Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02861/14.7BEBRG-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO;
Sumário:
1 – A transmissão de créditos e dívidas na veste de negócio translativo da posição ativa ou passiva do sujeito da relação material controvertida, mostra-se regulada nos artºs. 577 a 588º do C. Civil, dispondo o artº 577º nº 1 que “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
2 - O incidente de habilitação de cessionário de crédito litigioso permite apenas duas opções: ou o credor/cedente continua na lide ou o cessionário intervém na lide, através do incidente de habilitação, substituindo o cedente e adquirindo a posição processual in totum, que o mesmo tinha na causa.
3. Não é admissível a permanência conjunta na instância do credor/cedente e do cessionário, nem a possibilidade de se cindir o objeto imediato da causa por via da substituição do sujeito cedente pelo cessionário, quando este, por via do negócio translativo, não adquiriu na totalidade a posição contratual do credor/cedente.
4 – A habilitação do cessionário apenas é possível se este substituir integralmente o autor primitivo. Não é possível a habilitação do cessionário da qual resulte a manutenção na ação do primitivo autor, ainda que para apreciação de parte do seu objeto.
5- A substituição do autor pelo cessionário, em virtude da habilitação deste, inviabilizaria a apreciação do pedido reconvencional. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FSMC Unipessoal, Lda
Recorrido 1:SM & Filhos, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
FSMC Unipessoal, Lda. por apenso a Ação Administrativa Comum veio deduzir Incidente de Habilitação de Cessionário contra SM & Filhos, SA e SCMVV, enquanto partes primitivas da Ação, como Autora e Ré, requerendo a sua declaração como habilitada para prosseguir nos Autos como cessionária de parte dos créditos reclamados pela Autora, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Braga em 15 de dezembro de 2017, que julgou improcedente o presente incidente de habilitação de cessionário, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo.
Do referido Recurso jurisdicional interposto em 7 de março de 2018, para este TCAN, foram formuladas as seguintes conclusões (Cfr. fls. 51 a 52v Procº físico):
É consabido que a cessão de créditos consiste, na transmissão a um terceiro de “uma parte ou a totalidade do crédito independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.” (art.º 577.º/1 do CC).
Não restam assim duvidas de que, a cessão parcial de créditos litigiosos é admissível nos termos dos artigos 577°, n.º 1 e 581° do CC, ou seja, nada impede que o credor ceda a um terceiro a totalidade ou parte do seu crédito o qual, operada a transmissão, passa a ser dele titular e a gozar dos direitos e garantias que lhe estão associadas como se fosse o credor originário (art.º 582.º do CC)
Deste modo é perfeitamente legítima, válida e eficaz a cessão parcial a favor da requerente cessionária ora recorrente, do crédito litigioso que a primitiva autora SM & FILHOS, S. A, reclama nos presentes autos contra a primitiva ré.
Todavia considerou a douta decisão recorrida que não seria admissível a habilitação de cessionário quando apenas ocorreu a cessão parcial do crédito litigioso, uma vez que a substituição processual operada por via da habilitação do cessionário implicaria a “troca de um por outro”, ou seja, ocorreria a saída definitiva do cedente do processo e a entrada da requerente como novo sujeito no lugar do primitivo, entendimento que não encontra conforto na correta interpretação do disposto no art. 262 e 263º do CPC.
Com efeito do sentido literal e do sentido teleológico que se extrai da interpretação dos artigos 263° e 356° do CPC não resulta minimamente que a cessão parcial de créditos litigiosos esteja excluída do instituto da habilitação de cessionários, nem que, procedendo a habilitação, o autor principal não possa continuar na lide.
Bem sabemos que atento o princípio da estabilidade da instância, a instância se constitui com a propositura da ação e estabiliza com a citação do réu, sem prejuízo da possibilidade de alteração previstas na lei. (art.º 78.º/1 do CPTA, e art.º 260.º do CPC). Ora uma das modificações subjetiva da instância é precisamente a habilitação do cessionário, caso em que a modificação subjetiva da instância é uma possibilidade (art.º 263.º/1 do CPC, antigo 271.º),
A habilitação do cessionário tem como pressuposto essencial que o título da cessão seja válido e eficaz, como o é nos autos, independentemente de corresponder ao crédito total peticionado ou de quantos autores o peticionam.
Não seria juridicamente admissível que uma vez reconhecido o direito de crédito na ação principal, o mesmo pudesse vir a ser pago a quem já não é materialmente titular de tal direito de crédito na sua totalidade, ou que a do mesmo modo a primitiva ré pudesse ser condenada a pagar à primitiva autora um montante que já não lhe deve, por ele ter sido cedido ainda que parcialmente, à requerente.
Assim, a habilitação da cessionária Recorrente é o meio processual legalmente admissível e é o único que se adequa aos presentes autos e harmoniza a realidade substantiva com a processual, sem afetar da posição processual das partes primitivas. Nesse sentido Ac. do STA de 08/03/2017 in www.dgsi.pt.
10ª Deste modo, a dedução pela primitiva ré de pedido reconvencional já admitido nos autos principais, em nada fica afetado ou prejudicado pela procedência da habilitação da cessionária recorrente, uma vez que, tendo a cessão de créditos um âmbito parcial, a primitiva autora e parte nessa relação material controvertida, mantem-se na lide para defender o remanescente do crédito reclamado, em litisconsórcio voluntário sucessivo.
11ª Do mesmo modo, não resulta dos autos, nem sequer nada vem alegado, que a transmissão parcial do crédito a favor da recorrente tenha visado ou torne mais difícil a posição da parte contrária ré.
12ª Conclui-se assim que a douta decisão recorrida opera uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 577°, n.º 1, e 581° do CC e 263º e 356° do CPC, assim como, os princípios da economia processual e da promoção da justiça previstos nos artigos 130° do CPC e 7° do CPTA, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que julgue o incidente de habilitação de cessionário procedente.
Termos em requer a V. Exas. conceder provimento ao presente recurso e consequentemente revogar a douta decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra que julgue o incidente de habilitação de cessionário procedente e ordene o prosseguimento dos autos, assim se realizando justiça.”
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Apenas a SCMVV veio a apresentar Contra-alegações de Recurso, em 9 de abril de 2018, nas quais conclui (Cfr, fls. 61 a 63 Procº físico):
1. A douta decisão ora recorrida não merece qualquer censura, antes pelo contrário.
2. Fez correta, exímia e clara interpretação da Lei, em perfeita consonância com os articulados e factos alegados.
3. O crédito cedido é de cariz litigioso e não advém da relação controvertida.
4. Tendo sido admitida a reconvenção apresentada pela Ré, não existe título que legitime a recorrente a responder na instância reconvencional, já que, cederam-se créditos e não obrigações.
5. As faturas subjacentes ao alegado crédito - litigioso - cedido, reportam-se a trabalhos extra, não titulados pelo contrato de empreitada objeto do litígio, e não validados/reconhecidos pela Ré SCMVV, conforme invocado na contestação/reconvenção.
6. Tendo a Autora apenas cedido a terceiro (a ora recorrente) o direito de crédito que invoca ter sobre a Ré titulado - apenas - pelas faturas A23 e A50, a cessionária não pode ser habilitada por daí decorrer a impossibilidade de apreciação da reconvenção já deduzida e admitida contra a cedente, em momento anterior à cessão de créditos! Ac. TRP, Proc. 115/09.0TBCHV-A.P1, de 30-01-2012, in www.dgsi.pt
7. O incidente de habilitação da cessionária permite apenas duas opções: ou a cedente continua na lide, já que a habilitação decorrente da transmissão entre vivos de direito litigioso - como no caso em apreço - é facultativa, ou a cessionária intervém na lide, através da habilitação, mas, neste caso, SUBSTITUI integralmente a cedente adquirindo a sua posição contratual in totum, não havendo a possibilidade de ambas permanecerem na lide, nem a possibilidade de se cindir o objeto da mesma, excluindo a apreciação do pedido reconvencional, por força da substituição do sujeito processual cedente pelo sujeito processual cessionário, quando este não adquiriu, na totalidade, por via do negócio transmissivo, a posição contratual do cedente.
8. A concretizar-se a habilitação/cessão, a requerente não ficaria a deter a titularidade e globalidade do direito que se litiga nos autos principais, pelo que não se mostrará nunca legitimada a exercer os direitos correspondente ao remanescente do crédito em litígio nos autos principais, que para ela não foi transmitido,
9. Atento o supra exposto, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é assacada. TERMOS EM QUE, E por tudo o mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão recorrida, fazendo assim a habitual, boa e sã JUSTIÇA.”
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O Recurso foi admitido por Despacho de 23 de maio de 2018 (Cfr. fls. 64 Procº físico).
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 30 de maio de 2018 (Cfr. fls. 68 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, designadamente no que concerne à admissibilidade da requerida Habilitação de Cessionário, á luz dos Artº 577º, nº 1 e 581º do CC e 263º e 356º do CPC, sendo que o objeto dos Recursos se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
1- As sociedades SM & FILHOS, S. A e FSMC UNIPESSOAL, Lda. celebraram, por escrito, acordo onde a primeira reconhece que deve à segunda 108.148,77€ e que procede ao seu pagamento transferindo o crédito que possui sobre a SCMVV – cfr. doc. 1 junto com o requerimento de habilitação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2- A cláusula primeira do referido acordo tem a seguinte redação:
“Pelo presente contrato a primeira outorgante, como meio de pagamento total da quantia que reconhece estar em dívida à segunda outorgante, cede um crédito no valor de 108.148,77€ (cento e oito mil, cento e quarenta e oito euros e setenta e sete cêntimos) e inerentes direitos, com exceção dos juros de mora, à segunda outorgante, que o aceita, crédito do qual é titular relativamente à devedora SCMVV, emergente do referido contrato de empreitada referido no considerando a) e das faturas mencionadas na alínea b)”.
3- O acordo referido em 1. foi autenticado por advogada sob o registo n.º 11338P/2123.
4- A sociedade FSMC UNIPESSOAL, Lda. informou a SCMVV do acordo referido em 1. através de carta endereçada à segunda – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de habilitação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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IV – Do Direito
A transmissão de créditos e dívidas na veste de negócio translativo da posição ativa ou passiva do sujeito da relação material controvertida, mostra-se regulada nos artºs. 577 a 588º do C. Civil, dispondo o artº 577º nº 1 que “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
Nos termos do artº 579º nº 3 “Diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado”.
No que ao Direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
A Requerente deduziu o presente incidente de habilitação de cessionário nos termos do artigo 356º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, onde vem pedir que seja declarada como habilitada para a ação principal na parte correspondente ao crédito que lhe foi cedido pela Autora/Requerida SM & FILHOS, S. A., com as demais consequências legais.
(...)
No caso da habilitação de cessionário, visto que se está perante uma alteração de quem figura como parte na ação, trata-se de uma modificação subjetiva da instância, admitida especialmente na alínea a) do artigo 262º do CPC.
No caso em apreço, estamos perante uma transmissão por ato entre (sujeitos) vivos de direito litigioso. Assinale-se que não da totalidade do direito que consubstancia o litígio dos autos principais mas somente de uma parte.
Tal precisão mostra-se relevante porquanto, dos artigos 262º e 263º do CPC, conjugados entre si, retira-se que o que a lei admite, em caso de transmissão do direito em litígio por ato entre vivos, é a substituição da parte primitiva no processo pelo sujeito adquirente ou cessionário do direito em litígio já após o início da instância.
Ora, substituição significa “troca de um por outro”. Pelo que, em termos processuais, a substituição de um sujeito processual implicará sempre duas consequências, a saída definitiva do processo do sujeito que figura(va) como parte no processo e a entrada do novo sujeito no lugar do primitivo sujeito processual e no estado em que o processo se encontre.
A ideia de substituição, designadamente de sujeitos processuais, é avessa à ideia de manutenção da parte substituída no processo. Desde logo, porque a forma como se encontra construída a suscetibilidade e admissibilidade da modificação da parte por efeito de transação entre vivos – que, não se esqueça, é excecional relativamente ao princípio da estabilidade da instância – emerge de uma consideração de perda de interesse, posterior, na demanda por parte do primitivo sujeito processual, por, em virtude de já não ser titular do direito em litígio, o desfecho da ação lhe ser indiferente, na medida em que os efeitos que a mesma possa fazer nascer não se repercutirão na sua esfera jurídica, pois o mesmo deixou de ser parte nessa relação jurídica.
Outra coordenada normativa que vai de encontro ao entendimento que vimos a explanar pode ser encontrada no n.º 1 do artigo 356º do CPC, que regula o processo a observar para que se opere a substituição do cedente pelo cessionário. Aí se diz: “A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se…”.
Do enunciado normativo acabado de referir, retira-se que, operando-se a substituição, por meio de habilitação do cessionário, a causa principal seguirá com o cessionário, pelo que, para que tal seja possível, o cessionário terá de ser investido pelo cedente em todos os direitos que o permitam adquirir legitimidade para prosseguir com a causa, pois, se tal não acontecer, a ação não poderá seguir, ou pelo menos não poderá seguir somente com o cessionário ou sem que o cedente se mantenha na lide. A causa terá de correr nos precisos termos em que assim o implique o concreto estado e as vicissitudes do processo à data da habilitação, só se operando a substituição de uma das partes.
Ora, in casu, não se verifica tal perda de interesse do primitivo sujeito na continuidade da demanda principal. Recorde-se que o que se deu foi uma mera transmissão de parte do crédito em litígio nos autos principais, pelo que, relativamente ao remanescente, a Autora nos autos principais continua a manter interesse na decisão da mesma.
Da mesma forma que, em termos proporcionais, a Requerente não ficou a deter, no âmbito da sua esfera jurídica, a titularidade da globalidade do direito que se litiga nos autos principais, pelo que, consequentemente, não se mostra legitimada a exercer os direitos correspondentes ao remanescente do crédito em litígio nos autos principais, que para ela não foi transferido.
O nº 2 do artigo 263º do CPC estipula que, ainda que a parte contrária não esteja de acordo com a modificação subjetiva requerida, a mesma só deverá ser recusada caso se entenda que a transmissão do direito litigioso foi efetuada para tornar mais difícil a posição da parte contrária no processo principal.
Uma leitura perfunctória da norma referida poderá levar à conclusão que a substituição por ato entre vivos será sempre admitida desde que não se mostre que a transmissão foi realizada com o intuito de tornar mais difícil a posição da parte contrária no processo. No entanto, a leitura desta norma tem de ser integrada na decorrência lógico-discursiva em que a mesma se encontra, pois a mesma vem na sequência da decantação quer das exceções ao princípio da estabilidade da instância, quer da modificação subjetiva admitida para esses casos ser a da substituição do sujeito processual.
Assim sendo, o estatuído no n.º 2 do artigo 263º do CPC deve ser lido em sentido complementar ao que vem prescrito na alínea a) do artigo 262º, isto é, a substituição será admitida desde que não se conclua que a transmissão do direito foi efetuada para tornar a posição no processo principal da parte contrária mais difícil, mas sempre que a substituição em si seja admissível nos termos legais. Só depois de se concluir que a substituição é admissível, é que se poderá dar o passo seguinte relativamente à sua recusa ou não com fundamentos materiais quanto à própria operação de transmissão do direito litigioso.
E o mesmo raciocínio tem de ser transposto para os poderes de pronúncia do Tribunal no quadro do presente incidente. Pois que também a leitura individualizada, ainda que conjugada do n.º 2 do artigo 262º do CPC e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 356º do CPC, poderá levar a concluir que o objeto do incidente de habilitação de cessionário se queda pela aferição da validade do título que origina a cessão ou aquisição e se o negócio em questão foi celebrado para tornar a posição no processo da parte contrária mais difícil.
Mais uma vez, e na decorrência do explanado supra, esse terá de ser considerado como o segundo passo metódico a ser dado. O primeiro passo a dar pelo Tribunal é o de aferir se a própria substituição poderá ocorrer, tendo em conta todos os elementos relevantes e normas aplicáveis. Só após a análise e conclusão de que a substituição será admissível nos termos em que a lei processual o admita, é que o Tribunal terá de indagar sobre a verificação dos requisitos materiais específicos para que a habilitação possa proceder.
Aqui chegados, é entendimento do Tribunal que, em virtude de a cessão de créditos operada ter sido somente parcial relativamente ao objeto do crédito em litígio nos autos principais, não poderá operar a substituição regulada nos artigos 262º e 263º, ambos do CPC, pelo que será de improceder a habilitação de cessionário requerida no presente apenso.
E o que temos vindo a dizer é transponível para o facto de a Ré nos autos principais ter deduzido reconvenção, já admitida.
Sendo a reconvenção uma contra-acção da Ré contra a Autora e visto que o que foi cedido pela Requerida/Autora à Requerente foi somente parte do crédito em litígio nos autos principais, emergente da relação contratual entre a Autora e a Ré, e não ocorreu uma cedência de posição contratual da Requerida/Autora à Requerente no referido contrato, não existe título que legitime a Requerente a responder na instância reconvencional. O que, conjugado com o facto de a substituição de sujeitos processuais operar, nos termos já supra expostos, fazendo sair um sujeito do processo e fazendo entrar outro, demonstra que também não será possível operar a substituição visada com o presente incidente de habilitação na medida em que, a operar-se, a Requerente careceria de legitimidade para a instância reconvencional.
O que vimos defendendo encontra apoio na jurisprudência, podendo confirmar-se tal orientação nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, proferidos no âmbito dos processos n.º 115/09.0TBCHV-A.P1, de 30-01-2012 (indicado pela Ré na sua contestação) e n.º 1701/15.4T8PVZ-A.P1, de 26-06-2017, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Alega a Requerida/Ré a nulidade do contrato de cessão de créditos com fundamento em a Requerida/Autora ceder o seu crédito no valor de 108.148,77€ à Requerente, mas não ceder os juros de mora inerentes ao respetivo crédito.
Sustenta a sua posição no entendimento plasmado em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (proc. nº 140866/14.9YIPRT.L1-1, de 20.12.2016), que transcreve parcialmente.
Ora, atenta a total falta de identidade entre a questão decidenda no referido aresto e a que aqui se apresenta, não se descortina a argumentação que a Requerida/Ré pretende fazer valer. Embora nas duas situações esteja sob análise o tema juros de mora, a verdade é que, no caso do aresto citado pela Requerida/Ré, o que se discute é a questão da sobrevida dos juros de mora quando a obrigação a que os mesmos surgem agregados já faleceu. O que não é, manifestamente, o caso do acordo de cessão de créditos em análise.
O facto de as partes terem acordado não proceder à cessão dos juros de mora que incidam sobre o crédito litigioso cedido poderá ter implicações de vária ordem, mas não terá qualquer tipo de implicações em relação à validade do acordo celebrado, pelo que não será fundamento de nulidade do contrato.”
Vejamos:
O que aqui está em causa é predominantemente verificar se a cessão parcial do crédito peticionado na ação principal pode dar lugar à habilitação da cessionária para intervir nessa ação, a par da primitiva autora.
O tribunal “a quo” considerou que não seria admissível a habilitação de cessionário, por se tratar de uma mera cessão parcial do crédito litigioso.
Da conjugação do regime consagrado nos artºs. 263º nº 1 e 356º nº 1 CPC decorre, em primeiro lugar, que apenas “(...) com a sentença que julgue habilitado o sucessor, cessa a substituição processual deste pelo transmitente. … os termos “aquisição”, “adquirente” e “transmitente”, por um lado, e “cessão”, “cessionário” e “cedente”, por outro, são utilizados com referência, respetivamente, ao ato de transmissão de direito real (sobre “coisa litigiosa”) e ao ato de transmissão de outro direito (“direito litigioso”). (..)” (Lebre de Freitas, CPC – anotado, Vol. 1º Coimbra Editora/2008, pág. 696;)
Em segundo lugar, o regime do artº 356º nº 1 CPC implica que a transmissão por ato entre vivos de coisa ou direito litigioso tem de coincidir com o objeto imediato do litígio levado ao processo nessa mesma causa em que é requerida a habilitação.
Dito de outro modo, nada impede do ponto de vista do direito substantivo que o credor ceda a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito litigioso, o que não pode é fazer com que o acordo translativo a favor de terceiros (cessionários) por parte do credor/cedente seja inferior ao valor pecuniário que esse mesmo credor peticiona na ação em que os cessionários requerem a habilitação na posição adjetiva do credor/cedente.
Neste quadro, e in casu, a conversão por substituição processual da cessionária adquirente seria confessadamente parcial e de valor pecuniário diverso do objeto imediato do litígio, o que significa que a Autora originária teria de continuar a defender nos autos o seu interesse próprio relativamente à parte do crédito não transmitido à cessionária, o que a lei adjetiva não permite, em face do que se mostra inviabilizada a habilitação de cessionário requerida.
Aliás a jurisprudência tem decidido uniformemente esta questão. Veja-se desde logo o sumariado no Acórdão do TCAS nº 12646/15, de 05-05-2016:
“1. O incidente de habilitação de cessionário de crédito litigioso permite apenas duas opções: ou o credor/cedente continua na lide ou o cessionário intervém na lide, através do incidente de habilitação, substituindo o cedente e adquirindo a posição processual in totum, que o mesmo tinha na causa.
2. Não é admissível a permanência conjunta na instância do credor/cedente e do cessionário, nem a possibilidade de se cindir o objeto imediato da causa por via da substituição do sujeito cedente pelo cessionário, quando este, por via do negócio translativo, não adquiriu na totalidade a posição contratual do credor/cedente.”
No mesmo sentido, e mais recentemente, sumariou-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 1701/15.4T8PVZ-A.P1, de 26/06/2017, o seguinte:
“I - O interveniente principal assume uma posição processual que lhe atribui direitos idênticos aos da parte principal e, como associado ao réu, oferecendo articulado próprio, pode deduzir reconvenção.
II - Face ao disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c), do C.P.C., a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos a compensar.
III - A habilitação do cessionário apenas é possível se este substituir integralmente o autor primitivo. Não é possível a habilitação do cessionário da qual resulte a manutenção na ação do primitivo autor, ainda que para apreciação de parte do seu objeto.
IV - A substituição da autora pela cessionária, em virtude da habilitação desta, inviabilizaria a apreciação do pedido reconvencional.”
Em Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto nº 115/09.0TBCHV-A.P1, de 30/01/2012 já se havia já sumariado, o seguinte:
“I - O incidente de habilitação da cessionária permite apenas duas opções: ou a cedente continua na lide, já que a habilitação decorrente da transmissão entre vivos da coisa ou direito litigiosa, é facultativa, ou a cessionário intervém na lide, através da habilitação e, nesse caso, substituiu a cedente adquirindo a posição processual in totum que a mesmo tinha no pleito.
II - Não há a possibilidade de ambas permanecerem na lide, nem a possibilidade de se cindir o objeto da mesma, excluindo a apreciação do pedido reconvencional, por força da substituição do sujeito processual cedente pelo sujeito processual cessionário, quando este não adquiriu, na totalidade, por via do negócio transmissivo, a posição contratual do cedente.
III - Para efeitos do n.º 7 do artigo 713.° do CPC, tendo a autora apenas cedido a terceiro, através de uma dação pro solvendo, o direito de crédito que invoca ter sobre a ré, a cessionária não pode ser habilitada por daí decorrer a impossibilidade de apreciação da reconvenção que já tinha sido deduzida contra a cedente em momento anterior à celebração. “
Aqui chegados, uma vez que foi transferido para a recorrente, por contrato de 22 de Fevereiro de 2017, confessadamente, apenas “parte do crédito” reclamado relativamente à SC, resultante de contrato de empreitada, e uma vez que as faturas subjacentes ao alegado crédito cedido, se reportam a trabalhos extra, não integral e diretamente coincidentes com o controvertido contrato de empreitada, a eventual concretização da Habilitação de cessionário, determinaria que se teriam de manter na Ação cessionário e cedente, o que, como se viu, se mostra ser adjetivamente impossível.
Acresce que a Ré (SC), em sede de reconvenção admitida, peticiona danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de alegados defeitos de funcionamento do sistema de aquecimento solar, entre outros, titulados por fatura objeto de cedência.
Assim, incidindo a cedência de crédito sobre a Ré, a Recorrente não pode ser habilitada enquanto cessionária, em virtude da sua incapacidade de apreciação da reconvenção deduzida e já admitida contra a cedente (Cfr. Ac. TRP, Proc. 115/09.0TBCHV-A.P1, de 30-01-2012).
Aliás, como se transcreveu já, sumariou-se no referido Acórdão do TRP que o incidente de habilitação da cessionária permite apenas duas opções: ou a cedente continua na lide, já que a habilitação decorrente da transmissão entre vivos de direito litigioso é facultativa, ou a cessionária intervém na lide, através da habilitação, mas, neste caso, substitui integralmente a cedente adquirindo a sua posição contratual in totum, não havendo a possibilidade de ambas permanecerem na lide, nem a possibilidade de se cindir o objeto da mesma.
No mesmo sentido, apontou o igualmente já referenciado acórdão, do TRP, nº 1701/15.4T8PVZ-A-P1, de 26-06-2017, no qual se afirmou que "(...) a substituição da autora pela cessionária, em virtude da habilitação desta, inviabilizaria a apreciação do pedido reconvencional."
Assim, ao ter a SC, deduzido reconvenção, diretamente relacionada com as faturas objeto do contrato de cessão de créditos, tal, acrescidamente, inviabilizou a requerida habilitação de cessionário.
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não merece censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso interposto, confirmando a Sentença objeto de Recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12 de outubro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira