Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00228/07.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/29/2009
Relator:Francisco Rothes
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ART. 24.º, N.º 1, ALÍNEA B), DA LGT - CULPA PELO NÃO PAGAMENTO DOS IMPOSTOS
Sumário:I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 Foi instaurado pelo 1.º Serviço de Finanças de Guimarães contra a sociedade denominada “Segade - , Lda.” um processo de execução fiscal para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos meses de Maio e Junho do ano de 2000. A execução reverteu contra ANTÓNIO (adiante Executado por reversão, Oponente ou Recorrido), por a Administração tributária (AT) o ter considerado responsável subsidiário por essas dívidas.

1.2 O Executado por reversão deduziu oposição a essa execução fiscal, invocando, em síntese, o seguinte:
– a caducidade do direito à liquidação, porque a sua citação como responsável subsidiário ocorreu para além do prazo de quatro anos fixado pelo art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT);
– a sua ilegitimidade (() Ilegitimidade substantiva, decorrente da falta de responsabilidade pela dívida exequenda, prevista na alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, como fundamento de oposição à execução fiscal.), por falta de verificação dos pressupostos da reversão, designadamente a culpa pela falta de pagamento das dívidas exequendas, uma vez que o não pagamento se deveu exclusivamente a circunstâncias alheias à sua vontade, designadamente a falta de pagamento de encomendas por parte de muitos dos clientes.

Concluiu com o pedido de extinção da execução quanto a ele.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a oposição procedente. Isto, em síntese, porque entendeu que «[f]ace à matéria provada ter-se-á que concluir que o Oponente não teve culpa pela insuficiência do património para solver as dívidas» a qual terá derivado de «factores externos à empresa, nomeadamente da situação económica vivida no sector da indústria têxtil e ainda pela descapitalização da empresa provocada pela incobrabilidade de créditos do seu principal cliente» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.).

1.4 O Ministério Público, através do seu Representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga interpôs recurso dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 O Recorrente apresentou alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
I - A factualidade apurada na sentença não é suficiente para se considerarem adequadamente cumpridos os deveres mínimos de diligência criteriosa de um administrador.
II - Pelo que também não se poderá ter como satisfeito o ónus legal – que sobre o recorrido impendia – de provar a não imputabilidade da falta de pagamento dos impostos em causa nesta acção.
III - Decidindo em contrário, violou a sentença em crise o disposto nos artigos 24, n.º 1, b) da LGT, e 26, nº 1 e 40, nº 1, do CIVA.
IV - Deve, pois, ser revogada e substituída por outra que declara a acção improcedente e mande prosseguir a execução.

No entanto, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores farão a melhor

JUSTIÇA».

1.6 Não foram apresentadas contra alegações.

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos.

1.8 A questão suscitada pelo Recorrente e que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento quando considerou que a factualidade provada era suficiente para considerar que o Oponente se desincumbiu do ónus probatório em termos bastantes para afastar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas exequendas.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos:

«Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, e do depoimento das testemunhas inquiridas, considero provados os seguintes factos:
1. Foram deduzidas execuções fiscais contra a originária devedora Segade – , Lda., por dívidas IVA do ano de 2000, no valor total de 9 433.63 €
2. Em 30.03.1995, foi constituída a sociedade originária, cujo objecto social consistia em confecção de malhas e na sua exportação;
3. O Oponente, conjuntamente com a esposa, exercia a gerência da executada, sendo somente necessária a assinatura de um para obrigar a sociedade;
4. A sociedade teve problemas financeiros, derivados da crise no sector têxtil;
5. A originária devedora tinha como principal cliente a “News Kids” a qual lhe ficou a dever a quantia de 75 000 €;
6. A executada originária demandou judicialmente, no entanto não conseguiu cobrar a dívida;
7. Em 1999, teve dificuldades financeiras, que [a] levaram atrasar pagamentos de electricidade, telefones e outros fornecedores, nomeadamente os salários;
8. Os bancos deixaram de lhe conceder crédito bancário;
9. A Administração Fiscal penhorou todos os bens da executada originária no âmbito da execução fiscal;
10. O Oponente desenvolveu esforços para angariar novos clientes;
11. Constatada a inexistência de bens, na sociedade executada, veio a execução a reverter contra o Oponente, na qualidade de gerente da sociedade por despacho datado de 11.05.2006 do Chefe de Finanças;
12. O Oponente foi citado da reversão em 18.05.2006, tendo sido deduzida oposição em 16.06.2006.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos e do depoimento das testemunhas inquiridas.
Foi inquirido Agostinho Gomes Sousa, cortador, ex-funcionário da executada originária, que à data dos factos trabalhava na empresa, o qual prestou o depoimento de forma séria e credível, demonstrando conhecimento da situação e descrevendo como estava estruturado o negócio e a existência do principal cliente “New Kids” que ficou a dever a quantia de 75 000 €, tendo inclusive sido testemunha no processo de cobrança da dívida.
A empresa tinha dificuldades económicas as quais levaram aos atrasos nos pagamentos dos salários, cortes de electricidade e telefones e dívidas a fornecedores.
E que o gerente era uma pessoa dedicada, assídua, trabalhador e preocupava-se em arranjar novos clientes.
Foi inquirida Maria Conceição G. Sousa, empregada, prestou o depoimento de forma séria e credível, tendo confirmado o depoimento da anterior testemunha, tendo ela própria sido também testemunha no processo para cobrança de dívida.
Foi inquirida Deolinda Oliveira Freitas Martins, esposa do Oponente, que prestou o depoimento de forma séria e credível tendo confirmado o depoimento das anteriores testemunhas e o corte do financiamento bancário.

Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão».

2.1.2 O julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância não vem posto em causa.
Na verdade, o Recorrente não invoca qualquer erro ou vício no julgamento da factualidade; sustenta, isso sim, que tal factualidade não é bastante para suportar o julgamento de que o Oponente não teve culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas.

2.1.3 Com interesse para a decisão a proferir, entendemos ainda pertinente levar à factualidade provada os seguintes factos, aos quais, para respeitarmos a ordem estabelecida pela sentença, atribuiremos os n.ºs 1-a), 1-b), 2-a), 11-a) e 11-b):
1-a) As dívidas exequendas respeitam a IVA dos meses de Maio e Junho de 2000, dos montantes de Esc. 578.934$00 e 1.312.339$00 (€ 2.887,71 e 6.545,92), que deveriam ter sido pagas até 10 de Julho de 2000 e até 10 de Agosto de 2000, tudo respectivamente (cf. cópia dos títulos executivos a fls. 9 e 34 do apenso organizado com cópias do processo de execução fiscal);
1-b) Das respectivas certidões de dívida consta, para além do mais, o seguinte:
«A dívida aqui certificada resultou do facto de a declaração periódica prevista nos artigos 26º e 40º do Código do IVA, remetida para o período acima referido, não ter sido acompanhada do respectivo meio de pagamento, nem ter sido recebido, no prazo de cobrança voluntária que terminou em [10 de Julho de 2000, a dívida de Maio, e em 10 de Agosto de 2000,a dívida de Julho], qualquer outro pagamento que pudesse ser associado a essa declaração»
(cf. cópia dos títulos executivos a fls. 9 e 34 do apenso organizado com cópias do processo de execução fiscal);
2-a) Desde a data da constituição da sociedade sempre foi António quem geriu a sociedade dita em 1. (cf. a prova testemunhal e a confissão do Oponente);
11-a) No despacho de reversão ficou dito, para além do mais, o seguinte:
«Determino a reversão, nos termos do n.º 2, do art. 23º da LGT, do n.º 2, do art. 153º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do art. 24º da LGT, contra o gerente António »
(cf. cópia do despacho de reversão a fls. 29 do apenso organizado com cópias do processo de execução fiscal);
11-b) Na informação apropriada pelo despacho de reversão ficou dito, para além do mais, o seguinte:
«Relativamente ao alegado pelo requerente António em nada vem contrariar o sentido do projecto de decisão, uma vez que é parte legítima na execução, visto que foi contra ele que esta foi proposta. Ou seja, foi estabelecida uma presunção de culpa do gerente pela insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos fiscais, cabendo àquele o ónus da prova»
(cf. cópia do informação a fls. 28 do apenso organizado com cópias do processo de execução fiscal).

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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Instaurada execução fiscal contra a sociedade denominada “Segade - , Lda.”, a mesma reverteu contra António , que a AT, ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 1, da LGT, considerou responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, provenientes de IVA dos meses de Maio e Junho do ano de 2000.
O Executado por reversão deduziu oposição à execução fiscal, sendo que dos fundamentos invocados nos interessa agora apenas considerar a ilegitimidade (() Ver nota 1.-() O Oponente invocou também a caducidade do direito à liquidação, mas, quanto a esse fundamento, a sentença transitou em julgado.) por falta de verificação dos pressupostos da reversão, designadamente a culpa. No entanto, como melhor veremos adiante, a sua alegação, se suficiente para demonstrar a falta de culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas, já não é bastante no sentido de demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas de IVA ora em cobrança coerciva.
A oposição foi julgada procedente com fundamento na falta de responsabilidade do Oponente, integrante do fundamento da alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT. Isto, porque a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga entendeu que a prova produzida nos autos permite concluir que o Oponente «não teve culpa pela insuficiência do património para solver as dívidas», a qual terá derivado de «factores externos à empresa, nomeadamente da situação económica vivida no sector da indústria têxtil e ainda pela descapitalização da empresa provocada pela incobrabilidade de créditos do seu principal cliente».
O Ministério Público, através do seu Representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, recorreu da sentença considerando que nela se fez errado julgamento relativamente à ilegitimidade do Recorrente por falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas, fundamento que determinou a procedência da pretensão do Oponente. Sustenta o Recorrente que, contrariamente ao decidido, a factualidade provada é insuficiente para que se considere que o Oponente se desincumbiu do ónus probatório de demonstrar a falta de culpa pelo não pagamento das prestações tributárias ora em cobrança coerciva, motivo por que não pode considerar-se afastada a sua responsabilidade subsidiária.
Por isso, enunciámos a questão a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos no ponto 1.8.
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2.2.2 DA CULPA PELA FALTA DE PAGAMENTO PREVISTA NO ART. 24.º, N.º 1, ALÍNEA B), DA LGT
O regime da responsabilidade subsidiária aplicável à situação sub judice é, inequivocamente, o do art. 24.º, n.º 1, da LGT (() É pacífico que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade. Na verdade, as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, para a aplicação correcta da lei tem-se de aferir o momento em que o facto gerador da responsabilidade se verificou (cf. art. 12.º do Código Civil). É este que vai determinar qual a norma aplicável. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, II volume, anotação 16 ao art. 204.º, págs. 334/335. ), que foi, aliás, o invocado pelo órgão da execução fiscal no despacho de reversão.
Antes do mais, e porque tal se nos afigura imprescindível à boa compreensão da questão controvertida, impõem-se alguns considerandos em torno da responsabilidade subsidiária dos gestores das sociedades pelas dívidas tributárias destas, tal como prevista no n.º 1 do art. 24.º, da LGT. Aí se diz que «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si» (() Esta é a redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e, por isso, ainda não em vigor à data a que se referem as dívidas exequendas. No entanto, como resulta do confronto com a redacção inicial do preceito («Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si»), a alteração não tem repercussão alguma sobre a situação sub judice.) nos seguintes termos:
«
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

A leitura do preceito logo nos revela uma delimitação no tempo da responsabilidade subsidiária (() Não há responsabilidade subsidiária dos gestores relativamente às dívidas de impostos relativamente às quais não possa estabelecer-se uma conexão temporal nos termos das alínea a) ou b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.), bem como um tratamento diferenciado das dívidas tributárias consoante a conexão das mesmas no tempo com o período de exercício do cargo de administração ou gestão.
Ou seja, a alínea a) abrange a responsabilidade pelas dívidas tributária constituídas durante o exercício de funções dos gestores ou cujo prazo do respectivo pagamento ou entrega tenha terminado já depois desse exercício. Consagra, assim, a responsabilidade dos gestores que exerceram as suas funções à época em que ocorreram os factos tributários ou que as exerceram durante o prazo legal de pagamento ou entrega da prestação tributária, mas antes do termo de tal prazo (() Trata-se de um alargamento da responsabilidade subsidiária face ao anterior regime previsto no art. 13.º do Código de Processo Tributário, pois na vigência deste artigo a jurisprudência considerava que os administradores podiam ser responsáveis pelas dívidas mas só se estas tivessem o seu facto constitutivo ou o seu vencimento ocorresse durante o exercício do cargo. Neste sentido, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JOSÉ LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 2.ª edição, anotação 7 ao art. 24.º, pág. 132. Nunca, como agora no art. 24.º da LGT, se previu a responsabilização dos administradores por dívidas tributárias cujo facto gerador ou o seu vencimento tivesse ocorrido fora desse período.).
Para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (() De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2. ao art. 100.º, pág. 719. ).
Já na previsão legal da alínea b) deste art. 24.º, n.º 1, da LGT, o legislador estabelece a imputação da falta de entrega ou pagamentos dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega da prestação tributária terminado no seu período de gerência, os não tenha efectuado, a menos que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta. Ou seja, faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Tal presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (() Nos termos do art. 487.º, n.º 1, do CC: «É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa».) (CC), compreende-se no presente caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204.º, pág. 356. ). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora (() E tal demonstração, em sede executiva, está feita através do próprio título.), recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou ente fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art. 32.º da LGT).

Em suma, o legislador, por certo ponderando, por um lado, razões de justiça e, por outro lado, as necessidades de eficácia do próprio instituto, entendeu proceder a uma distribuição do ónus da prova consoante o prazo de pagamento das dívidas tributárias tenha ou não terminado durante o exercício do cargo do gestor, limitando o ónus de prova a cargo deste aos casos em que o fundamento da responsabilidade for a violação pela sociedade do dever fundamental de pagar impostos vencidos no período de administração ou gerência; nos restantes casos, de violação de outro tipo de obrigações acessórias ou dever de zelo de administração do património societário, entendeu o legislador colocar esse ónus a cargo da AT.

Feitos estes considerandos em torno da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da LGT, e tendo presente que o Oponente era gerente da sociedade originária devedora no período em que deveriam ter sido entregues os montantes que a sociedade originária devedora apurou a título de IVA relativamente aos meses de Maio e Junho de 2000, logo ficamos aptos a concluir que, no caso, para que o Oponente se exima da sua responsabilidade subsidiária terá que ser feita a demonstração de que a falta de entrega desse IVA não lhe é imputável. Se tal prova não tiver sido feita, ou se ficarem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de entrega do imposto apurado naqueles períodos, a oposição não poderá proceder.

Vejamos então se a prova produzida nos presentes autos permite concluir que o Oponente não teve culpa pela falta de entrega do IVA respeitante aos meses de Maio e Junho do ano de 2000. Face à matéria de facto que foi alegada pelo Oponente e que foi dada como assente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, apenas poderíamos concluir, quando muito, que o Oponente não tem culpa pela actual situação de insuficiência patrimonial da empresa para responder pelas dívidas exequendas e que foi um gestor cuidadoso; mas já nada nos permite concluir no sentido de que o Oponente não tenha culpa pela não entrega em tempo oportuno do IVA. Ou seja, a prova feita nos autos apenas poderá servir a demonstração da falta de culpa na diminuição do património e já não demonstração da falta de culpa pelo não pagamento do IVA.
No entanto, como resulta do que deixámos exposto relativamente aos dois regimes diferenciados da responsabilidade subsidiária previstos no art. 24.º, n.º 1, da LGT, era a falta de culpa pela não entrega do IVA dos meses de Maio e Junho de 2000 que no caso cumpria demonstrar.
Ora, nos autos não há sequer prova de que a sociedade originária devedora não tivesse os meios necessários para proceder oportunamente à entrega do IVA em cobrança coerciva ou de que, não os tendo nessa ocasião, essa falta não fosse devida a qualquer actuação ou omissão imputável ao Oponente.
Note-se que essa prova no caso sub judice deveria ser particularmente exigente porquanto nos situamos perante dívidas de IVA que foi apurado pela própria sociedade originária devedora e relativamente ao qual o Oponente nem sequer alegou que o não tenha recebido dos seus clientes (() Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes.). O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado nos meses de Maio e Junho – o que, reiteramos, no caso sub judice o Oponente nunca alegou –, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa do Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que o Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação. Ora, a esse propósito nada ficou provado, nem o Oponente alegou o quer que fosse de concreto, antes se limitando, vaga e genericamente, a alegar que «Nessa fase em que a SEGADE não cumpriu com as obrigações tributárias, fruto da falta de pagamento de alguns dos seus clientes, a empresa resvalou para uma situação de incumprimento generalizado das suas obrigações» (art. 12.º da petição inicial) e, mesmo assim, suscitando sérias reservas a estratégia que o Oponente diz ter assumido, de privilegiar alguns dos credores em detrimento da Fazenda Pública (cf. arts. 14.º e 15.º da petição inicial).
Concluímos, pois, que não há nos autos prova alguma no sentido de que a falta de pagamento das dívidas de IVA ora em cobrança coerciva não seja imputável ao Oponente. Nada se demonstrando no sentido de afastar a culpa do Oponente pela não entrega do IVA, deve ele responder pelas mesmas ao abrigo da alínea b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se, motivo por que, dando provimento ao recurso interposto pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a revogaremos e substituiremos por decisão que julgue improcedente a oposição à execução fiscal.

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2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I- No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II- Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III- Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV- A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição à execução fiscal improcedente.

Custas pelo Recorrido, mas apenas em 1.ª instância.


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Porto, 29 de Outubro de 2009


(Francisco Rothes)

(Fonseca Carvalho)
(Moisés Rodrigues)