Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00222/11.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I – Presume-se efectuada a notificação enviada por carta registada endereçada para a morada indicada no requerimento a pedir a concessão de proteção jurídica (70º, nº 1, alínea a) do CPA, e 254º, 3 e 255º, nº 1 do CPC).
II – Recai sobre a recorrente o ónus da prova para afastar essa presunção e provar que, como alega, não recebeu a carta registada que lhe foi enviada pelos Serviços da Segurança Social.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:S...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. RELATÓRIO
S…, contribuinte fiscal n.°1…, residente na Av…., 4590-516 Paços de Ferreira, deduziu Oposição à execução fiscal n.°1 830-2009/07000 103 e apensos, que tinham sido inicialmente instaurados contra a sociedade M… -Máquinas e Ferramentas, Ldª, por dívidas relativas ao IVA do exercício de 2003 no valor global de 2.483,88 euros.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, foi proferida sentença que julgou extinta a oposição por impossibilidade superveniente da lide, decisão com que a oponente não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1º. De harmonia com a informação do ISS foi indeferido o pedido de apoio judiciário que a Recorrente lhe solicitou, em virtude desta, em audiência prévia, não lhe ter remetido informações e documentos, para assim poder aferir do reconhecimento de tal direito, e de não ter recorrido do indeferimento que lhe terá comunicado, em virtude de tais comunicações não lhe terem sido devolvidas por falta de receção da Recorrente.
2º. A Recorrente alegou que não recebeu essas comunicações.
3º. O facto dos autos é idêntico ao de outros processos tributários pendentes no Tribunal recorrido, sendo certo que essas várias peças processuais, e com respeito à morada da Recorrente, de uniforme apenas aparece o nome T…, como topónimo, e o n.º 161 (de polícia), enquanto temos como indicação de via, Rua e Avenida, 5.º e 6.º andar, e, por vezes, a menção esquerdo.
4º. Perante tal confusão, e como estamos nos domínios dos direitos fundamentais - direito ao direito e direito ao apoio judiciário -, dever-se-ia encontrar uma solução que demonstrasse, inequivocamente, que a Recorrente, foi notificada para juntar aos autos os elementos solicitados pelo ISS, nomeadamente na pessoa do seu mandatário, bem como da decisão final que recaísse sobre esse pedido.
5º. O modo como as coisas foram decididas viola o disposto nos art.ºs 20.º, 1 e 202.º, 2 do CRP e art.º 47.º, II e III da CDFUE.
Por isso deve ser revogado.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Ao julgado é imputado erro de julgamento em matéria de direito, por violação das disposições conjugadas dos art.s 20º, n.º 1 e 202º n.º 2, ambos do CRP e do art. 47º, II e III da CDFUE ao ter decidido que a Recorrente foi notificada da decisão do Instituto da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário que requereu.
III. FUNDAMENTOS
III.1. DE FACTO
Porque no despacho recorrido, de fls. 107 a 110 dos autos, não se fixaram autonomamente os factos relevados, mas os autos conterem todos os elementos necessários para sindicar a decisão de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 712º, n.º 1, al. a) do CPC, acorda-se em julgar provada a seguinte matéria de facto:
A) Com a petição inicial da oposição a oponente apresentou documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 19 a 23 dos autos).
B) No requerimento do pedido de apoio judiciário a oponente declarou a sua residência na Rua…, 4590-516 Paços de Ferreira (fls. 19).
C) Na procuração forense a oponente declarou que a sua residência é na Rua …, 4590-516 Paços de Ferreira (fls. 18).
D) No PEF a residência e o domicílio fiscal da oponente são na Rua …, 4590-516 Paços de Ferreira (fls. 39 a 49 dos autos).
E) Na petição inicial a oponente identifica-se como sendo residente na Rua …, 4590-516 Paços de Ferreira (fls. 3).
F) A decisão com a proposta de indeferimento e para o exercício do direito de audição, com a advertência expressa que a falta de resposta implica a conversão da proposta de decisão de indeferimento em decisão definitiva, cujo teor consta de fls. 74 a 76 dos autos e que aqui se dá reproduzido, foi remetida à oponente, em seu nome, e para a sua residência sita na Rua…, 4590-516 Paços de Ferreira, por carta registada em 14/1/2011 (fls. 74 e seguintes).
G) A notificação não foi devolvida aos Segurança Social (fls. 77).
H) A Fazenda Pública foi notificada para contestar a oposição em 17/3/2011 (fls. 53).
I) A oponente foi notificada por carta registada em 05/07/2011, da junção aos autos da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário e para juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias (fls. 78 dos autos).
J) A oponente não juntou aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça (fls. 78 e seguintes).
K) A oponente juntou aos autos um requerimento em que alega não ter sido notificada da decisão por ter residência na Rua… (fls. 82 e 83 dos autos).
L) Até 17/10/2011 não tinha sido interposta impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário (fls. 97).
III.2. DE DIREITO
A única questão que importa decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel incorreu em erro de julgamento ao ter decidido que a Recorrente foi notificada da decisão do Instituto da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário que requereu, daí retirando as ilações que conduziram a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
A questão aqui colocada, já foi objeto de decisão por este TCAN, em termos absolutamente idênticos no processo nº 213/11.0BEPNF, proferido no passado dia 18 de abril e, no processo n.º 215/116BEPNF, no passado dia 24 de maio.
Naqueles processos, como neste recurso, estava em causa decisões do TAF de Penafiel que julgaram extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide em processos de oposição judicial, sendo que entre os mesmos existe identidade das partes e conformidade no tratamento dado a questão em sede de 1ª instância, apenas divergindo os processos de execução fiscal subjacentes às oposições deduzidas.
Aquiescemos aqui, sem reserva, à apreciação levada a efeito no recurso nº 213/11.0BEPNF, razão pela qual, no presente recurso, recuperamos, na íntegra, tudo o que ficou plasmado no acórdão citado, o qual passamos de imediato a transcrever.
“2.2.1. No essencial, a Recorrente alega que não recebeu a comunicação do Instituto da Segurança Social através das quais lhe foi solicitada a junção de determinados elementos e lhe foi feita a advertência de que a falta de resposta implicaria o indeferimento de proteção jurídica sem que se procedesse a qualquer outra notificação e se deveria ter encontrado uma solução que demonstrasse, inequivocamente, que a Recorrente, foi notificada (conclusões 1ª a 4ª das alegações do recurso).
Na decisão recorrida, a propósito desta específica questão, expendeu-se a seguinte fundamentação: “A oponente apesar de alegar que não foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário não tem razão.
Por um lado, porque alega que a sua residência é na Rua…, 4590-516 Paços de Ferreira, mas não tem razão. Apesar de alegar que reside no 5.º andar e de ter indicado esse andar na sua identificação da petição inicial, a oponente nos restantes documentos juntos aos autos, apresentados na Segurança Social e no Serviço de Finanças e sobretudo no requerimento do pedido de apoio judiciário, declarou que é residente na Rua…, 4590-516 Paços de Ferreira. Logo, a notificação da decisão do pedido de apoio judiciário foi regularmente remetida para a residência declarada pela oponente e foi aí recebida, uma vez que, conforme resulta da informação prestada pela Segurança Social a fls. 84, não foi devolvida à Segurança Social. Por isso, a oponente presume-se notificada da decisão remetida pela carta registada em 21/1/2011.
Por outro lado, a oponente depois de notificada da decisão de notificação apesar de alegar que reside no 5.º andar, não só não juntou qualquer prova desse facto, como não requereu a realização de qualquer diligência de prova que pudesse ilidir a presunção de notificação, quer pelo art. 39.º do CPPT, quer pelos arts. 255.º, n.º 1 e 254.º do CPC, como juntou um documento que contradiz o requerimento apresentado e que corrobora que a sua residência é na Rua…, e não 5.º andar como alega (fls. 80).
Note-se ainda que a notificação realizada à oponente foi remetida corretamente para o seu domicílio escolhido e comunicado à Segurança Social para efeitos do pedido de apoio judiciário que é inequivocamente a residência sita à na Rua …, 4590-516 Paços de Ferreira (fls. 17).
Finalmente, a oponente não alegou nem provou qualquer comunicação ao processo de pedido de apoio judiciário da Segurança Social de qualquer alteração de morada.
A oponente tem, por isso, de presumir-se notificada da decisão do pedido de apoio judiciário comunicada pela carta registada de 21/1/2011”.
O assim decidido, digamo-lo desde já, não nos merece censura. Vejamos porquê.
De acordo com o regime legal instituído pela Lei nº 34/2004, de 29 de julho, o requerimento de proteção jurídica, em qualquer das suas modalidades, desencadeia um procedimento administrativo autónomo relativamente à causa a que respeita sendo a respetiva decisão final da competência do dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência ou da sede do requerente (cf. artigos 19º, 20º, nº 1, 22º e 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho).
Nos termos do disposto no artigo 23º da Lei nº 34/2004, a audiência prévia tem obrigatoriamente lugar nos casos em que estiver proposta uma decisão de indeferimento do pedido formulado, nos termos do Código do Procedimento Administrativo e se o requerente da proteção jurídica, devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em definitiva, desde que na notificação se faça expressa referência a essa cominação.
De acordo com a matéria de facto provada, que a decisão com a proposta de indeferimento e para o exercício do direito de audição, com a advertência expressa que a falta de resposta implica a conversão da proposta de decisão de indeferimento em decisão definitiva, cujo teor consta de fls. 86 a 88 dos autos e que aqui se dá reproduzido, foi remetida à oponente, em seu nome, e para a sua residência sita na Rua…, 4590-516 Paços de Ferreira, por carta registada em 21/1/2011, sem que tenha sido devolvida aos Serviços da Segurança Social.
Estamos no âmbito de um procedimento administrativo. De acordo com o estabelecido no 70º, nº 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, as notificações podem ser feitas por via postal (com ou sem registo) devendo a notificação presumir-se efetuada uma vez demonstrado que a carta para notificação foi enviada e em que data, nos termos resultantes do disposto nos artigos 254º, 3 e 255º, nº 1 do CPC – igualmente apontando no sentido da existência de uma presunção, vide MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, pág.361. No sentido da aplicabilidade da presunção contida no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de fevereiro, cf. PEDRO GONÇALVES, Notificação dos Atos Administrativos (Notas sobre a Génese, Âmbito, Sentido e Consequências de uma Imposição Constitucional), in Ab Uno ad Omnes, 75 Anos da Coimbra Editora.
Ora, uma vez à Recorrente foi enviada uma carta registada endereçada para a morada que a mesma indicou no requerimento em que pediu a concessão de proteção jurídica, tal como resulta das alíneas e) e g) do probatório, decidiu bem, portanto, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel quando entendeu que a notificação tinha de se presumir efetuada e como tal, à Recorrente não restaria senão afastar essa presunção e provar que, como alega, não recebeu a carta registada que lhe foi enviada pelos Serviços da Segurança Social.
Manifestamente, a Recorrente não logrou ilidir a referida presunção. Na verdade, como muito bem se salientou na decisão recorrida, a Recorrente, apesar de alegar que reside no 5.º andar, não só não juntou qualquer prova desse facto, como não requereu a realização de qualquer diligência de prova tendente a demonstrar que, por razões que lhe não são imputáveis, a notificação não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida sendo que a Recorrente não alegou nem provou qualquer comunicação ao processo de pedido de apoio judiciário da Segurança Social de qualquer alteração de morada.
Refira-se, a finalizar, que não se vislumbra qualquer fundamento para alegar que a decisão recorrido violou as normas constitucionais dos artigos 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa, sendo certo, sempre se diga, que a Recorrente também não cuidou de concretizar minimamente onde está a violação de tais preceitos da Lei Fundamental.
A garantia constitucional do acesso ao direito e aos tribunais plasmada no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa é, obviamente, compatível com uma decisão de indeferimento de um requerimento de proteção jurídica e só isso está aqui em causa (sempre se refira que se nos afigura deslocada a invocação neste contexto processual da norma do artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia uma vez que, nos termos do disposto no artigo 6º do Tratado da União Europeia “de forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados”, o que significa que a Carta não se destina a alargar o âmbito de aplicação dos direitos fundamentais, como questão de direito da União Europeia, a qualquer medida de um Estado Membro).
Por outro lado, com aquela garantia também não colide a efetivação da notificação do procedimento de proteção jurídica nos termos gerais do Código do procedimento Administrativo com todas as consequências daí decorrentes.
Aplicando bem a lei, como o fez, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel manteve-se fiel às exigências ínsitas na norma do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa segundo a qual os tribunais são os órgãos de justiça incumbidos de administrar a justiça em nome do povo”.
Atento o teor do acórdão que se reproduziu, nenhumas outras considerações se nos afigura acrescentar à fundamentação transcrita, as quais se enquadram cabalmente na situação ora em análise.
Assim, improcedem todas as conclusões da alegação da Recorrente.
IV. DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 14 de junho de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Pedro Marques
Ass. Paula Ribeiro