Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01994/16.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA; UNIÃO DE FACTO
Sumário:
I-De acordo com a previsão do artigo 1º da Lei 7/2001, de 11 de maio, que adoptou medidas de proteção das situações de união de facto, na redação dada pela Lei 23/2010, de 30 de agosto, “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”;
I.1-tendo o casamento da Recorrida com o falecido sido dissolvido por divórcio em 23/01/2013 e o óbito deste ocorrido em 14/11/2014 não se mostra preenchido o requisito temporal - 2 anos de vivência em situação análoga à dos cônjuges - para que, face aos normativos legais em vigor se possa considerar a situação daquela e do falecido como de união de facto e como tal constitutiva de direitos;
I.2-para efeitos do preenchimento do requisito temporal (dois anos de vivência em união de facto), não se cumula todo o tempo que durou a relação da Autora com o falecido - em regime de casamento e em união de facto -;
I.3-casamento/divórcio/união de facto são opções de vida distintas com implicações, natural e logicamente, distintas;
I.4-no caso concreto a existência da união de facto, que só pode ser considerada após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, não teve a duração mínima de dois anos, razão pela qual não estão reunidas as condições para que possa ser reconhecido à Recorrida o direito à pensão de sobrevivência. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Caixa Geral de Aposentações
Recorrido 1:MEPR
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar improcedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
MEPR instaurou acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo a sua condenação a reconhecê-la como herdeira hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência de JGSR bem como a pagar-lhe a pensão de sobrevivência por morte deste, com efeitos retroactivos.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e reconhecido o direito da Autora à pensão de sobrevivência por morte de JGSR, tal como requerido e desde o falecimento deste.
Desta vem interposto recurso.
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Alegando, a CGA concluiu:
A – A recorrida não reúne as condições legais para que lhe sejam atribuídas prestações por morte do Sr. JGSR quer na qualidade de divorciada/viúva quer na qualidade de sua companheira.
B - No que ao casamento respeita, verifica-se que de acordo com a previsão do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro, aplicável por força do artigo 6.º da lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, “o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se à data da morte do beneficiário dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo Tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida” - o que não foi o caso.
C - Ou seja, dúvidas não há de que a A., pela via do casamento (divórcio) não tem direito ao requerido benefício social por morte pelo facto de não receber pensão de alimentos paga pelo ex-marido.
D - E não tem, também, pela via da união de facto!
E - De acordo com a previsão do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que adotou medidas de proteção das situações de união de facto, na redação dada pela Lei nº 23/2010, de 30 de agosto “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”.
F - Ora, tendo o casamento da recorrida com o falecido sido dissolvido por divórcio em 2013/01/23 e o óbito daquele ocorrido em 2014/11/14 não se encontra verificado o requisito do tempo - 2 anos em vivência em situação análoga à dos cônjuges - para que, face aos normativos legais em vigor se possa considerar a situação da recorrida e do falecido como situação de união de facto e como tal constitutiva de direitos.
G - Ou seja, a existência da união de facto, que só pode ser considerada após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, não teve a duração mínima de dois anos, pelo que não estão reunidas as condições para que possa ser reconhecido à recorrida o direito à pensão de sobrevivência.
H - E o facto de ter estado casada com o falecido durante 10, 20 ou 30 anos não é por si só suficiente para que veja reconhecido o direito àquela pensão. Ressalve-se que o matrimónio foi dissolvido por mútuo consentimento e não foi decretada ou homologada pelo Tribunal pensão de alimentos à recorrida.
I - A atividade da CAIXA, enquanto entidade da Administração Pública, rege-se pelo princípio da legalidade, o qual impõe o dever de obediência à lei, a qual constitui o fundamento e o limite da sua atividade, pelo que
J - Não estando reunidas as condições para poder reconhecer à recorrida o direito à pensão de sobrevivência, o que a acontecer implicaria a violação do principio da legalidade a que está obrigada, outra não pode ser a decisão da Caixa.
L – Ao decidir de forma diferente a sentença violou o disposto na alínea c) do artigo 2º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com a redação dada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto.
Nestes termos, e com o suprimento, deve ser julgado procedente o presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.
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A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1 - Com o devido respeito, não assiste o mínimo de razão à recorrente Caixa Geral de Aposentações, IP.
2 - A sentença recorrida fez, honra lhe seja feita, uma análise profunda, séria e sensata da factualidade carreada para o processo e, bem assim, procedeu a uma correcta interpretação e aplicação da dos preceitos legais aplicáveis ao caso vertente.
3 - Fez-se enfim, a justiça material que o presente caso reclama e que certamente este Tribunal Central Administrativo não deixará de sufragar.
4 - Com efeito, como ficou devidamente provado nos autos, o JGSR e a Autora casaram em 21/08/1982, e, à data do óbito daquele, ocorrido em 14-11-2014, viviam em condições análogas às dos cônjuges, ambos partilhando mesa, cama e habitação, na Praça J…, 4480-718 Vila do Conde (pontos D e F dos factos provados).
5 - Mais se apurou que, não obstante o divórcio decretado por decisão de 23/01/2013, a autora e o falecido JGSR não cessaram a comunhão de vida, de mesa, cama e habitação.
6 - Isso mesmo resulta de forma categórica do Atestado emitido pela Junta de Freguesia de Vila do Conde em 2 de Dezembro de 2014 e da declaração conjunta de IRS referente ao ano fiscal de 2013, que foi junta com a P.I. sob doc. 3.
7 - Isto posto, temos que a sentença recorrida, alicerçando-se nos devidos preceitos legais e vasta jurisprudência, fez a devida justiça a mais de 32 anos de vida em comum.
Com efeito,
8 - Como bem se salientou na sentença recorrida, do que se trata nos presentes autos é de saber se, para efeitos do preenchimento do requisito temporal (dois anos de vivência em união de facto), se cumula ou não todo o tempo que durou a relação da Autora com o falecido J… - em regime de casamento e em união de facto - para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência.
9 - E a resposta a esta questão não pode deixar de ser afirmativa.
A militar neste sentido,
10 - O Acórdão n.º 1478/10.OTBMGR.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra, mencionado na sentença, a cujos fundamentos também aderimos, onde se discorre que “ a união de facto de facto é uma vivência que se verifica independentemente do estado civil das pessoas envolvidas (…) existindo o estado de comunhão análoga às dos cônjuges não é pelo facto de um dos membros da união ser casado durante esses referidos dois últimos anos que deixa de existir a situação de união de facto, ou tal membro sobrevivo fica sujeito a perder o seu direito a alimentos. Condição única para os reclamar da herança do falecido é que este fosse não casado á data do seu decesso”.
11 - Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo 6792/12, igualmente mencionado na sentença, no qual se conclui que “para obter o direito à pensão de sobrevivência, no âmbito da Lei 7/2001 de 11.5, a lei não exige que seja o beneficiário falecido, seja o/a requerente dos alimentos, fossem divorciados, solteiros ou viúvos há mais de dois anos relativamente à data do óbito do beneficiário”.
12 - Ainda o Ac. deste TCA Norte de 09-10-2015, Relator Luís Migueis Garcia, proferido no processo 02487/13.2BEPRT, disponível na íntegra in www.dgsi.pt, onde se conclui que “ a equiparação dos efeitos previdenciais ao unido de facto não depende do seu estado de divorciado há mais de dois anos, antes apenas implica e se basta com a vivência em união de facto que já perdure há mais de dois anos e esse estado de divorciado”.
13 - O Ac. do T.R.Lisboa, de 24-03-2011, proferido no processo n.º 3284/08.2YXLSB-A.L1-2 onde se sumariou que “o início do prazo da união de facto para os efeitos do artigo 2020º, nº 1, do Código Civil e Lei 7/2001, conta-se desde o dia em que as pessoas passaram a viver em condições análogas às dos cônjuges”.
14 - O Ac. do T.R.Porto de 31-05-2012, Relator José Ferraz, disponível in www.dgsi.pt, onde se conclui que “inexiste impedimento à atribuição do direito às prestações por morte do beneficiário da segurança social ao membro sobrevivo da união de facto quando o casamento deste se dissolve antes do óbito daquele, devendo ser considerado todo o tempo da vivência comum para o reconhecimento desse direito”.
15 - Também o Ac. Uniformizador proferido na revista n.º 772/10.4TVPRT.P1.S1 de 15-03-2012, em cuja doutrina está ínsita a conclusão de que à procedência da acção de reconhecimento do direito da autora, enquanto unida de facto sobrevivo, às prestações por morte do beneficiário da CGA, bastará a alegação e demonstração de que a autora viveu more uxório com o falecido beneficiário do Réu e que essa situação perdurava há dois anos aquando do óbito, o que resulta, além do mais dos artigos 1.º, n.º 2, e 3.º, n.º 1, al. e), e 6.º, n.º 1), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na sua actual redacção).
16 - Em face do exposto, não poderá deixar de se sufragar a sentença recorrida, concluindo-se que, tendo presente a citada jurisprudência que se reporta a situações em que um dos membros da união de facto permanece casado durante os dois últimos anos que antecedem a data da morte do beneficiário, circunstância que não é determinante para que deixe de existir uma situação típica de união de facto, temos que, por maioria de razão, essa mesma conclusão se impõe retirar quando se verifica o estado de comunhão análoga à dos cônjuges aquando do falecimento do beneficiário e, antes disso, uma situação de casamento entre esses mesmos elementos por um período de 32 anos, como sucede no caso em apreço.
Termos em que devem improceder as alegações da ré Caixa Geral de Aposentações, IP, mantendo-se a decisão recorrida.
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O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A) JGSR era militar da Guarda Nacional Republicana, tendo exercido funções de forma efectiva até ao ano de 2010, transitando nesse ano para a situação de reserva (doc. 3);
B) Nessa situação de reserva auferia pensão anual ilíquida de 31.321,01 €;
C) JGSR faleceu no dia 14/11/2014, vítima de acidente de viação;
D) JGSR e a Autora casaram em 21/08/1982;
E) A autora e o falecido JGSR decidiram dissolver o casamento através do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Vila do Conde, efectivando-se essa dissolução por decisão de 23/01/2013 - cfr. PA apenso;
F) À data do óbito, o falecido JGSR vivia em condições análogas às dos cônjuges com a aqui Autora, ambos partilhavam mesa, cama e habitação, na Praça J…, 4480-718 Vila do Conde e apresentavam IRS conjunto (cfr. PA apenso e doc. 3 junto com a p.i.).
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DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Vejamos então se oferece razão à Autora que, invocando a qualidade de convivente em união de facto com o beneficiário falecido durante mais de dois anos à data da sua morte, pretende que lhe seja reconhecido dispor do direito a uma pensão mensal de sobrevivência, devida após a morte do seu companheiro.
Estabelecia o art.º 6º da Lei nº 7/2001, de 11.5, o seguinte:
1 – Beneficia dos direitos estipulados nas als e), f) e g) do art 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no art 2010º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis. 2 – Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efectiva-se mediante a acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição
A Lei nº 23/2010, de 30.5, passou a estabelecer no referido preceito legal o seguinte:
1 – O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas als e), f) e g) do art 3º, independentemente da necessidade de alimentos. 2 – A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas als e), f) e g) do art 3º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação. 3 – Exceptuam-se do previsto no nº 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no nº 2 do art 1º
Resulta, por conseguinte, da redacção dada pela Lei nº 23/2010 que o acesso às prestações por morte, máxime, a pensão de sobrevivência, por parte dos membros sobrevivos das uniões de facto é agora mais fácil, resultando claro que a prova da união de facto, para tal efeito, passou a ser simplificada e feita nos termos do disposto nos artºs 2º A e 6º da referida Lei.
Na verdade, resulta do art 6º, nº 1 que o membro sobrevivo da união de facto tem direito a beneficiar das prestações por morte, independentemente da necessidade de alimentos, o que não se verificava anteriormente, uma vez que a lei exigia ao interessado, mediante acção judicial, a prova cumulativa de: a) necessidade de alimentos; b) inexistência ou insuficiência de bens da herança do falecido para a prestação de alimentos; c) inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por parte do cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos.
A questão a resolver consiste em saber se na contagem do prazo de dois anos exigido para tutela da união de facto, para efeitos de benefício de pensão de sobrevivência por morte de companheiro, tal como decorre do regime da Lei nº 7/2001, de 11.5, com a redacção dada pela Lei nº 23/2010, de 30.8, se insere o período de tempo antes de ser dissolvido casamento por divórcio (ou decretada a separação de pessoas e bens).
De acordo com o artº 1° da Lei n° 7/2001, de 11.5, com a redacção dada pela Lei n.º 23/2010, de 30.8: “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.
In casu, a Autora e JGSR casaram em 21/8/1982, divorciaram-se em 23/1/2013 mantendo-se, no entanto, a viver em condições análogas às dos cônjuges partilhando mesa, cama e habitação, o que acontecia à data do falecimento de J… (em 14/11/1982).
Assim, a questão a resolver prende-se com o facto de saber se o período em que a autora esteve casada pode/deve ser contabilizado para efeitos de contagem do período mínimo estabelecido na lei relativamente à união de facto.
Do que se trata, pois, é de saber se, para efeitos do preenchimento do requisito temporal (dois anos de vivência em união de facto), se cumula ou não todo o tempo que durou a relação da Autora com o falecido, J… – em regime de casamento e em união de facto – para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência.
Julgamos que a resposta a esta questão tem de ser afirmativa.
Como se refere no Acórdão n° 1478/l0.OTBMGR.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-04-2012, “união de facto é um estado de facto que corresponde a uma situação de comunhão de leito, mesa e habitação (cfr. Pereira Coelho, D. Família, VoL J, t’ Ed., pág. 52). E essa vivência, obviamente não ocorre só entre pessoas não casadas, podendo ocorrer, como demonstra abundantemente a realidade, em que os membros da união de facto são ambos casados, ou só um deles está ligado pelo casamento. Ou seja, a união de facto é uma vivência que se verifica independentemente do estado civil das pessoas envolvidas, referindo o n.° 2 do artigo 1° citados, que para efeitos da referida lei essa união de facto tem que ter a duração mínima de dois anos. Mas mesmo que um dos elementos esteja casado durante algum desse período de tempo, não quer dizer que não viva em união de facto”.
Refere o citado Acórdão que: “Existindo o estado de facto de comunhão análoga ás dos cônjuges não é pelo facto de um dos membros da união de facto ser casado durante esses referidos dois últimos anos que deixa de existir a situação de união de facto, ou tal membro sobrevivo fica sujeito a perder o seu direito a alimentos. Condição única para os reclamar da herança do falecido é que este fosse não casado á data do seu decesso. Tanto é assim, que o membro sobrevivo da união de facto só pode reclamar direito de alimentos à herança, como se mencionou a propósito do quarto requisito legal, caso não os possa obter do seu cônjuge, nos termos do art. 2009º, nº 1, a), do CC. Este contexto legal não se alterou, no que respeita à união de facto regulada pelo legislador com a publicação das Leis 135/99, de 28.8 - atentos os arts. 3º, f), respeitante à protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pelo regime geral da segurança social, 6º, nº 1, e 2º c), e 7/2001, de 11.5. Quanto a esta, desde logo aplicável ao caso dos autos, dispunha o art. 1º (na redacção anterior ao DL 23/2010, de30.8) que: 1- A presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos. 2- Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum. E o art. 2º (na mesma redacção anterior) dispunha o seguinte: São impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei: c) Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens; E o art. 3º (na mesma redacção anterior) rezava que: As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a: e) Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei; Enquanto o art. 6º, nº 1, (na mesma redacção anterior) estipulava que: Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e) … do art. 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes do art. 2020º do Código Civil (…). Como se vê e decorre do citado art. 2º, e), o regime não mudou, pois apenas continua a ser impeditivo dos efeitos jurídicos da aludida lei, designadamente da protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social, ao membro sobrevivo de tal união de facto, que o casamento anterior do falecido beneficiário não esteja dissolvido. Continua a não exigir-se, assim, quer quanto ao companheiro/companheira falecida, quer quanto ao outro membro sobrevivo da união de facto, que nos últimos dois anos de tal união algum dos “cônjuges de facto” seja solteiro, viúvo ou divorciado. Ponto é que o falecido, na data do seu falecimento o seja (ou sendo casado tenha sido decretada a separação judicial de pessoas e bens) – vide neste sentido Pereira Coelho, ob. cit., pág. 68 e 83/84. Desta sorte, o argumento da sentença recorrida não merece acolhimento, pelo facto de a ora recorrente estar divorciado há cerca de 19 meses antes da data do falecimento do seu companheiro J (…), nem tal matéria (apurada nos factos 1., 30. e 34.) descaracteriza a realidade existente entre ele e a A., que viveram em união de facto durante 15 anos, como decorre patentemente da factualidade provada (factos 4. a 13.). Período de tempo este, que a interpretação feita na sentença recorrida acaba por injustamente “apagar” da vida pessoal e social da A. e seu ex-companheiro”.
Do mesmo modo a Relação do Porto, em 10.7.2013, no processo nº 6792/12, decidiu que “Para obter o direito à pensão de sobrevivência, no âmbito da Lei 7/2001, de 11.5, a lei não exige que seja o beneficiário falecido, seja o/a requerente dos alimentos, fossem divorciados, solteiros ou viúvos há mais de 2 anos relativamente à data do óbito do beneficiário”.
Tendo presente a citada jurisprudência que se reporta a situações em que um dos membros da união de facto permanece casado durante os dois últimos anos que antecedem a data da morte do beneficiário, circunstância que não é determinante para que deixe de existir uma situação típica de união de facto, temos que, por maioria de razão, essa mesma conclusão se impõe retirar quando se verifica o estado de comunhão análoga à dos conjugue aquando do falecimento do beneficiário e, antes disso, uma situação de casamento entre esses mesmos elementos por um período de 31 anos, como sucede no caso em apreço.
Na verdade, no caso dos autos, encontra-se provado pelo atestado emitido pela Junta de Freguesia de Vila do Conde que a autora viveu em União de Facto com JGSR desde 20/1/2013 até à data do seu falecimento em 14/11/2014, quando este veio a falecer.
Assim sendo, a Autora tem direito a beneficiar da pensão de sobrevivência como requerido, pelo que, tem de proceder a presente acção.
X
Vem interposto recurso desta sentença que julgou procedente a acção.
Na óptica da Recorrente o Tribunal a quo ao decidir que a união de facto entre a ora Recorrida e o falecido JGSR, para efeitos do cômputo do período de dois anos, independentemente da data em que foi decretado o divórcio, produziu efeitos, violou o disposto na alínea c) do artigo 2º da Lei 7/2001, de 11 de maio, na redacção dada pela Lei 23/2010, de 30 de agosto.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos:
A sentença proferida julgou a acção procedente e, em consequência, reconheceu o direito da Autora à pensão de sobrevivência por morte de JGSR, tal como foi requerido e desde o falecimento deste.
Para tal, sustentou, em síntese, que para preenchimento do requisito temporal dos dois anos da união de facto se cumula todo o tempo que durou a relação da Autora com o falecido - em regime de casamento e de união de facto - para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência. Ou seja, o Tribunal entendeu não existir qualquer impedimento legal, à luz dos fundamentos do indeferimento avançados pela CGA.
Ora, de acordo com a previsão do artigo 11º do DL 322/90, de 18 de outubro, aplicável por força do artigo 6º da Lei 60/2005, de 29 de dezembro, “o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se à data da morte do beneficiário dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo Tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida” - o que não foi o caso.
Daqui resulta que a Recorrida, pela via do casamento (divórcio) não tem direito ao requerido benefício social por morte pelo facto de não receber pensão de alimentos paga pelo ex-marido.
E não tem, também, pela via da união de facto.
A união de facto é, como se sabe, a situação jurídica de duas pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos (artigo 1º/2 da Lei 7/2001, de 11 de Maio). As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na referida lei têm direito a protecção na eventualidade de morte do beneficiário.
Tendo o casamento entre a Recorrida e o falecido, subscritor da Recorrente, sido dissolvido por divórcio cuja sentença data de 23/01/2013, mesmo que os ex-nubentes, por qualquer razão, tenham decidido permanecer em comunhão de cama, mesa e habitação, tal comunhão terá de ser entendida como uma nova realidade matrimonial - situação de vivência em união de facto - distinta do casamento, só podendo considerar-se para efeitos de tempo de vivência em união de facto o período que decorreu desde a data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio até à data da verificação do óbito do ex-cônjuge, em 14/11/2014. No caso, cerca de 8 meses, o que significa que não estão reunidas as condições para que a aqui Recorrente possa reconhecer à Recorrida o direito a beneficiar da pensão de sobrevivência, por ela solicitada.
Assim, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo não é o não reconhecimento da dissolução, à data do óbito, do casamento anterior que constitui impedimento ao reconhecimento, pela CGA, da situação de união de facto com a consequente atribuição da pensão de sobrevivência por morte. Tal questão nem se coloca uma vez que desde logo se verifica estar em falta o requisito temporal imperativo, de dois anos, para reconhecimento da vivência em união de facto.
Pese embora os sujeitos da relação matrimonial constituída pós divórcio sejam os mesmos sujeitos do casamento dissolvido por divórcio, certo é que se trata de realidades juridicamente distintas.
E como é evidente, a actividade da Caixa, enquanto entidade da Administração Pública, rege-se pelo princípio da legalidade, que lhe impõe o dever de obediência à lei, a qual constitui o fundamento e o limite da sua actividade.
Logo, não estando reunidas as condições para que se possa reconhecer à Recorrida o direito à pensão de sobrevivência por ela solicitada, o que a acontecer implicaria a violação do princípio da legalidade a que está adstrita, outra não poderia ter sido a posição da CGA/Recorrente.
Acresce que, ao decidir-se que a união de facto entre a ora Recorrida e o falecido JGSR, para efeitos do cômputo do período de dois anos, independentemente da data em que foi decretado o divórcio, produziu efeitos, violou o disposto na alínea c) do artigo 2º da Lei 7/2001, de 11 de maio, com a redação introduzida pela Lei 23/2010, de 30 de agosto, como bem invoca a Recorrente.
Em suma:
-a Recorrida não reúne as condições legais para que lhe sejam atribuídas prestações por morte do Senhor JGSR quer na qualidade de divorciada/viúva quer na qualidade de sua companheira;
-no que ao casamento respeita verifica-se que de acordo com a previsão do artigo 11º do DL 322/90, de 18 de outubro, aplicável por força do artigo 6º da Lei 60/2005, de 29 de dezembro, “o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se à data da morte do beneficiário dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo Tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida”, condicionalismo, que não se verifica;
-a Autora, pela via do casamento (divórcio) não tem direito ao requerido benefício social por morte pelo facto de não receber pensão de alimentos paga pelo ex-marido;
-e também o não tem pela via da união de facto;
-de acordo com a previsão do artigo 1º da Lei 7/2001, de 11 de maio, que adoptou medidas de protecção das situações de união de facto, na redacção dada pela Lei 23/2010, de 30 de agosto “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”;
-tendo o casamento da Recorrida com o falecido sido dissolvido por divórcio em 23/01/2013 e o óbito deste ocorrido em 14/11/2014 não se mostra preenchido o requisito temporal - 2 anos de vivência em situação análoga à dos cônjuges - para que, face aos normativos legais em vigor se possa considerar a situação daquela e do falecido como de união de facto e como tal constitutiva de direitos;
-contrariamente ao decidido, para efeitos do preenchimento do requisito temporal (dois anos de vivência em união de facto), não se cumula todo o tempo que durou a relação da Autora com o falecido J… - em regime de casamento e em união de facto - para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência;
-casamento/divórcio/união de facto são opções de vida distintas com implicações, natural e logicamente, distintas;
-no caso concreto a existência da união de facto, que só pode ser considerada após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, não teve a duração mínima de dois anos, razão pela qual não estão reunidas as condições para que possa ser reconhecido à Recorrida o direito à pensão de sobrevivência;
-e o facto de ter estado casada com o falecido durante 10, 20 ou 30 anos não é por si só suficiente para que veja reconhecido o direito à pretendida pensão;
-repete-se que o matrimónio foi dissolvido por mútuo consentimento e não foi decretada ou homologada pelo Tribunal pensão de alimentos à Recorrida;
-a actividade da CGA, enquanto entidade da Administração Pública, rege-se pelo princípio da legalidade; como tal só pode fazer aquilo que a lei permite, em estrito cumprimento do princípio ínsito no artigo 3º do CPA;
-tal equivale a dizer que a sentença violou o disposto no artigo 2º/al. c) da Lei 7/2001, de 11/5, na redacção dada pela Lei 23/2010, de 30/8;
-efectivamente, a leitura efectuada na sentença, de que, para efeitos do preenchimento do requisito temporal (dois anos de vivência em união de facto), se cumula todo o tempo que durou a relação da Autora com o falecido - em regime de casamento e em união de facto - não tem acolhimento legal e representa uma subversão da filosofia subjacente à figura da união de facto - proteção de pessoas que vivam em comunhão de habitação, mesa e leito há mais de dois anos mas que não tenham um vínculo de casamento.
Procedem pois as conclusões da Apelante.
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DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a acção.
Custas pela Recorrida.
Notifique e D.N.
Porto, 12/04/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho