Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01562/07.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/08/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:IVA; SIMULAÇÃO RELATIVA; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. Quando a liquidação adicional de IVA tenha por fundamento o não reconhecimento do direito às deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do artigo 82º, nº 1 do CIVA.
II. Tendo o juízo da administração tributária assentado no pressuposto de que ocorreu simulação relativa das operações tituladas pelas facturas em causa nos autos, impunha-se que recolhesse indícios sérios e objectivos dessa simulação.
III. Feita essa prova, cabia então ao contribuinte o ónus da prova de que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pela empresa que as emitiu e, assim, comprovar o direito às deduções que efectuou do IVA nelas mencionado.
IV. Sendo os indícios avançados pela administração tributária manifestamente insuficientes para suportar a conclusão de que a impugnante actuou em combinação com outros no sentido de enganar e prejudicar terceiros, é de concluir que não demonstrou, como lhe competia, os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações tituladas pelas facturas em causa nos autos.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:B(...),Lda.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1.Relatório

A Fazenda Pública [Recorrente] interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B(...), Lda., contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2003 e 2004.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. A douta decisão em recurso não atentou à jurisprudência dominante em matéria de facturas falsas e violou o artigo 75°, n°2, alínea a), da LGT e o artigo 19°, n°3, do CIVA.

2. Compulsado o Relatório de Inspeção, cujo teor o Tribunal a quo considerou como facto provado, no ponto b) da matéria assente, da decisão em recurso, dele constam elementos objectivos, sérios e suficientes, susceptíveis de indiciarem que o fornecimento de mercadorias, ao longo dos anos de 2003 e 2004, não foi, nem podia ter sido efectuado, pela emitente das facturas.

3. Tendo as facturas como emitente pessoa colectiva que já não existia, já não tinha qualquer actividade e que, por isso, não disponha de qualquer capacidade empresarial e, a partir de certa altura, de capacidade jurídica e fiscal para prestar os fornecimentos de mercadoria que constavam das facturas, ficou demonstrado, de forma seguramente indiciária, que as facturas eram falsas.

4. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a recorrida não logrou provar qualquer pressuposto de que dependia o seu direito é dedução do imposto (IVA) - aliás, compulsada a petição inicial, a recorrida não se propôs, sequer, a realizar essa prova.

5. Sem prova de qualquer pressuposto de que depende o direito de dedução de imposto, bastavam indícios fundados de que as facturas não correspondiam a efectivas e reais transacções comerciais - por exemplo, com o emitente das mesmas, - para corrigir, como fora corrigido pela inspecção tributaria, a matéria colectável da recorrida pelo que as respectivas Iiquidações não devem ser anuladas.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pela Recorrente e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4 e 690º, nº1, na redacção aplicável, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a administração tributária não conseguiu demonstrar os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações tituladas pelas facturas em causa nos autos, violando o disposto nos artigos 75º, nº 1 da LGT e 19º, nº 3 do CIVA.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

a) Entre 4 de Dezembro de 2006 e 26 de Abril de 2007, a administração tributária desenvolveu uma acção inspectiva tendo por objecto a contabilidade da Impugnante.

b) Dessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, cujo teor de fls. 43 a 75 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

c) De acordo com o referido Relatório, “da análise da contabilidade do sujeito passivo, verificou-se existirem facturas contabilizadas, nos anos de 2003 e 2004, emitidas pela P(…), Lda., NIPC (…), com sede no concelho de Monção (...) ”.

d) A administração tributária considerou que a dedução do IVA liquidado nessas facturas não poderia ser aceite por considerar que as mesmas titulam operações simuladas.

e) Diz-se no Relatório: “Em face do anteriormente exposto, leva-nos a concluir que os fornecimentos constantes das facturas da P(…), correspondem a fornecimentos efectivos, uma vez que se constatou pelo movimento financeiro da B(…), que os mesmos foram pagos. Porém, não foram realizados pela P(…), mas sim pelo J(…) e M(…), pois: - A P(…), abandonou as suas instalações em Monção em 1999; Foi declarada em situação de insolvência, com data de trânsito em julgado de 1/7/2003, pelo que, a desta data, a sociedade deixou de ter personalidade jurídica; cessou a actividade em 2003/09/23; os Cheques foram endossados ou levantados, quase na totalidade, pelo M(…), na qua/idade de gerente e dois foram levantados pelo J(…)”.

f) A administração tributária, através do Chefe do Serviço de Finanças de Braga, procedeu a correcções aos montantes de IVA declarados nos anos de 2003 e 2004, nos termos que constam de fls. 76 e 77 e cujos teores aqui se dão por reproduzidos.

g) O prazo para pagamento voluntário do imposto liquidado terminou em 31 de Agosto de 2007.

h) A presente impugnação foi apresentada em 6 de Novembro de 2007.

2.2. O direito

A única questão que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em eventual erro de julgamento ao ter concluído que a administração tributária não conseguiu demonstrar os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações tituladas pelas facturas em causa nos autos.

Em causa no presente recurso está a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA referentes aos exercícios de 2003 e 2004. Tais liquidações foram emitidas na sequência de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da impugnante, com referência aos anos de 2003 e 2004, em que a administração tributária concluiu que aquela terá deduzido indevidamente IVA contido em facturas emitidas por sociedade “P(…), Lda“, no valor de € 23.301,38 (ano de 2003) e € 5.409,78 (ano de 2004), por entender que as mesmas se referem a operações simuladas decorrente do facto de a sociedade comercial que figura nas facturas como vendedor não corresponder a quem, efectivamente, procedeu à venda.

A Recorrente [Fazenda Pública] sustenta que administração tributária recolheu indícios objectivos, sérios e suficientes de que os fornecimentos de mercadorias constantes das referidas facturas não foram, nem podiam ter sido efectuados, pela emitente das facturas [a sociedade P(…), Lda“] e não tendo a Recorrida logrado provar qualquer pressuposto de que dependia o seu direito à dedução do imposto (o que, aliás, nem sequer se propôs fazer), a administração tributária estava legitimada a proceder às correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

Vejamos.

Dispõe o artigo 19º, nº 3 do CIVA que “Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que esteja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.

Como é jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação constantes do artigo 82º, nº 1 do CIVA, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas. Feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que as operações económicas que estiveram subjacentes à dedução do imposto (artigo 19º do CIVA) se realizaram efectivamente, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º, n.º 1, do CPPT, contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto - neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STA, de 24/4/2002, Processo 102/02; de 23/10/2002, Processo 1152/02; de 9/10/2002, Processo 871/02; de 20/11/2002, Processo 1483/02; de 30/4/2003, Processo 241/03; de 14/1/2004, Processo 1480/03 e do TCAN, por todos, acórdão de 24/1/2008, Processo 01834/04.

Por outro lado, a administração tributária não se pode limitar a uma fundamentação formal do juízo que formula quanto à dedução indevida por parte do sujeito passivo. Exige-se-lhe que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam, dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material - neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 17/4/2002, Processo 026635.

De todo o modo, importa referir que a administração tributária não tem de fazer a prova directa da simulação, isto é, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (cfr. artigo 240º do Código Civil), sendo suficiente a prova indirecta a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova ” (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pág. 154).

Isto posto, cumpre averiguar se a administração tributária fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objectivos, susceptíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a reais operações - no caso, a administração tributária considerou que a simulação decorre de a sociedade comercial que figura nas facturas como vendedor não corresponde a quem, efectivamente, procedeu à venda das mercadorias-, para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas.

Ora, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou procedente a impugnação judicial intentada pela Recorrida contra as liquidações impugnadas, por ter concluído que a administração tributária não tinha conseguido demonstrar os pressupostos de facto que a legitimariam a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações titulada pelas facturas em causa, com a seguinte fundamentação: “ (…) Não está em causa, mesmo na tese da administração tributária, que as operações foram realizadas e o preço pago. Conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária, “os fornecimentos constantes das facturas da P(…), correspondem a fornecimentos efectivos, uma vez que se constatou pelo fornecimento financeiro da B(...), que os mesmos foram pagos. Porém, não foram realizados pela P(...), mas sim pelo J(...), e M(...),”.

Teria ocorrido, no entender da administração tributária, uma simulação relativa justificativa do não reconhecimento do direito da Impugnante à dedução do IVA liquidado nas facturas. Ora, compulsado o teor do Relatório de Inspecção não se vislumbram quais os factos recolhidos pela administração tributária que permitem, ainda que indiciariamente, suportar a conclusão de que entre a Impugnante e os referidos J(...), e M(...), foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros - cfr. art. 240º do Código Civil.

É certo que a Impugnante, através do seu sócio - gerente, referiu ter negociado com os referidos J(…) e M(…). No entanto, o mesmo também afirmou, conforme consta do Relatório, que essas pessoas representavam a P(...) (fls. 2, penúltimo parágrafo, do Relatório).

Por outro lado, importa considerar que a P(...) só foi declarada falida em julho de 2003 e que as vendas respeitam, também, a períodos anteriores. Depois, não pode desconsiderar-se que o J(...) e o M(...) tiveram efectivamente ligação à P(...).

Do que antecede resulta que não foram recolhidos indícios suficientes, sérios e objectivos de que a Impugnante tivesse actuado em combinação com os referidos J(...) e M(...) no sentido de enganar e prejudicar terceiros. Também não foram recolhidos indícios que a Impugnante sequer soubesse que estava a adquirir bens ao J(...) e M(...) e não à P(...). (…) ”

Concordamos inteiramente com o assim decidido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

No caso em análise, como bem se decidiu na sentença recorrida, a administração tributária não recolheu factos, nem sequer indiciariamente, que permitam suportar a conclusão de que entre a Recorrida e os referidos J(...), e M(...), tenha sido feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros (cfr. artigo 240º do Código Civil).

Nos termos do artigo 240º, nº 1, do Código Civil se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiro, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

São, assim, elementos do conceito de simulação: (i) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; (ii) acordo simulatório; (iii) intuito de enganar terceiros.

Os únicos elementos avançados pela administração tributária no sentido de suportar a conclusão da existência do referido acordo simulatório foram: (i) o sócio gerente da Recorrida (Impugnante) ter referido que negociou com os referidos J(...), e M(...),; (ii) a P(...) ter abandonado as suas instalações em Monção em 1999 e ter sido declarada em situação de insolvência em 1/7/2003, tendo cessado a actividade em 23/9/2003; (ii) os cheques terem sido endossados ou levantados quase na totalidade pelo M(...),, na qualidade de gerente e dois terem sido levantados pelo J(...),.

Ora, o facto de o sócio gerente da Recorrida ter referido que negociou com os referidos J(...), e M(...), não é relevante, porquanto, como o mesmo também afirmou, estes eram as pessoas que representavam a P(...) (sendo o M(...) sócio e gerente desta sociedade).

Por outro lado, também da circunstância de a empresa P(...) ter sido declarada insolvente e ter cessado a actividade em Setembro de 2003 não decorre, por si só, que a Recorrida tivesse conhecimento de tal situação ou que soubesse que estava a adquirir bens aos referidos J(...) e ao M(...) e não à P(...), já que estes tinham uma ligação efectiva a esta sociedade e a maioria das facturas reportam-se a períodos anteriores àquela data; do próprio Relatório de Inspecção resulta, ademais, que os cheques eram emitidos em nome da sociedade e não em nome dos referidos J(...) e ao M(...), sendo totalmente alheio e fora da esfera de controlo da Recorrida o facto de os cheques por si emitidos em nome da sociedade serem posteriormente endossados ou levantados por aqueles.

Assim sendo, estes indícios avançados pela administração tributária são manifestamente insuficientes para suportar a conclusão de que a Recorrida actuou em combinação com os referidos J(...) e M(...) com vista a enganar e prejudicar terceiros.

Em suma, não pode deixar de concluir-se que a administração tributária não demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência comum, a legitimavam a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações tituladas pelas facturas em causa.

Não tendo a administração tributária feito tal prova, não ilidindo, assim, a presunção da veracidade de que goza a contabilidade da impugnante [cfr. nº 1 do artigo 75º da LGT] desnecessário se torna analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que estão subjacentes à dedução de imposto efectuada.

Pelo exposto, como bem se entendeu na sentença recorrida, a administração tributária não actuou em conformidade com a lei ao não permitir à Recorrida o exercício do direito à dedução do IVA liquidado nas facturas em causa, improcedendo, por isso, as conclusões 1ª a 4ª das alegações recurso.

3.Decisão

Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 8 de Novembro de 2012

Ass.: Fernanda Esteves

Ass.: Miguel Aragão Seia

Ass.: Anabela Russo