Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00228/07.2BEBRG |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 10/29/2009 |
Relator: | Francisco Rothes |
Descritores: | RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ART. 24.º, N.º 1, ALÍNEA B), DA LGT - CULPA PELO NÃO PAGAMENTO DOS IMPOSTOS |
Sumário: | I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT). II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente. III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor. IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 Foi instaurado pelo 1.º Serviço de Finanças de Guimarães contra a sociedade denominada “Segade - , Lda.” um processo de execução fiscal para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos meses de Maio e Junho do ano de 2000. A execução reverteu contra ANTÓNIO (adiante Executado por reversão, Oponente ou Recorrido), por a Administração tributária (AT) o ter considerado responsável subsidiário por essas dívidas. 1.2 O Executado por reversão deduziu oposição a essa execução fiscal, invocando, em síntese, o seguinte: Concluiu com o pedido de extinção da execução quanto a ele. 1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a oposição procedente. Isto, em síntese, porque entendeu que «[f]ace à matéria provada ter-se-á que concluir que o Oponente não teve culpa pela insuficiência do património para solver as dívidas» a qual terá derivado de «factores externos à empresa, nomeadamente da situação económica vivida no sector da indústria têxtil e ainda pela descapitalização da empresa provocada pela incobrabilidade de créditos do seu principal cliente» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.). 1.4 O Ministério Público, através do seu Representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga interpôs recurso dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.5 O Recorrente apresentou alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor: No entanto, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores farão a melhor JUSTIÇA». 1.6 Não foram apresentadas contra alegações. 1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos. 1.8 A questão suscitada pelo Recorrente e que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento quando considerou que a factualidade provada era suficiente para considerar que o Oponente se desincumbiu do ónus probatório em termos bastantes para afastar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas exequendas. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos: «Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, e do depoimento das testemunhas inquiridas, considero provados os seguintes factos: Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos e do depoimento das testemunhas inquiridas. Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Instaurada execução fiscal contra a sociedade denominada “Segade - , Lda.”, a mesma reverteu contra António , que a AT, ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 1, da LGT, considerou responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, provenientes de IVA dos meses de Maio e Junho do ano de 2000. O Executado por reversão deduziu oposição à execução fiscal, sendo que dos fundamentos invocados nos interessa agora apenas considerar a ilegitimidade (() Ver nota 1.-() O Oponente invocou também a caducidade do direito à liquidação, mas, quanto a esse fundamento, a sentença transitou em julgado.) por falta de verificação dos pressupostos da reversão, designadamente a culpa. No entanto, como melhor veremos adiante, a sua alegação, se suficiente para demonstrar a falta de culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas, já não é bastante no sentido de demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas de IVA ora em cobrança coerciva. A oposição foi julgada procedente com fundamento na falta de responsabilidade do Oponente, integrante do fundamento da alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT. Isto, porque a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga entendeu que a prova produzida nos autos permite concluir que o Oponente «não teve culpa pela insuficiência do património para solver as dívidas», a qual terá derivado de «factores externos à empresa, nomeadamente da situação económica vivida no sector da indústria têxtil e ainda pela descapitalização da empresa provocada pela incobrabilidade de créditos do seu principal cliente». O Ministério Público, através do seu Representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, recorreu da sentença considerando que nela se fez errado julgamento relativamente à ilegitimidade do Recorrente por falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas, fundamento que determinou a procedência da pretensão do Oponente. Sustenta o Recorrente que, contrariamente ao decidido, a factualidade provada é insuficiente para que se considere que o Oponente se desincumbiu do ónus probatório de demonstrar a falta de culpa pelo não pagamento das prestações tributárias ora em cobrança coerciva, motivo por que não pode considerar-se afastada a sua responsabilidade subsidiária. Por isso, enunciámos a questão a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos no ponto 1.8. * 2.2.2 DA CULPA PELA FALTA DE PAGAMENTO PREVISTA NO ART. 24.º, N.º 1, ALÍNEA B), DA LGTO regime da responsabilidade subsidiária aplicável à situação sub judice é, inequivocamente, o do art. 24.º, n.º 1, da LGT (() É pacífico que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade. Na verdade, as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, para a aplicação correcta da lei tem-se de aferir o momento em que o facto gerador da responsabilidade se verificou (cf. art. 12.º do Código Civil). É este que vai determinar qual a norma aplicável. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, II volume, anotação 16 ao art. 204.º, págs. 334/335. ), que foi, aliás, o invocado pelo órgão da execução fiscal no despacho de reversão. Antes do mais, e porque tal se nos afigura imprescindível à boa compreensão da questão controvertida, impõem-se alguns considerandos em torno da responsabilidade subsidiária dos gestores das sociedades pelas dívidas tributárias destas, tal como prevista no n.º 1 do art. 24.º, da LGT. Aí se diz que «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si» (() Esta é a redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e, por isso, ainda não em vigor à data a que se referem as dívidas exequendas. No entanto, como resulta do confronto com a redacção inicial do preceito («Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si»), a alteração não tem repercussão alguma sobre a situação sub judice.) nos seguintes termos: « a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento». A leitura do preceito logo nos revela uma delimitação no tempo da responsabilidade subsidiária (() Não há responsabilidade subsidiária dos gestores relativamente às dívidas de impostos relativamente às quais não possa estabelecer-se uma conexão temporal nos termos das alínea a) ou b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.), bem como um tratamento diferenciado das dívidas tributárias consoante a conexão das mesmas no tempo com o período de exercício do cargo de administração ou gestão. Em suma, o legislador, por certo ponderando, por um lado, razões de justiça e, por outro lado, as necessidades de eficácia do próprio instituto, entendeu proceder a uma distribuição do ónus da prova consoante o prazo de pagamento das dívidas tributárias tenha ou não terminado durante o exercício do cargo do gestor, limitando o ónus de prova a cargo deste aos casos em que o fundamento da responsabilidade for a violação pela sociedade do dever fundamental de pagar impostos vencidos no período de administração ou gerência; nos restantes casos, de violação de outro tipo de obrigações acessórias ou dever de zelo de administração do património societário, entendeu o legislador colocar esse ónus a cargo da AT. Feitos estes considerandos em torno da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da LGT, e tendo presente que o Oponente era gerente da sociedade originária devedora no período em que deveriam ter sido entregues os montantes que a sociedade originária devedora apurou a título de IVA relativamente aos meses de Maio e Junho de 2000, logo ficamos aptos a concluir que, no caso, para que o Oponente se exima da sua responsabilidade subsidiária terá que ser feita a demonstração de que a falta de entrega desse IVA não lhe é imputável. Se tal prova não tiver sido feita, ou se ficarem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de entrega do imposto apurado naqueles períodos, a oposição não poderá proceder. Vejamos então se a prova produzida nos presentes autos permite concluir que o Oponente não teve culpa pela falta de entrega do IVA respeitante aos meses de Maio e Junho do ano de 2000. Face à matéria de facto que foi alegada pelo Oponente e que foi dada como assente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, apenas poderíamos concluir, quando muito, que o Oponente não tem culpa pela actual situação de insuficiência patrimonial da empresa para responder pelas dívidas exequendas e que foi um gestor cuidadoso; mas já nada nos permite concluir no sentido de que o Oponente não tenha culpa pela não entrega em tempo oportuno do IVA. Ou seja, a prova feita nos autos apenas poderá servir a demonstração da falta de culpa na diminuição do património e já não demonstração da falta de culpa pelo não pagamento do IVA. * 2.2.3 CONCLUSÕESPreparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I- No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT). II- Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente. III- Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor. IV- A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição à execução fiscal improcedente. Custas pelo Recorrido, mas apenas em 1.ª instância. * Porto, 29 de Outubro de 2009 (Francisco Rothes) (Fonseca Carvalho) |