Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00088/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO - CONVOLAÇÃO PARA A FORMA PROCESSUAL ADEQUADA - PEDIDO DE ANULAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO
- CADUCIDADE DO DIREITO DE USAR A FORMA PROCESSUAL ADEQUADA
Sumário:I - Quando o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso, cognoscível até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo e que, sempre que possível, deve ser sanada mediante convolação para a forma processual adequada, o que exige que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado, devidamente interpretado e ainda que implicitamente, bem como a causa de pedir invocada se adeqúem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas; se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cfr. art. 98.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, art. 97.º, n.º 3, da LGT, e arts. 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, alínea b), do CPC).
II - Deduzida impugnação judicial em que é pedida a anulação do despacho que ordenou a reversão da execução fiscal contra o impugnante com fundamento na ilegalidade daquele despacho, quer por insuficiência da respectiva fundamentação, quer por falta de culpa do revertido pela insuficiência patrimonial da originária devedora, verifica-se o erro na forma do processo, pois o meio processual adequado para atacar aquele despacho é a oposição à execução fiscal prevista no art. 203.º do CPPT.
III - Não é viável a sanação da nulidade mediante convolação do processo para oposição à execução fiscal se na data em que a petição inicial foi apresentada já tinha caducado o direito de deduzir oposição.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório

M…, na qualidade de revertida a título de responsável subsidiária pelas dívidas da devedora originária D…, Lda., no montante de € 3. 235,70, respeitantes a coimas dos anos de 1999 e 2000, em cobrança no processo de execução fiscal nº 1783-00/102944.4 e aps., deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, impugnação judicial, ao abrigo do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), argumentando no sentido de demonstrar que o despacho com base no qual a execução fiscal contra si reverteu padece de falta de fundamentação legal que o sustente e, bem assim, por entender verificar-se a falta do pressuposto previsto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) relativo à culpa do gerente pela insuficiência do património da sociedade.

Concluiu, formulando o seguinte pedido: “(...) deve a presente impugnação ser julgada totalmente provada e fundada e, por via disso, ser revogado/anulado o despacho de reversão, por inexistência de fundamentação legal que o sustente, assim se absolvendo a Impugnante do pedido, tudo com as legais consequências».

Por sentença de fls. 105 e ss., foi julgada procedente a excepção de erro na forma do processo e, em consequência, absolvida a Fazenda Pública da instância.

Com efeito, lê-se na decisão recorrida que “da leitura da petição inicial (…) resulta clarividente que a Impugnante pretende ver expurgado da ordem jurídica o despacho que contra ela ordenou a reversão da execução fiscal supra identificada, por considerar inexistente quer a fundamentação legal que o sustente, quer a sua culpa na dissipação do património da devedora originária.

De facto, toda a alegação da Impugnante assenta na ilegalidade do despacho posto em crise, nunca esta tendo colocado em causa, a liquidação que subjaz ao referido processo executivo.

Ora, estando toda a posição assumida nos presentes autos pela impugnante dirigida no sentido de fazer vingar a tese da ilegalidade do despacho de reversão e na ausência de culpa pelo não pagamento da quantia exequenda, é manifesto ter a interessada incorrido no erro na forma do processo.

(…)

… todas as questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária apenas poderiam ser apreciadas em sede de processo de oposição.

(…)

Ora, da análise dos autos resulta que a ora Impugnante foi citada do despacho de reversão em 25.03.2003, sendo que a presente impugnação foi deduzida em 24.06.2003, pelo que impera concluir que mesmo que, indevidamente, ordenada a oposição, esta sempre se consideraria deduzida fora do prazo legal”.

Não se conformando com o assim decidido, a Impugnante recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando as seguintes conclusões da sua alegação de recurso:

A - A sentença recorrida, veio a decidir a improcedência da presente Impugnação, com base no argumento de que com a mesma se pretendeu apenas atacar o despacho de reversão, pelo que a forma de processo foi a errada, devendo ter sido utilizada antes a forma da Oposição à Execução, para cuja forma seria impossível a convolação por se encontrar ultrapassado o prazo de interposição daquela Oposição,

B - No entanto, ao contrário do pretendido naquela decisão, a pretensão do Recorrente não se enquadra nas alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, pelo que aqueles normativos não são susceptíveis de reconduzir a pretensão da Recorrente à Oposição à Execução.

C - Por outro lado, actualmente e em contraponto com a legislação anterior que impunha ao decisor a impossibilidade de conhecer de invalidades não alegadas no processo, o nº 2 do art. 95.º do CPTA, aplicável in casu por remissão do art. 2.º alínea c) do CPPT, impõe que o tribunal se pronuncie sobre a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.

D - Visa esta norma a protecção dos direitos e interesses do impugnante que possam ser preteridos em face de manifesta ilegalidade praticada pela Administração que, porém, não tenha sido alegada nos autos, ou fazer relevar no processo uma invalidade que, por insuficiência do fundamentado e peticionado no mesmo, acarretaria uma injusta decisão face aos elementos carreados para os autos, suficientes que sejam para alcançar o mesmo propósito, porém através de diferente via.

E - O Impugnante alegou que a sociedade de que este era sócio-gerente e que era sujeito passivo do imposto, não auferiu os rendimentos necessários à sujeição ao montante apurado de imposto, fosse em sede de IVA fosse em sede de IRC, juntando prova aos autos para comprovar tal facto.

F - Uma vez carreados para o processo elementos que permitiam infirmar a base de tributação – lucro tributável – em sede de impugnação e ainda que não houvesse sido alegado especificadamente esta questão, a douta decisão deveria ter levado em conta estes factos, em nome dos princípios da justiça material, justiça tributária e protecção dos princípios e interesses do indivíduo, fazendo juz, caso decidisse em consonância, ao princípio constitucional da tributação real das empresas - art. 104.º, nº 2 da CRP.

G - Este princípio, repetida e insistentemente tido em mui elevada consideração e respeito por parte da Administração Fiscal, quando se trata de encontrar o real rendimento das empresas em casos em que a tributação das mesmas acarrete tributo mais elevado que o inicialmente avaliado. No entanto, deve o mesmo ser igualmente prosseguido e respeitado, quando a situação é inversa – rendimento real abaixo do facturado, por falta de receitas já contabilizadas através de facturação.

H - Assim, nos termos do aludido art. 95.º do CPTA, em vez da decisão de improcedência da presente Impugnação, poderia e deveria o Meritíssimo Juiz a quo suprir as deficiências do processo levar as mesmas em conta.

I - Ao não apreciar do mérito da causa perante o insistente argumento do Erro na Forma do Processo, arguido tanto pela Fazenda Pública, como pelo Ex.mo Procurador do Ministério Público, que não correspondeu às exigências de defesa dos interesses públicos e da “(...) legalidade democrática, nos termos da Constituição (...)” que lhe competem nos termos do disposto no estatuto do Ministério Público.

J - Por todo o exposto, era de conhecimento oficioso a invalidade da liquidação do presente tributo, nos termos do disposto na alínea a) do art. 99.º, por errónea quantificação dos rendimentos – lucro tributável – pelo que, violando esta norma, a sentença ora recorrida é, com todo o devido respeito, nula.

L - Para que haja reversão válida, nos termos do disposto no art. 24.º da LGT, in casu, tem a Fazenda Pública que provar a culpa dos administradores ou corpos gerentes da sociedade da pessoa colectiva executada, nos termos do disposto no art. 74.º do mesmo diploma, sob pena de a reversão não poder ser considerada válida.

M - Não é nos termos da Oposição à Execução que se alegam e analisam as legalidades e invalidades da tributação e incidência subjectiva da mesma, seja através da liquidação do imposto directamente ao sujeito passivo, seja pela atribuição da obrigação do pagamento daquele ao responsável subsidiário, pois que tal possibilidade não cabe na letra do art. 204.º do CPPT e é mesmo afastada pela norma da alínea i) deste artigo, a não ser na situação da alínea h), que não cabe ao caso.

N - Pois que não é esta uma questão de legitimidade como, em nosso entender, erradamente tem vindo a ser interpretada (leia-se a norma da alínea b) deste artigo), mas sim de alteração da incidência subjectiva do mesmo pela mudança de sujeito obrigado ao seu pagamento.

O - Assim, não poderia proceder a fundamentação exarada na douta sentença, que recai sobre o fim do despacho de reversão, pois que sendo alterada a incidência subjectiva do imposto, tal despacho equivale a nova liquidação, tal e como se fosse uma revisão do sujeito passivo da inicial.

Assim sendo, a douta decisão ora recorrida é, data venia, nula por violação das normas constantes do princípio constitucional imposto pelo nº 2 do art. 104.º da CRP – aplicável ao presente caso pela norma do art. 2.º alínea c) do CPPT – art. 95º do CPTA, 99.º e 204.º do CPPT e 24.º da LGT, o que deve ser declarado.

Termos em que, as razões alegadas e as Doutamente supridas por V. as Ex.as, levarão à procedência do presente recurso, fazendo toda a Justiça!!!


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo teve vista nos autos.

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Por decisão de 22/10/09, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador relator julgou verificada a excepção da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo e determinou a oportuna subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

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Já no Supremo Tribunal Administrativo foi proferida decisão, em 27/01/10, nos termos da qual o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro relator veio a julgar aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer o presente recurso, tendo declarado competente para o efeito a Secção Tributária deste Tribunal Central Administrativo Norte.

Para tanto, e no essencial, considerou o Supremo Tribunal Administrativo que não tem por fundamento exclusivo matéria de direito mas, também, matéria de facto o recurso em que, nada se julgando a tal respeito na sentença recorrida, se conclui, além do mais, “que a sociedade de que este era sócio-gerente e que era sujeito passivo do imposto, não auferiu os rendimentos necessários à sujeição ao montante apurado de imposto, fosse em sede de IVA fosse em sede de IRC, juntando prova aos autos para comprovar tal facto”.

Oportunamente, foram os autos remetidos a este Tribunal Central Administrativo.


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Foram colhidos os vistos legais.

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Nada obsta à decisão da causa.

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Questão(ões) a decidir:

- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao não apreciar, como alegado, “que a sociedade de que este era sócio-gerente e que era sujeito passivo do imposto, não auferiu os rendimentos necessários à sujeição ao montante apurado de imposto, fosse em sede de IVA fosse em sede de IRC”;

- saber se a decisão recorrida fez, ou não, correcto julgamento quando considerou verificado o erro na forma do processo e que tal nulidade não era, em concreto, susceptível de sanação.


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2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

Tal como consta da sentença recorrida, “para conhecimento da excepção suscitada e dos elementos juntos aos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão a proferir (negrito e sublinhado nosso):
a) Foi instaurada a execução fiscal nº 1783-00/102944.4 Aps. contra a sociedade D…, Lda (cfr. execução apensa);
b) Por despacho, de 2003.02.17, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar 1, foi ordenada a reversão contra a impugnante por a devedora originária não possuir ou não lhe serem conhecidos quaisquer ouros bens para satisfação da dívida exequenda naqueles autos de execução (cfr. fls. 41 e 42 do processo executivo apenso):
c) Em 25.03.2003, foi a impugnante citada do despacho de reversão referido na alínea supra (cfr. fls. 45 verso dos autos de execução apensos);
d) A presente impugnação foi apresentada no Serviço de Finanças de Gondomar 1 em 24.06.2003

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados".


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Como apontou o STA, no presente recurso discute-se, além do mais, matéria de facto, na medida em que, tal como consta da conclusão E), aí se refere “que a sociedade de que este era sócio-gerente e que era sujeito passivo do imposto, não auferiu os rendimentos necessários à sujeição ao montante apurado de imposto, fosse em sede de IVA fosse em sede de IRC, juntando prova aos autos para comprovar tal facto”.

Portanto, como se retira do entendimento do STA, há factualidade alegada que não foi objecto de apreciação e que a Recorrente pretendia ver incluída no probatório.

Sem prejuízo deste entendimento, que acolhemos, a verdade é que, na análise que fazemos dos autos e tendo em consideração a decisão recorrida, a apreciação de tal factualidade depende (porque apenas releva) de ser ultrapassada (e decidida em sentido diverso da sentença objecto deste recurso) a questão do erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação na espécie processual adequada.

Ou seja, dito por palavras diferentes, e tal como assinalámos, a sentença recorrida limitou-se a apreciar o invocado erro na forma do processo e a susceptibilidade de convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal, tendo fixado unicamente a factualidade necessária ao “conhecimento da excepção suscitada”.

Neste sentido, seguiremos o mesmo percurso adoptado na sentença, analisando o alegado erro de julgamento de direito, quanto ao erro na forma do processo e à susceptibilidade de convolação para a forma processual adequada, por se tratar de uma questão necessariamente prévia às demais questões suscitadas e por, para este efeito, a factualidade assente ser suficiente.

No caso de concluirmos no sentido do desacerto da sentença recorrida, aí sim, a questão de facto colocada deverá ser apreciada, pois somente nessa hipótese, poderá a mesma vir a assumir relevância para efeitos de apreciação do mérito da causa.

2.2. O direito

Identificada a questão pela qual iniciaremos a nossa análise, importa dizer que a mesma foi já suscitada noutros recursos interpostos junto deste Tribunal Central Administrativo Norte, em situações em tudo idênticas à dos presentes autos (aliás, com absoluta identidade do teor das conclusões da alegação de recurso), divergindo apenas o responsável subsidiário – Recorrente - e o processo de execução fiscal.

Assim, permitimo-nos remeter, mediante transcrição, para a exposição aduzida no acórdão deste Tribunal, de 11/05/06, proferido no processo nº 82/03-Porto, o qual já remetia para o processo com o n.º 79/03-Porto, de 4/05/06. No mesmo sentido, veja-se, ainda, o acórdão de 26/04/06, proferido no processo 81/03-Porto.

Assim:

«Em causa no presente recurso está a decisão que julgou improcedente a impugnação judicial que o ora Recorrente deduziu contra o despacho de reversão proferido na execução fiscal instaurada contra a sociedade devedora originária “D…, Ldª” e na qual pediu que esse despacho fosse revogado/anulado por inexistência de fundamentação legal que o sustentasse dada a sua insuficiente fundamentação e a falta do pressuposto previsto no art. 24º da LGT relativo à culpa do gerente pela insuficiência do património societário.

Segundo a decisão recorrida, o que o impugnante «pretende não é discutir a legalidade da liquidação mas sim reagir contra a imputação que lhe foi efectuada dessa dívida, considerando que não se verificam os pressupostos da responsabilidade subsidiária, designadamente a ausência de culpa.

Nesta perspectiva, a tal causa de pedir cabe o processo de oposição.

Incorreu, pois, o impugnante em erro na forma de processo».

E considerando que não era possível proceder, por manifesta extemporaneidade, à convolação da impugnação em processo de oposição previsto no art. 203º ou em processo de reclamação previsto no art. 277º nº 1, ambos do CPPT, julgou que os autos não podiam ser aproveitados para prosseguirem a forma de processo determinada na lei, absolvendo, consequentemente, a Fazenda Pública da instância.

Insurgindo-se contra essa decisão, advoga o Recorrente que ela padece de erro de julgamento na medida em que:

- o Tribunal tinha o dever de conhecer de invalidades não alegadas por força do nº 2 do art. 95º do CPTA (aplicável por força do art. 2º al. c) do CPPT), norma que visa a protecção dos direitos e interesses do impugnante que possam ser preteridos em face de manifesta ilegalidade praticada pela Administração e que não tenha sido alegada nos autos, ou fazer relevar no processo uma invalidade que, por insuficiência do peticionado, acarretaria uma injusta decisão face aos elementos carreados para os autos;

- assim, e uma vez que o Recorrente alegou, em sede de ausência de culpa, que a sociedade não auferiu os rendimentos necessários à sujeição ao montante apurado de IVA, juntando prova do facto, o Tribunal devia ter levado isso em conta em sede de impugnação, em nome dos princípios da justiça material, justiça tributária e protecção dos princípios e interesses do indivíduo, fazendo jus ao princípio constitucional da tributação real das empresas consignado no art. 104º nº 2 da CRP. Além de que a invalidade da liquidação, nos termos do disposto na alínea a) do art. 99º, por errónea quantificação dos rendimentos, é de conhecimento oficioso para o Tribunal.

- Não é em sede de oposição à execução que se alegam e analisam as legalidades e invalidades da tributação e da sua incidência subjectiva, seja através da liquidação do imposto directamente ao sujeito passivo, seja pela atribuição da obrigação de pagamento ao responsável subsidiário, pois que tal possibilidade não cabe na letra do art. 204º do CPPT e é mesmo afastada pela norma da alínea i) deste artigo, a não ser na situação da alínea h), que não cabe ao caso.

Vejamos.

O erro na forma de processo, contemplado no art. 199º do Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção.

Com efeito, constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico [Cfr., entre outros, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; Antunes Varela, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col.Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col.Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col.Jur. Ano XV, T4, pág. 201] que é pelo pedido final formulado, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito, pelo que, no caso vertente, será pelo pedido formulado pelo impugnante na petição inicial que se terá de aferir do acerto ou erro do meio processual que utilizou para atingir tal desiderato.

Tendo por base tais considerações, e debruçando-nos mais de perto sobre o caso sub judice, verifica-se que o impugnante terminou o seu articulado inicial pedindo ao tribunal a revogação/anulação do despacho de reversão, por inexistência de fundamentação legal que o sustente. Pedido que, aliás, se coaduna com a alegação consubstanciadora da causa de pedir, traduzida na enunciação de factos demonstrativos da ilegalidade desse despacho por insuficiente fundamentação e falta de verificação do pressuposto previsto no art. 24º da LGT relativo à culpa do gerente pela insuficiência do património societário.

Este pedido não se adequa, porém, ao processo tributário de impugnação, sabido que este é o meio processualmente adequado a atacar os actos tributários praticados pela Administração Tributária, designadamente actos de liquidação, com vista a obter a declaração da sua inexistência, nulidade ou anulação, não podendo ter por objecto actos praticados em sede de execução fiscal, cuja legalidade tem de ser discutida em sede de oposição ou de reclamação judicial, em harmonia com o disposto nos artigos 97º al. o) e 203º do CPPT e nos artigos 97º alínea n) e 276º e segs. do CPPT e art. 101º al. d) da LGT.

Como ensina o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, ANOTADO, 4ª ed., pág. 441, «... o processo de impugnação será de utilizar quando o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto administrativo que comporta a apreciação de um acto desse tipo e, relativamente a actos de outro tipo, quando a lei utilizar o termo «impugnação» para referenciar o meio processual a utilizar.

Assim, podem ser objecto de impugnação judicial, nalguns casos com inclusão de algumas normas especiais, os seguintes actos:

actos de liquidação dos tributos, incluindo os actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta [art. 97.º, n.º l, alínea a), deste Código e 95.º, n.º 1, alínea a), da L.G.T.

actos de fixação da matéria tributável, quando não haja lugar a liquidação (casos em que houve prejuízos) [art. 97.º, n.º 1, alínea b), deste Código e 95.º, n.º l, alínea c), da L.G.T.];

actos de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas de actos tributários [art. 97.º, n.º 1, alínea c), deste Código e 95.º, n.º 1, alínea d), da L.G.T.] ;

actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (como os actos que apreciem recursos hierárquicos interpostos de decisões de indeferimento de reclamações graciosas e os que recusem a revisão de actos tributários) [art. 97.º, n.º 1, alínea d), deste Código e 95.º, n.º 1, alínea d), da L.G.T.];

actos que decidam agravamentos à colecta, por falta de fundamento razoável de reclamação ou recurso hierárquico (como os previstos nos arts. 91.º, n.ºs 9 e 10, da L.G.T. e 77.º, n.º 3, deste Código) [art. 97.º, n.º 1, alínea e), deste Código e 95.º, n.º 1, alínea e), da L.G.T.];

impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais (com as especialidades constantes do art. 134.º deste Código) [art. 97.º, n.º 1, alínea, deste Código e 95.º, n.º 1, alínea b), da L.G.T.];

impugnação de providências cautelares adoptadas pela administração tributária (com as especialidades que constam do art. 144.º) [art. 97.º, n.º 1, alínea g), deste Código];

a impugnação dos actos de apreensão (art. 143.º deste Código)».

A impugnação judicial, a que os revertidos também podem recorrer nos termos do art. 22º nº 4 da LGT, destina-se, pois, a atacar apenas a legalidade dos mencionados actos tributários, com vista a obter a anulação ou a declaração da sua nulidade ou inexistência (arts.70º nº 1, 99º e 124º do CPPT e 101º da LGT), constituindo no processo tributário o meio equivalente ao recurso contencioso dos actos administrativos regulados na LPTA ou à acção administrativa especial regulada no CPTA.

Assim sendo, e porque a cada direito corresponde um meio processual de o fazer valer em juízo, as questões colocadas pelo impugnante (todas elas relativas à legalidade do despacho de reversão) não podem ser conhecidas em processo de impugnação, cujos fundamentos se encontram previstos no art.120º do CPPT e se referem, exclusivamente, aos vícios dos actos tributários que constituem o seu objecto.

Daí que não mereça censura a decisão recorrida ao julgar que o meio adequado para reagir contra o despacho de reversão não é a impugnação judicial mas, antes, a oposição à execução fiscal, o que, aliás, constitui jurisprudência repetida e uniforme, como se pode ver pela leitura dos Acórdãos do STA proferidos em 13/07/2005, no Proc. nº 0504/05, em 29/06/2005, no Proc. nº 0501/05, em 8/03/2006, no Proc. nº 01249/05, em 15/02/2006, no Proc. nº 01255/05, em 24/09/2003, no Proc. nº 0160/03, em 30/03/03, no Proc. nº 097/03, em 30/10/2002, no Proc. nº 845/02-30 e em 23/10/2002, Proc. n.º 945/02.

Tal como neste último aresto se sumariou «O revertido como responsável subsidiário, citado para a execução fiscal, pretendendo defender-se invocando erro nos pressupostos de facto do despacho que determinou a reversão da execução fiscal contra si, deve reagir mediante oposição à execução, e não através de impugnação judicial».

E não constituindo o acto de liquidação do imposto que constitui a dívida exequenda o objecto da presente impugnação judicial, nem tendo sido questionada na p.i. a legalidade desse acto, não pode o Recorrente pretender que o Tribunal conheça das suas eventuais invalidades, designadamente ao abrigo do disposto no art. 95º nº 2 do CPTA, pois que o objecto da acção impugnatória condiciona os limites de extensão do poder jurisdicional do juiz, não podendo este fazer tábua rasa da lei processual em nome dos princípios da justiça material, da justiça tributária, da protecção dos princípios e interesses do indivíduo e do princípio da tributação real das empresas.

Porque tais princípios não são antiprocessuais, eles só são viáveis na medida em que a lei do processo o permitir. E a regra neste campo é-nos dada pelo art. 264º do CPC ao estabelecer o princípio da disponibilidade pelas partes do âmbito do litígio. O julgador não pode alargar tal âmbito, embora, para que uma decisão de fundo seja possível, deva atender a factos instrumentais ou complementares, que, pela sua própria natureza, de alguma maneira estejam já implícitos na alegação das partes.

Assim, apesar de nada impedir o juiz de interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do autor e, consequentemente, se for caso disso, proferir uma decisão cujo conteúdo ultrapasse a literalidade do pedido, o certo é que se encontra sempre limitado pelo objecto do litígio, o qual é definido pelas partes em harmonia com o preceituado no art. 264º do CPC.

Tendo o impugnante delimitado os termos do litígio nos moldes em que o fez, mediante o enunciado de fundamentos (causa de pedir) e a formulação de pretensão anulatória (pedido) concernente exclusivamente a vícios que imputa ao despacho de reversão, cuja revogação/anulação peticiona, não pode pretender que o Tribunal analise oficiosamente a legalidade do acto de liquidação que subjaz à dívida em cobrança coerciva na execução contra si revertida.

Por outro lado, a faculdade concedida pela lei ao responsável subsidiário para deduzir impugnação, nos termos do nº 4 do art. 22º da LGT, destina-se a permitir-lhe discutir a legalidade do acto de liquidação que conduziu à dívida exequenda, não se confundindo com a discussão sobre a presença ou não de culpa sua face à insuficiência do património da devedora originária para solver os débitos fiscais, nem com a discussão sobre a legalidade do respectivo despacho de reversão. Pelo que o responsável subsidiário deve usar o processo de oposição à execução se alega a sua ilegitimidade substantiva, designadamente por ausência de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade devedora.

Ao ser deduzida impugnação judicial em vez de oposição à execução está-se perante um erro na forma de processo, que só pode conduzir à convolação da petição respectiva em petição de oposição se para tal puder ser aproveitada, nos termos dos arts. 97º nº 3 da LGT, 98º nº 4 do CPPT e 199º do CPC. Isto é, a convolação só é admissível desde que não seja manifesta a sua improcedência ou extemporaneidade, além de idoneidade da respectiva petição para o efeito [Neste sentido se tem vindo também a pronunciar, de forma pacífica e reiterada, o STA - vide, entre outros, os Acórdãos de 4/11/99, no Proc nº 22.728, de 24/3/04, no Proc. nº 1.844/03, de 6/10/05, no Proc. nº 1.166/04).].

Ora, no caso dos autos e como refere a decisão recorrida, o recorrente foi citado em 25/03/03 para a execução e a petição inicial deu entrada na R.F. em 24/06/03, pelo que nessa data já havia expirado o prazo de 30 dias (previsto no art. 203º do CPPT) para a dedução de oposição, ou mesmo o prazo de 10 dias (previsto no art. 277º do CPPT) para a dedução de reclamação judicial contra o despacho de reversão.

Pelo que, ocorrendo erro na forma de processo e não sendo a convolação possível, está-se perante uma situação de nulidade de todo o processo, que conduz à absolvição da instância (artºs 288º al. b) e 494º al. b) do CPC), não merecendo, por isso, qualquer reparo ou censura a sindicada sentença, que assim julgou”.


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Atento o teor do acórdão que se reproduziu, nenhumas outras considerações se nos afigura necessário acrescentar à fundamentação transcrita, a qual se enquadra cabalmente na situação em análise (incluindo no que respeita à data da citação e da apresentação da impugnação judicial e a isso não se opondo a circunstância de aqui estarmos perante dívidas provenientes de coimas), sendo, consequentemente, de considerar improcedentes todas as conclusões da alegação do recurso, mantendo-se a decisão recorrida que assim decidiu e que, por isso, julgou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, de acordo com o artigo 660º, nº2 do CPC.

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3. Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que, porém, goza do benefício do apoio judiciário

Porto, 12 de Abril de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves