Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00282/17.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; ARTIGO 319º DA LEI 35/2004 DE 29 DE JULHO
Sumário:
I-O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do reconhecimento desses créditos no âmbito do processo de insolvência (excepção feita à indemnização por despedimento ilícito, já que esta ilicitude apenas pode ser declarada pelos tribunais de trabalho no domínio laboral privado);
I.1-é que uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação, e outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha;
I.2-a exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida);
I.3-ao prever que o FGS possa pagar os créditos laborais, o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido; não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo.
II-Com a criação deste Fundo o legislador teve como objectivo fundamental garantir, em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo ele que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial
Recorrido 1:MASM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
MASM, residente na rua V…, freguesia de M…, V…, instaurou acção administrativa especial contra o Fundo de Garantia Salarial, com sede na rua António Patrício, 262, Porto, visando a impugnação da decisão de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, datada de 23 de maio de 2016, proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
Pediu:
“Termos em que, requer seja julgada procedente e provada a presente acção, e, em consequência,
Seja o Réu - Fundo de Garantia salarial - condenado na substituição do acto administrativo ora impugnado, por outro de conteúdo positivo.
[…]”
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a acção e:
a) Anulado o ato sob impugnação, da autoria do Presidente do Conselho de Gestão do Réu, datado de 23 de maio de 2016;
b) condenado o Réu Fundo de Garantia Salarial a pagar à Autora créditos laborais no montante de € 2.910,00, daí se devendo deduzir os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:
1. O Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da ação.
2. No presente caso, a ação de insolvência foi intentada no dia 26.03.2014.
3. Para efeitos do estabelecido no n.º 1 do art. 319.º, da lei n.º 35/2004, de 29/07, o Fundo de Garantia apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da ação, ou seja, os créditos vencido entre 26.03.2014 e 26.09.2013.
4. O contrato de trabalho do Autor cessou no dia 31.08.2012.
5. Portanto, tendo os créditos laborais vencidos na data da cessação do contrato de trabalho que ocorreu em 31.08.2012, os mesmos estão fora do período de referência, não existindo qualquer crédito vencido dentro do período de referência, pelo que não pode ser assegurado pelo FGS nos termos do n.º1 do artº 319.º, nem nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Termos em que, e com o suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e sendo indeferido o pedido do Recorrido, por o mesmo se encontrar vencido fora do período de referência mantendo-se a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
*
A Autora juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Considerando-se, e bem, que a data de vencimento dos créditos salariais é a data do trânsito em julgado da acção declarativa proposta contra a entidade patronal, altura em que foi reconhecido em definitivo o direito da Autora, teremos forçosamente de concluir que, os mesmos se encontram abrangidos pelo período de referência de seis meses previsto no artigo 319.° da Lei 35/2004, de 27 de Julho - 06 de Outubro de 2013 (período de referência dias 26 de setembro de 2013 e 16 de março de 2014).
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1 - A Autora foi trabalhadora da sociedade LTV, Ld.ª, onde foi admitida em 01 de março de 2009 – facto admitido por acordo;
2 - O contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a referida entidade empregadora cessou no dia 31 de agosto de 2012 – facto admitido por acordo;
3 - A Autora intentou no Tribunal de Trabalho de Matosinhos, ação emergente de contrato de trabalho, que correu termos sob o Proc.º n.º 937/12.4TMMTS, a qual findou por acordo, que foi homologado por sentença datada de 25 de Setembro de 2013, pela qual a sua entidade patronal foi condenada a pagar-lhe a quantia de €2.935,24 – Cfr. fls. 9 a 13 do Processo Administrativo; Importa referir que sentença proferida naquele Processo, foi solicitada à Autora pelo Réu, por ofício datado de 18 de fevereiro de 2016;
4 – Não tendo a sua ex-entidade patronal efectuado o pagamento daquela quantia, a Autora intentou ação executiva e posteriormente, em agosto de 2014, ação de insolvência, que veio a ser extinta por inutilidade superveniente da lide, por já existir uma outra ação de insolvência contra a sua ex-entidade empregadora, intentada em 26 de março de 2014, cuja insolvência foi decretada em 05 de novembro de 2014 – Cfr. fls. 3 a 11 do Processo Administrativo;
5 – Os créditos salariais da Autora foram-lhe reconhecidos em 26 de dezembro de 2014 no Processo de insolvência n.º 318/14.5TYVNG, que correu termos na Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central – 2.ª seção de Comércio, e tiveram na sua base, o não pagamento das retribuições referentes aos meses de maio, junho, julho e agosto de 2012, assim como, o reconhecimento do direito a subsídios e respectiva indemnização – Cfr. fls. 39 e 40 dos autos em suporte físico;
6 - No dia 06 de janeiro de 2015, a Autora apresentou requerimento ao Réu Fundo de Garantia Salarial, tendo em vista o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, pelo montante global de €2.935,24 – Cfr. fls. 20 do Processo Administrativo;
7 – Por ofício datado de 30 de março de 2016, a Autora foi notificada para efeitos da sua audiência prévia, com projecto de decisão de indeferimento, por não se encontrar verificado o requisito exigido pelo artigo 319.º, n.º 1 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, tendo a Autora nessa sequência apresentado pronúncia em 15 de abril de 2016, pela qual em suma pugnou pelo deferimento da sua pretensão - Cfr. fls. 43 a 45 dos autos em suporte físico; Cfr. ainda fls. 31 do Processo Administrativo;
8 – Precedendo informações dos serviços do Réu, no sentido de que, pese embora os créditos ou parte deles se encontrarem dentro do período de referência, que de todo o modo a decisão judicial era omissa quanto à natureza dos créditos, por despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 23 de maio de 2016 – acto sob impugnação -, foi indeferido o pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, por não se encontrarem abrangidos pelo período de referência – Cfr. fls. 46 dos autos em suporte físico; Cfr. ainda fls. 40 a 44 do Processo Administrativo;
9 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 10 de fevereiro de 2017 – Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
X
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Em face do que constitui a causa de pedir e que é determinante do pedido deduzido a final da Petição inicial, a Autora vem requerer pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, pelo facto, em suma, de os mesmos [créditos] se enquadrarem no período de referência a que alude o artigo 319.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, atenta a data da sentença do Tribunal de Trabalho [em 25 de Setembro de 2013], ou mais ainda, a data do seu trânsito em julgado, e bem assim, a data em que foi intentada acção de insolvência contra a ex-entidade patronal, em 26 de março de 2014.
Pela decisão sob impugnação, datada de 23 de maio de 2016, versando o pedido da Autora, o Presidente do Réu indeferiu o pedido que lhe foi formulado pela Autora, e tanto, em suma, pelo facto de os créditos por si reclamados, emergentes do contrato de trabalho que teve para com aquela que foi a sua entidade patronal, não se terem vencido nos 6 meses que antecedem a data da propositura da ação determinativa do decretamento da insolvência, nos termos invocados, enunciada no artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, ex vi artigo 318.º deste mesmo diploma.
Ora, com a entrada em vigor do CPTA, a impugnação do ato e a sua apreciação pelos Tribunais deixou de ter em vista unicamente esse acto, mas também e principalmente a pretensão formulada, neste caso pelo Autor, que a final e em suma, requer que lhe sejam pagos os créditos que foram requeridos ao Réu.
Decorre do contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) pela Lei n.º 15/2002, de 19/02, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, que os actos administrativos de indeferimento expresso deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objecto de processos de condenação à prática de acto administrativo devido – é o que resulta dos artigos 66.º n.º 2, 67.º n.º 1 alínea b), 71.º n.º 1 e 51.º n.º 4, todos do CPTA.
O artigo 51.º n.º 4 do CPTA dispõe que “se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto administrativo pedido”. Nos presentes autos, a Autora formula pedido de condenação do Réu a pagar-lhe os créditos reclamados.
Atento o disposto no artigo 66.º n.º 2 do CPTA, o qual estatui que “ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória”, pelo que não há lugar ao cumprimento do artigo 51.º n.º 4 do CPTA, nem está em causa o conhecimento do estrito pedido de anulação do acto.
É que com a reforma do contencioso administrativo, operada pela aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, concretiza-se o principio constitucionalmente consagrado da plenitude da jurisdição e da tutela jurisdicional efectiva, e sobretudo, deixa de ser um contencioso centrado no acto administrativo, um contencioso de ataque ao acto, para ser um contencioso centrado na relação jurídica administrativa.
As acções administrativas deixam, por conseguinte, de ter como objecto (típico) o acto administrativo e os seus vícios, passando o seu objecto a decorrer das pretensões (materiais) formuladas pelo demandante.
Se para o pedido de anulação de acto administrativo é pressuposto processual a existência de acto administrativo (impugnável), ele já não constitui pressuposto processual para os restantes pedidos.
O objecto do processo de condenação não se definirá assim por referência ao acto de indeferimento (expresso ou tácito) mas à posição subjectiva de conteúdo pretensivo da autora [Veja-se neste sentido, Mário Aroso de Almeida – O objecto do processo no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº. 36, Nov/Dez 2002, pág. 9].
Assim, face ao que foi alegado pela Autora na Petição inicial, julgamos que a mesmo sustenta a ocorrência de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito [Cfr. pontos 12.º e 15.º da Petição inicial], pelo facto de, como assim entende, os créditos que reclamou junto do Réu se enquadrarem dentro do período de referência.
Ora, na dogmática jurídico administrativa, o vício de violação de lei é aquele vício do ato administrativo que consiste na desconformidade entre os pressupostos e/ou o conteúdo do acto concreto e a previsão de situação e/ou o comando contidos em norma imperativa - Cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, página 463.
Na definição de Marcello Caetano, contida no seu Manual de Direito Administrativo, vol. I, página 501, a violação de lei é o vício de que enferma o acto administrativo cujo conteúdo, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito), quer o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto).
Da prova produzida, com incidência nos documentos juntos aos autos, e no Processo administrativo, resultou inequivocamente provado que a Autora foi trabalhadora da sociedade LTV, Ld.ª, onde foi admitida em 01 de março de 2009, tendo o seu contrato de trabalho cessado no dia 31 de agosto de 2012 – Cfr. pontos 1 e 2 da matéria de facto assente.
Também resultou provado que a Autora intentou no Tribunal de Trabalho de Matosinhos, ação emergente de contrato de trabalho, que correu termos sob o Proc.º n.º 937/12.4TMMTS, a qual findou por acordo, que foi homologado por douta sentença datada de 25 de Setembro de 2013, pela qual a sua entidade patronal foi condenada a pagar-lhe a quantia de €2.935,24, mas que não lhe pagou, tendo por isso de intentar ação executiva, que não prosseguiu mais termos porque a Autora veio a conhecer do estado de insolvência da sua ex-entidade patronal, tempo em que intentou ação de insolvência, em agosto de 2014, que veio a ser extinta por inutilidade superveniente da lide, por já existir uma outra ação de insolvência contra a sua ex-entidade empregadora, intentada em 26 de março de 2014, cuja insolvência foi decretada em 05 de novembro de 2014, e onde os créditos salariais da Autora vieram a ser-lhe reconhecidos em 26 de dezembro de 2014 no Processo de insolvência n.º 318/14.5TYVNG, que correu termos na Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central – 2.ª seção de Comércio, e tiveram na sua base, o não pagamento das retribuições referentes aos meses de maio, junho e julho de 2012 [e agosto, pois que o contrato findou no dia 31], assim como, o reconhecimento do direito a subsídios e respectiva indemnização - Cfr. pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto assente.
Mais resultou provado que no dia 06 de janeiro de 2015, o Autor apresentou requerimento ao Réu Fundo de Garantia Salarial, tendo em vista o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, pelo montante global de €2.935,24, atinente aos créditos que lhe foram reconhecidos por sentença do Tribunal de Trabalho de Matosinhos em 25 de Setembro de 2013, o que lhe veio a ser indeferido pelo Réu, com fundamento, em suma, no facto de os créditos em causa não se encontrarem dentro do período de referência - Cfr. pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto assente.
Posto isto.
Como assim julgamos, e de resto, em face do que resultou escrito nas informações emitidas no seio do Réu, e que precederam a prolação da decisão sob impugnação [datada de 23 de maio de 2016], designadamente a datada de 12 de maio de 2016 [Cfr. fls. 41 do processo administrativo], os créditos reclamados pela Autora estão vertidos em sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Matosinhos, que o Réu teve por transitada em julgado em 06 de outubro de 2013, e bem assim, tendo a ação de insolvência sido instaurada em 26 de março de 2014, é manifesto que os créditos da Autora se encontram abrangidos pelo período de referência.
Dispõe o artigo 336.º do Código do Trabalho [CT], aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], que “O pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.”, a qual é, para este propósito e atento o princípio tempus regit actum, a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, pois que, pese embora revogada por aquela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, manteve pelo seu artigo 12.º, n.º 6 alínea o), os artigos 317.º a 326.º do Regulamento do Código do Trabalho [por aquela aprovados], até serem revogados pelo artigo 4.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril [que veio aprovar o novo regime do Fundo de Garantia Salarial].
A Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho [como decorre da sua epígrafe], visava regulamentar a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto [que aprovou o Código do Trabalho, entretanto revogada por aquela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], e cujo regime se aplica aos contratos de trabalho por ele regulados, importando assim avaliar sobre se, ao abrigo deste regime, a pretensão da Autora devia ter sido totalmente deferida, pois que, como resulta do ato sob impugnação, foi decidido indeferi-la [como assim consta do projecto de decisão e da decisão final] com fundamento, em suma, que “… os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção […] nos termos do n.º 1 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, 29 de Julho …”.
Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extraem normativos da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, como segue:
“Artigo 316.º
Âmbito
O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.
Artigo 317.º
Finalidade
O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes. [sublinhado nosso]
Artigo 318.º
Situações abrangidas
1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente. [sublinhado nosso]
[…]”
Artigo 319.º
Créditos abrangidos
1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior. [sublinhado nosso]
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência. [sublinhado nosso]
3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição. [sublinhado nosso]
Artigo 320.º
Limites das importâncias pagas
1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida. [sublinhado nosso]
[…]”
Ora, como se retira do disposto no artigo 317.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho, na eventualidade de ocorrer o incumprimento pela entidade empregadora, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, é assegurado [nos termos previstos nos artigos subsequentes] pelo Fundo de Garantia Salarial, estando tal pagamento sujeito aos requisitos previstos no referido corpo legislativo.
Um desses requisitos diz respeito aos créditos abrangidos, previsto no n.º 1 do artigo 319.º, o qual refere que o referido Fundo assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção.
E de resto, como decorre do disposto no n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º da Directiva 2008/94/CE, de 22 de outubro de 2008 do Parlamento Europeu e do Conselho [relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do trabalhador], que revogou a Diretiva 80/987/CEE do Conselho [relativa à aproximação de legislações dos Estados Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do trabalhador, que foi alterada pela Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002], a qual foi recebida no nosso ordenamento por intermédio da referida Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho [como decorria do enunciado sob a alínea c) do artigo 2.º desta mesma Lei], ficou consagrado que os Estados Membros devem usar da faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se referem os artigos 3.º e 4.º, isto é, aquelas que asseguram o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho.
Conforme é jurisprudência assente, o período de seis meses, atinente ao período de referência ou de garantia, é aquele que antecede a data em que foi requerida a insolvência da ex-entidade patronal da Autora – neste sentido, cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n.º 2859/07, datado de 10 de Abril de 2008, de onde se extrai, com interesse, o que segue: “[…]O DL 219/99, de 15.06, diploma que instituiu um Fundo de Garantia Salarial que, em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, prevê no seu art° 3°, sob a epígrafe "Créditos abrangidos" o seguinte: "1 - O Fundo paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento referidos no artigo 2°. 2 - Os créditos referidos no número anterior são os que respeitem a: a) Retribuição, incluindo subsídios de férias e de Natal; b) Indemnização ou compensação devida por cessação do contrato de trabalho.3 - Caso o montante dos créditos vencidos anteriormente às datas de referência mencionadas no n. ° 1 seja inferior ao limite máximo definido no n° 1 do artigo 4°, o Fundo assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após as referidas datas. ". A "acção referida no artigo 2°." é uma acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência - cfr. art° 2°,n°l do DL 219/99, de 15.06.” [sublinhado nosso]; Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n.º 2835/07, datado de 13 de Março de 2008, de onde se extrai, com interesse, o que segue: “[…] Assim, para além do não pagamento de pelo menos dois meses de salário, a lei exige, apenas, para que o Fundo assegure o pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, que tenha sido proposta uma acção nos termos do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, e o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação de empresa ( cfr. nº 1 do artigo 2º do Dec. – Lei nº 219/99, de 15 de Junho). […]” - sublinhado nosso; Acórdão do STA, proferido no processo n.º 858/08, datado de 17 de Dezembro de 2008, de onde se extrai, com interesse, o que segue: “[…] Esta questão tem interesse porque nos termos do artº3º, nº1 do DL 219/99, «O Fundo paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento referidos no artº2º.», ou seja, a acção de falência e o requerimento a pedir a recuperação de empresa. [sublinhado nosso]; Acórdão do STA, proferido no processo n.º 705/08, datado de 02 de Abril de 2009, de onde se extrai, com interesse, o que segue: […] A argumentação da recorrente assenta em dois equívocos, que, de algum modo, estão relacionados. Confunde exigibilidade com executoriedade. Uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação; outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha. A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do "momento em que a obrigação deve ser cumprida", Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 5.ª edição, 217) a executoriedade (entre outras possibilidades) da sentença judicial transitada em julgado. Ao prever que o Fundo possa pagar nos termos previstos no art.º 3 do DL 219/99 o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido. [sublinhado nosso] Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo. E bem se compreende que assim seja. Com efeito, estamos já no segundo equívoco, a criação deste Fundo teve como objectivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objectivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que amiudadas vezes demora alguns pares de anos. Por outro lado, ao prever a sub-rogação do Fundo nos direitos do trabalhador (art.º 6 do DL 219/99) o legislador contemplou, justamente, que pagando o Fundo num primeiro momento, na sequência do vencimento de algumas obrigações laborais, era possível que a entidade patronal viesse a conseguir pagar mais tarde, num segundo momento, voluntariamente, ou por via de acção no tribunal do trabalho, ou, ainda, por via do processo de falência (ou similar).”
Sendo a jurisprudência atrás deixada enunciada, tirada no âmbito do Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Julho, é de enfatizar que a decisão sempre é neste sentido, para efeitos de definição do período de referência a que são referentes os seis meses, no âmbito do regime disciplinado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, mormente, face aos normativos invocados, os artigos 318.º, n.º 1 e 319.º, n.º 1.
Posto isto.
O artigo 319.º dispõe quais os créditos abrangidos pela obrigação de pagamento, estabelecendo o n.º 1 que apenas são de pagar os créditos vencidos nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de insolvência. Com efeito, a letra da lei [artigo 9.º do Código Civil] tem apenas um sentido, e que é o de abranger os créditos vencidos no período de seis meses que antecede a data da propositura da ação de insolvência.
No que se aprecia nos presentes autos, o período de referência situa-se entre 26 de Setembro de 2013 e 26 de março de 2014, na medida em que a insolvência da entidade patronal do Autor foi requerida nesta última data – Cfr. ponto 4 da matéria de facto assente.
Ora, considerando que o contrato de trabalho da Autora cessou em 31 de agosto de 2012, e que teve de intentar acção laboral, onde foi proferida sentença judicial homologatória de um acordo, em que a sua ex-entidade empregadora se obrigou perante a Autora a pagar-lhe a quantia de €2.935,24, que o Réu teve como transitada em julgado em 06 de outubro de 2013, os créditos por si reclamados ao Réu, e advenientes da relação com a sua ex-entidade patronal, venceram-se nessa mesma data [em 06 de outubro de 2013], portanto, bem dentro do período de referência a que se reporta o artigo 319.º, n.º 1 da Lei 35/2004, de 29 de Julho.
Se o Réu, como assim parece discorrer-se do procedimento administrativo, teve dúvidas quanto à natureza dos créditos, essa era questão que podia perfeitamente ter dilucidado junto da Autora, pois que, de resto, tendo-o querido fazer, ao pedir à Autora a remessa da sentença do Tribunal de Trabalho, se dessa sentença tal não constava, tendo por base o princípio do inquisitório e o dever de celeridade [Cfr. artigos 57.º e 58.º do CPA] para efeitos da adequada instrução procedimental, devia o Réu ter prosseguido nesse conhecimento oficioso.
Neste patamar.
Como julgamos, estão em causa, pelo menos, o não pagamento de salários referentes a 4 meses [de maio a agosto de 2012].
Se a Autora não dotou o Réu de informação em torno da sua remuneração mensal, e se o Réu também não a procurou indagar, todavia essa era questão que o Réu sempre poderia ter suprido, por forma a não deixar a Autora desprovida de qualquer tutela creditória. É que pelo menos, sempre poderia ter levado em conta a Remuneração mínima garantida no ano de 2012, legalmente estipulada, que era de €485,00. Assim, estando em causa 4 meses, o crédito a esse título não podia ser inferir a € 1.940,00 [€485,00 x 4]. Depois, no que é atinente à indemnização que é devida pela cessação do contrato de trabalho, sempre o Réu a poderia ter atribuído oficiosamente, tendo subjacente o teor da douta sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Matosinhos, e que nunca poderia ser inferior a 3 meses, no que deriva no montante a este título de € 1.455.00 [€485,00 x 3].
Ora, a soma destas duas parcelas deriva no montante de €3.395,00.
Como decorre do disposto no artigo 380.º do Código do Trabalho, a garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, que sejam devidos ao trabalhador [e quando não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil], é assegurado e suportado o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação especial.
Ora essa legislação, é precisamente a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que como decorre da sua epígrafe, visa regulamentar a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto [que aprovou o Código do Trabalho], e cujo regime se aplica aos contratos de trabalho por ele regulados. E pelos normativos que acima se deixaram transcritos, mormente pelo disposto no artigo 316.º, o Capítulo XXVI a que respeitam, visam a regulamentação do referido artigo 380.º, e nele [Capítulo] vieram a ser estipulados os critérios para o pagamento aos trabalhadores, de créditos emergentes de contrato de trabalho, que sejam abrangidos pelo regime garantístico a que se reporta o Fundo de Garantia Salarial.
Tendo subjacente o âmbito do regime disciplinado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, mormente, face aos normativos invocados pelo Réu, o artigo 319.º, n.º 1, empreendido este julgamento, julgamos que o acto sob impugnação padece do invocado vício de violação de lei, por ter o autor do ato sob impugnação procedido a uma interpretação legalmente inadmissível, pelo que, tem de proceder a pretensão da Autora, desde logo, por violação deste normativo, pelo que o anulo tendo subjacente o disposto no artigo 163.º do CPA.
Efetivamente, tendo subjacente o disposto nos artigos 317.º, 318.º, n.º, 319.º e 320.º, n.º 1, todos da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, a Autora tem assim direito a perceber créditos correspondentes ao montante máximo de € 2.910,00 [€485,00 x 6], valor este que, em concreto, é já o montante máximo que o Réu Fundo de Garantia Salarial lhe deve prestar.
Aqui chegados, ao contrário do entendimento da entidade demandada, expresso no procedimento administrativo, julgando que a Autora é titular de créditos laborais, e que se encontram dentro do período de referência, e por outro lado, que o limite máximo de créditos que o Réu deve atribuir à Autora é fixável em € 2.910,00, deve assim o Réu proceder ao seu pagamento, dele devendo deduzir os valores correspondentes às contribuições para a Segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos, o que assim decidimos nos termos e para efeitos do disposto no artigo 71.º, n.º 2 do CPTA.
De modo que, pelos fundamentos enunciados supra, a presente ação tem de proceder, ainda que apenas em parte do pedido.
X
Insurge-se, pois, o Recorrente contra a sentença que julgou a acção parcialmente procedente.
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado quer pela lei processual quer pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim sendo, analisadas as conclusões apresentadas, resulta que o Recorrente assaca à decisão erro de julgamento de direito, por errónea interpretação das disposições em que se alicerçou.
Cremos que lhe assiste razão.
Na verdade, o artº 317° da Lei 35/2004 de 29 de julho estipula que “O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”.
Por sua vez, o artº 318°/1 estabelece que “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente”. E o n° 2 deste dispositivo consagra que o Fundo “assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro”.
Estas normas são depois complementadas pelo artº 319° que dispõe que “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1). Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência (n° 2). O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição (n° 3)”.
Da leitura destes preceitos conclui-se que o período a que se reporta o citado artº 319°, em função do qual o FGS assegura o pagamento dos créditos dos trabalhadores, só pode ser o que ocorre nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência. A intervenção do Fundo de Garantia Salarial na garantia de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação pertencentes a um trabalhador reduz-se aos casos de incumprimento por parte do empregador, por motivo de insolvência ou situação económica difícil.
Por seu turno, o período de referência em causa conta-se a partir da data em que foi interposta a acção judicial de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, consoante a entidade empregadora sobre a qual o trabalhador veio requerer o pagamento dos créditos, tenha instaurada contra si uma acção de insolvência ou um procedimento de conciliação, pois só nestas duas situações é que o Fundo de Garantia Salarial intervém – n.ºs 1 e 2 do citado artº 318° da Lei 35/2004, de 29/07.
No caso posto todos os créditos reclamados estão fora do âmbito temporal de seis meses, estabelecido no n° 1 do art° 319° do Lei 35/2004.
A expressão utilizada no n° 1 do também falado artº 319° “seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou do requerimento referido no artigo anterior”, reporta-se obviamente à acção para declaração judicial de insolvência do empregador referida no n° 1 do artigo anterior e não à eventual acção judicial a intentar pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais. Neste sentido se pronunciou, entre outros, o Acórdão deste TCAN de 14/02/2014, no proc. 00756/07.0BEPRT.
Sublinhe-se, aliás, que na maioria das situações os créditos dos trabalhadores, como sejam os derivados das remunerações salariais e dos respectivos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, não necessitam de uma sentença judicial prévia, para poderem ser reclamados no processo de insolvência da entidade empregadora respectiva.
A obrigação do pagamento destes créditos laborais por parte do empregador não precisa de uma sentença judicial condenatória por parte do Tribunal de Trabalho.
Deste modo, e também por este motivo, o legislador ao mencionar a propositura da acção no n° 1 do artigo 319°, não pode estar a referir-se à acção a intentar no Tribunal de Trabalho, pois esta pode nem ter sido proposta e apesar disso o crédito ter sido reclamado na insolvência.
A jurisprudência tem-se orientado no sentido de que o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do reconhecimento desses créditos no âmbito do processo de insolvência (excepção feita à indemnização por despedimento ilícito, já que esta ilicitude apenas pode ser declarada pelos tribunais de trabalho no domínio laboral privado) - vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 17/12/2008, 07/01/2009, 04/02/2009, 10/02/2009, 11/02/2009, 25/02/2009, 12/03/2009, 25/03/2009, 02/04/2009 e 10/09/2009, proferidos, respectivamente, nos procs. 0705/08, 0780/08, 0704/08, 0920/08, 0703/08, 0728/08, 0712/08, 01110/08, 0858/08 e 01111/08.
Mais recentemente reafirmou esta posição no Acórdão de 10/09/2015, proferido no âmbito do proc. 0147/15, onde explanou:
I-O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior - artº 319º/1 da Lei 35/2004.
II-Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento.
É que uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação, e outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha.
A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida, Galvão Teles, em Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 217).
Ao prever que o FGS possa pagar os créditos laborais, o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido. Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo. E bem se compreende que assim seja. Com efeito a criação deste Fundo teve como objectivo fundamental garantir, em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objectivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que por vezes, demora anos.
No caso posto a acção de insolvência foi proposta no dia 26/03/2014.
Para efeitos do estabelecido no nº 1 do artº 319º da Lei 35/2004, de 29/07, o Fundo de Garantia apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da acção, ou seja, os créditos vencidos entre 26/03/2014 e 26/09/2013.
O contrato de trabalho da Autora cessou no dia 31/08/2012; portanto, tendo-se os créditos laborais vencido na data da cessação do contrato de trabalho, os mesmos estão fora do período de referência, não existindo qualquer crédito vencido dentro desse período, pelo que não pode ser assegurado o seu pagamento pelo FGS, nem nos termos do nº 1 do artº 319º, nem de acordo com o nº 2 do mesmo preceito.
O Tribunal a quo decidiu que os créditos reclamados se encontram abrangidos pelo período de referência, entendendo para tal que os créditos da Autora, aqui Recorrida, se venceram com a decisão judicial proferida na acção de trabalho, a qual condenou a entidade empregadora ao pagamento dos créditos reclamados. Fê-lo, porém, à margem do quadro legal aplicável, pelo que não se corrobora essa leitura; pelo contrário, temos que os créditos laborais da ora Recorrida se venceram com a cessação do contrato de trabalho, por sua iniciativa e com justa causa, em 31 de agosto de 2012.
Assim, como a acção de declaração de insolvência da entidade patronal deu entrada em juízo em 26 de março de 2014, os créditos reclamados estão fora do período a que alude o apontado artigo 319°/l da Lei 35/2004 (seis meses anteriores à data da propositura da acção de insolvência).
Tal equivale a dizer que a decisão recorrida, porque fez incorrecta interpretação/aplicação dos normativos visados, não será mantida na ordem jurídica.
Atendem-se, assim, as conclusões da alegação.
***
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso revoga-se a sentença e julga-se a acção improcedente.
Custas pela Recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e DN.
Porto, 09/11/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa