Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01761/05.6BTPRT-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RENOVAÇÃO DE ACTO; ANULAÇÃO DE ACTO; COMPENSAÇÃO; NÃO PAGAMENTO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I. Anulado judicialmente um acto tributário, fica a administração obrigada a reintegrar a ordem jurídica violada pelo acto considerado ilegal, reconstituindo a situação actual hipotética que presumivelmente existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada.

II. O acto de liquidação praticado pela administração, que renova acto anteriormente anulado, e procede a nova liquidação não tem efeitos retroactivos susceptíveis de assimilar quantias por restituir decorrentes da anulação do acto originariamente anulado.

III. A compensação de dividas operada para liquidação de taxas, anulada por acórdão transitado, no decurso da impugnação do acto de liquidação daquelas taxas, equivale ao não pagamento da liquidação.

IV. Assim, a anulação do acto tributário de liquidação esgotou-se no plano jurídico, não havendo que retirar quaisquer outras consequências em sede de execução daquela decisão judicial anulatória no plano material.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:I., SA
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (I., S.A.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgado improcedente o pedido de execução da sentença proferida nos autos principais: a condenação da executada (Município (...)) no pagamento da quantia de € 221.841,02, que inclui o valor das taxas urbanísticas pagas indevidamente e ainda não restituídas, no valor de € 94.469,82 e o valor de juros vencidos e vincendos, bem como a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«Do exposto podem retirar-se as seguintes conclusões:
A – DA RESTITUIÇÃO DO VALOR DO TRIBUTO ILEGALMENTE LIQUIDADO PELO MP
1ª. A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento, na parte em que decidiu que a anulação do acto de liquidação se esgotou no plano jurídico, não havendo que retirar quaisquer outras consequências práticas ou materiais, em sede de execução das respectivas decisões judiciais anulatórias (v. fls. 13 da sentença), como resulta das seguintes razões:
i) A ora recorrente era e é titular do direito “à restituição (...) do montante pago acrescido de juros”, que lhe foi judicialmente reconhecido pela sentença do Trib. de 1ª Instância do Porto, de 1999.10.29, confirmada pelo douto acórdão do STA, de 2001.10.17 (cfr. Ac. TC, de 2002.02.15), já transitados em julgado (v. arts. 20º e 268º/4 e 5 da CRP, arts. 689º e segs. do NCPC e arts. 173º e segs. do CPTA) e proferidos na primeira impugnação judicial (Proc. 8/95);
ii) A ora recorrente requereu ao MP a execução das referidas decisões jurídicas anulatórias, tendo a restituição da totalidade das quantias que lhe são devidas sido impedida pela prolação do acto tributário de nova liquidação, de 2002.10.17, que foi anulado pela sentença exequenda de 2017.06.21 (v. n.º s 8 a 13 dos FP na sentença recorrida);
iii) O novo acto tributário de liquidação e a subsequente compensação, inovatoriamente editados pelo MP, após a prolação das referidas decisões judiciais anulatórias, constituem “uma nova liquidação de algumas das taxas urbanísticas, cuja anulação fora ordenada naquela impugnação nº 8/95 e (…) como esta liquidação não foi paga, o Município (...), em 17.10.2002, levou a cabo a compensação com o crédito relativo a juros indemnizatórios, que o Município estava obrigado a pagar” à ora recorrente (v. fls. 12 e 13 da sentença recorrida);
iv) No presente processo está assim em causa a execução das decisões judiciais que anularam aquele novo acto tributário de liquidação, de 2002.10.17, impondo-se ao MP o “cumprimento tardio dos deveres que (...) não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto (de liquidação) disso a dispensava” (v. Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 3ª ed., 2010, pág. 1117), sendo inequívoco que a reconstituição da situação hipotética actual da ora recorrente “deve corrigir não só a falta desse pagamento, mas também a falta da sua tempestividade” (v. Ac. TCA (Sul) de 2015.03.12, Proc. 5144/09, www.dgsi.pt);
v) O cumprimento integral da referida obrigação e dever do MP tem que ser exigido em sede de execução das decisões judiciais que anularam aquele novo acto tributário de liquidação, como resulta expressis et apertis verbis do art. 173º/1 do CPTA, que nesta sede impõe que o executado dê “cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado” (cfr. arts. 20º, 22º, 205º e 268º/4 da CRP) – cfr. texto n.º s 1 e 2;
2ª. A execução da douta sentença do Tribunal a quo, de 2017.06.21, que anulou o novo acto tributário de liquidação, de 2002.10.17 e integra o objecto do presente processo (v. arts. 173º e segs. do CPTA), não pode assim deixar de consistir na “prolação de um acto administrativo de sentido contrário ao anulado, que o substitua e sirva de base à reconstituição da situação actual hipotética” da ora recorrente (v. Ac. TCA Norte, de 2006.05.18, Proc. 00743-A/00; cfr. Ac. TCA Sul, de 2015.03.12, Proc. 5144/09, in www.dgsi.pt), “reassumindo-se tudo o que (…) seguramente ocorreria na hipótese de a ordem jurídica nunca ter sido violada” (v. Ac. STA de 2004.12.09, Proc. 30373) e “se, portanto, o curso dos acontecimentos se tivesse apoiado sobre uma base legal” (v. Freitas do Amaral, A execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, p.p. 51-52) – cfr. texto n.º 3;
3ª. As pretensões deduzidas no presente processo não se esgotam na “restituição à impugnante dos montantes pagos, acrescidos de juros”, nem podem ser apreciadas e decididas de acordo com critérios contra cives (v. art. 7º do CPTA), devendo a lei processual “ser interpretada de modo a que se privilegie o acesso ao direito e a uma tutela judicial efectiva” (v. Ac. STA de 2011.09.22, Proc. 0604/11; cfr. Acs. STA de 2010.03.11, Proc. 01172/09; de 2010.01.06, Proc. 0981/09; de 2009.06.04, Proc. 0377/08; de 2007.11.28, Proc. 0972/07, todos in www.dgsi.pt), de modo a que “a sentença final tenha incidência real ao nível da esfera jurídica do particular” (v. Maria Fernanda Maçãs, A Relevância Constitucional da Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, pág. 328) – cfr. texto n.º 4;
4ª. A douta sentença enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 20º, 22º, 205º e 268º/4 da CRP, nos arts. 173º e segs. do CPTA e no art. 146º do CPPTcfr. texto n.º 5;
B – DA VIOLAÇÃO DE NORMAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
5ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a tutela judicial efectiva dos direitos da ora recorrente integra claramente o direito à execução da douta decisão judicial exequenda no presente processo, que anulou o novo acto tributário de liquidação, impedindo a “restituição à impugnante dos montantes pagos, acrescidos de juros” (v. arts. 20º e 268º/4 da CRP e art. 7º do CPTA; cfr. Ac. STA de 2006.07.06, Proc. 032377-A, in www.dgsi.pt) – cfr. texto n.º 6;
6ª. A posição assumida pela ora recorrente é a única compatível com critérios de tutela judicial efectiva, economia e utilidade processual (v. arts. 20º, 22º e 268º/4 da CRP; cfr. art. 2º do CPTA e art. 2º do NCPC), não sendo legítimo impor-se e onerar-se o particular lesado, que obteve decisão favorável de anulação daquele acto tributário ilegal e lesivo, com a necessidade e dever de iniciar reiteradamente uma multiplicidade de novos meios processuais, com encargos acrescidos e desnecessários, para obter essencialmente a reparação integral dos prejuízos que lhe foram causados com as actuações ilícitas do Município (...) (cfr. arts. 173º e 176º/2 do CPTA), conduzindo-se “ao triunfo de uma justiça meramente formal sobre a justiça material” (v. Ac. STJ, de 2010.02.11, Proc. 09B80280; cfr. Ac. STA de 2012.03.28, Proc. 07/12, ambos in www.dgsi.pt; Ac. TC nº. 473/1994, de 1994.06.28, in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto n.º s 6 a 8;
7ª. Os arts. 173º e segs. do CPTA, com o sentido e alcance que lhes foi atribuído na douta sentença recorrida, constituem normativos claramente inconstitucionais e inaplicáveis in casu (v. art. 204º da CRP e art. 1º/2 do ETAF), por violação dos princípios constitucionais enunciados nos arts. 18º, 20º, 22º, 203º, 204º e segs., 212º/3 e 268º/4 da CRP e concretizados nos arts. 2º, 7º, 76º e 176º/3 do CPTAacesso ao direito e tutela judicial efectiva da ora recorrente cfr. texto n.º 9.
NESTES TERMOS,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ
CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.»

1.2. O Recorrido (Município (...)), notificado da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
«(1) Resultando da matéria factual que não se provou que a recorrente tenha procedido ao pagamento da liquidação, e tendo o recorrido levado a cabo uma compensação que foi igualmente anulada, nada há a restituir esgotando-se a execução do julgado com a anulação da liquidação, tal como foi ordenado na sentença.
(2) O recorrido fez o que lhe competia, ou seja, deu cumprimento à sentença anulatória na medida em que anulou as liquidações em causa, pelo que não há aqui expectativas de segurança jurídica da recorrente que mereçam ser protegidas, pelo que a douta sentença não padece de erros de julgamento, por alegada violação frontal do disposto nos arts. 20.º, 22.º, 205.º e 268.º/4 da CRP, nos arts. 173.º e segss. do CPTA e no art. 146.º do CPPT.
(3) Inexiste igualmente violação de normas e princípios constitucionais, especialmente da tutela jurisdicional efetiva, dado que a eventual ilegalidade de novos atos tributários de liquidação só poderia ser discutida em sede de impugnação judicial não sendo a execução fiscal o meio adequado para aferir se tal é legal ou não.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE ESSE TRIBUNAL DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir que a anulação do acto de liquidação se esgotou no plano jurídico, não havendo que retirar quaisquer outras consequências práticas ou materiais, em sede de execução.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos Provados:
1. No âmbito de um processo de licenciamento para a construção de um prédio sito na Rua (…), de que a exequente é proprietária, a Câmara Municipal (...) liquidou diversos tributos financeiros, no montante total de 69.445.192$00 (€ 346.382,52), assim repartidos (cfr. sentença proferida nos autos principais):
- Esc. 60.000$00: termo de responsabilidade;
- Esc. 10.709.900$00: outras taxas e licenças;
- Esc. 20.971.500$00: taxa deficitária de aparcamento;
- Esc. 37.693.623$00: taxa de urbanização;
- Esc. 10.160$00: taxas diversas.
2. A exequente, em 27.6.1995, pagou a quantia referida em 1. (facto admitido por acordo).
3. A exequente deduziu impugnação contra as liquidações referidas em 1., a qual correu termos no 3º Juízo do então Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, sob o nº 8/95 (cfr. doc. de fls. 176 a 188 do proc. principal).
4. Por sentença proferida no dia 29 de Outubro de 1999, foi a impugnação julgada procedente, determinando-se a anulação das liquidações de taxas impugnadas e a restituição do montante pago, acrescido de juros (doc. de fls. 176 a 188, do proc. principal e doc. 1 junto com a p.i., que aqui se considera integralmente reproduzido).
5. Após instauração de recursos para o Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional, o STA, por acórdão proferido em 15.5.2002, confirmou inteiramente a sentença proferida em 1ª instância (doc. nº 2 junto com a p.i.).
6. A Câmara Municipal (...) restituiu à exequente a quantia total de € 541.480,78, nas seguintes datas (cfr. docs. juntos pela executada com o requerimento de 29.4.2019):
- € 104.605,40, em 8.7.1997
- € 147.581,42, em 3.10.2002
- € 198.510,48, em 3.10.2002
- € 40.979,82, em 29.10.2002
- € 49.803,66, em 11.2.2019~
7. Em sede de execução da sentença proferida no proc. de impugnação judicial nº 8/95, a Câmara Municipal (...) praticou novo acto de liquidação das taxas urbanísticas, no valor de € 198.809,72 (fls. 61 e 62 do proc. principal).
8. A exequente instaurou impugnação judicial contra a liquidação referida em 7., a que coube o nº 4/03/12 (processo principal), pedindo a sua anulação (cfr. p.i. do proc. principal).
9. Por sentença proferida em 21.6.2017, já transitada em julgado, foi a impugnação nº 4/03/12, julgada procedente, determinando-se a anulação da liquidação no valor de € 198.809,72 (cfr. proc. principal).
10. O teor da sentença foi comunicado às partes, por meio de ofício, expedido em 28.6.2017, por via postal registada (fls. 294 e 295 do proc. principal).
11. Em 21.9.2017, a impugnante requereu a remessa do processo administrativo apenso ao Município (...) para os efeitos previstos no art. 146º, 2 e 3 do CPPT e 157º e ss do CPTA (fls. 298 do proc principal).
12. Em 12.9.2018 foi instaurada a presente execução, enviada por correio electrónico (fls. 3).
13. Por ofício datado de 17.10.2002, a exequente, I., na pessoa do seu mandatário, foi notificada de que, por despacho da Directora Municipal de Finanças e Património, de 2002.10.17, se procedeu “à compensação da dívida existente, por força do não pagamento das taxas em causa, no valor de € 198.809,72”, com o crédito tributário referente aos juros indemnizatórios devidos, no total de € 239.789,54 (doc. junto pela exequente a fls. 100, em 1.4.2019).
14. A exequente instaurou recurso contencioso, a que coube o nº 1/03/11, do despacho referido em 13., o qual foi julgado procedente e anulado o acto de compensação, por sentença proferida em 28.2.2007, confirmada por acórdão do STA, de 7.11.2007 (docs. juntos em 1.4.2019. a fls. 101 a 114).
Factos não Provados:
A) Que a liquidação impugnada no proc. principal, no valor de €198.809,72, foi paga pela exequente.
B) Que a remessa do processo principal ao Município (...) foi notificada à impugnante.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes dos autos e do processo principal, conforme se indicou nos factos provados.
Relativamente ao facto não provado sob a al. A), não existe prova de que a liquidação em causa foi paga, sendo que a executada, em 17.10.2002, efectuou uma compensação de créditos, que foi anulada por decisão judicial, o que leva à conclusão de que a liquidação em crise nos autos principais e aqui em cobrança, não se mostrava paga, inexistindo prova de que tenha sido paga em data posterior.
O facto não provado sob a al. B), resulta da ausência de prova de notificação, após compulso da tramitação do processo principal.»

2.2. De direito
A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob recurso, ao absolver do pedido o executado – Município (...).
Está em causa, nos autos, aquilatar da execução da sentença referida em 9., proferida nos autos principais n.º 04/03/12, em 21.06.2017, por meio da qual foi anulado o acto impugnado – liquidação de taxas de legalização de obras, efectuada pelo Município (...), no montante total de € 198.809,72.
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida a tarefa de apreciar do erro de julgamento de direito que recaiu sobre sentença proferida em sede de execução do julgado.
Neste domínio, a decisão recorrida afastou a propensão da Recorrente, ponderando que:
«Da execução do julgado:
A exequente, com base na procedência da impugnação judicial, peticiona a restituição do valor relativo à liquidação impugnada, acrescida de juros, deduzida dos valores já restituídos pela executada.
(…)
Porém, não é o que se passa na situação vertente.
Vejamos.
No caso em apreço, verifica-se que, no processo principal de impugnação, foi proferida uma sentença que anulou a liquidação de taxas urbanísticas, no valor de € 198.809,72. Esta liquidação, contudo, foi efectuada no âmbito da execução de julgados do proc. nº 8/95, pois a entidade demandada entendeu que poderia efectuar uma nova liquidação de algumas das taxas urbanísticas, cuja anulação fora ordenada naquela impugnação nº 8/95. A exequente, notificada desta nova liquidação, procedeu à sua impugnação judicial, dando origem ao processo principal, o proc. nº 4/03/12, em que foi proferida a sentença que faz aqui título executivo.
Resulta da materialidade assente, que a impugnante/exequente, em 1995, pagou as liquidações primariamente efectuadas, ou seja, as liquidações que foram impugnadas no proc. nº 8/95, no valor de € 346.382,52 (factos provados nº 1 e 2). E, como tais liquidações foram anuladas por decisão judicial, está o Município, entidade liquidadora, obrigado a proceder à sua restituição, isto é, à restituição das quantias correspondentes às liquidações impugnadas no proc. 8/95.
Porém, no processo principal, de que esta execução é apenso, está em causa outra liquidação, diversa das liquidações impugnadas no proc. 8/95.
Neste processo nº 4/03/12, não se provou que a impugnante/exequente tenha procedido ao pagamento da liquidação aqui em causa, no valor de € 198.809,72, como aliás consta do probatório. Na verdade, como esta liquidação não foi paga, o Município (...), em 17.10.2002, levou a cabo a compensação com o crédito relativo a juros indemnizatórios, que o Município estava obrigado a pagar, em consequência da anulação operada no proc. 8/95. Esse acto de compensação foi também anulado, como resulta dos factos provados.
Ora, não se tendo provado o pagamento da liquidação anulada no processo principal de impugnação, nada há a restituir, esgotando-se a execução do julgado com a anulação da liquidação, tal como foi ordenado na sentença.
É certo que a exequente tem direito a ser ressarcida da quantia que despendeu no pagamento das liquidações, que entretanto foram anuladas no proc. nº 8/95, porém, terá de o fazer na execução de julgados desse processo de impugnação, ou em outra acção tendente à efectivação da responsabilidade civil a que haja lugar.
Por outro lado, quanto ao pedido de pagamento de despesas judiciais e honorários, terá a exequente de fazer valer o seu direito em sede de exigência de pagamento de custas de parte, não compreendendo esta acção, o pagamento de outras quantias que não, exclusivamente, as que resultem do decidido na sentença de impugnação.
Assim, improcede a acção.» (Fim de transcrição; sublinhados nossos)
Nas suas alegações, a Recorrente defende que a sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento, na parte em que decidiu que a anulação do acto de liquidação se esgotou no plano jurídico, não havendo que retirar quaisquer outras consequências práticas ou materiais, em sede de execução das respectivas decisões judiciais anulatórias, pois que a execução ora demandada da sentença de 21.06.2017, que anulou o novo acto tributário de liquidação, de 17.10.2017 e integra o objecto do presente processo, não pode deixar de consistir na “prolação de um acto administrativo de sentido contrário ao anulado, que o substitua e sirva de base à reconstituição da situação actual hipotética” da ora recorrente, “reassumindo-se tudo o que (…) seguramente ocorreria na hipótese de a ordem jurídica nunca ter sido violada” e “se, portanto, o curso dos acontecimentos se tivesse apoiado sobre uma base legal”.
Concluindo, a sentença enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 20º, 22º, 205º e 268º/4 da CRP, nos arts. 173º e segs. do CPTA e no art. 146º do CPPT Os arts. 173º e segs. do CPTA, sendo a posição por si defendida a única compatível com critérios de tutela judicial efectiva, economia e utilidade processual (v. arts. 20º, 22º e 268º/4 da CRP; cfr. art. 2º do CPTA e art. 2º do NCPC).
Vejamos.
Como é sabido, o princípio da tutela jurisdicional efectiva [direito fundamental dos cidadãos - artigos 20º e 268º nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo [dimensão declarativa], bem como a possibilidade de a fazer executar [dimensão executiva] e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão [dimensão cautelar].
Desde logo, o art. 205º nº 2 da CRP refere que “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, sendo que o nº 3 do mesmo dispositivo legal estipula que “a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução”.
Sobre este último elemento, deparamos com o art. 146º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) onde se aponta que “para além do meio previsto no artigo seguinte, são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos.”
Nesta sequência, e quando se analisa o exposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), temos que nos termos do art. 158º nº 1 daquele diploma “as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.”, sendo que nos termos do nº 2 “a prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte.”.
Tal significa que a obrigação de respeito pelo caso julgado formado sobre a decisão judicial anulatória impede a administração tributária de actuar de forma que com ela seja incompaginável e implica que os actos praticados na sequência de anulação judicial anulatória que violem o caso julgado sejam nulos, por força do disposto no art. 133º nº 2 alínea h) do Código de Procedimento Administrativo – CPA (actual art. 161º nº 2 al. i)).
Por outro lado, os autores desses actos incorrem em responsabilidade civil, criminal e disciplinar (art. 205º nº 1 da CRP).
Quanto ao conteúdo do dever de executar, impõe-se ter presente o disposto no art. 100º da Lei Geral Tributário, o qual aponta que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Do mesmo modo, o art. 173º nº 1 do CPTA (na redacção anterior à que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 02-10) refere que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.”.
E por último, do artigo 102º da LGT, n.º 2 determina que “Em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea (redacção em vigor em 2002).
Destes preceitos, conjugados com as normas do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, aplicáveis por força do n.º 1 do artigo 102.º da LGT, resulta, pois, que em caso de procedência da impugnação (meio judicial onde foi proferida decisão anulatória da liquidação em causa nestes autos), a Administração fica obrigada a reconstituir a situação jurídica hipotética, repondo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o beneficiário da anulação veja reparado os danos sofridos em resultado da prática desse acto (cfr. artigo 173.º do CPTA).
Ou seja, para além de a decisão judicial anulatória possuir um efeito constitutivo, que consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento, e deter um efeito inibitório, que afasta a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com as ilegalidades já declaradas, goza, ainda, de um outro efeito, que é o da reconstituição da situação hipotética actual, também chamado de efeito repristinatório, reconstitutivo ou reconstrutivo, e que passa pela prática dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à referida reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.
Em suma, a anulação judicial do acto de liquidação implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/01/2012, proc.5110/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.6718/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 03/10/2013, proc.6608/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.8379/15; Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.).
É, pois, indispensável que a Administração pratique, na execução da decisão anulatória, os actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada e à reconstituição da situação actual hipotética, isto é, restabeleça a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e reconstitua, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.
Assim, a directriz orientadora da execução de julgados anulatórios é a de que deve ser reconstituída a situação actual hipotética que existiria se, em vez do acto ilegal anulado, tivesse sido praticado um acto legal, devendo a Administração praticar os actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada.
Para concretizar tal objectivo pode não ser bastante o decidido na decisão exequenda, pois o objectivo do processo de execução de julgados não é apenas concretizar o que foi decidido na sentença, abrangendo essencialmente dar cumprimento às normas substantivas cujos efeitos a decisão exequenda desencadeou – cfr. neste sentido, VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 4.ª edição, páginas 343-a 344.
Por isso, o processo de execução de julgados anulatórios de actos administrativos inclui momentos declarativos em que deve ser decidido tudo o que for necessário para concretizar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado e, em vez dele, tivesse sido praticado um acto que estivesse em sintonia com o regime substantivo aplicável. Nessa concretização, porém, haverá que ter em conta não só o expressamente decidido na decisão exequenda, como a respectiva fundamentação, pois a natureza executiva do processo impõe que a concretização dos efeitos da decisão anulatória esteja em sintonia com as posições aí assumidas e não em contradição com elas – cfr. Acórdão do STA, de 11.05.2005, proferido no âmbito do processo n.º 046544C.
Reconduzindo à situação dos autos, no caso de actos de liquidação passa pela restituição das quantias pagas, juros, incluindo os indemnizatórios se a ele houver lugar em conformidade com o decidido na decisão anulatória e, pode ou não determinar a prática de novo acto expurgado dos vícios.
Atento o enquadramento que efetuamos, é nossa convicção que a sentença na parte recorrida deve manter-se na ordem jurídica.
Senão vejamos:
Temos um acto de liquidação de diversos tributos financeiros praticado pelo Município (...) à aqui Recorrente, liquidados pela mesma em 27.06.1995. Deduzida impugnação Judicial desse acto – foi determinada a anulação das liquidações das taxas impugnadas e a restituição do montante pago, acrescido de juros, por sentença proferida em 29.10.1999, confirmada por acórdão do STA de 15.05.2002 (itens 1 a 5 do probatório) no âmbito do processo de impugnação n.º 8/95.
Em sede de execução da sentença proferida no processo de IMP. n.º 8/95, o Município (...) restitui à exequente a quantia total de € 541.480,78 e praticou novo acto de liquidação de taxas urbanísticas, no valor de € 198.809,72.
Este novo acto de liquidação emitido pelo Município (...) foi alvo de impugnação judicial, a que coube o n.º 4/03/12, tendo sido proferida sentença em 21.06.2017, que julgando a mesma procedente, determinou a anulação da liquidação de taxas urbanísticas, no valor de € 198.809,72. (itens 7 a 9 do probatório).
Está em causa a execução do julgado formado em torno da sentença proferida no âmbito da IMP n.º 4/03/12.
Antes de prosseguirmos, cumpre delimitar o campo da extensão do julgado, no sentido afirmado pela Recorrente de que este deve ir mais além na reconstituição da situação que existiria, restabelecendo a situação que detinha à data do primeiro acto ilegal e como tal, urge reconstituir a situação que o mesmo teria se o acto objecto de anulação na IMP n.º 8/95 não tivesse sido praticado, pugnando por uma interpretação do quadro jurídico aplicável que privilegie o acesso ao direito e a uma tutela judicial efectiva”.
Não colhe o entendimento da Recorrente.
Atenhamo-nos ao pedido formulado pela Recorrente nestes autos de execução de julgado (p.i):
“(…)
a) Restituição aos exequentes das quantias pagas, acrescidas de juros vencidos e vincendos que perfazem, até 2018.09.14, o montante de €221.841,02 (duzentos e vinte e um mil, oitocentos e quarenta e um euros e dois cêntimos);
b) Pagamento de uma sanção pecuniária compulsória
(…).”
E, em sede de concretização do montante a Recorrente/exequente enuncia:
“(…) A execução integral da douta sentença deste Tribunal, de 2017.06.21, implica além do mais:
a) Restituição à ora requerente da quantia identificada no art. 15º do presente articulado, no montante de €94.469,82;
b) Pagamento à exequente dos juros vencidos e devidos desde 1995.06.27 até 2018.09.14 e, que como resulta do Doc. 6, adiante junto, perfazem o montante de €127.371,20 (…)
c) Pagamento à ora exequente dos juros vincendos e devidos sobre as quantias em dívida desde 2018.09.14 até efectivo e integral pagamento (…);”
A sentença recorrida não deixou de ter isto em consideração. E revertendo para a situação sub judice nela o Tribunal a quo expendeu que “no processo principal, de que esta execução é apenso, está em causa outra liquidação, diversa das liquidações impugnadas no proc. 8/95. Neste processo nº 4/03/12, não se provou que a impugnante/exequente tenha procedido ao pagamento da liquidação aqui em causa, (…) Ora, não se tendo provado o pagamento da liquidação anulada no processo principal de impugnação, nada há a restituir, esgotando-se a execução do julgado com a anulação da liquidação, tal como foi ordenado na sentença.”.
Recorde-se que na sequência da decisão de anulação do acto/liquidação de 1995, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 1ª instância e confirmada em recurso por acórdão do STA de 15.05.2002 (IMP n.º 8/95), foi objecto de execução pela entidade administrativa (Município (...)), a quem incumbia tirar as consequências da anulação, mediante a prática dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que fosse restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se fosse caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado. O que, como resulta dos factos provados entre 1997 e 2002 ocorreu por via do pagamento parcelar da quantia total de € 541.480,78 e, por via da emissão de um novo acto de liquidação das taxas urbanísticas, no valor de € 198.809,72 (objecto da IMP n.º 4/03).
Se bem entendemos a posição da Recorrente a mesma assente em dois vectores, a) no pagamento das taxas de liquidação subjacentes a IMP n.º 4/03, b) na existência de um crédito que lhe advém da IMP n.º 8/95 cujas consequências não se esgotam ali e se propagam para a IMP n.º 4/03, crédito esse decorrente de juros indemnizatórios.
Ora, sobre argumentação b), não pode a Recorrente querer retirar efeitos de natureza jurídica, ou outros, que a sentença de impugnação não lhe conferiu, dado que no processo principal, de que esta execução é apenso, está em causa outra liquidação, diversa das liquidações impugnadas no proc. 8/95. É que, não podem ser praticados em execução de julgado anulatório actos dotados de eficácia retroactiva que envolvam a imposição de deveres, tal como sucede com os actos de liquidação de impostos ou de taxas.
Sobre esta temática o acórdão deste TCA Norte, processo n.º 01191/0.0BEPRT, de 10 de novembro de 2011 (emitido na sequência de um pedido de suspensão da instância em sede executiva, em que um Município pretendia beneficiar daquela suspensão por força da impugnação do acto praticado de “renovação” da liquidação) discorre que “No caso, é manifesto que a decisão do presente recurso não está dependente do julgamento da impugnação judicial entretanto proposta pela ora Recorrida tendo por objecto o acto de liquidação que veio a ser praticado pelo ora Recorrente. Ao invés, pode dizer-se que tal julgamento é inteiramente irrelevante para aquela decisão.
Na verdade, o que nos presentes autos se discute são os termos da execução de um julgado anulatório de uma liquidação de uma taxa efectuada pelo Município d…. Ora, à prolação de uma decisão sobre essa matéria, é, de todo, indiferente a sorte da impugnação judicial, entretanto deduzida, da nova liquidação de taxa que teve por objecto a mesma situação a que se reportava a que anteriormente foi anulada. Tanto mais que, na perspectiva de sentença que constitui o objecto do presente recurso, essa nova liquidação nem sequer constituiu uma variável do discurso fundamentador da decisão, pois só após a respectiva prolação é que foi efectuada a nova liquidação.
A eventual relevância do acto renovador do acto anteriormente anulado na apreciação da pretensão deduzida em sede de execução do julgado anulatório é inteiramente independente da circunstância de o mesmo ter sido ou não objecto de impugnação contenciosa.
Também não se vê que a pendência da impugnação judicial do novo acto de liquidação constitua, sob qualquer outra perspectiva, motivo justificativo do decretamento da suspensão da presente instância.” (fim de citação)
Nesta perspectiva, que se nos afigura ser a que corresponde à boa interpretação da lei, falece a posição da Recorrente e, mais se diga que a mesma não traduz qualquer situação susceptível de afectar os direitos da Recorrente, pois que os direitos decorrentes da primeira anulação (IMP n.º 8/95) em causa estão perfeitamente enquadrados e acautelados, decorrendo primeiro um prazo para o cumprimento espontâneo da obrigação, facultando-se depois um prazo para a execução coerciva da tal obrigação, tendo como pano de fundo o trânsito em julgado da decisão que serve de base à execução.
E, mais se diga, que a não se encontrar prescrita a obrigação de dar cumprimento à execução de julgado em falta, decorrente da decisão anulatória da IMP n.º 8/95, terá o impugnante de dispor de meio processual que lhe permita fazer o seu direito, pois que o princípio da tutela jurisdicional efectiva implica que, existindo um direito, exista um meio processual adequado para o fazer valer em juízo. Neste casos “… haverá que procurar, entre as formas processuais que a lei consagra, aquela que melhor se adequa ao caso concreto, sendo que não poderá ser o processo de execução por (…) ter caducado o direito a tal acção, (…)”(cfr. Rui Duarte Morais, in Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 338/339 e acórdão do STA de 15.05.2013, proferido no recurso 1496/12).

Prosseguindo, pugna a Recorrente, ainda, que a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que não se provou que a impugnante/exequente tenha procedido ao pagamento da liquidação aqui em causa (facto negativo não impugnado), nada há a restituir, esgotando-se a execução do julgado com a anulação da liquidação.
Recuperemos o pedido principal da execução, do direito à “restituição das quantias pagas, acrescida de juros vencidos e vincendos", execução da sentença proferida na IMP n.º 4/03, sendo que o acto de liquidação das taxas urbanísticas, no valor de € 198.809,72 impugnado foi por força da decisão anulatória eliminado da ordem jurídica, implicando o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc.
Sendo que, por despacho da Directora Municipal de Finanças e Património, de 2002.10.17, o Município (...) procedeu “à compensação da dívida existente, por força do não pagamento das taxas em causa, no valor de € 198.809,72”, com o crédito tributário referente aos juros indemnizatórios devidos, no total de € 239.789,54. Mais se retira, dos elementos e articulados constantes do processo, que aquele valor decorria dos juros indemnizatórios que ainda se encontravam em dívida decorrentes da anulação decretada no âmbito da IMP n.º 8/95, tendo entretanto ocorrido pagamentos por conta desses juros indemnizatórios, quer pelo diferencial, quer após apresentação em juízo destes autos de execução, aquilo que podemos chamar de acerto de contas que não relevam para o mérito da questão, mas para contextualizar a mesma.
Ora, do acto de compensação a Recorrente/exequente instaurou recurso contencioso, a que coube o processo nº 1/03/11, o qual foi julgado procedente e anulado, por sentença proferida em 28.2.2007, confirmada por acórdão do STA, de 7.11.2007. Repristinando os conceitos de anulação de actos já mencionados, temos que por força da mesma renasceu o crédito originário, qual seja – os juros indemnizatórios no valor de € 198.809,72 da Recorrente, nos termos em que aquele havia sido admitido nos termos do despacho de compensação anulado e, concomitantemente, renasceu a dívida existente de € 198.809,72 (taxas urbanísticas liquidadas pelo acto renovado – IMP n.º 4/03).
Das vicissitudes da anulação da compensação (em que foi reconhecida razão à Recorrente naquele contencioso de anulação que correu termos no processo n.º 1/03) cumpre a sua articulação com o facto não provado, sob o item A) (“Que a liquidação impugnada no proc. principal, no valor de €198.809,72, foi paga pela exequente”), e, daí retirar as devidas conclusões.
Assim o determinado na sentença recorrida está em sintonia com anulação que emerge da sentença exequenda e dos factos, pois, como vimos, decorre dos mesmos que a impugnante/executado não procedeu ao pagamento do valor liquidado.
Unicamente tendo tudo isto em conta e o verdadeiro alcance da execução de julgados, podemos afirmar em sincronismo com a sentença recorrida que nada há a restituir, esgotando-se a execução do julgado com a anulação da liquidação, tal como foi ordenado na sentença, ou por outras palavras, quando decidiu que a anulação do acto tributário de liquidação se esgotou no plano jurídico, não havendo que retirar quaisquer outras consequências em sede de execução das respectivas decisões judiciais anulatórias no plano material.
Pelo exposto, improcedem todas as conclusões do recurso, devendo negar-se provimento ao recurso.
2.3. Conclusões
I. Anulado judicialmente um acto tributário, fica a administração obrigada a reintegrar a ordem jurídica violada pelo acto considerado ilegal, reconstituindo a situação actual hipotética que presumivelmente existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada.
II. O acto de liquidação praticado pela administração, que renova acto anteriormente anulado, e procede a nova liquidação não tem efeitos retroactivos susceptíveis de assimilar quantias por restituir decorrentes da anulação do acto originariamente anulado.
III. A compensação de dividas operada para liquidação de taxas, anulada por acórdão transitado, no decurso da impugnação do acto de liquidação daquelas taxas, equivale ao não pagamento da liquidação.
IV. Assim, a anulação do acto tributário de liquidação esgotou-se no plano jurídico, não havendo que retirar quaisquer outras consequências em sede de execução daquela decisão judicial anulatória no plano material.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 16 de Dezembro de 2021

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis