trazendo a essa instância todas as provas relativas à situação fáctico-material decidenda.
38. Não tendo a AT “produzido tal prova, não estava legitimada a proceder à avaliação indirecta nos termos do artº.89-A, nº.5, al. a), da L.G.T., donde se impõe concluir que a decisão identificada no nº.10 da factualidade provada padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulação, mais não estando o recorrido obrigado a comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados” (tirado no processo 09600/16, disponível em dgsi.pt).
39. Termos em que se afirma que o Tribunal recorrido andou mal ao não ter reconhecido razão ao Recorrente quanto à violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT, o que inquina o acto que está na mira dos presentes autos, que deverá ser anulado.
PARALELAMENTE
40. O Tribunal recorrido fez um julgamento incorrecto andou mal ao não julgar o acto de fixação de matéria colectável em causa nos autos ilegal por violação dos princípios da participação e audição no procedimento, limitando a fundamentação do seu juízo sobre a invocação deste vício ao afirmar que existiram “ocasiões em que foi dado conhecimento ao Reclamante [sic] dos procedimentos em curso”.
41. Todavia, o que de forma clara, evidente e sublinhada se salientou a petição inicial foi a constatação de que a AT não permitiu o verdadeiro contraditório ou participação do Recorrente na estrita medida em que a AT nunca notificou o ora Recorrente dos factos e provas resultantes da investigação que deveria ter protagonizado, mormente após a derrogação do sigilo bancário.
42. Está antes em causa, no específico contexto dos autos, a preterição do direito que a Lei, no caso o nº 3 do artº 89-A da LGT atribui ao contribuinte de ter acesso aos factos e provas colhidas no procedimento para que este possa contrapor o que lhe aprouver ou regularizar o que entender que há de regularizar (em conformidade com o n.º 11 do mesmo inciso legal).
43. A interpretação do nº 3 e do n.º 11 do artigo 89ºA da LGT conforme com os princípio constitucional da participação do administrado implica – como de resto é costume e regra em procedimentos análogos – que a AT notifique o contribuinte após a investigação das contas bancárias dando-lhe a conhecer o resultado da mesma e concedendo-lhe a oportunidade para, antes da produção do projecto do RIT, exercer sobre o mesmo contraditório e / ou regularizar a situação tributária, o que, in casu, não sucedeu.
44. E ainda que se afirme que esse momento de contraditório e / ou regularização possa ser feito em sede de direito de audição após notificação do projecto de RIT, temos por certo que a audição / participação / contraditório que verse o “projecto de decisão” só será operante se:
i) as fontes dessa decisão – mormente os documentos bancários nos termos definidos no nº 10 do artigo 63-B da LGT – forem facultados ao contribuinte,
ii) for explicado ao visado quais as concretas operações / movimentos bancários que a AT considere passíveis de consubstanciar incrementos patrimoniais não justificados.
45. No caso dos autos a actividade investigatória não abrangeu a análise e tratamento desses documentos (pelo que os mesmos não foram facultados ao contribuinte), nem, tão pouco, são especificados quais os movimentos a crédito cuja soma atinge os valores determinados para cada um dos anos em causa – o que, ademais, condiciona, de forma flagrante, a já de si consabidamente difícil prova do facto negativo que é exigido pelo art.º 89º-A da LGT.
46. Não foi, pois, dada oportunidade ao contribuinte para participar no procedimento nos termos legalmente previstos, mormente nos nº 3 e 11 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária.
47. A aparente incompatibilidade entre o rendimento declarado e o facto catalogado como manifestação de fortuna não determina automaticamente o "direito a tributar", mas, apenas, e pelo menos num primeiro momento, o "direito a questionar" o contribuinte, impondo-se-lhe a demonstração de que os valores declarados são reais e que a titularidade dos bens ou direitos considerados manifestações de fortuna ou incrementos patrimoniais resultam de fontes de rendimento que não rendimentos gerados nos exercícios em investigação – o que a AT não fez.
48. Tal falta de indagação viola a letra e o espírito do nº3 e 11 do artigo 89º-A da LGT, bem como comporta um manifesto desrespeito pelo princípio da participação (artigo 268.º da Constituição da República) do princípio colaboração (art.º 59º da LGT), do direito à informação (artigo 268.º da Constituição da República e art.º 67.º da LGT), do contraditório (art.º 45.º do CPPT) e do inquisitório (art.º 58.º da LGT) – pelo que andou mal o Tribunal recorrido ao não ter decretado esse efeito.
ACRESCE QUE
49. O comportamento da AT tem também reflexos ao nível da fundamentação do acto, porquanto o RIT não dá a conhecer ao Recorrente que razão considerou que a divergência entre os rendimentos declarados e os supostos incrementos patrimoniais detectados em sede criminal se haviam de considerar como “não justificados”.
50. A AT limita-se a replicar a notícia provinda do inquérito criminal e a sua aparente disparidade face aos rendimentos declarados em sede de IRS, sem que em tempo ou modo algum explique por que razão considera que tais movimentos financeiros correspondem a acréscimos patrimoniais – o que faz, reitera-se, porque não analisou / investigou os movimentos bancários, o que se lhe impunha de forma a poder aferir se os mesmos são efectivos acréscimos patrimoniais e não apenas movimentos a crédito.
51. Tão-pouco fundamenta por que razão considera que os mesmos não foram justificados pelo Recorrente – o que faz, repete-se, porque jamais confrontou a contribuinte com os movimentos a crédito na conta bancária a fim de que esta tivesse oportunidade de sobre eles se pronunciar / justificar.
52. Daqui resulta que o respectivo acto não está fundamentado, o que constitui fonte autónoma de anulação à luz da alínea c) do artigo 99.º do CPPT, invalidante, também ele, dos termos subsequentes do procedimento – merecendo pois diferente veredicto daquele de que se recorre.
53. A Sentença recorrida violou, eventualmente entre outras normas e princípios jurídicos, o artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 55.º, 58.º 59º, bem como o n.º 10 do artigo 63º-B.º, os artigo 74º e 75º, a al. f) do nº 1 do art.º 87.º e os nºs 3 e 11 do artigo 89.º-A Lei Geral Tributária, os artigos 13.º, 45.º, 95.º e 125.º do Código de Processo e Procedimento Tributário e ainda princípios da legalidade, da participação da colaboração, do direito à informação, dos interessados, do ónus da prova, do contraditório, do inquisitório e da descoberta da verdade material.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, proferida decisão que, revogando a Sentença recorrida, anule o acto de fixação adicional de IRS por métodos indirectos em causa nos presentes autos.
Com o que V. Exas. farão a habitual sã JUSTIÇA!
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações em defesa da improcedência do recurso, embora sem formular conclusões.
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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, e se enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por ocorrer violação dos princípios da investigação, da participação e da audição e por se verificar o vício de falta de fundamentação do acto de fixação da matéria tributável por método indirecto.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, foram considerados provados os seguintes factos:
1. O Recorrente, que no ano de 2009 não apresentou declaração de rendimentos, foi alvo de um procedimento inspectivo ao abrigo da ordem de Serviço Externa nº OI201900194, de 24/04/2019, emitida nos termos do nº 3 do artigo 46º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) Fls. 6 e 7 do Relatório de Inspecção (Relatório) ínsito no PA;
2. O mencionado procedimento inspectivo teve a sua génese no processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC, do DCIAP de Lisboa – Secção Única, no qual foi levantado o sigilo bancário a determinados intervenientes relacionados com o principal sujeito passivo visado naquele processo, entre eles o ora Recorrente, extraindo-se da informação bancária que lhe respeita, e que, no ano de 2009, existiram entradas pecuniárias nas suas contas bancárias no montante de 208.246,56€ - cfr. fls. 6 a 9 do Relatório;
3. Por carta-aviso de 07/05/2019 o Recorrente foi notificado da instauração da acção inspectiva, do seu âmbito temporal e extensão – Fls. 39/V e 40;
4. Foi o mesmo notificado por carta registada com aviso de recepção para comparecer no Serviço de Finanças de (...), a fim de esclarecer a situação visada no procedimento inspectivo (Ofício de 16/05/2019) – cfr. PA, em fl. não numeradas sequencialmente ( Fls.40 e 41 dos autos);
5. O Recorrente não compareceu nem apresentou justificação para tal falta de comparência – Cfr. à contrário, PA;
6. Assim, através do ofício nº 20195000132228, de 04/06/2019, foi o Recorrente novamente notificado para (i) Assinar a ordem de serviço referente a um procedimento inspectivo (OI 201900194) e devolvê-la devidamente assinada; (ii) Assinar e devolver uma declaração a autorizar a administração tributária a consultar ou solicitar, junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito, relativas às contas por ele tituladas, com movimentos no exercício de 2009, de acordo com o previsto no artigo 63.º-B da LGT – Fls 41/v a 43/v;
7. Na sequência da precedente notificação, o recorrente apenas devolveu a ordem de serviço assinada, não tendo, portanto, autorizado a AT a aceder à informação bancária pretendida – Fls. 44 e 44/v
8. Através do ofício n.º 2019S000229324, de 11/10/2019, o recorrente foi notificado da decisão de 08/10/2019 de derrogação de sigilo bancário e da respectiva fundamentação, à qual não reagiu – Doc 1 da PI;
9. Dá-se aqui por reproduzida a informação na qual a decisão de derrogação do sigilo bancário se fundamentou, com o seguinte destaque ( Doc 1 da PI):
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”
10. Na posse de informação bancária que revela a existência de entradas pecuniárias nas contas bancárias do recorrente no montante de 208.246,56€ - informação essa obtida em sede do identificado inquérito - a AT apurou, no âmbito do procedimento inspectivo, um rendimento colectável do mesmo montante, uma vez que o recorrente não apresentou declaração de rendimentos nesse mesmo ano de 2009. (0€ - 208.246,56€ = 208.246,56€) – Fls. 7 a 9 do Relatório;
11. Através do ofício 2019S000233299 de 16/10/2019, o Recorrente foi notificado do projecto de relatório, a fim de o mesmo exercer, querendo, no prazo de 15 dias o correspondente direito de audição – Fls. 51/v e 52 dos autos;
12. Por carta datada de 25/10/2019 o recorrente solicitou à DF de (...) a consulta dos elementos bancários fornecidos pelas respectivas instituições, em decorrência da decisão do levantamento do sigilo bancário proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 08/10/2019 – Fls. 52/v e 53 dos autos;
13. Por e-mail de 30/10/2019 foi remetido ao mandatário do recorrente o Relatório (Proc. nº 959/11.2IDBGC) – elaborado pelo sector de Perícia Financeira e Contabilística – Directoria do Norte, da Policia Judiciária, na parte relativa ao sujeito passivo G. – Fls. 55 a 63 dos autos;
14. Por e-mail do mesmo dia 30/10/2019, o Mandatário do Recorrente enviou novo e-mail para a DF de (...) solicitando “cópia dos concretos elementos bancários fornecido pelas respectivas instituições, em decorrência da decisão do levantamento do sigilo bancário proferido pela Directora-Geral da Autoridade tributária em 08/10/2019” – doc. 4 da PI;
15. Através de e-mail de 31/10/2019 a DF de (...) endereçou o seguinte e-mail ao mandatário do recorrente (doc. 5 da PI):
“Exmo. Senhor Mandatário
Relativamente ao requerido, informamos que os elementos pretendidos se encontram apensos ao processo nº 959/11.2IDBGC, que se encontra nas instalações do DCIAP em Lisboa.
Assim sendo, querendo, deverá solicitar os mesmos junto daquele departamento sito … (…)”;
16. O Recorrente não apresentou pronúncia, tendo, consequentemente, nos termos fundamentados no relatório inspectivo, sido proferido o acto ora recorrido (Cfr. à contrário PA);
17. Por ofício de 21/11/2019, recepcionado no dia 22/11, o Recorrente foi notificado da decisão de avaliação indirecta do rendimento colectável no valor de 208.246,56€ (Cfr. fl. 1ª e 1ª/V do PA, em fls. não numeradas).”
***
Considerando que a decisão da matéria de facto encerra algumas incorrecções ou imprecisões, nos seus pontos 2. e 10., cujo teor, aliás, se mostra impugnado pelo Recorrente, impõe-se que a respectiva redacção seja alterada, indo ao encontro do objecto recursivo, uma vez que constam do processo os elementos probatórios indispensáveis a essa correcção.
Na verdade, o tribunal “a quo”, para motivar a sua convicção acerca de qualquer dos factos apurados, jamais se fundou no extracto do Relatório da Polícia Judiciária – Sector de Perícia Financeira e Contabilística, para o qual remete o Relatório de Inspecção Tributária, limitando-se a aludir a este “Relatório” ínsito no processo administrativo apenso aos autos. Saliente-se que não constam dos autos quaisquer documentos bancários, tão-pouco qualquer cópia de extracto de conta bancária, mas apenas informação da Polícia Judiciária, vertida no referido extracto do Relatório policial elaborado em sede de processo de inquérito, onde se faz menção a dados bancários que o órgão de polícia criminal terá analisado e de onde extraiu conclusões. Ora, até se compreende que o tribunal recorrido não tenha mencionado, reproduzido partes relevantes desse Relatório da Polícia Judiciária ou fundamentado a factualidade provada nesse extracto de Relatório, na medida em que os valores que aí se referem não são consentâneos com o montante das entradas pecuniárias em contas bancárias do Recorrente consideradas pela AT e a que se alude no Relatório de Inspecção Tributária.
Efectivamente, quanto ao Recorrente, com referência ao ano de 2009 (único aqui em causa), não é possível extrair do Relatório da Polícia Judiciária que existiram entradas pecuniárias nas suas contas bancárias, no montante de €208.246,56.
Verifica-se, através do intróito do Relatório da Polícia Judiciária, que, no âmbito do processo de inquérito n.º 959/11.2IDBGC, já tinha havido necessidade da realização de outras perícias financeiras e contabilísticas. Contudo, na sequência da junção a esses autos de diversa documentação bancária, foi necessária a intervenção do Sector de Perícia Contabilística e Financeira da Polícia Judiciária para a realização de uma “análise das contas bancárias tituladas pelos sujeitos passivos: G. (…) no sentido de apurar os movimentos credores constantes nos extratos bancários e posteriormente compará-los com os valores apurados pela Administração Tributária”.
Ora, da perícia efectuada a toda a documentação bancária (que não se mostra junta aos autos), o Relatório da Polícia Judiciária identifica uma única conta de depósitos à ordem do Recorrente, no Banco (...), cuja moeda base é o Dólar americano, onde o respectivo extracto identificaria duas transferências credoras no valor global de USD 300.000,00, realizadas em 21/01/2009, com origem numa conta titulada pela sociedade “STR”. Ainda se refere que este registo parece ter tido origem numa autorização de depósito no valor de USD 350.000,00 para a conta do Recorrente em 16/12/2008. De seguida, no mesmo Relatório, apresentam-se esses movimentos credores identificados na conta do Recorrente, com referência ao ano de 2009 (entre outros), relevados em euros, sendo visível a discrepância entre o fluxo financeiro de €225.289,36 e o total de rendimentos declarados (€0,00) em sede de IRS pelo aqui Recorrente.
Assim, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), reformula-se a matéria vertida nos pontos 2. e 10. do probatório da seguinte forma:
2. O mencionado procedimento inspectivo teve a sua génese no processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC, do DCIAP de Lisboa – Secção Única, no qual foi levantado o sigilo bancário a determinados intervenientes relacionados com o principal sujeito passivo visado naquele processo, entre eles o ora Recorrente, extraindo-se do extracto do Relatório do Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária que, no ano de 2009, após análise de conta bancária do BPI, titulada pelo Recorrente, cuja moeda base é o Dólar americano, se apuraram movimentos credores constantes de extractos bancários, nos termos descritos no resultado dessa perícia - cfr. fls. 6 a 9 do Relatório de Inspecção Tributária ínsito no processo administrativo e cópia do extracto do Relatório da Polícia Judiciária constante a fls. 55 a 63 do processo físico, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
10. Com base na informação obtida em sede do identificado inquérito, a AT apurou, no âmbito do procedimento inspectivo, um rendimento tributável no montante de 208.246,56€, uma vez que o Recorrente não apresentou declaração de rendimentos nesse mesmo ano de 2009 (0€ - 208.246,56€ = 208.246,56€), mostrando-se vertida a seguinte fundamentação: “(…) no decurso do processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal – Secção Única, no decurso do ano de 2009, foram detetadas entradas de valores nas contas bancárias do sujeito passivo, no montante de 208.246,56€. (…)
Ora, comparando os rendimentos declarados pelo sujeito passivo com as entradas pecuniárias nas suas contas bancárias, verifica-se um acréscimo patrimonial não justificado superior a 100.000,00€, pelo que, susceptíveis de avaliação indireta nos termos da alínea f) do artigo 87.º da LGT.
Assim sendo, de acordo com o n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, aquele acréscimo patrimonial considera-se rendimento tributável em sede de (…) (IRS), enquadrável na categoria G – Incrementos Patrimoniais, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, conforme melhor se demonstra. (…)” – Fls. 7 a 9 do Relatório de Inspecção Tributária constante do processo administrativo.

2. O Direito

O Recorrente imputa à decisão recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que, na sua óptica, o tribunal recorrido não se teria pronunciado sobre a questão invocada (essencialmente) nos artigos 64.º a 66.º da petição inicial: saber se o modus operandi da AT foi conforme o n.º 11 do artigo 89.º-A, porquanto se entende que não foi observada a injunção de que o procedimento “inclua a investigação das contas bancárias” e, bem assim, que não foi, nos termos da mesmo norma, facultada ao Recorrente oportunidade de “regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”.
Importa apurar se a sentença recorrida é absolutamente omissa quanto a essa questão e, se, por isso, incorre em nulidade.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Efectivamente, não residem dúvidas que a questão que se impunha decidir se prendia, na óptica do Recorrente, com a circunstância de a AT não ter procedido a qualquer investigação das contas bancárias, em violação do disposto no artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT. Insiste que a derrogação do sigilo bancário não teve como escopo permitir a investigação das contas bancárias do Recorrente, mas apenas a utilização de dados recolhidos no processo criminal.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Apesar de a sentença recorrida não se referir expressamente ao artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT, autonomiza e qualifica a questão como preterição de formalidade essencial, equacionando-a: AT não procedeu, ela própria, à recolha dos elementos que alega e que fundamentaram o incremento imputado ao Reclamante, tendo apenas recepcionado e analisado os elementos que lhe foram remetidos pelo MP, no âmbito do processo-crime, sem que tivesse, ao abrigo do princípio da investigação, indagado pelos movimentos bancários a crédito.
Analisando a tomada de posição do tribunal recorrido, que tem implícito ser adequada e suficiente a obtenção de informação bancária em sede de inquérito criminal na sequência da derrogação do sigilo bancário, ou seja, só após ter sido despoletado o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, afigura-se-nos não ocorrer a assacada omissão de pronúncia, dado que o Meritíssimo Juiz “a quo” se pronunciou sobre essa utilização de dados “vazados” do processo criminal, considerando o procedimento legal, por ter ocorrido a coberto da derrogação do sigilo.
Resulta, assim, do entendimento do Meritíssimo Juiz “a quo” que a investigação das contas bancárias não teria que ocorrer no próprio procedimento com vista à adopção da avaliação indirecta, podendo ser recolhida a informação bancária no âmbito de um processo de inquérito, desde que, antes, a AT tivesse procedido ao levantamento do sigilo bancário, deitando mão ao procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT.
Logo, este fundamento recursivo improcede, sem prejuízo de poder consubstanciar um erro de julgamento, mas não nulidade da decisão, por omissão de pronúncia.

O Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, que julgou improcedente o recurso da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, com fundamento na alínea f) do n.º 1, do artigo 87.° (acréscimos patrimoniais não justificados) e do n.º 5 do artigo 89.º-A, ambos da LGT, proferida pelo Director de Finanças de (...), que lhe fixou um rendimento tributável na categoria G de IRS, para o ano de 2009, no valor de €208.246,56.
A AT efectuou uma inspecção tributária ao Recorrente, tendo-lhe fixado o rendimento tributável referido, relativo ao ano de 2009, por avaliação indirecta, após ter tomado conhecimento de factos investigados no âmbito do inquérito criminal n.º 959/11.2IDBGC do DCIAP, de que no referido ano existiam entradas pecuniárias nas contas bancárias de G., no montante de €208.246,56, não tendo este apresentado qualquer declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS. Posteriormente, foi-lhe instaurado um processo de derrogação do sigilo bancário, ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, tendo sido constatada a existência de acréscimo patrimonial não justificado superior a €100.000,00, que não se encontra reflectido em sede de IRS e que deu origem à avaliação e correcção da matéria tributável.
O Recorrente impugnou-a invocando, nomeadamente, a omissão, ao abrigo do princípio da investigação, de indagação dos seus movimentos bancários, violação do direito de participação e audição e, ainda, o vício de falta de fundamentação.
Neste recurso, não se conformando com o julgamento de que nenhum desses vícios se verifica, reitera a sua argumentação, sustentando que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito.
Tendo-se observado que ocorriam as imprecisões apontadas à matéria de facto, estas foram sanadas supra, mostrando-se, agora, estabilizada a decisão da matéria de facto.

Nos termos do artigo 1.º do Código de IRS, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias, ali enunciadas, mesmo que provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos, sendo que a categoria que interessa aos presentes autos é a categoria G - incrementos patrimoniais, que está definida no artigo 9.º do Código de IRS, norma de acordo com a qual (n.º 1 al. d)) constituem incrementos patrimoniais «os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º ou 89.º-A da lei geral tributária», acrescentando o n.º 3 da citada norma que “São igualmente considerados incrementos patrimoniais aqueles a que se refere o n.º 5 do artigo 89.º-A da lei geral tributária", pelo que há uma remissão para os artigos que regem a avaliação indirecta da matéria tributável.
Nos termos do citado artigo 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A, n.º 5 da Lei Geral Tributária, a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €100.000, verificados simultaneamente … com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”
Decorre, pois, das normas agora apontadas, que constituem pressupostos legais vinculativos da actuação da Administração Tributária no sentido da determinação da matéria tributável nos termos ali previstos e que esta está, portanto, obrigada a provar (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil):
(i) acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €100.000 e
(ii) a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
Na sequência do exposto, cabe então à Administração Tributária (artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).
Diga-se, ainda, que o facto manifestado não se subsume apenas a uma realidade que é do conhecimento público, podendo derivar, como no caso, dos elementos registados e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso a conta bancária.
Como mote introdutório, assume lapidar pertinência o decidido por Acórdão deste TCA Norte, em 24/01/2017, no âmbito do processo n.º 02949/15.7BEPRT:
I. No âmbito das manifestações de fortuna, o legislador confere à AT a faculdade de decidir directamente pela tributação por métodos indirectos, demonstrados que estejam os indícios que descredibilizem (no caso) a declaração apresentada pelo contribuinte. A AT não terá assim que demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte, bastando-lhe demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante.
II. Ao invés, ao sujeito passivo é instituído um ónus bastante proeminente, pois tem de comprovar a realidade dos rendimentos declarados, demonstrar que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada.
III. Só ocorrerá um vício procedimental por não realização de diligências (incumprimento do princípio do inquisitório), se se demonstrar que a administração, não tendo formado a sua convicção em sentido positivo ou negativo sobre a ocorrência de determinados factos que podem relevar para a decisão, não realizou diligências que poderia realizar para os apurar.
IV. O ónus de instrução que recai sobre a administração tributária é distinto do ónus de prova e situa-se a montante deste.”
Importa notar que o princípio da verdade material está consagrado no artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado, ou seja, está em causa investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades sempre no sentido da descoberta da verdade material.
Aliás, o princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT obriga a Administração Tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, o que significa que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo, por isso, de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.
Cumpre, pois, averiguar se no caso sub judice a Administração Tributária podia considerar que o montante de €208.246,56 integrava rendimento tributável em sede de IRS.
Sendo certo, como vimos, que é à Administração Tributária que incumbe, no âmbito do procedimento administrativo-tributário, indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, só podendo culminar o procedimento com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário (princípio da verdade material).
A Administração deve pois, em sede do procedimento administrativo-tributário, proceder às diligências probatórias necessárias no sentido de recolher elementos que, ainda que por forma indirecta, lhe permitam concluir com segurança pelo carácter de incremento patrimonial do valor em apreço.
Permanecendo a dúvida sobre a existência do facto tributário, a Administração deverá abster-se de praticar o acto.
Ora, no relatório inspectivo que sustenta o rendimento tributável corrigido, os serviços de inspecção tributária limitaram-se a remeter para as conclusões de uma perícia efectuada em sede de um inquérito criminal, após ter sido desencadeado o procedimento de derrogação de sigilo bancário, afirmando terem sido detectadas, em 2009, entradas de valores nas contas bancárias do sujeito passivo, no montante de €208.246,56. Ou seja, estas entradas pecuniárias na conta bancária do Recorrente foram consideradas um acréscimo patrimonial não justificado superior a €100.000,00, pelo que susceptível de avaliação indirecta, nos termos da alínea f) do artigo 87.º da LGT.
Note-se que a Administração Tributária não reuniu qualquer indicador que, por si só ou conjugadamente com outros indícios, suportasse essa conclusão, para além da apropriação da investigação e análise que foi efectuada em sede do inquérito criminal citado, por transposição das ilações constantes do extracto do Relatório da Polícia Judiciária. Isto é, não foi junto por aquela, quer no procedimento tributário, quer nos presentes autos, qualquer cópia de documento comprovativo das entradas pecuniárias em conta do Recorrente.
E o motivo (fulcral) por que tal assume particular pertinência no caso em análise reside na circunstância de não existir qualquer correspondência entre os valores apurados na perícia criminal e o montante apontado no relatório de inspecção tributária.
É verdade que as conclusões vertidas no relatório de inspecção tributária parecem remeter para o relatório do Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária e para toda a investigação e análise que aí terá sido levada a cabo, sendo natural que a respectiva fundamentação possa aproveitar ao acto em crise.
Porém, esses elementos não se apresentam de molde a suportar especificamente a conclusão da Administração Tributária.
Efectivamente, quanto ao Recorrente, com referência ao ano de 2009, não é possível extrair do Relatório da Polícia Judiciária que existiram entradas pecuniárias nas suas contas bancárias, no montante de €208.246,56.
Verifica-se, através do intróito do Relatório da Polícia Judiciária, que, no âmbito do processo de inquérito n.º 959/11.2IDBGC, já tinha havido necessidade da realização de outras perícias financeiras e contabilísticas. Contudo, na sequência da junção a esses autos de diversa documentação bancária, foi necessária a intervenção do Sector de Perícia Contabilística e Financeira da Polícia Judiciária para a realização de uma “análise das contas bancárias tituladas pelos sujeitos passivos: G. (…) no sentido de apurar os movimentos credores constantes nos extratos bancários e posteriormente compará-los com os valores apurados pela Administração Tributária”.
Ora, da perícia efectuada a toda a documentação bancária (que não se mostra junta aos autos), o Relatório da Polícia Judiciária identifica uma única conta de depósitos à ordem do Recorrente, no Banco (...), cuja moeda base é o Dólar americano, onde o respectivo extracto identificaria duas transferências credoras no valor global de USD 300.000,00, realizadas em 21/01/2009, com origem numa conta titulada pela sociedade “STR”. Ainda se refere que este registo parece ter tido origem numa autorização de depósito no valor de USD 350.000,00 para a conta do Recorrente em 16/12/2008. De seguida, no mesmo Relatório, apresentam-se os movimentos credores identificados na conta do Recorrente, com referência ao ano de 2009 (entre outros anos), relevados em euros, sendo visível a discrepância entre o fluxo financeiro de €225.289,36 e o total de rendimentos declarados (€0,00) em sede de IRS pelo aqui Recorrente.
Saliente-se que não constam dos autos quaisquer documentos bancários, tão-pouco qualquer cópia de extracto de conta bancária, mas apenas informação da Polícia Judiciária, vertida no referido extracto do Relatório policial elaborado em sede de processo de inquérito, onde se faz menção a dados bancários que o órgão de polícia criminal terá analisado e de onde extraiu conclusões.
Neste contexto, não é compreensível a origem do valor de €208.246,56 para efeitos de apuramento do rendimento tributável, dado que, tendo sido efectuado o câmbio, à data de 21/01/2009, de dólares para euros, se encontrou um montante de entradas pecuniárias de €225.289,36. Apresenta-se, assim, ininteligível a que remontará a quantia apurada, no âmbito do procedimento tributário, no acto de fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS. Se, porventura, tal diferente montante assenta numa outra conversão de moeda, com outra taxa de câmbio por exemplo (aventamos nós), essa circunstância deveria estar esclarecida na motivação do acto. A ausência de qualquer explicação para o valor do rendimento tributável ter sido apurado em €208.246,56 permite que se acompanhe também as reservas apontadas pelo Recorrente, colocado na posição de destinatário normal do acto, quanto à obscuridade na fundamentação do acto impugnado.
Em síntese, não existe, junto aos autos, qualquer extracto de conta bancária do Recorrente, relativo ao ano de 2009, nem qualquer suporte documental da factualidade descrita no relatório inspectivo, designadamente, da afirmação de que foram detectadas entradas de valores nas contas bancárias do sujeito passivo, no montante de €208.246,56, pelo que a fundamentação do acto subjacente se mostra deficiente, não só porque é totalmente conclusiva, mas também por remeter para as ilações de um outro relatório (policial) que não a suporta (por desconforme). Acrescente-se que quaisquer outros elementos que possam existir e ter sido efectivamente recolhidos não se mostram individualmente mencionados no acto de fixação do rendimento tributável, nem os serviços de inspecção tributária remetem para os mesmos, não se identificando sequer, no procedimento, as concretas contas bancárias e os movimentos que estarão em causa, por isso qualquer outra fundamentação que possa existir não lhe pode aproveitar. Logo, o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante não está demonstrado pela Administração Tributária.
Assim, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, é de concluir que a Administração Tributária não logrou, em sede do procedimento tributário, reunir elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que o Recorrente tivesse, realmente, auferido incrementos patrimoniais não justificados no montante de €208.246,56 – faltam factos que demonstrem ou indiciem seguramente a existência desse facto singular no ano de 2009, de acordo com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 342.º do Código Civil.
E se a Administração Tributária, em sede de procedimento tributário, não logrou obter elementos factuais que demonstrem ou indiciem seriamente que a quantia de €208.246,56 corresponde a um acréscimo patrimonial não justificado, não pode considerar esse montante como rendimento do contribuinte para efeitos de tributação em IRS.
Por tudo o exposto, é forçoso conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no mesmo.

Conclusões/Sumário

I - São pressupostos da fixação da matéria tributável pelo método indirecto, a que alude o disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da Lei Geral Tributária: a) existência de acréscimo de património ou de consumo (de valor superior a €100.000,00), evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa; b) a divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou de consumo do sujeito passivo no mesmo período de tributação; c) e que tal divergência não tenha justificação.
II - No âmbito das manifestações de fortuna, a lei confere à Administração Tributária a faculdade de decidir pela tributação por método indirecto, bastando-lhe, num primeiro momento, demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante; o que no caso não se verificou.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente o recurso do acto de fixação da matéria tributável em sede de IRS, referente ao ano de 2009, anulando-o.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias.

Porto, 18 de Junho de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães