Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00175/14.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/24/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA / DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário:O despacho de aperfeiçoamento previsto no artigo 114º/4 do CPTA destina-se a suprir a falta de requisitos externos ou formais do requerimento inicial e não a falta de alegação dos factos necessários ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento ou indeferimento da providência cautelar.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M&M, Supermercados, Lda
Recorrido 1:Municipio de V... e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«M&M..., SUPERMERCADOS LDA» veio interpor recurso da sentença do TAF de Mirandela que indeferiu a providência cautelar requerida contra o MUNICÍPIO DE V... e as contra interessadas «D... - PORTUGAL, SUPERMERCADOS, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA» e «A&C..., LDA» na qual era pedida a suspensão de eficácia dos seguintes actos:
- Despacho datado de 2014/01/14, em que a entidade requerida admite as obras a realizar pela sociedade «D... PORTUGAL Supermercados Sociedade Unipessoal, Lda» no processo 30/13.

- Comprovativo/licença admissão da comunicação prévia de obras (alvará de licença nº 1/14) e suas eventuais prorrogações requerida pela «D... PORTUGAL - Supermercados Sociedade Unipessoal Lda», nos termos do D.L. 26/2010, de 30 de Março.”

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Em alegações a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
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1. A requerente intentou uma providência cautelar de suspensão da eficácia dos atos nos termos do artigo 112º do C.P.T.A. do procedimento de licenciamento 30/2013 e alvará de utilização nº 5/2014 emitido pelo Município de V.... Para o efeito alegou sumariamente a ilegalidade dos atos e prejuízos de difícil reparação.
2. Como se infere da Douta Decisão, o Meritíssimo Juiz a quo apreciou a legalidade ou ilegalidade do ato em crise – processo de licenciamento e alvará de utilização, concluindo sem mais que “existem dúvidas, cujo esclarecimento necessita de um discurso coadjuvante necessário à procedência da pretensão da requerente no processo principal” renunciando a apreciação concreta dos factos face à lei D.L. 21/2009 e D.L. 259/2007 aplicável.

3. No que respeita ao que esta apelida de segundo critério, com referência ao artigo 120, nº 1, al. b) do CPTA, o Meritíssimo Juiz a quo entende que, apesar de se provar certos factos não foi esclarecido em termos concorrenciais, o que é o mercado é reduzido e a população escassa, como nada diz quanto aos seus proveitos mensais ou nada é dito sobre a indispensabilidade da realização desse rendimentos face aos postos de trabalho que possui, rendimentos e encargos que tem com os fornecedores, não se podendo pronunciar sobre a dificuldade que envolveria o restabelecimento da situação.

4. Ora, os factos referidos na Douta decisão, que o Meritíssimo Juiz a quo entendia ser objeto de esclarecimento, aditamento ou correção, que geraram inclusive uma falta de pronúncia, deveriam ser alvo de um Despacho por parte do Tribunal a quo convidando a parte a esclarecer, corrigir ou aditar factos que julgasse convenientes, o que não aconteceu in casu.

5. Violou assim o Tribunal a quo com tal decisão o disposto nos artigos 6, 7 e 590, nº 2 al. b) do C.P.C., não promovendo a boa gestão processual dos autos nem apelando ao princípio da cooperação processual como se lhe impunha.

6. De acordo com a Douta decisão de indeferimento, entende-se que para além de “existem dúvidas, cujo esclarecimento necessita de um discurso coadjuvante necessário à procedência da pretensão da requerente no processo principal” existe uma deficiente interpretação da lei.

7. Na verdade omite a Douta decisão, que o processo de licenciamento foi iniciado pela contra-interessada D... PORTUGAL – Supermercados Sociedade Unipessoal Lda e não pela atual titular Afecto Lda. Com o devido respeito o Meritíssimo Juiz a quo não entendeu que a requerente do procedimento administrativo D... PORTUGAL, peticionou ao Município de V..., a abertura de um estabelecimento de venda a retalho ao abrigo do regime estatuído pelo regime de declaração prévia consagrado no D.L. 259/2007, quando não tinha os requisitos para o efeito.

8. O Meritíssimo Juiz a quo não teve em conta que ao requerer tal procedimento de licenciamento cristaliza a sua legitimidade procedimental, devendo esta ser apreciada à luz da legislação aplicável ao caso concreto. Ao invés, num erro crasso, preferiu analisar a legislação à luz dos requisitos da entidade ao qual foi cedida a posição procedimental de licenciamento a sociedade A&C... Lda.

9. E mesmo que assim se entendesse, e permitisse autenticas “fraudes à lei” sempre se dirá que esta sociedade “micro empresa” A&C... Lda, seja admitida no procedimento simplificado por exclusão do D.L. nº 21/2009, nos termos do seu nº 2, artigo 2, o que é certo é que estas micro empresas estão numa relação de grupo e atingem a área de 30 000,00 m2 e estão desde logo abrangidas pela segunda parte da al. b) do nº 1º do artigo 2 do D.L. 21/2009.

10. Isto porque as micro-empresas a que se refere o nº 2 do seu artigo 2, apesar de utilizarem uma insígnia comum, são verdadeiramente independentes. Não tem qualquer ligação funcional, comercial ou de grupo.

11. Na verdade o Juiz a quo deveria considerado desde logo a legitimidade o pedido de licenciamento pela sociedade D... PORTUGAL – SUPERMERCADOS SOCIEDADE UNIPESSOAL, e só depois se pronunciar sobre a sua legalidade ou ilegalidade poderia e deveria considerar o procedimento de cessão da posição (procedimental) para a sociedade A&C... Lda.

12. E mesmo considerando a legalidade da cessão da posição procedimental de licenciamento, como já foi referido, deveria ter apreciado à luz do regime aplicável a sua admissão nos termos do D.L. 21/2009 e D.L. 259/2007, só assim podendo pronunciar-se da legalidade do acto.

13. Facto que não fez, violando o disposto no D.L. 21/2009 e D.L. 259/2007, na sua interpretação e aplicação ao caso concreto, ficando nas “dúvidas” sem esclarecer em concreto o regime aplicável.

14. Por falta de especificação de outros prejuízos, como os encargos da sociedade, o número de trabalhadores ou a noção de mercado reduzido, e população escassa, o Meritíssimo Juiz a quo entende que não estão concretizados os requisitos do peculium in mora, por os mesmos não estarem demonstrados.

15. Ora a requerente demonstrou o valor dos prejuízos quantificados, com a abertura e a proximidade do novo estabelecimento, onde a população é reduzida e escassa, apelando às normas de experiência comum. Mais alegou que evitaria prejuízos até para a requerida que teria que iniciar novo procedimento de licenciamento.

16. A prova para além de ser necessariamente sumária é evidente o prejuízo causado por um estabelecimento do mesmo ramo a 500 metros de distância. Tal surge das regras de experiência comum, sendo certo que não se pode confundir a concorrência comum com concorrência selvagem que a lei invocada pretende regular.

17. Sem prescindir das necessárias normas de proteção da ordem pública tuteladas pelos D.L. aplicáveis, o que de forma evidente não visa proteger apenas o comerciante requerente, mas todos um conjunto de comerciantes de V..., que veem a sua esfera jurídica violada atenta a ilegalidade procedimental de licenciamento.

18. Assim o Juiz a quo para além não observar o preceituado nos D.L. 21/2009 e D.L. 259/2007, ao apreciar os factos careados para os autos, este não os apreciou concretamente de forma apurada, nem usou dos seus poderes de cognição (experiência comum – factos notórios e públicos) que lhe são permitidos pelo artigos 5 do C.P.C.. Devendo nesta parte ter considerado que se verificam necessariamente prejuízos para o requerente, dificilmente recuperáveis, assim como para os comerciantes com a abertura de um comercio à revelia do regime instituído.

Nestes termos deve a decisão de 1º Instância ser revogada, decretando-se a providência de suspensão de eficácia dos actos requeridos

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Em contra-alegação, «D... - PORTUGAL, SUPERMERCADOS, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA» concluiu, a terminar, que improcedem todas as conclusões das alegações de recurso a que se responde, termos em que, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença que indeferiu a providência cautelar requerida.
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O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença foram consignados como assentes os seguintes factos:
1. Na sequência de solicitação da sociedade "D... PORTUGAL - Supermercados Sociedade Unipessoal, Lda", em 16 de Janeiro de 2014 foi emitida a admissão da comunicação prévia n.º 1/14, relativa a obras de alteração / remodelação, a incidir sobre o prédio sito em PV...”, em V..., descrito na CR Predial sob o n.º 1625/20060224 e inscrito na matriz da freguesia de V... sob o artigo 2564, obras que foram admitidas por despacho datado de 14-01-2014 - cfr. fls. 185, 186 e 187 do PA e doc. 1, junto com o RI;

2. Tais obras destinavam-se a “estabelecimento de venda a retalho de produtos alimentares” - cfr. doc. 1, junto com o RI e doc. 4 da oposição do Município de V...;

3. Entretanto, em 23 de Janeiro de 2014, a sociedade comercial denominada “A&C... & Catalão, Lda” (aqui contra interessada), pessoa colectiva n.º 510910211, com sede na Rua PV..., Edifício A..., s/n, em V..., veio requerer a admissão ao processo administrativo em causa (que o Município classificou com o n.º 30/2013) de um exemplar de um contrato de subarrendamento comercial desse mesmo imóvel (cfr. facto provado n.º 1), em que aquela requerente figurava como sublocatária e sendo locatária e sublocadora a “D... PORTUGAL - Supermercados Sociedade Unipessoal, Lda.” - cfr. docs. 5 a 9 da oposição do Município;

4. Contrato de sublocação esse que prevê expressamente que a sublocadora dava de subarrendamento aquele local à sublocatária, a partir do dia 15-01-2014, destinando-se o mesmo local ao exercício da actividade comercial de supermercado da sublocatária “A&C... & Catalão, Lda.”, em seu uso exclusivo - cfr. doc. 6 da oposição do Município, cláusulas primeira, segunda e quinta, melhor explicito a fls. 203 a 206 do PA;

5. Contrato de sublocação que prevê ainda que “É da exclusiva responsabilidade da sublocatária a obtenção, designadamente, de todas as licenças, comunicações, declarações, autorizações, Registos e certidões necessárias para o desenvolvimento no Local Sublocado da actividade comercial de supermercado, competindo-lhe promover todas as diligências necessárias para esse efeito” - cfr. doc. 6, clausula segunda, n.º 3;

6. Com o requerimento apresentado a “A & C, Lda.” juntou ainda o documento que se identifica sob o n° 9, que constitui Certificado emitido em 22-01-2014 pelo IAPMEI e que atesta a sua qualidade de Micro Empresa - cfr. doc. 9 da oposição do Município, fls. 196 do PA;

7. Nesse sentido, no mesmo requerimento a “A & C, Lda” referiu ainda expressamente que “com os presentes documentos se pretende comunicar que a empresa gestora do presente estabelecimento se enquadra no disposto na alínea a), n.º 2, art.º 2, do Dec. Lei n° 21/2009” – fls. 207 do PA;

8. Dá-se aqui por reproduzido o documento emitido pela Direcção das Actividades económicas em 23/6/2010, sobre “Pedido de esclarecimento acerca do Decreto-Lei 21/2009, de 19 de Janeiro”, e enviado para a sociedade “D... Portugal-Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda”, com o seguinte destaque: “Contudo, os estabelecimentos que forem explorados por micro empresas estão excluídos da aplicação do citado diploma (Dec. Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro) por força do estipulado na alínea a) do n.º 2 do art.º 2°” - cfr. doc. 10 da oposição do Município;

9. A 13 de Fevereiro de 2014 - e com a nota escrita de conhecimento por parte da “D... Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda” - a “A&C, Lda” veio solicitar expressamente o pedido de averbamento do processo de obras n.º 30/2013, relativo à admissão de comunicação prévia n.º 1/14, expressando ainda que “Tem conhecimento de todo o procedimento que correu termos sob o n.º 30/2013 em que foi requerente "D... Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda", tendo sido legitimada por contrato de subarrendamento. //Atento o acima exposto, vem ratificar todos os actos procedimentais anteriores efectuados pela requerente "D... Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda" - cfr. doc. 11 da oposição do Município, 229 do PA;

10. Por declaração datada de 12 de Março de 2014 a "D... Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda" veio, também expressamente, autorizar o averbamento do processo n.º 30/2013 para a empresa "A&C... & Catalão, Lda" - cfr. doc. 12 e 13 da oposição do Município, fls. 270 e 271 do PA;

11. O averbamento que foi efectuado - cfr. doc. 12 da oposição do Município, fls. 271 do PA;

12. Em 4 de Abril de 2014, pela respectiva Comissão competente, foi efectuada a respectiva Vistoria para concessão de Autorização de Utilização (Estabelecimento de Venda a Retalho de Produtos Alimentares), tendo os respectivos membros dado parecer no sentido de ser concedida a autorização de utilização - cfr. doc. 14 da oposição do Município, fls. 283, e 283/v do PA;

13. Em 9 de Abril de 2014, foi emitido o respectivo Alvará de Licença de Utilização n.º 5/2014, em nome, e tendo como entidade exploradora, a "A&C, Lda" - cfr. doc. n.º 15 da oposição do Município e fls. 285 do PA, que aqui se dão por reproduzidos;

14. Esta acção deu entrada em 8/4/2014 – Fls. 1 dos autos;

15. Em data não identificada, mas após 11/4/2014, a Requerente teve conhecimento da emissão do alvará de Licença de Utilização n.º 5/2014 supra identificado – Fls. 286 do PA;

16. PAMJ... é sócio gerente da Requerente – cfr. fls 17 do processo físico;

17. O Requerido Município de V... foi citado em 14/4/2014 – Fls. 38 do processo fisico;

18. A contra interessada “A&C, Lda”, (doravante “A&C”) é uma microempresa que se dedica à comercialização de produtos alimentares, bebidas, limpeza, higiene, decoração, têxteis, material escolar, brinquedos e bricolage – doc. n.º 1 apresentado por esta contra interessada e doc. n.º 9 do Requerido;

19. A contra interessada “D... Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda” (doravante “D...”) é uma sociedade por quotas que se dedica à exploração de supermercados e outros estabelecimentos comerciais e à distribuição de produtos alimentares e não alimentares – doc. n.º 1 apresentado por esta contra interessada;

20. A “D...” explora supermercados sob a insígnia “M... %”, quer directamente, em estabelecimentos próprios, quer através de estabelecimentos de terceiros, em regime de franquia, através de contrato que inclui a licença de utilizar e explorar as marcas e insígnias “D...” e “M... %” – doc. n.º 1;

21. A “D...” pertence a um grupo com mais de 550 lojas abertas a nível nacional e que dispõe, também a nível nacional, de uma área de venda acumulada de mais de 30.000 m2 - art.ºs 3 e 4 da PI, não impugnados, e www.m(...).pt/institucional/franquias;

22. A Requerente possui um estabelecimento de venda a retalho de produtos alimentares na Av. Padre FM... S/N, em V..., que se encontra a pouco mais de 500 metros do estabelecimento a que o alvará de licença de utilização n.º 5/2014, alude - art.º18.º do RI, não impugnado, e seu doc. n.º 3;

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DE DIREITO
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As questões a resolver consistem em apurar se, de acordo com as razões invocadas pela Recorrente, sintetizadas nas conclusões da respectiva alegação, o julgamento feito pelo TAF se apresenta errado nos seguintes aspectos do litígio:
- Violação do dever de gestão processual, previsto nos artigos 6º, 7º e 590º, nº 2 al. b) do C.P.C., ao não proferir despacho convidando a Requerente a esclarecer, corrigir ou aditar factos que julgasse convenientes (cfr. conclusões 1 a 5).

- Violação do disposto no DL 21/2009 e no DL 259/2007, no que respeita à apreciação sobre a legalidade do procedimento iniciado pela «D...» e inerente acto de licenciamento (conclusões 6 a 13).

- Violação do artigo 120º/1/b) CPT ao considerar indevidamente como não verificado o requisito do “periculum in mora” (conclusões14 a 18).

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Despacho de aperfeiçoamento (omissão)
Este instituto processual encontra-se especialmente regulado no artigo 114º/3/4/5 CPTA, Capítulo V, “Dos processo cautelares”, e, portanto só supletivamente haveria que lançar mão aos dispositivos do CPC que regem na matéria, daqui resultando claramente a inaplicabilidade nesta sede do 590º, nº 2 al. b) do C.P.C.

Quanto aos artigos 6º e 7º do mesmo CPC contêm princípios gerais de aplicação tendencialmente universal (considerando, é claro, o ordenamento jurídico/processual português) e, portanto, estamos perante normas não conflituantes, por situadas em distintos patamares de generalização.

Ora, há diferenças não despiciendas de regime entre o CPC e o CPTA. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao CPTA, 3ª ed, 768):

“Como é evidente, o nº4 deste artigo 114º, ao prever um despacho de aperfeiçoamento em momento prévio à citação, afasta a aplicabilidade do artigo 508º, nº3, do CPC, que só seria aqui porventura de admitir, por analogia, em caso de lacuna.

O despacho de aperfeiçoamento precede, assim, necessariamente o despacho liminar de admissão ou rejeição do requerimento cautelar, e, caso não seja proferido, o despacho liminar de admissão consolida-se, de modo que as irregularidades ou deficiências do requerimento que possam existir e não tenham sido detectadas só poderão depois porventura determinar o indeferimento da providência em decisão de mérito. Note-se que a falta do despacho de aperfeiçoamento não constitui sequer uma nulidade processual, visto que a não se trata de uma formalidade processual que a lei especialmente prescreva e que deva ter sempre lugar, mas de um poder-dever do juiz, para cujo incumprimento não existe sanção específica.”

Torna-se claro que a função do despacho de aperfeiçoamento visa sobretudo garantir a regularização da instância e, de acordo com o omnipresente princípio da economia processual que também aflora no artigo 6º do CPC, evitar que os tribunais desperdicem o seu precioso tempo com acções disfuncionais ou inviáveis.

É verdade que os tipos de falhas corrigíveis por esta via podem dizer respeito “aos fundamentos do pedido” – cfr. art. 114º/3/g) – mas trata-se de suprir uma falha absoluta de fundamentação, no mínimo de obviar à carência de factos subsumíveis à previsão normativa geradora do direito que o requerente invoca e pretende fazer valer, trata-se enfim de garantir que a petição dispõe de uma causa de pedir adequada.

O aperfeiçoamento consiste, assim, numa intervenção do tribunal para garantir a viabilidade da acção mas – nunca – com o intuito de criar condições favoráveis à procedência da acção, crendo-se firmemente que entendimento diverso equivaleria a violação grosseira do princípio da igualdade das partes, estruturante de todo o nosso ordenamento processual e consagrado no artigo 4º CPC.

De resto, este TCAN mantém-se sensível a esta delicada questão de princípio, como se vê do Acordão de 07-07-2005, 00132/05.9BEVIS, 1ª Secção, onde se decidiu que (cfr. sumário) «O despacho de aperfeiçoamento previsto no artigo 114º/4 do CPTA destina-se a suprir a falta de requisitos externos ou formais do requerimento inicial e não a falta de alegação dos factos necessários ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento ou indeferimento da providência cautelar».

Não se estranhe a referência a requisitos formais, pois uma deficiência substancial que seja capaz de atingir o núcleo estrutural/lógico/funcional de uma peça processual, pode logicamente ser percepcionada e tratada como um vício formal.

Tal como a decisão judicial é nula (vício formal) perante a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito (elementos substantivos) que a justifiquem, também o requerimento cautelar sofrerá de ineptidão (vício de forma que conduz à rejeição liminar) em circunstâncias análogas (falta dos fundamentos da decisão ou do pedido) e, “hoc sensu”, a racionalidade subjacente ao artigo 615º/1/b) CPC pode dar o mote para a compreensão do instituto do despacho de aperfeiçoamento focado no artigo 114º/3/g)/4 CPTA.

Ora, da análise do requerimento inicial, torna-se claro que a Requerente alegou factos destinados à demonstração de todos os requisitos de concessão da providência requerida, incluindo no campo do “periculum in mora” e, portanto, não havia justificação para que o TAF convidasse a Requerente a “esclarecer, corrigir ou aditar factos”.

Com o que improcedem as conclusões em análise.

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Legalidade do acto
Neste âmbito a Recorrente imputa ao TAF erros de julgamento, por não considerar verificada a ilegalidade do procedimento de licenciamento e, consequentemente, ter violado o DL 21/2009 e o DL 259/2007.

Mas ao TAF não competia decidir sobre a legalidade do referido procedimento nesta sede cautelar, tratando-se obviamente de questão a resolver no processo principal.

Visto que a Recorrente desenvolve o seu arrazoado sem dar a esta matéria qualquer enquadramento nos critérios de decisão das providências cautelares previstos no artigo 120º do CPTA, há que admite o enquadramento feito na sentença.

Ora, da fundamentação da sentença, onde se conclui que “há dúvidas cujo esclarecimento necessita de um discurso coadjuvante necessário à procedência da pretensão da Requerente no processo principal”, retira-se inequivocamente que, no entendimento do TAF, não é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal, ou seja, existe o “fumus boni iuris” a que se refere o artigo 120º/1/b) CPTA, mas, também resulta não ser evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal, nem o acto impugnado ser “manifestamente ilegal”.

Assim o “thema decidendum” nesta matéria resume-se à questão da alínea a), pela simples razão de que o critério da alínea b) foi decidido favoravelmente à pretensão da Requerente.

Sucede que a Recorrente se limita a discordar da argumentação do TAF, entendendo que este devia reconhecer a ilegalidade do procedimento e do acto impugnado, mas como já disse, isto não releva para a concessão da providência, por não preencher a exigência do artigo 120º/1/a) CPTA.

Seria ainda necessário demonstrar que, ao contrário do decidido pelo TAF, era uma ilegalidade inquestionável, “manifesta”, e que conduziria à evidente procedência da pretensão a formular no processo principal.

Como nada disto foi sequer alegado pela Recorrente, improcedem as conclusões analisadas.


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Periculum in mora
Sobre isto ponderou-se na sentença:

«O segundo critério invocado pela Requerente para adopção de providência cautelar, o do art.º 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, também não se verifica.

No que diz respeito a este critério “o juiz deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”. Cfr. Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 8ª edição, pág. 346.

Neste caso, o critério da decisão para o decretamento da providência, para além dos requisitos previstos no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas sim o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar. Cfr. Aroso de Almeida, ob. cit. pág. 291.

A Requerente alega, e prova, que possui um estabelecimento de venda a retalho de produtos alimentares que se encontra a pouco mais de 500 metros do estabelecimento explorado pela “A&C” a que o alvará de licença de utilização n.º 5/2014, alude; e que, mostra a experiência, que se produzirão prejuízos graves em termos concorrenciais, uma vez que o mercado é reduzido e a população escassa.

Ora, para além de não especificar o que considera ser mercado reduzido e população escassa em termos de não poder absorver, em termos de consumo, um estabelecimento de venda ao público com 613 m2, que fica a pelo menos 500 metros do seu estabelecimento, também nada diz quanto aos seus proveitos mensais (ou diários), face à alegada perda de 800,00 € a 1.000,00 €/D... que a concorrência lhe provocará. Por outro lado nada nos diz da indispensabilidade da realização desse rendimento face aos postos de trabalho que possui; dos compromissos ou encargos que tem perante fornecedores, clientes, bancos, etc., para que nos pudéssemos pronunciar sobre a dificuldade que envolveria o restabelecimento da situação que deveria existir, caso a decisão no processo principal considerasse a conduta do Requerido ilegal.”

Ora bem, subscrevem-se na generalidade todas as razões expostas pelo TAF, incluindo as dúvidas sobre a possibilidade de qualificar como “notório” o facto de V... ser um “mercado reduzido e população escassa”, visto que para tanto não basta conhecer o número de habitantes da Vila, devendo ainda considerar-se a relação entre a dimensão dos estabelecimentos em causa e o “mercado” em que se inserem, sendo ainda uma incógnita para o cidadão comum (e “hoc sensu” para o Tribunal) estabelecer o perímetro razoável a considerar para o efeito, ou seja, a distância que os clientes naquela zona do país se dispõem a percorrer para realizarem as suas compras e, consequentemente, a base de cálculo da clientela potencial.

É inquestionável que, com a instalação do estabelecimento de “A&C, Lda” aumentará a concorrência no mercado de V... e que daí, provavelmente, poderão advir alguns prejuízos (ou menores lucros) para a Requerente, mas não existe nenhum dado que sustente a previsão de que esse aumento de concorrência seja tão abrupto que possa ocasionar prejuízos de “difícil reparação” e, muito menos, qualquer situação de “facto consumado” que inviabilize o negócio da Requerente e não seja possível reparar posteriormente.

Além de todas as incógnitas referidas na sentença, nem sequer se sabe, e não se alega, qual a percentagem global de aumento da superfície comercial existente em V... para o ramo de negócio em causa, com a instalação do novo estabelecimento.

Em suma, também se confirma a sentença quanto à inverificação no caso do “periculum in mora”.

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Deste modo o recurso não merece provimento.
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DECISÃO
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de Outubro de 2014
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Hélder Vieira