Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00060/10.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rosário Pais
Descritores:IVA; DESCRIÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS; PROVA; SENTENÇA EM PROCESSO JUDICIAL; JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 19.º do Código do imposto sobre o valor acrescentado só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em faturas e documentos que observem a forma legal.

II - No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado faturado as faturas hão de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo haja duplicação de faturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.

III – Os requisitos previstos no artigo 36º do CIVA (anterior artigo 35º) constituem formalidades ad substantiam, não sendo possível aceitar um cumprimento desses requisitos de forma aligeirada. A existência das faturas ou de documentos equivalentes, bem como os seus requisitos legais, têm que ser observados por forma a permitirem um controle exato sobre os bens transmitido ou os serviços prestados, quando, onde, em que quantidade/extensão, e a quem, por serem suscetíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, permitindo reconstituir que serviço foi prestado ou que bem foi transmitido e qual o seu custo, tendo em vista evitar duplicação de deduções de IVA.

IV - Tal não obsta, porém, a que a descrição, quantidade ou extensão, dos bens e/ou serviços que deve constar da fatura ou documento equivalente conste ou seja complementada através de outros documentos existentes na contabilidade, idóneos para tal fim, isto é, que revistam fidedignidade bastante para conferir segurança aos dados neles contidos. Assim, podem cumprir tal finalidade, entre outros, os orçamentos, autos de medição, ou uma sentença proferida em processo judicial.

V - Estabelece o artigo 35.º da LGT, no seu n.º 1, que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável.

VI - A razão de ser dos juros compensatórios assenta, necessariamente, num juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que justifica a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável ou, dito de outra forma, censurável.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Farmácia (...), LDA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. Farmácia (...), Ld.ª, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 19.07.2011, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IVA e correspondentes juros compensatórios relativo ao período de janeiro de 2006, no valor global de 16.396,25€.

1.2. A Recorrente Farmácia (...), Ld.ª terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I - Em causa está a factura n.º FT/DIV/06 de 12.01.2006 (junta aos autos), no valor de €68.750,00, com sujeição a IVA à taxa normal de 21%, correspondente ao pagamento parcial dos serviços prestados pela empresa E., Lda.
II - O tribunal a quo e que a Administração Fiscal conseguiu demonstrar que a factura em causa era fictícia, tendo considerado que se tratava de uma operação simulada e que incumbia ao contribuinte provar que a materialidade da operação.
III - Ora, salvo o devido respeito, não se pode aceitar tal entendimento uma vez que, da análise atenta ao documento em causa, ficou provado que se trata de uma factura que foi devidamente contabilizada, por se encontrar correctamente emitida em sede de IVA e de IRC.
IV - Segundo a descrição da factura, a mesma refere-se ao valor da 8.ª Prestação, de um valor global dos serviços que ascendem a 165.000,00 € + IVA. A factura em questão reconhece os serviços prestados no ano de 2006 pela entidade emissora, tratando-se deste modo de uma factura legal, bem emitida e devidamente enquadrada em sede de IVA, nomeadamente no artigo 36.º do Código do Imposto Valor Acrescentado (CIVA).
V - Apesar de não mencionar a data a que se referem os serviços prestados, podemos considerai inequivocamente que, por aplicação do disposto na alínea f), do n.º 5, do artigo 36.º do CIVA, haver falta da menção expressa dos serviços prestados na factura, os mesmos presumem-se realizados na data da emissão da mesma.
VI - Ficou provado nos autos que estamos, deste modo, perante um movimento contabilístico que se refere à contabilização dum serviço efectuado em 2006, sendo que, o serviço em causa é uma das várias partes do que foi acordado.
VII - Assim, a factura deve ser considerada como um custo necessário em sede de IRC e em sede de IVA devidamente deduzido, nos termos do direito à sua dedução por parte do contribuinte.
VIII - Da análise da sentença do Tribunal de Círculo e de Comarca de Paredes, junta aos autos comprovou-se o seguinte:
- A E. no exercício da sua actividade comercial prestou à Impugnante a pedido desta diversos trabalhos de consultoria e prestação de serviços.
- A impugnante recebeu os trabalhos e serviços que lhe foram prestados pela E.;
- A totalidade dos serviços prestados ascendem €165.000,00 acrescido de IVA à taxa em vigor;
- O valor dos serviços prestados deveriam ser pagos em duas prestações iguais e sucessivas, mas por razões de dificuldades económicas a Impugnante foi pagando em diversas prestações, ficando provado que houve pagamentos anteriores a 2006, que valores e porque razões.
IX - Na referida sentença (Maio de 2006) o Tribunal refere que “o pagamento que a Ré (ora impugnante), efectuou à A. (E., Lda.) perfaz € 68.750,00 + Iva.
X - No entanto, a Ré, enquanto recorrente, nunca referiu que pretendia imputar a 2006 o custo de € 116.462,50 mas antes o custo da factura contratada pagar em 2006 de € 68.750,00 + Iva de € 14.437,50, conforme se prova pela leitura da sentença;
XI - Valor que corresponde ao pagamento de 12.01.2006 com vencimento previsto para 28.01.2006 na factura FT/DIV/06 n.° 01:
XII - Deste modo, através da sentença do Tribunal de Paredes ficou provada a materialidade da factura em causa, atestando o referido Tribunal que efectivamente foram prestados os serviços consubstanciados na factura em análise.
XII - O facto de não constar na factura a descrição dos serviços é um mero problema de formalismo. Sendo que, em Direito Fiscal vigora o princípio da prevalência de substância sob a forma, assim como o princípio da capacidade contributiva – logo, se efectivamente foi despendido aquele valor com a prestação de serviços, então deve-se permitir a respectiva dedução do IVA.
XIII - De salientar que, a prova quanto à materialidade dos serviços prestados, na factura em causa, resulta evidente da análise à sentença do referido tribunal cível. Na verdade, a acção ordinária intentada contra a Recorrente pela E. serviu, tão somente, para que fossem reconhecidos judicialmente os serviços prestados, de forme a possibilitar a cobrança dos valores em causa.
XIV - A Recorrente fez prova efectiva da materialidade das operações subjacentes à factura emitida pela E., Lda, tendo efectuado o respectivo pagamento e deduzido correctamente o IVA.
XV - Pelo que, não deverá manter-se a liquidação adicional de IVA, devendo a mesma ser anulada e ser considerada a factura em apreço como um custo efectivo de Requerente à qual corresponde a dedução do IVA suportado.
XVI - Da análise ao RIT resultou que a Administração Fiscal, numa fase inicial (antes do exercício da audição prévia) não aceitou como custo do exercício de 2006 o montante de 68.750,00€ pelo facto de tal valor não dizer respeito ao exercício em análise, considerando ainda como indevidamente deduzido, no período de Janeiro de 2006, o IVA constante da referida factura, no montante de 14.437,50€.
XVII - Ora, antes da audição prévia, a Administração Tributária não desconsiderou a factura em causa por ser fictícia, mas sim, pelo facto de a mesma ter sido contabilizada no exercício tributário que não lhe correspondia - cfr. fls. 3 do RIT, parte final, junto aos autos.
XVIII - Aquando o exercício de audição prévia, a Administração Fiscal reformulou a sua posição (re)fundamentando a sua posição.
XIX - A Impugnação à liquidação teve como ponto de partida a defesa quanto à falta de fundamentação do RIT na desconsideração do custo suportado e o facto de a AT considerar que houve, no caso em apreço, a violação do princípio da especialidade dos exercícios.
XX - O tribunal não se pronunciou quanto aos fundamentos da correcta contabilização da factura apresentada pela Recorrente.
XXI - Ora, da prova produzida resultou que não se pode aceitar a proposta de correcção aduzida por parte da Administração Fiscal.
XXII - Pretende a Administração Fiscal através do RIT e da análise à contestação da Fazenda Pública, desconsiderar um custo num determinado exercício, por erradamente contabilizado, não o fazendo imputar a qualquer outro com possibilidade de correcções, limitando-se apenas à sua desconsideração, não justificando e nem sequer pondo em hipótese a imprevisibilidade, ou o manifesto desconhecimento do mesmo na imputação no exercício em causa.
XXIII - De acordo com o alegado pela Recorrente em sede de AP, tendo a Administração Fiscal constatado, em sede de fiscalização, que um custo foi indevidamente contabilizado num dado ano (ou seja, que houve violação do princípio da especialização dos exercícios), tem, igualmente, o dever de fazer a “correcção simétrica”, ou seja, a relativa ao exercício em que tal custo, correctamente, deveria ter sido contabilizado. Se assim não acontecer, e no que concerne a este exercício, vai tributar o contribuinte por um rendimento que, efectivamente, não obteve.
XXIV - A administração efectuou a alteração à matéria colectável da Requerente a seu favor esquecendo o seu dever legal de, oficiosamente e no cumprimento do princípio do inquisitório e da procura da verdade material – art. 58.º da L.G.T. e art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) -, proceder às correcções favoráveis ao contribuinte que, em decorrência daquelas, se impõem.
XXV - A consequência óbvia e manifesta dessa vinculação ao princípio da legalidade, donde decorre um verdadeiro dever de busca da verdade material, será a de que se a administração não actuar em obediência ao mesmo, verá a sua conduta padecer de evidente ilegalidade sendo, assim, anuláveis, ou mesmo nulos, os actos por si praticados.
XXVI - Deste modo, deverá ser reconhecido o mencionado custo, por falta de fundamentação quanto à desconsideração do mesmo, devendo para o efeito ser anulada a correcção à matéria colectável no que concerne ao valor proposto.
XXVII - Entende ainda o tribunal a quo que não houve vício de fundamentação ou preterição de formalidade essencial por falta de audição prévia. Concluindo que foram atendidos todos os elementos novos carreados para os autos pela Recorrente.
XXVIII - Ficou provado que a Recorrente participou activamente na AP e forneceu elementos novos que deviam ter sido considerados pela Administração Fiscal;
XXIX - Ficou assente como provado que a Recorrente ao exercer o seu direito de audiência prévia, forneceu novos dados que permitiriam à equipa inspectiva tomar uma decisão correcta e em conformidade com a verdade material e requereu diligências complementares.
XXX - Deste modo, face à absoluta desconsideração dos novos factos aduzidos, em sede de Audição Prévia pela Recorrente, por parte da Administração Tributária, deverá o mesmo ser considerado inexistente porque legalmente exigível e deverá ser anulado o acto de liquidação ora impugnado.
XXXI - Acresce ainda que, entendeu erradamente o tribunal a quo que são devidos os juros compensatórios incluídos na liquidação adicional ora impugnada, porquanto, esta, não teve por base a omissão de qualquer valor ou a violação de qualquer norma legal por parte da Recorrente, mas sim, uma mera diferença de critérios quanto à periodização de determinada despesa.
XXXII - No caso dos autos existe urna mera divergência de critérios quanto à consideração de uma operação como custo fiscal, de que decorre a consequente possibilidade de dedução ou não do IVA suportado. Deste modo, existe in casu uma diferença de critérios de qualificação de determinadas despesas, não existindo um juízo de censura, nem dolo nem culpa na conduta da Recorrente que justifique a liquidação de juros compensatórios.
XXXIII - Pelo que, não havendo juízo de censura, nem dolo, nem culpa na conduta da Recorrente que justifique a liquidação de juros compensatórios, não deverão os mesmos ser devidos.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando em conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.5. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se: (i)a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, ao não ter considerado provada a materialidade das operações tituladas pela fatura em causa nos autos, por referência à sentença do Tribunal comum identificada nas alegações, e do consequente erro de julgamento de direito ao não concluir pela anulação da liquidação impugnada; o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento (ii) ao considerar que não se verifica o invocado vício de forma por falta de fundamentação decorrente da omissão de análise e consideração dos elementos apresentados em sede de audiência prévia, bem como (iii) ao concluir serem devidos os juros compensatórios.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1.º - A sociedade Impugnante foi objecto de fiscalização externa efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), com inicio em 09 de Março de 2009 com base na Ordem de Serviço n.º OI20080412, de âmbito parcial aos exercícios de 2006 e 2007, que teve como fundamento os prejuízos fiscais declarados nos exercícios de 2006 e 2007.
2.º - Os motivos e os fundamentos aduzidos pela Administração Tributária para a determinação da liquidação impugnada constam do Relatório da Inspecção Tributária – cfr. teor de fls. 28 a 54 do P.A, apenso aos autos.
3.º - A sociedade Impugnante dedica-se à actividade de “Comércio a retalho de produtos farmacêuticos (farmácias)”.
4.º - Encontra-se enquadrada em IRC no regime geral de determinação do lucro tributável, sendo que para efeitos de IVA encontra-se no regime normal de periodicidade mensal.
5.º - No cumprimento do preceituado pelo artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art.60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) foi a ora Impugnante notificada para, querendo, exercer o seu direito de audição - cfr. doc. de fls. 57 a 58 do P.A. apenso aos autos,
6.º - A ora Impugnante exerceu atempadamente o seu direito de audição – cfr. doc. de fls. 59 a 71 do P.A., apenso aos autos
7.º - A. administração tributária não aceitou como custo do exercício de 2006 uma factura que tinha sido emitida pela empresa E., Ld.ª, no valor de 68.750,00 euros, uma vez que entendeu que o custo que tinha sido contabilizado naquele exercício não era indispensável para a obtenção de proveitos nos termos do art.23º do CIRC.
8.º - A inspecção tributária solicitou ao gerente da sociedade Impugnante a justificação dos trabalhos realizados subjacentes à referida factura e o envio do contrato de prestação de serviços.
9.º - A sociedade ora Impugnante justificou a contabilização da factura com o pagamento de prestações referentes a um litígio judicial juntando para tal uma cópia de uma confissão de divida e acordo de pagamento celebrado entre a sociedade Impugnante e a E. no valor total de 117.962,50 euros.
(…)
11.º - A factura em causa estava na contabilidade, que se apresentava em 2009 e nos anos antecedentes até ao ano de 2005, bastante desorganizada - cfr. prova testemunhal,
12.º - A factura respeita a um prestador de serviços de consultadoria de gestão - E., Lda., da ora Impugnante, contratada para ajudar à gestão da sociedade – cfr. prova testemunhal,
13.º - Os serviços prestados pela E.Lda. à Impugnante não são serviços de prestação única, mas continuada – cfr. prova testemunhal.
B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.».

3.1.2. Alteração da matéria de facto
Uma vez que os pontos 10º a 17º não permitem uma perfeita compreensão do teor do RIT sobre a matéria ali retratada, vamos substituí-los por uma transcrição do relatório, nesta parte, alterando a subsequente numeração dos factos provados.
10º - Do teor do relatório da inspeção tributária referido no ponto 2º supra extrai-se, com interesse para a presente análise, o seguinte:
«(…)
Pela análise conjunta dos esclarecimentos prestados pela gerência, da factura, constas correntes extraídas da contabilidade e extractos bancários, retiram-se as seguintes conclusões:
1) – Não se especificam no documento / factura os eventuais serviços prestados pela E.,Lda.. em 2006, de cujo histórico se pode ler que terão totalizado 165.000€ + IVA;
2) – Do histórico do mesmo se conclui ter havido pagamentos anteriores a Janeiro de 2006 e que o valor em dívida em Janeiro de 2006 é ainda de 96.750,00€ + IVA;
3) – Contudo, a dívida a este fornecedor relevada em conta corrente em 01/01/2006 ascende tão somente a 16.912,50€;
4) – Os pagamentos relevados em conta corrente em 2006, dividem-se em parcelas de 51.500,00€, 156.000,00€ e 33.600,00 (total de 100.100€);
5) – Pelos extractos bancários da Farmácia (conta Banco….), verificamos que os pagamentos efectivamente efectuados em 2006 à E., Lda. se traduziam em 5 cheques emitidos nos valores de 51.5000€(Maio), 21.462,50€(Junho) e 3 X 15.000€ (Julho, Agosto e Setembro).
Face ao exposto e em conclusão, os valores constantes do documento que serve de base à contabilização em 2006 de um custo no montante de 68.750,00€, são relativos a uma dívida contraída em data que se afigura anterior a 2006. Assim sendo, a Farmácia (...)Lda. procede em 2006 apenas ao pagamento do montante de 117.962,50€ ainda em dívida em 12 de Janeiro de 2006, pelo que estamos na realidade na presença de movimentos de cariz financeiro.
Desta forma não aceitamos como custo do exercício de 2006, o montante de 68.750,00 atendendo a que o mesmo não diz respeito ao exercício em análise. Da mesma forma se considera indevidamente deduzido no período de Janeiro de 2006 o IVA constante da referida factura no valor de 14.437,50€.
(…)
VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo exerceu atempadamente o direito de audição vindo alegar o seguinte que se transcreve:
(…)
Face ao exposto no direito de audição, cumpre-nos concluir o seguinte:
A) Contabilização na subconta 6223614 – “Trabalhos Especializados”, sob o lançamento contabilístico interno n.º 36 de 31/01/2006 no valor de 68.750,00€.
Primordialmente, carece de prova na contabilidade o alegado no ponto 20 do direito de audição “a factura em questão reconhece os serviços prestados no ano de 2006 pela entidade emissora” uma vez que embora tenham sido solicitados esclarecimentos quanto a este documento, no ofício n.ºs 26388/0597 de 2009/04/08 e 41114/0507 de 2009/06/05, não foi possível caracterizar a prestação de serviços que lhe estaria subjacente ou a data a que se reportaram.
Embora exista um documento designado “factura”, a materialidade apurada em sede inspectiva não permitiu a determinação de qualquer operação que justificasse a sua emissão, com data de 12/01/2006, com a referência a “Valor da 8.ª prestação”.
O pagamento de uma prestação – a oitava – teria de ter necessariamente subjacente uma factura anterior (ou eventualmente um contrato que nunca foi exibido), da qual é dada quitação de forma faseada.
Assim, reforça-se que o movimento contabilístico desencadeado por aquele documento é erróneo: trata-se de um movimento financeiro sem relevância para efeitos de IVA ou IRC no exercício de 2006.
Independentemente de ser titulado por uma factura, este é um mero documento de quitação de uma operação anterior a 2006, cujo conteúdo e momento o contribuinte continua a não ser capaz de esclarecer e demonstrar através da sua contabilidade.
Nestes termos não tem a mínima razoabilidade a aplicação a este documento da presunção contida no Art.º 35º, n.º 5, alínea f) do CIVA, na medida em que estamos perante o oitavo pagamento faseado de uma prestação, de que se desconhecem os sete pagamentos anteriores e cuja caracterização é inexistente.
Em sede de IRC (…).».

3.1.3. Aditamento à matéria de facto
Com interesse para a decisão e ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC, importa aditar ao probatório o seguinte facto:
14º - O Tribunal Judicial de Paredes proferiu sentença, notificada com data de 10.05.2006, pela qual condenou a aqui Recorrente a pagar à E.,Lda.. a quantia de 116.462,50€, considerando, no que aqui interessa, o seguinte:
«(…)
A ré, regularmente citada para contestar, com a advertência de que se consideram reconhecidos os factos articulados pela autora, não contestou.
Ora, nos termos do previsto do n.º 1 do artigo 484º do Código de Processo Civil, neste caso, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Assim, considero que estão confessados os seguintes factos (n.º 1 do artigo 299º conjugado com o que dispõe o n.º 2 do artigo 554º do Código de Processo Civil):
a autora tem como actividade comercial a Consultoria económica, financeira e fiscal, Avaliação de empresas, elaboração de Projectos de Investimento, execução de contabilidades, Auditoria financeira e fiscal, Formação Profissional e outras actividades afins no apoio à gestão de empresas;
no exercício da sua actividade comercial, prestou à Ré a pedido desta, diversos trabalhos de consultoria e prestação de serviços para que esta beneficiasse na sua actividade profissional e comercial;
a Ré recebeu todos os trabalhos e serviços que lhe foram prestados pela autora;
a totalidade dos trabalhos e serviços prestados deveriam ser pagos em duas prestações iguais e sucessivas no valor cada de € 82.500,00 acrescido de IVA à taxa em vigor, a primeira em 28/01/2005 e a segunda em 28/01/2006;
a ré, alegando dificuldades financeiras, solicitou à autora que o pagamento dos primeiros 50% correspondentes à primeira prestação, fosse liquidada em seis prestações mensais, iguais e sucessivas no valor cada de € 13.750,00 acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
a autora acedeu a tal pedido e, por ambas as partes, ficou estabelecido que o valor correspondente à 1.ª prestação seria pago dessa forma;
a ré foi pagando as importâncias acordadas não de forma pontual, mas com atrasos consideráveis, por vezes de um mês;
o pagamento que a ré efectuou à autora até esta data foi de € 68.750,00 e o correspondente IVA no valor de € 13.337,50, e emitidos os correspondentes recibos de pagamento pelas facturas pagas;
em todas as facturas foram pagas, a saber, FT/DIV/04 n.º 1 de 01/02/2005; FT/DIV/04 n.º 2 de 05/04/2005; FT/DIV/04 n.º 3 de 05/05/2005; FT/DIV/04 n.º 5 de 05/06/2005 e FT/DIV/04 n.º 6 de 05/07/2005 consta no seu descritivo quer a totalidade dos valores dos trabalhos, o valor liquidado até à data da mesma e valor que ficaria em dívida;
a ré, após a data de 04/08/2005, deixou de proceder ao pagamento das restantes quantias que se foram vencendo, entretanto, em dívida;
do valor global ficou por pagar a quantia de € 96.750,00, relativas a esses mesmos trabalhos e serviços a que acresce o IVA à taxa legal de € 19.712,50;
encontra-se por liquidar a quantia de € 116.462,50, titulados pelas seguintes facturas:
Factura datada de valor vencimento
FT/DIV/04 n.º 07 04/08/2005 16.636,50 04/08/2005
FT/DIV/04 n.º 08 04/10/2005 16.636,50 04/10/2005
FT/DIV/04 n.º 01 12/01/2006 83.187,50 28/01/2006
as facturas encontram-se vencidas:
os pagamentos eram e são efectuados na sede da ré, ou pelo envio de cheque para a sede da autora;
após várias interpelações por telefone e por escrito, para que a Ré procedesse ao pagamento dos montantes em dívida, tal nunca veio a suceder.
(…)» - cfr. fls. 7 a 13 da p.i., incluída no artigo 33º desta peça processual.

Estabilizada nestes termos a factualidade assente, avancemos na apreciação deste recurso.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Quanto à operação titulada pela fatura
Previamente, importa deixar claro que, como já se pode perceber da transcrição do RIT, a liquidação adicional de IVA em crise nesta impugnação não deriva da falta de materialidade da operação subjacente à fatura com base na qual a Recorrente procedeu à dedução do dito imposto, mas antes dos factos de, por um lado, não ser possível caracterizar tal operação e, por outro, esta não se reportar ao ano de 2006 e, sim, a período anterior.
A Meritíssima Juiz a quo manteve a liquidação impugnada considerando o seguinte:
«Nos termos do art.19º, n.º2 a) do CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em nome e na posse do sujeito passivo em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal.
Esta forma legal está prevista no art.36º, n.5 do CIVA.
Assim, as facturas ou documentos equivalentes devem ser:
- datados, numerados sequencialmente e conter, entre outros elementos, os nomes, firmas, ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor dos bens e do destinatário ou adquirente.
- devem ter os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto.
- a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável.
- o preço líquido de imposto e os outros elementos incluídos no valor tributável.
- a taxa aplicável e o montante do imposto devido.
- a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores.
- realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.
Conforme resulta do relatório de inspecção, a descrição aposta na factura controvertida apenas refere “Valor da 8ª prestação”, não contendo os elementos exigíveis nos preceitos supra descritos.
Ora, nos termos do art. 19º, n.3 do CIVA, não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou cm que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Não poderá igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada – art,19º, n.º4 do CTVA.
O TCAS, em acórdão datado de 21 de Novembro de 2006, entendeu que «a lei estabeleceu determinadas exigências relativas à emissão das facturas com o objectivo claro de evitar a fuga e evasão fiscais e daí ter estabelecido requisitos vários e pormenorizados quanto ao preenchimento das facturas que devem ser cumpridos pelos operadores económicos sob pena de não ser possível a dedução do IVA liquidado em tais documentos.
Desta forma se acautela o interesse da Fazenda Pública e se previne a fraude fiscal.
Nesse sentido, o art.º36º, n.º5 do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do art,19º, n.2º do mesmo Código,
No IVA e na medida em que a factura ou documento equivalente constituí como que um cheque sobre o Estado, o legislador adoptou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o art.º36.º n.º5 do CIVA, que exige determinados formalismos (formalidades ad substantiam) cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos...
Decorrendo da lei que apenas dão direito à dedução do imposto... as facturas ou documentos equivalentes passados na forma legal…».
Assim, tal como se decidiu no acórdão proferido pelo TCAN em 29 de Novembro de 2006 no âmbito do processo 168/02, «tendo a administração fiscal recolhido indícios sérios e credíveis de que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a operações reais (emitente legalmente sem actividade, falta de documentos comprovativos dos pagamentos, assinaturas constantes das facturas não condizentes com vários documentos dos emitentes) cabia ao contribuinte provar a materialidade das operações, nomeadamente, o local concreto da prestação dos serviços, identificação de quem os realizou e forma de pagamento».
«É à Fazenda Pública que cabe provar os indícios de que determinadas facturas não correspondem a serviços efectivamente prestados, cabendo ao contribuinte provar que os trabalhos foram efectivamente» (Ac. do TCAS de 23/1/2007, processo 1365/06).
«De acordo com o disposto no art.º19.º n.º2 do CIVA só confere direito à dedução, o imposto mencionado na factura ou documento equivalente, sendo porem necessário… que o serviço tenha sido prestado ou o bem transmitido...» (Ac. do TCAS de 20/3./2007, processo 00696/07).
No caso de exercício do direito à dedução por parte do sujeito passivo, mesmo quando fundado em documento legal, mas com fundados indícios de não ter aderência com a realidade demonstrados pela administração tributária, cabe ao mesmo, que não a esta, o ónus da prova da materialidade de tal operação como fundamento do direito a que se arroga» (Ac. do TCAS de 20/3/2007, processo 01590/07).
Feita a demonstração pela administração tributária de que as operações comerciais eram fictícias, incumbia ao contribuinte provar que essa operação existiu, «não lhe bastando criar a dúvida a esse respeito... (o art.º100.º do CPPT não logra aqui aplicação pois está em causa a prova sobre a existência e a quantificação do facto tributário que competiria à AF, mas antes a prova dos factos em que o contribuinte funda o seu direito)» (Ac. do TCAN de 29/6/2006 e 12/10/2006 – processos 245/04 e 300/04).
Assim, sem prejuízo «do princípio da livre admissibilidade dos meios de prova (art.º115.º do CPPT) e da livre apreciação da prova (art.º655.º do CPC), a prova documental, por si só, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais – para além das facturas e recibos – dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações» (Ac. citado de 12./10/2006 e Ac. do TCAN de 24/1/2008, processo 01834/04 – Viseu).
«Muito menos servirá se nas facturas em causa a descrição dos serviços prestados se mostrar vaga e imprecisa e se não há qualquer indicação do destino e local de entrega dos bens fornecidos e se a prova testemunhal se revela frágil e inconclusiva relativamente aos elementos que cumpre apurar, quais sejam as datas e local em que os serviços foram prestados e os materiais entregues, a quantidade e o preço unitário dos serviços e materiais e o pagamento dos serviços prestados e das mercadorias vendidas» (Ac. do TCAN de 24/1/2008 citado).
«As despesas devem ser documentadas através de factura/recibo.
Apresentado o contribuinte como prova de pagamentos feitos a um empreiteiro...o comprovativo de cheques (Únicos documentos na sua posse) é legítimo que a AF não aceite, como comprovativo daquele pagamento, os referidos cheques...» (Ac. do STA de 21/10/2009, recurso 0583/09).
«Em sede de IVA, para provar o direito à dedução do imposto apurado em certo período, ou para provar que certas operações (vendas) beneficiam do imposto a taxa zero, a mesma só pode ser efectuada pelas pertinentes facturas ou documentos equivalentes passados na forma legal, emitidas pelos vendedores dos bens ou prestadores dos serviços.
E tal ónus probatório cabe ao sujeito passivo do imposto, quando é este que invoca os factos neles evidenciados como constitutivos do seu direito à anulação da liquidação...» (Ac. do TCAS de 20/10/2009, recurso 03012/09).
Ora, a sociedade Impugnante não fez a prova da realidade das operações comerciais que contabilizou.
A sociedade Impugnante não foi capaz de provar que esses gastos tinham sido indispensáveis á realização dos rendimentos sujeitos a IRC.
A sociedade Impugnante não demonstrou, como lhe competia, a materialidade das operações comerciais que contabilizou nos exercícios em causa nos autos,
Não provou, como está obrigada, que os serviços facturados tinham sido efectivamente prestados.
Acrescenta a Impugnante no que respeita à falta da indicação da data da prestação de serviços, subjacentes à factura controvertida, que seria de aplicar a al.f) do n.º5 do art.35º do CIVA (actualmente, 36º), ou seja, a aplicação da presunção que os serviços foram realizados na data da emissão da mesma.
Porém, não lhe assiste razão alguma, porque resulta da factualidade apurada e patente nos presentes autos, e até da sentença que a Impugnante apresenta com a douta PI que os serviços prestados pela “E., Lda.” dizem respeito, quando muito, a prestação de serviços anteriores à data de 2006.
Pretende a Impugnante justificar o direito à dedução, apresentando para tanto comprovativo de qual o serviço subjacente aquela factura, titulado por cópia de uma sentença proferida na Acção de Processo Ordinário com o n.º…/06.0TBPRD, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Paredes.
Porém, tal não é possível.
Como refere o douto Acórdão do TCA Norte, proferido em 11.11.20 (4 no processo n.º 00105/04:
«1. Estabelecendo a lei determinadas exigências relativas à emissão de facturas – (cfr. art.35º do CIVA que enuncia requisitos vários e pormenorizados quanto ao seu preenchimento, que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente, em harmonia com o preceituado no art.19º n.º2 do CIVA) – com o objectivo claro de evitar a fuga e a evasão fiscais, é de concluir que a factura constitui uma formalidade “ad substantiam” para o exercício do direito à dedução do IVA, a qual não pode ser dispensada na prova do respectivo facto nem substituída por prova testemunhal,
3. Essa falta de forma legal não fica sanada com a junção de declarações em que se atestam os elementos omitidos, já que essas declarações não constituem “documentos equivalentes” a facturas, sabido que os “documentos equivalentes” a que a lei se refere têm, eles próprios e por si só, de conter todos os requisitos enunciados no art.35º do CIVA, o que não acontece com essas declarações,”
Considera este Tribunal que a sociedade Impugnante não demonstrou a existência real dos serviços constantes das facturas, que a administração tributária não considerou.
Assim, mostra-se adequada a correcção ao lucro tributável efectuada pela administração tributária em virtude de não deverem ser aceites as facturas referidas, que tinham sido contabilizadas, uma vez que correspondiam a operações comerciais simuladas.
A prova de natureza documental e pessoal produzida nos presentes autos, mostra-se sólida e consistente quanto à falta de suporte real das operações comerciais que tinham sido contabilizadas.
A única testemunha apresentada pela Impugnante mostrou-se detentora de vasto conhecimento técnico, pois é contabilista à trinta anos, mas apenas início os trabalhos de contabilidade para a Impugnante no ano de 2009.
O que sabe relativamente ao ano de 2006, resultou da análise que teve que efectuar para iniciar os seus trabalhos em 2009, atendendo ao facto da contabilidade se encontrar desorganizada.
Disse ao Tribunal que sabia da situação da factura, porque dela lhe foi falado e, porque acompanhou de alguma forma a acção de inspecção desencadeada à ora Impugnante.
Eram-lhe solicitadas ajudas, sempre que não se sabia de um documento e, embora em Lisboa, telefonicamente, tentava auxiliar e arranjar solução para o problema.
Não acompanhou os serviços que foram prestados, nem tem conhecimento de quaisquer documentos que justifiquem e especifiquem os alegados serviços prestados.
O seu depoimento traduziu-se numa análise técnica de alguns documentos com os quais foi confrontada, nomeadamente os extractos de conta corrente e explicações contabilísticas do modo de interpretação dos mesmos.
Justificam-se deste modo as correcções efectuadas em sede de IVA.
Os gastos contabilizados pela sociedade impugnante não foram efectivamente suportados.
Pelo que, deverá manter-se a liquidação adicional de IVA respeitante ao exercício de 2006 ora impugnada.».
No que respeita ao IVA (e a nossa análise cingir-se-á a este imposto, uma vez que a liquidação impugnada também só a ele concerne), é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (neste sentido, entre muitos outros, acórdãos proferidos nos proc. nºs 0871/02, 001483/02, 001480/03, 0241/03, respetivamente em 09.10.2002; 20.11.2002; 14.01.2004 e 30.04.2003).
E isto porque é o sujeito passivo que se arroga ao direito à dedução e a administração fiscal põe em causa tal facto tributário. No entanto, esta regra só funciona após a AT ter demonstrado os factos por si invocados.
No caso concreto, a AT constatou a existência de uma fatura que não descrevia o serviço prestado nem a respetiva data.
É certo que os requisitos exigidos pelo atual artigo 36º do CIVA (anterior artigo 35º) constituem formalidades ad substantiam, não sendo possível aceitar um cumprimento desses requisitos de forma aligeirada. A existência das faturas ou de documentos equivalentes, bem como os seus requisitos legais, têm que ser observados por forma a permitirem um controle exato sobre os bens transmitido ou os serviços prestados, quando, onde, em que quantidade/extensão, e a quem, por serem suscetíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, permitindo reconstituir que serviço foi prestado ou que bem foi transmitido e qual o seu custo, tendo em vista evitar duplicação de deduções de IVA.
Também o TJUE vem afirmando o caráter substancial das formalidades exigidas às faturas, designadamente no acórdão de 15 de setembro de 2016, proferido no processo C‑516/14 (Ac. Barlis):
38 O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

39 O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

40 No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

41 No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).

42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida)”.
Tal não obsta, porém, a que a descrição, quantidade ou extensão, dos bens e/ou serviços que deve constar da fatura ou documento equivalente conste ou seja complementada através de outros documentos existentes na contabilidade, idóneos para tal fim, isto é, que revistam fidedignidade bastante para conferir segurança aos dados neles contidos. Assim, vem sendo aceite que cumprem tal finalidade, entre outros, os orçamentos e autos de medição.
Na situação sub judice, resulta como provado, por confissão, da sentença aludida na petição inicial e a que se refere o ponto 14º do probatório, por nós aditado, que a E., Lda. «no exercício da sua actividade comercial, prestou à Ré a pedido desta, diversos trabalhos de consultoria e prestação de serviços para que esta beneficiasse na sua actividade profissional e comercial».
Aceitando que a sentença judicial aludida no probatório é um documento idóneo, por ser fidedigno o seu conteúdo, ainda assim a descrição dos serviços prestados dela constante - diversos trabalhos de consultoria e prestação de serviços - é manifestamente insuficiente para cumprir o desiderato visado pelo legislador comunitário e nacional, a que já fizemos alusão.
Como se extrai do Acórdão do STA de 04-10-2017, proferido no processo 01141/16 «No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado facturado as facturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo.».
Ora, tal como neste aresto do STA, também a situação sub judice só remotamente pode dizer-se que os serviços faturados estão especificados dado que nem a fatura, nem a sentença judicial transcrita no probatório, permitem concluir que exato serviço foi prestado, o que possibilita a duplicação de faturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.
Isto posto, há que concluir com a AT no sentido de que os elementos fornecidos pela contribuinte não permitem a caracterização dos serviços prestados nos moldes exigidos pelo CIVA, o que, por si só, obsta à dedução do IVA constante da fatura em causa nestes autos, por incumprimento do disposto no artigo 19º nº 2, alínea a) do CIVA, segundo o qual só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal.
Nesta medida, torna-se despiciendo analisar se é ou não possível perceber, inferir ou presumir a data a que respeitam os serviços titulados por tal fatura.
Assim, mais não é necessário para concluir que a impugnação não merece provimento e que a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe vinha apontado, o que determina a sua confirmação, com a presente fundamentação.
3.2.2. Quanto à fundamentação
Mais sustenta a Recorrente que no exercício do seu direito de audição forneceu elementos novos e requereu diligências complementares e, que tendo a AT desconsiderado em absoluto tais elementos, “deve o mesmo ser considerado inexistente porque legalmente exigível e devera ser anulado o acto de liquidação ora impugnado”.
Do teor das conclusões, não se percebe qual a crítica que, relativamente a esta questão, é lançada à sentença recorrida, e, percorridas as alegações de recurso, permanecemos na mesma dúvida.
Sobre esta matéria, a Meritíssima Juiz a quo considerou o seguinte:
«Na perspectiva da Impugnante, a mesma forneceu novos dados no âmbito do exercício do direito de audição que permitiriam à equipa inspectiva tomar uma decisão correcta e em conformidade com a verdade material e requereu diligências complementares.
Ora, da análise do relatório de inspecção tributária resulta claramente que os fundamentos apresentados pela Impugnante foram escutados.
Os SIT analisaram, ponto por ponto as questões suscitadas aquando do exercício do direito de audição, refutando-as fundamentadamente.
Após o que, consideram ser de manter a correcção.
Assim, conclui-se que as questões suscitadas aquando o exercício do direito de audição, foram objecto de análise, encontrando-se devidamente justificada a correcção efectuada, não obstante a mesma ser contrária ao peticionado, ficando, por isso, prejudicado o alegado vício de fundamentação legalmente exigida.
Relativamente às diligências consideradas como pertinentes pela ora Impugnante, sempre se dirá que, o dever de investigação da AT deve ser interpretado tendo em atenção que não poderá significar a obrigatoriedade de realizar todas as diligências que sejam requeridas ou mais tarde reclamadas, mas a vinculação da mesma à realização das diligências tendentes a alcançar o apuramento da realidade e da verdade dos factos, admitindo e valorando as provas com as quais os interessados podiam razoavelmente confiar como provas atendíveis, para em seguida decidir sobre essa base.
Na verdade, no procedimento de inspecção tributária impera também o princípio da celeridade.
Este princípio confere satisfação aos objectivos da desburocratização e da eficácia da administração pública, a qual a administração tributária integra.
Tal princípio que norteia a AT na prossecução do interesse público, impede os SIT de praticar actos de inspecção que não tenham qualquer utilidade para o procedimento ou que o retardem desnecessariamente.
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 7º do RCPIT determina que as acções integradas no procedimento de inspecção tributária deverão ser estritamente adequadas aos objectivos por elas visados.
Traduzindo-se o mesmo na abstenção da prática de actos que não sejam aptos a servir a finalidade da inspecção, e de actos que excedam o âmbito ou a extensão da acção da inspecção.
Da análise do relatório de inspecção tributária, depreende-se que as diligências necessárias à descoberta da verdade material foram prosseguidas pelos SIT,
Assim, improcede o invocado vício de preterição de formalidade legal, por falta de audição prévia.».
Em face do assim considerado, que se nos afigura correto, e na falta de qualquer crítica em sede recursiva que implique uma análise em 2.ª instância, nada há que apreciar neste segmento do recurso.

3.2.3. Quanto aos juros compensatórios
Já no que respeita aos juros compensatórios a Recorrente sustenta que a liquidação impugnada não teve base a omissão de qualquer valor ou a violação de qualquer norma legal por parte da Recorrente, mas sim, uma mera diferença de critérios quanto à periodização de determinada despesa; nesta circunstância, não lhe pode ser assacado um juízo de censura que justifique a liquidação de juros compensatórios.
Contudo, e como decorre do que já vai exposto, não lhe assiste qualquer razão nesta parte, pois a liquidação adicional de IVA em crise decorre, efetivamente, da violação do disposto nos artigos 36º, nº 5, alínea b) e 19.º, n.º 2, alínea b), ambos do CIVA.
Nos termos do artigo 35º da LGT São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. E, o artigo 89º, nº 1, do CIVA preceitua que “Sempre que, por facto imputável ao contribuinte, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescerão ao montante do imposto juros de compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.
Do exposto, retira-se, por um lado, que a liquidação de juros compensatórios assume uma natureza de reparação ou indemnização civil – e não, sancionatória – e, por outro, que a sua cobrança depende da verificação de dois pressupostos: (i) o retardamento da liquidação do imposto e (ii) que esse retardamento ocorra por facto imputável ao sujeito passivo.
Ora, em face do que vai dito e da factualidade que se deixou assente, apura-se que a Impugnante, com a sua conduta, preenche ambos os requisitos essenciais de que depende a liquidação de juros compensatórios. De facto, deduziu imposto indevidamente e tardou na sua devolução aos cofres do Estado e tal retardamento apenas a ela pode ser imputado, pois não cuidou de documentar adequadamente (nem no decurso da ação inspetiva) as prestações de serviços tituladas pela fatura em causa nestes autos.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida no presente recurso, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.

Porto, 3 de fevereiro de 2022

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta