Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00016/13.7BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DEDUÇÃO DO IVA, REVERSE CHARGE, INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA
Sumário:I - O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) in fine do Código do IVA acrescenta que as pessoas singulares ou colectivas referidas nesta alínea serão também sujeitos passivos do imposto pela aquisição de qualquer dos serviços indicados no n.º 8 do artigo 6.º, nas condições nele previstas – são situações em que o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo de IVA pela respectiva aquisição.

II - Estamos perante as denominadas situações de reverse charge, em que ocorre a reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente.

III - Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código do IVA.

IV - No artigo 53.º da LGT reconhece-se ao devedor, que ofereça garantia bancária ou equivalente, o direito a uma indemnização total ou parcial pelos prejuízos resultantes da sua prestação, em proporção do vencimento na acção, caso a tenha mantido por período superior a três anos ou, independentemente desse prazo, caso ocorra erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S., SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S., S.A., (Ex S., SGPS, S.A.) Pessoa Colectiva n.º (...), devidamente identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/10/2012, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho do DF do Porto de 07/07/2003, na parte em que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada em 25/09/1997, contra as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios, respeitantes aos anos 1993, 1994 e 1995, no montante global de €30.797,26 (Esc. 6.174.297$00). Por força da decisão proferida em primeira instância de parcial procedência da presente impugnação, este recurso visa apenas o segmento desfavorável à ora Recorrente, ou seja, a liquidação adicional de IVA, relativa ao primeiro trimestre de 1995, no valor de €8.102,50 (Esc. 1.624.390$00), bem como o reconhecimento do direito de a Recorrente ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia bancária, no valor de €1.187,21.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“1 Contrariamente à ordem de conhecimento dos vícios preconizada na douta Sentença, a questão da prescrição apenas deve ser apreciada no caso de serem julgados improcedentes os vícios substanciais e formais imputados à liquidação de IVA ainda subsistente.
2 A douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto.
3 Porque relevantes para a apreciação de mérito, e por terem ficado provados, devem ser aditados à factualidade assente os factos especificados nas presentes Alegações de recurso.
4 Entre outros factos, a douta Sentença desconsiderou indevidamente que na declaração de IVA do 1.º trimestre de 1995 o valor líquido de IVA autoliquidado nessa declaração não consistiu em "imposto a entregar ao Estado" - mas outrossim em "imposto a receber do Estado", de Esc. 1.375.416$00 (ou seja, crédito de IVA),
5 o qual não foi objecto de pedido de reembolso de IVA, mas sim sucessivamente reportado para os períodos de imposto (trimestres) subsequentes, nos quais, por sua vez, também não houve qualquer "IVA liquidado", tão pouco qualquer pedido de reembolso de IVA.
6 A douta Sentença padece ainda de erro de julgamento quando desconsidera o facto do valor de Esc. 1.624.390$00, caso não tivesse disso deduzido na declaração de IVA do 1º trimestre de 1995, conduziria a um imposto em falta, quanto a esse período de imposto, de apenas Esc. 248.974$00 - e nunca de Esc. 1.624.390$00.
7 Logo, e tendo a sobredita liquidação adicional de IVA sido efectuada ao abrigo do artigo 82º do CIVA, não podia a mesma ascender, como ascendeu, ao montante de Esc. 1.624.390$00 - mas apenas a Esc. 248.974$00.
8 A douta Sentença recorrida incorreu assim em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 82º do CIVA e 5º da LGT.
9 A douta Sentença enferma ainda de erro de julgamento quando considera que a Impugnante, enquanto SGPS, não era sujeito passivo de IVA, por alegadamente não desenvolver qualquer actividade económica directa, para efeitos de IVA (artigo 2º do CIVA),
10 aliás, sumariamente descrita no ponto 2.3 do próprio relatório da IGF (cfr. 8. dos factos provados): compra e venda de participações sociais, obtenção e concessão de empréstimos, etc., de forma reiterada e habitual - o que configura, pelo menos, uma actividade comercial (compra e venda) e de serviços prestados (financiamentos concedidos).
11 Pelo que a douta Sentença recorrida, ao colocar em causa a condição de sujeito passivo de IVA da Impugnante/Recorrente, violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, redacção à data.
12 A douta Sentença recorrida incorre em erro de julgamento quando afirma estar-se perante uma situação de não sujeição a IVA.
13 E também não se está perante uma situação de isenção de IVA: a alínea e) do nº 27 do artigo 9º do CIVA, à data, excepcionava do âmbito da isenção de IVA precisamente a "administração ou gestão" de acções.
14 Ao negar o direito de dedução do "IVA dedutível" - designadamente da sobredita quantia de Esc. 1.624.390$00 -, a douta Sentença violou o artigo 19º nº 1 c) do CIVA, redacção à data.
Sem prescindir,
15 Na pior das hipóteses, a Recorrente poderia ser considerada um sujeito passivo misto, na medida em que estavam isentos de IVA (sem direito de dedução do IVA suportado a montante, portanto) os empréstimos por si concedidos às suas participadas (cfr. artigo 9º nº 27 a) do IVA, redacção aplicável), mas já não estaria isenta de IVA a referida actividade de "administração ou gestão" de acções (com direito à dedução do IVA suportado a montante, portanto).
16 Logo, a douta Sentença viola o artigo 23º do CIVA quando não permite a dedução da totalidade do valor, Esc. 1.624.390$00, de IVA deduzido a montante - segundo o método da afectação real ou do pro rata, previstos naquele preceito legal, a Impugnante/Recorrente sempre teria direito de dedução de pelo menos parte daquele valor.
Acresce que,
17 A douta Sentença incorre em erro de julgamento quando afirma que a Impugnante/Recorrente, na PI, confessou que a liquidação adicional de IVA deveria cingir-se ao referido montante de Esc. 1.624.390$00.
Sem prescindir
18 A douta Sentença recorrida violou os artigos 19º c) do CPT, 100º do CPA e 267º nº 4 (actual nº 5) da CRP quando considera não ter ocorrido preterição da formalidade legal essencial por violação do direito de audição prévia antes da liquidação.
19 Contrariamente ao pressuposto na douta Sentença, a liquidação adicional de IVA não adveio da autoliquidação efectuada pelo contribuinte na declaração de IVA relativa ao 1º trimestre de 1995, mas sim da correcção efectuada pela IGF no relatório inspectivo que serviu de base a essa mesma liquidação, na sequência da inspecção efectuada à empresa - em prejuízo do contribuinte, pois cortou o direito de dedução do IVA suportado a montante.
20 E o contribuinte nunca se pronunciou previamente, antes da liquidação.
21 Pelo que a douta Sentença interpretou e aplicou erradamente aos factos o disposto no artigo 103º nº 2 a) do CPA, em vigor ao tempo.
22 Por sua vez, o artigo 60º nº 2 a) da LGT é inaplicável ao caso, por ter entrado em vigor posteriormente aos factos - e mesmo que, por mera hipótese, fosse aplicável, não se verifica a situação a que alude aquele preceito.
23 Pelo que a douta Sentença interpretou e aplicou erradamente o disposto naquele artigo 60º nº 2 a) da LGT.
24 A douta Sentença recorrida incorre em erro de julgamento quando considera que a circunstância de ter sido concedido ao contribuinte o direito de audição prévia antes do indeferimento da reclamação graciosa sanou a circunstância de não lhe ter sido conferido o direito de audição prévia antes das liquidações.
25 A douta Sentença padece ainda de erro de julgamento quando admite que o facto do contribuinte ter exercido o seu direito de reclamação e, posteriormente, de impugnação, sana a não concessão do direito de audição prévia antes da liquidação.
26 E nada garante que o contribuinte, através da sua audiência prévia antes das liquidações, não pudesse alterar, em sede administrativa, as liquidações que a final vieram a ser emitidas - que tal poderia suceder resulta desde logo do facto da reclamação graciosa ter sido parcialmente deferida pela própria AF, por esta considerar que a liquidação de juros compensatórios era ilegal.
Por outro lado,
27 A douta Sentença recorrida viola os artigos 53º e 100º da LGT e 171º do CPPT quando indefere, in totum, o pedido de indemnização dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia prestada para suspensão do processo de execução fiscal emergente das liquidações aqui impugnadas.
28 O qual, ao invés, deveria ter sido julgado integralmente procedente - em função do deferimento parcial da reclamação graciosa e da procedência da presente impugnação judicial, por erro de facto e de Direito das liquidações impugnadas.
29 A douta Sentença aplica indevidamente o disposto no artigo 183º-A do CPPT, aditado pela Lei nº 15/2001, de 5/6 - respeitante a indemnização pelos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia em virtude do atraso na apreciação da reclamação graciosa ou de impugnação judicial, e não em virtude da procedência, total ou parcial, da impugnação judicial.
30 A douta Sentença incorreu em erro de julgamento quando considerou que a garantia prestada não adveio única e exclusivamente das liquidações impugnadas - é erróneo considerar que o contribuinte contribuiu para as correcções unilateralmente efectuadas pela IGF, as quais foram a única causa das liquidações aqui impugnadas, para além disso efectuadas pela AT e não pelo contribuinte.
31 Como é manifesto em face dos sinais dos autos, as liquidações não assentaram em "errada informação do sujeito passivo" - outrossim, assentaram nos erros de facto e de Direito que lhes foram expressamente assinalados pela própria AT (no deferimento parcial da reclamação graciosa), pelo Tribunal (na procedência parcial da presente Impugnação, em 12 Instância) e que aqui se assinalam supra.
Finalmente, e sem prescindir do exposto,
32 A douta Sentença padece ainda de erro de julgamento de facto, por omissão, quanto à apreciação da questão da prescrição - devem ser aditados aos factos provados a factualidade elencada nas alegações, porque igualmente relevante para apreciação do mérito da prescrição, e porque provada em função dos elementos documentais especificados nas presentes alegações.
33 Contrariamente ao decidido, deve ser reconhecida a prescrição da dívida de imposto a que se reporta a liquidação adicional de IVA ainda não anulada - tendo a douta Sentença recorrida, por isso, violado os artigos 34º nº 1, 2 e 3 do CPT, 48º e 49º nº 1, 2 e 3 da LGT e 297º do CC.
34 Não podendo ser convocado o disposto nos artigos 326º nº 1 e 327º nº 1 do CC para considerar que o prazo de prescrição só se iniciaria com o trânsito em julgado da decisão final proferida sobre o processo de impugnação:
35 Com efeito, por imposição do princípio da legalidade consagrado no nº 2 do artigo 103º da CRP e no artigo 8º nº 1 e nº 2 a) da LGT, complementado com o disposto no artigo 11º nº 4 da LGT, em matéria de garantias dos contribuintes apenas é aplicável o preceituado na lei fiscal e nos estritos termos nela previstos (princípio da tipicidade).
36 Pelo que a douta Sentença recorrida viola estes preceitos legais.
37 O artigo 49º nº 1 e nº 2 da LGT (redacção anterior à da Lei nº 53-A/2006, de 29/12), na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o reinicio do prazo de prescrição para o momento em que aquela transitar em julgado, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP.
38 Só com o aditamento do novo nº 4 ao artigo 49º da LGT, por meio do artigo 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal suspende-se enquanto não houver decisão transitada em julgado - contudo, esse preceito é temporalmente inaplicável ao caso.
39 Para além da violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP, a dimensão normativa conferida ao artigo 49º nº 1 da LGT pela decisão recorrida viola ainda os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança e das legítimas expectativas, imanências do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da CRP.
40 A dimensão normativa conferida ao nº 1 e nº 2 do artigo 49º da LGT- de que o prazo de prescrição só se reinicia com o trânsito em julgado da decisão da impugnação judicial apresentada contra a liquidação exequenda - leva à conclusão de que a prescrição, em direito tributário, jamais ocorre - apesar de legalmente prevista.
41 Ao encurtar expressamente o prazo de prescrição, certamente que não foi propósito do legislador protelar ad eternum a ocorrência da prescrição, inviabilizando a sua ocorrência na prática.
42 Ao fazer depender o início do prazo de prescrição do trânsito em julgado da decisão da impugnação judicial deduzida contra a liquidação, permite-se o protelamento ad eternum daquele processo judicial, em contravenção com as mais elementares regras de celeridade processual e do direito a uma decisão judicial célere e em tempo útil (artigo 20º nº 4 da CRP).
43 Pelo que o artigo 49º nº 1 da LGT, na interpretação preconizada na Sentença recorrida, padece ainda de inconstitucionalidade material por violação do disposto no artigo 20º nº 4 da CRP.
44 Finalmente, o artigo 49º nº 1 da LGT, na interpretação segundo a qual o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial, é ainda organicamente inconstitucional, por violação da respectiva lei de autorização legislativa - o artigo 2º, alínea 18), da Lei nº 41/98, de 4/8.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a douta Sentença recorrida, no segmento em que esta julgou a impugnação improcedente, e anulada a sobredita liquidação adicional de IVA, relativa a 1995, no valor de Esc. 1.624.390$00 (Euro 8.102,50).
Subsidiariamente, deve ser declarada a prescrição da obrigação tributária emergente daquela liquidação adicional de IVA, com a consequente extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
Deve ainda ser reconhecido à Recorrente o direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da referida garantia bancária, no referido valor de Euro 1.187,21.
Assim decidindo, V. Exas. farão, mais uma vez, inteira JUSTIÇA.”

A Recorrida não contra-alegou.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****
Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por errada selecção e valoração da prova produzida, em erro de julgamento da matéria de direito, por errónea interpretação dos factos e aplicação do direito vigente, no que tange à apreciação do vício de preterição do exercício do direito de audiência prévia e quanto às consequências da sua verificação, entendendo não ser de ponderar o princípio do aproveitamento do acto e a sua aplicabilidade ao caso concreto; bem como por violação das normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 19.º, n.º 1, alínea c) e 23.º, todos do Código do IVA.
Subsidiariamente, pretende a reapreciação da questão da prescrição.
Por último, visa o reconhecimento à Recorrente do direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia bancária, uma vez que a sentença recorrida terá errado quando indeferiu in totum tal pedido indemnizatório, por violação dos artigos 53.º e 100.º da LGT e 171.º do CPPT.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com interesse para a decisão a proferir, encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. A impugnante, relativamente ao ano de 1993 apresentou declarações periódicas de IVA, onde declarou o montante de 157.683$00 (€ 786,52) de IVA dedutível, igual montante de IVA a recuperar (crédito de imposto), inexistindo IVA liquidado - cfr. Doc. de fls. 155 a 158 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2. Relativamente ao ano de 1994, a impugnante apresentou declarações periódicas de IVA, onde declarou o montante de 589.732$00 (€ 2.941,60) de IVA dedutível, igual montante de IVA a recuperar (crédito de imposto), inexistindo IVA liquidado - cfr. Doc. de fls. 159 a 162 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
3. A impugnante não solicitou o reembolso das quantias de IVA a recuperar referidas nos pontos anteriores.
4. A impugnante, relativamente ao primeiro trimestre do ano de 1995 apresentou uma declaração periódica de IVA, onde declarou: - o montante de 1.624.390$00 (€ 8.102,50) de IVA liquidado, sobre uma base tributável de 9.555.236$00 (€ 47.661,79); - o montante de 2.999.806$00 (€ 14.963,11) de IVA dedutível, tendo deduzido/compensado a quantia de 1.624.390$00 (€ 8.102,50); - e o montante de 1.375.416$00 (E 6.860,61) de IVA a recuperar (crédito de imposto) - cfr. Doc. delis. 163 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
5. No segundo, terceiro e quarto trimestres de 1995, a impugnante apresentou declarações periódicas de IVA, onde declarou o montante de 4.175.340$00 (E 20.826,71) de IVA dedutível, e igual montante de IVA a recuperar (crédito de imposto), inexistindo IVA liquidado - cfr. Doc. de fls. 164 a 166 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
6. A impugnante não solicitou o reembolso das quantias de IVA a recuperar referidas no ponto anterior.
7. No ano de 1996, a impugnante foi alvo de um processo inspectivo instaurado pela Inspecção Geral de Finanças e respeitante aos períodos do ano de 1992 e de 1.01.1993 a 31.12.1993; 01.01.1994 a 31.12.1994 e 01.01.1995 a 31.12.2995 - cfr. fl. 14 a 21 do PA respeitante aos autos de Reclamação Graciosa (PARG) que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
8. Em 16.09.1996, a Inspecção-geral de Finanças elaborou o relatório inspectivo, relativo à acção inspectiva referida em 5., constante de fls. 31 a 56 dos autos, do qual consta entre o mais que:
2.1. (...)
O artigo 3° dos estatutos por que se rege a sociedade, ao estipular que " o objecto da sociedade é a gestão de participações de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas", torna-o consentâneo com o objecto social definido no diploma regulador do regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (DL 495/88 de 30.12).
(…)
2.3. Actividade económica
Nos termos do art° 3° dos estatutos a S. tem por objecto a gestão de participações sociais de outras empresas. (...)
(-)
4.2 Imposto sobre o valor acrescentado
As sociedades de participações sociais têm como objecto social a gestão de partes de capital de outras sociedades, tendo em vista obter rendimentos que poderão revestir a natureza de participação nos lucros e mais valias obtidas aquando daquelas participações sociais.
Nos termos definidos nas alíneas b) e f) do n° I do art. 5° do Dl n° 495/88, na sua versão inicial as SGPs poderiam ainda adquirir obrigações e conceder crédito (este actualmente permitido nos termos da alínea c) do n° 1 do art. 5° do esmo diploma na redacção do D.L. N° 318/94, de 24.12), às empresas participadas, obtendo destas operações os correspondentes juros.
Estas operações enquadram-se nas referidas no n° 28 do artigo 9° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, isto é estão isentas, pelo que, por força do artigo 20° do mesmo Código, não poderá em princípio, deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para o exercício desta actividade - operações isentas não incluídas na alínea b) do n° 1 do art° 20°
Por outro lado e nos termos do previsto no art° 4° do DL 495/88 é permitido às SGPs a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades participadas, daí recebendo as correspondentes remunerações, sujeitas a imposto e dele não isentas nos termos dos artigos 4° e 6° do CIVA, sem prejuízo do direito à dedução do imposto suportado para a realização dessas operações a efectuar nos termos do art. 19° do CIVA.
Tais condições colocam s SGPs ao abrigo das disposições contidas no art. 23° do CIVA, uma vez que exercem actividades isentas sem direito à dedução e actividades sujeitas a IVA que conferem esse direito, o que gera um direito à dedução incompleto, exercido através do método da percentagem de dedução ou "pro rata", como regra geral, ou do método da afectação real.
O serviço de Administração do IVA vem emitindo pareceres no sentido de ser inconveniente permitir às SGPs a opção pelo método da afectação real, pelo que ficam sujeitas ao sistema de "pro rata" referido no art° 23° do CIVA.
Tendo a S. exercido apenas actividades isentas de imposto sem direito a dedução, encontra-se numa situação em que a percentagem de dedução ou "pro rata" é nula, pelo que não poderá apresentar qualquer imposto a favor do sujeito passivo nas respectivas declarações periódicas.
Verificou-se que a empresa deduziu indevidamente o IVA debitado nas aquisições de bens e serviços nas declarações periódicas que a seguir se indicam e cujas cópias se anexam fls. 125/136.
Ano de 1993 Valores em escudos
I° Trimestre 10.742$00
2° Trimestre 144.000$00
3° Trimestre 2.941$00
157.683$00
Ano de 1994
1° Trimestre 8.084$00
2° Trimestre 160.952$00
3° Trimestre 263.013$00
432.049$00
Ano de 1995
1° Trimestre 2.410.074$00
2° Trimestre 766.530$00
3° Trimestre 2.033.394$00
5.209.998$00
Imposto indevidamente deduzido 5.799.730$00
Imposto liquidado nos termos da alínea c)
do n° 8 do art° CIVA (1.624.390)
Crédito de imposto à data de 31.12.1995 4.175.340

Como a empresa não exerceu qualquer actividade sujeita a IVA, tendo apenas liquidado, 1.624.390$00 de imposto nos termos da alínea c) do n° 8 do art° 6° do CIVA, em 18.01.1995, encontra-se em situação de crédito de imposto no valor de 4.175.340$00, pelo facto de ter vindo a reportar para os períodos seguintes os montantes de IVA a seu favor indevidamente apurados nas respectivas declarações periódicas.
Assim, deverá proceder-se à rectificação das declarações trimestrais apresentadas pela empresa, nos termos do art. 82° do CIVA, por se considerar que nelas figuram deduções superiores às devidas, liquidando-se adicionalmente os valores em falta.
Como a empresa se encontra em situação de crédito de imposto não deverá ser efectuado qualquer reembolso se eventualmente vier a ser solicitado ao abrigo do n° 6 do art. 22° do CIVA.
Apresentando a empresa um crédito de imposto de 4.175.340$00 e atingindo as deduções o montante global de 5.799.730$00, verifica-se a falta de pagamento da importância de 1.624.390$00.
Por não ter procedido à entrega do imposto na quantia indicada, nos termos previstos no CIVA, a S. incorreu na prática de contra-ordenação prevista e punível pelo art. 29° RJIFNA, aprovado pelo DL 20-A/90 de 15 de Janeiro.
(...)
5. CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTO
O exame efectuado cujas verificações mais importantes constam do presente relatório, permite-nos referir as seguintes conclusões principais:
a) A S., SGPS, SA, é uma sociedade do Grupo S., detida 100% pela S., SGPS, SA...
b) A empresa detinha, à data de 31.12.1995, participações sociais em duas sociedades no valor de 6.000 contos...
c) No exercício da sua actividade o maior investimento financeiro respeitou à aquisição (entre 1990 e 1995) e alienação (24.03.1995) de 7.997.760 acções do BPA, representativas de 7,27% do respectivo capital social...
d) Em resultado das verificações efectuadas à situação fiscal do contribuinte, conclui-se que:
1. foram efectuadas deduções indevidas em sede de Imposto sobre Valor Acrescentado, nos montantes que a seguir se indicam, discriminados por anos:
1993 157.683$00
1994 432.049$00
1995 5.209.998$00
encontrando-se a empresa em situação de crédito de imposto no montaste de 4.175.340$00 à data de 31.12.1995, por ter liquidado 1.624.390$00, em 18.01.1995, e ter vindo a reportar para os períodos seguintes os montantes de IVA a seu favor indevidamente apurados nas suas declarações periódicas, verificando-se a falta de pagamento da importância de 1.624.390$00, o que indicia a pratica da contra ordenação prevista e punida pelo art. 29° do RJFNA..."
9. Na sequência da acção inspectiva foram efectuadas, pela AF correcções técnicas relativamente ao IVA dos períodos referidos no ponto anterior, designadamente as seguintes:
Ano Dedução indevida
1993 157.683$00 (10.742$00 + 144.000$00 + 2.941$00)
1994 432.049$00 (8.084$00 + 160.952$00 + 263.013$00)
1995 5.209.998$00 (2.410.074$00 + 766.530$00 + 2.033.394$00)
Cfr. fis. 15, 18 e 21 do PARG.
10. De acordo com a "Nota de Fundamentação das correcções técnicas referidas no ponto anterior", quanto ao ano 1993, entendeu a AF que:
" A empresa deduziu indevidamente IVA debitado nas aquisições de bens e serviços efectuadas no exercício. Tal dedução indevida resulta do facto de as operações praticadas serem isentas nos termos do n° 28 do artigo 9° do Código do Imposto Sobre Valor Acrescentado, pelo que, por força do disposto no n° 1 do artigo 20° do mesmo Código não poderia deduzir-se o imposto suportado.
Nos termos do artigo 4° do DL 495/88 é permitida a às SGPs prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas, daí recebendo as correspondentes remunerações, sujeita a imposto nos termos dos artigos 4° e 6° do CIVA, as quais conferem direito à dedução nos termos do artigo 19° do CIVA do imposto suportado para a sua realização.
Tais condições colocam as SGPS em situação "Pro rata" ou afectação real nos termos do artigo 23° do CIVA.
Tendo a S. exercido apenas actividades isentas de imposto sem direito à dedução encontra-se num situação em que a percentagem de dedução é nula, pelo que não poderá apresentar qualquer imposto a favor do sujeito passivo nas respectivas declarações periódicas"- cfr. fls. 14 do PARG.
11. De acordo com a "Nota de Fundamentação das correcções técnicas (...)", quanto ao ano 1994, entendeu a AF que:
" A empresa deduziu indevidamente IVA debitado nas aquisições de bens e serviços efectuadas no exercício. Tal dedução indevida resulta do facto de as operações praticadas serem isentas nos termos do n° 28 do artigo 9° do Código do Imposto Sobre Valor Acrescentado, pelo que, por força do disposto no n° 1 do artigo 20° do mesmo Código não poderia deduzir-se o imposto suportado.
Nos termos do artigo 4° do DL 495/88 é permitida a às SGPs prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas, daí recebendo as correspondentes remunerações, sujeitas a imposto nos termos dos artigos 4° e 6° do CIVA, as quais conferem direito à dedução nos termos do artigo 19° do CIVA do imposto suportado para a sua realização.
Tais condições colocam as SGPS em situação "Pro rata" ou afectação real nos termos do artigo 23° do CIVA.
Tendo a S. exercido apenas actividades isentas de imposto sem direito à dedução encontra-se num situação em que a percentagem de dedução é nula, pelo que não poderá apresentar qualquer imposto a favor do sujeito passivo nas respectivas declarações periódicas"- cfr. fls. 17 do PARG.
12. De acordo com a "Nota de Fundamentação das correcções técnicas... ", quanto ao ano 1995, entendeu a AF que:
" A empresa deduziu indevidamente IVA debitado nas aquisições de bens e serviços efectuadas no exercício. Tal dedução indevida resulta do facto de as operações praticadas serem isentas nos termos do n° 28 do artigo 9° do Código do Imposto Sobre Valor Acrescentado, pelo que, por força do disposto no n° 1 do artigo 20° do mesmo Código não poderia deduzir-se o imposto suportado.
Nos termos do artigo 4° do DL 495/88 é permitida a às SGPs prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas, daí recebendo as correspondentes remunerações, sujeita a imposto nos termos dos artigos 4° e 6° do CIVA, as quais conferem direito à dedução nos termos do artigo 19° do CIVA do imposto suportado para a sua realização.
Tais condições colocam as Gps em situação "Prorata" ou afectação real nos termos do artigo 23° do CIVA.
Tendo a S. exercido apenas actividades isentas de imposto sem direito à dedução encontra-se num situação em que a percentagem de dedução é nula, pelo que não poderá apresentar qualquer imposto a favor do sujeito passivo nas respectivas declarações periódicas"- cfr. fls. 20 do PARG.
13. Na sequência das correcções efectuadas, no decurso da acção inspectiva atrás referidas, foram efectuadas as seguintes liquidações adicionais de IVA, pela AF:
Ano Liquidação n° Data da liquidação montante Data limite Pagamento
1993 97016440 04.02.1997 157.683$00 30.06.1997
1994 97016441 04.02.1997 432.049$00 30.06.1997
1995 97018092 18.02.1997 5.209.998$001 30.06.1997
-Cfr. Fls. 23 do PARG e fls. 20, 21 e 22 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
14. e foram liquidados juros compensatórios no montante de 374.567$00 (€1.863,33), cuja data limite de pagamento ocorreu em 30.06.1997, com a seguinte fundamentação:
" Juros compensatórios liquidados nos termos do art. 89° CIVA por ter havido atraso na entrega do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.
Imposto em falta 1.624.390$
N° de dias 543
Taxa de juro (em vigor no inicio do retardamento) 15,50%
Valor dos juros 374.567$
-Cfr. fls. 23 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
15. Em 21.03.1997 foi emitida a Notificação à impugnante das liquidações referidas em 7., tendo sido notificada das mesmas - cfr. fls. 20 a 22 e 25 dos autos.
16. Em 26.06.1997 a impugnante solicitou a emissão de certidão da totalidade dos fundamentos subjacentes às liquidações - cfr. fls. 25 dos autos.
17. Nessa sequência a AF enviou à impugnante cópia do relatório da Inspecção Geral de Finanças a que alude o ponto 6. - Cfr. fls. 31 a 56 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
18. Em 25.09.1997 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IVA referidas em 7 e juros compensatórios referidos em 8, nos termos constantes de fls. 2 a 6 do PARG que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
19. Em 17.04.1998, na sequência do não pagamento voluntário das quantias liquidadas adicionalmente de IVA de 1993, 1994 e 1995, acima referidas, foi instaurado processo de execução fiscal n° 1805 98/102254.7 contra a impugnante - Cfr. doc. 7, pág. 4, 5, 6 e 7, do PA e fls. 1 do PEF.
20. Por ofício de 27.10.1998 foi a impugnante citada, em 08.01.1999, para o processo de execução referido no ponto anterior - Cfr. doc. 7 ( pág. 4, 5, 6 e 7) do PA e fls. 4 (verso) do PEF e fls. 6
21. Em 21.01.1999, no âmbito do processo de execução instaurado foi solicitado, pela impugnante, a prestação de garantia - cfr. fls. 5 do PEF.
22. O pedido de prestação de garantia foi deferido e a impugnante prestou garantia bancária no montante de 9.146.895$00 (€ 45.624,97) em 04.02.1999 - Cfr. doc. 7(pág. 1, 2 e 3) do PA e fls. 8 a 11 do PEF.
23. Em 26.02.2003, na sequência do pedido de levantamento da garantia bancária referida no ponto anterior, foi pedido o cancelamento da mesma, pela AF, ao BPI, SA- cfr. doc. 8 do PA e fls. 13 de PEF.
24. Relativamente à Reclamação Graciosa referida em 12., foi prestada, em 14.03.2003 a informação de fls. 47 a 49 dos autos.
25. Em 30.05.2003 foi elaborado projecto de decisão da reclamação Graciosa no sentido de anulação da liquidação de juros compensatórios e manutenção das liquidações adicionais de IVA em causa - cfr. fls. 56 e 57 do PARG que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
26. Por ofício 3087 de 02.06.2003, a impugnante foi notificada do projecto referido no ponto anterior e para se pronunciar quanto ao mesmo, em sede de audição prévia, nos termos do estatuído no art. 60° da LGT- cfr. fls. 58 a 60 do PARG que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
27. Em 07.07.2003 foi decidido pela AF, através de despacho, o Deferimento Parcial da Reclamação Graciosa, com os fundamentos constantes do projecto referido em 14 - cfr. fls. 61 do PARG que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
28. Do despacho referido no ponto anterior foi a impugnante notificada através de oficio 3865 datado de 23.07.2003 - cfr. fls. 62 do PARG que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
29. Em 08.08.2003 foi deduzida a presente impugnação judicial - cfr. fls. Última e penúltima do PA.
30. A liquidação efectuada pela impugnante, referida em 4. assentou no disposto no artigo 6° n° 8 al. c) do CIVA- Facto não controvertido.
31. A impugnante despendeu a quantia de €1.187,21 referente a despesas com comissões bancárias e imposto de selo, com a garantia prestada referida em 22. - cfr. fls. 236 a 253 que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
32. A impugnante alterou a sua designação de S., SGPS, SA para S. - SGPS, SA.
33. Antes de ser designada de S. SGPS, SA, era a impugnante designada I., SA.
*
A decisão da matéria de facto provada e não provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, dos Processos Administrativos e do PEF (consoante se anota em cada ponto do probatório), bem como na posição assumida pelas partes ao longo dos articulados.
Ancorou-se ainda o Tribunal na prova testemunhal indicada pela impugnante (J., Técnico Oficial de Contas da impugnante, e A., economista, Director de Assuntos Fiscais da impugnante à data dos factos) que, no essencial, não veio infirmar o já vertido nos documentos. Foi relevante, essencialmente, para prova do vertido nos pontos 3, 4 e 6 do probatório. Com efeito, foi esclarecedor (embora apontando no mesmo sentido que os documentos) o depoimento da testemunha A., economista, ao dar conta ao Tribunal que, relativamente ao IVA deduzido a que aludem as declarações periódicas, apenas foi deduzido, efectivamente, o montante de 1.624.390$00 (e 8.102,50) de IVA liquidado, a que se refere a declaração periódica apresentada no 1° trimestre do ano 1995.
Foi a análise conjunta de todos elementos de prova que, à luz das regras de experiência comum sedimentaram a convicção do Tribunal.”
*
2. O Direito

Na medida em que a reapreciação da questão da prescrição se mostra colocada no presente recurso de forma subsidiária, o que se compreende, por tal questão contender com a utilidade do conhecimento do mesmo, e também visar a decisão recorrida acerca do pedido de reconhecimento à Recorrente do direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia bancária; começaremos por enfrentar os vícios, de cariz substancial, apontados à sentença recorrida (cfr. primeira conclusão das alegações do recurso).
Quanto à decisão da matéria de facto, as solicitações da Recorrente apontam, em grande medida, para aditamento de matéria potencialmente relevante para apreciação da questão da prescrição, que, como vimos, só subsidiariamente será conhecida.
Por outro lado, a factualidade vertida na sentença recorrida, bem como a sua motivação, não foram colocadas em causa pela Recorrente.
Acresce que outra matéria que no recurso se entende ter sido desconsiderada e que, por isso, se peticiona o seu aditamento ao probatório, não são factos simples, mas antes ilações e cálculos advenientes da construção jurídica propugnada pela Recorrente, pelo que, num primeiro momento, não nos debruçaremos, com detalhe, sobre as omissões de factualidade indicadas pela Recorrente.
Tanto mais que urge iniciar a nossa análise a partir da fundamentação vertida pela AT no relatório inspectivo, que serviu de base às liquidações de IVA impugnadas nos presentes autos (neste recurso, reiteramos, somente a liquidação de IVA referente ao primeiro trimestre de 1995) – cfr. ponto 8 do probatório.
Como é jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação constantes do artigo 82.º, n.º 1 do Código do IVA (CIVA) - cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 17/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0591/15.
Isto posto, cumpre averiguar se a administração tributária fez prova, como lhe competia, da verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 82.º, n.º 1 do CIVA, para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, sendo certo que a administração tributária não se pode limitar a uma fundamentação formal do juízo que formula quanto à dedução indevida por parte do sujeito passivo. Exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam, dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material – cfr., neste sentido, entre outros, acórdão do STA, de 17/04/2002, proferido no âmbito do processo n.º 026635.
O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.
Este imposto funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.
Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.
O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa - cfr. referência no Acórdão do TCA Sul, de 22/02/2018, proferido no âmbito do processo 08959/15.
Nesta conformidade, apesar de a Recorrente, como vimos, pretender aditar factualidade à decisão da matéria de facto, antes de mais, reiteramos, importa analisar se a AT cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, isto é, do seu direito de tributar – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Pois que na correcta aplicação das regras do ónus da prova estão em causa juízos de direito, sendo de apreciar por recurso à interpretação de regras legais.
Sufragamos, portanto, a ideia de que o ponto de partida para a interpretação das regras de repartição do ónus da prova deve ser feita por reporte à previsão da norma que consagra o direito invocado pela AT na fundamentação do acto. Situando-se o problema ao nível da subsunção dos factos à norma jurídica invocada, pois que as regras de repartição do ónus da prova devem ser interpretadas e aplicadas à luz do direito substantivo, onde cada litigante tem de provar todos os pressupostos, positivos e negativos, das normas favoráveis à sua pretensão – cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, (1995), página 222.
Vejamos, então, a fundamentação da AT no relatório inspectivo para considerar indevida a dedução do IVA referente ao primeiro trimestre de 1995:
“(…) Tendo a S. exercido apenas actividades isentas de imposto sem direito a dedução, encontra-se numa situação em que a percentagem de dedução ou "pro rata" é nula, pelo que não poderá apresentar qualquer imposto a favor do sujeito passivo nas respectivas declarações periódicas.
Verificou-se que a empresa deduziu indevidamente o IVA debitado nas aquisições de bens e serviços nas declarações periódicas que a seguir se indicam e cujas cópias se anexam fls. 125/136. (…)
Como a empresa não exerceu qualquer actividade sujeita a IVA, tendo apenas liquidado, 1.624.390$00 de imposto nos termos da alínea c) do n° 8 do art° 6° do CIVA, em 18.01.1995, encontra-se em situação de crédito de imposto no valor de 4.175.340$00, pelo facto de ter vindo a reportar para os períodos seguintes os montantes de IVA a seu favor indevidamente apurados nas respectivas declarações periódicas.
Assim, deverá proceder-se à rectificação das declarações trimestrais apresentadas pela empresa, nos termos do art. 82° do CIVA, por se considerar que nelas figuram deduções superiores às devidas, liquidando-se adicionalmente os valores em falta.
Como a empresa se encontra em situação de crédito de imposto não deverá ser efectuado qualquer reembolso se eventualmente vier a ser solicitado ao abrigo do n° 6 do art. 22° do CIVA.
Apresentando a empresa um crédito de imposto de 4.175.340$00 e atingindo as deduções o montante global de 5.799.730$00, verifica-se a falta de pagamento da importância de 1.624.390$00. (…)”
A propósito do alegado erro nos pressupostos de facto e de direito, a sentença recorrida, na parte que agora nos importa, julgou da seguinte forma:
“(…) Argumenta ainda que, mesmo quanto à sobredita quantia de IVA deduzido efectivamente - 1.624.390$00 (€8.102,50) - a mesma não é devida mercê, segundo defende, de se tratar de uma operação sui generis que levou a uma liquidação e dedução simultânea ("reverse change"), que nada tem a ver com os inputs cuja dedutibilidade estaria em causa em virtude da sua actividade, conforme se depreende do artigo 23° CIVA.
Defende, a propósito, que existe erro de facto e de direito.
Vejamos.
O relatório inspectivo que esteve na base das liquidações controvertidas, conclui que o IVA liquidado adicionalmente resulta do facto de ter sido o mesmo deduzido indevidamente, vista a actividade da SGPS em causa que, apenas exerce actividades isentas e não sujeitas aquele imposto, ao abrigo do DL 495/88, do artigo 9° n° 28 e 20° n° 1 do CIVA. Por essa razão as deduções elencadas nas declarações periódicas de 1993, 1994, 1995 foram efectuadas/declaradas indevidamente.
Salienta ainda o relatório, a dedução indevida ocorrida na declaração do 1° trimestre de 1995, no montante de 1.624.390$00, ocasionada na sequência de uma liquidação de IVA feita ao abrigo do artigo 6° n° 8 c) do CIVA e dedução do mesmo montante.
(…)
A este propósito cremos que nenhuma censura merece o relatório inspectivo ao referir que: "Apresentando a empresa um crédito de imposto no valor de 4.175.340$00 e atingindo as deduções indevidas o montante global de 5.799.730$00, verifica-se a falta de pagamento da importância de 1.624.390$00"- cfr. ponto 8 dos factos provados (fls. 41 dos autos).
Contudo e apesar do referido no relatório da IGF, posteriormente, a liquidação adicional que o culminou não se cingiu ao montante de 1.624.390$00 (€ 8.102,50) ali referido, mas ao montante global de 5.799.730$00 declarado nas declarações periódicas. Ou seja, sem atentar ao IVA efectivamente deduzido (com correspondência na realidade), independentemente das deduções mencionadas nas declarações.
Do artigo 82° do CIVA, em que se ancorou a liquidação adicional posta em crise, no seguimento da acção inspectiva acima referida, resulta que, haverá lugar a rectificação da declaração do sujeito passivo quando fundamentadamente se considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior à devida, liquidando-se adicionalmente a diferença.
Na situação trazida apenas se verifica, efectivamente, uma dedução indevida de 1.624.390$00 (€ 8.102,50) respeitante ao 1° trimestre de 1995. Naquela declaração de IVA existiu liquidação de IVA naquele montante e compensação naquele mesmo valor, conforme decorre da mencionada declaração a que se refere o ponto 4 do probatório.
Porém, como a impugnante, mercê da sua actividade, SGPS, não pode deduzir IVA, é a dedução indevida à luz do artigo 23° do CIVA, DL 485/88, art. 20° CIVA.
Exercendo a impugnante apenas actividades não sujeitas, não pode apresentar imposto a seu favor, seja abstractamente dedutível seja efectivamente dedutível.
Esclarece o relatório inspectivo que foi apenas liquidado 1.624.390$00 ou € 8.102,50 (o que resultou provado), no termos do artigo 6° n° 8 alínea c) do CIVA, em 18.01.1995.
O certo é que, apesar de ter sido liquidado tal montante de IVA, o facto de estarmos perante uma sociedade (SGPS) com operações não sujeitas ao regime do IVA, não poderia a mesma deduzir tal imposto, como o fez.
Na verdade, tendo a liquidação sido efectuada à luz do estatuído no artigo 6° n° 8 al. c) do CIVA, aquele imposto assim liquidado, por uma SGPS como a impugnante, que não é como se viu um sujeito misto (art. 23° CIVA), impunha a sua entrega ao Estado (credor do imposto) e não já a sua dedução. E, os autos não dão conta que esta quantia liquidada tivesse sido entregue nos cofres do Estado, tendo sido, pelo contrário, deduzida indevidamente pela impugnante, o que determina, como refere o relatório inspectivo, que houve falta de pagamento (entrega) daquela quantia ao Estado. E, nesse contexto, nada há a apontar à liquidação adicional dessa quantia.
Decorre da conjugação dos artigos 2° n° 1 al. a), 6° n° 8 al. c) e 26° n° 1 e 3 do CIVA que, são tributáveis em sede de IVA as prestações em que o prestador dos serviços não tenha sede em território nacional e o adquirente seja um sujeito passivo os termos da alínea a) do n° 1 do artigo 2° do mencionado código. São situações em que o IVA é liquidado e pago pelo adquirente. In casu, pela impugnante.
Decorre do artigo 26° n° 3 do CIVA que, os sujeitos adquirentes dos serviços atrás indicados, que não estejam obrigados à apresentação de declarações periódicas (não sujeitos ao regime do IVA como é o caso da impugnante), devem entregar na Tesouraria de finanças competente o correspectivo imposto.
Ante todo o exposto temos que:
- Relativamente à quantia de 1.624.390$00 (€ 8.102,50), liquidado adicionalmente relativamente ao 1° trimestre, nada existe a apontar à liquidação adicional efectuada. De resto, nesse sentido apontava já o relatório inspectivo.
- Quanto ao IVA liquidado adicionalmente, relativamente aos demais períodos, 1993, 1994 e 2°, 3°, 4° trimestre de 1995, ficou provado que não houve qualquer dedução efectiva daquele IVA declarado dedutível, não tendo existido reembolso ou reclamação do crédito mencionado nas declarações periódicas respeitantes a tais períodos, donde a(s) liquidação(ões) nesta parte terá(ão) de ser anulada(s) por erradamente incorrer em erro de cálculo ou nos pressupostos.
Deste modo, temos que, deve a liquidação adicional cingir-se ao montante de 1.624.390$00 (€ 8.102,50).
Dito de outro modo, terá de proceder a anulação das liquidações de 1993, 1994 e apenas parcialmente a anulação das liquidações de 1995, uma vez que deverá manter-se válida a liquidação no que tange à sobredita quantia de 1.624.390$00 (€ 8.102,50).
Acresce referir que, no tocante à liquidação adicional de 1.624.390$00 (€ 8.102,50), apesar de referir inicialmente a impugnante que, "o montante em falta ascendeu apenas a Esc. 1.624.390$00" por corresponder ao IVA efectivamente deduzido, tendo em conta a liquidação de IVA efectuada naquele montante (cfr. ponto 33 e 39 da PI impugnação), admitindo tal dívida, a cingir-se aquele montante de 1.624.390$00 (€ 8.102,50). O certo é que, mais adiante, na mesma peça processual, salienta que ao ter sido efectuada a liquidação ao abrigo do estatuído no artigo 6° n° 8 c) do CIVA, ocorreu uma liquidação e dedução simultânea.
Como se explicou supra, não assiste, neste ponto, razão à impugnante, uma vez que, consoante se explicou, sendo a impugnante uma SGPS com as características enunciadas, ao ter liquidado o IVA, que não poderia deduzir como se explicou, tal imposto que liquidou em virtude de tratar-se de uma aquisição de serviços adquiridos a não residentes, deveria ter sido entregue, tal verba liquidada, nos cofres do Estado, em vez de a ter deduzido.
Assim, não tendo entregue aquele montante (1.624.390$00 (€ 8.102,50) ao Estado, após sua liquidação à luz do mencionado artigo 6° n° 8 c) do CIVA, justificada fica, quanto a nós, a liquidação adicional efectuada - cfr. artigo 82° e 40° do CIVA. (…)”
De facto, o que está subjacente na motivação constante do relatório, e que se encontra corroborado na sentença recorrida, é que a liquidação de IVA, referente ao primeiro trimestre de 1995, no montante de Esc.1.624.390$00 (€8.102,50) foi feita nos termos do artigo 6.º, n.º 8, alínea c) do CIVA, sendo indevida a dedução tendo em conta o artigo 20.º do CIVA e que, por essa razão, se liquidou adicionalmente, nos termos do artigo 82.º do CIVA.
Mais, a decisão da matéria de facto, considerando que não se tratava de facto controvertido, levou ao probatório o ponto 30, deixando claro que a liquidação efectuada pela Recorrente, referida no ponto 4., assentou no disposto no artigo 6.°, n.º 8, alínea c) do CIVA.
Efectivamente, tal enquadramento jurídico mencionado na fundamentação do relatório de inspecção não está colocado em causa, tanto mais que a Recorrente, para ilustrar a factualidade aqui em concreto subjacente ao normativo, em sede de diligência de inquirição de testemunhas, realizada em 14/09/2006, juntou documentação, designadamente, factura, de onde se retira que foram adquiridos pela Recorrente serviços de consultadoria financeira à sociedade não residente U., com sede em Londres, Reino Unido.
A lógica da liquidação adicional aqui em discussão reside na impossibilidade de dedução de tal IVA, porquanto, nos termos do artigo 20.º do CIVA, o direito a sua dedução se encontraria vedado, significando que a Recorrente teria a obrigação de o entregar integralmente ao Estado.
As regras de incidência subjectiva do artigo 2.º do CIVA indicam-nos que são sujeitos passivos de IVA as pessoas singulares ou colectivas que exerçam as actividades elencadas no referido preceito. E, no caso em apreço, por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços seria sujeito passivo de IVA.
Como observa, porém, CLOTILDE PALMA (cfr. Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pp. 83/84), há situações em que “o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição. São as denominadas situações de reverse charge, reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente. Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19.º, nº 1, alíneas c) e d).”
No fundo, tudo se passa como se a Recorrente fosse a prestadora do serviço. É por isso que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA acrescenta que as pessoas singulares ou colectivas referidas nesta alínea serão também sujeitos passivos do imposto pela aquisição de qualquer dos serviços indicados no n.º 8 do artigo 6.º, nas condições nele previstas:
“(…) São ainda tributáveis as prestações de serviços adiante enumeradas, cujo prestador não tenha no território nacional sede, estabelecimento estável ou domicílio a partir do qual o serviço seja prestado, desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, cuja sede, estabelecimento estável ou domicílio se situe no território nacional – (…) c) serviços de consultores (…)”
Ora, a AT ao enquadrar a liquidação neste artigo 6.º, n.º 8, alínea c) do CIVA assume que a Recorrente, enquanto adquirente, é sujeito passivo de IVA.
Pelo exposto, não corresponde à verdade que à impugnante, aqui Recorrente, estivesse vedado o direito à dedução do IVA pago, pois só ocorre esta situação de reverse charge se os contribuintes praticarem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do IVA.
Em coerência, o que pode questionar-se é se a Recorrente, de facto, era um sujeito passivo do imposto, pois somente nessa condição a prestação de serviços de consultadoria financeira seria tributável. A verdade é que a AT enquadrou linearmente a operação no artigo 6.º, n.º 8, alínea c) do CIVA, logo, é-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19.º, nº 1, alínea c) do CIVA.
Note-se que se tratou de IVA liquidado sobre uma aquisição, ao contrário do que é normal (o IVA é, regra geral, liquidado pelo transmitente dos bens ou pelo prestador dos serviços, sobre uma transmissão de bens ou sobre prestação de serviços, respectivamente), que gerou a dedução simultânea desse mesmo IVA.
Neste caso, não está em causa o IVA suportado nos “inputs”, cuja dedutibilidade poderia estar em crise a provar-se a natureza das operações e a actividade desenvolvidas pela Recorrente descritas no relatório inspectivo.
Tudo indica estar em apreço uma situação pontual, particular, dado que resulta provado que a referida liquidação adicional de IVA, relativa ao primeiro trimestre de 1995, assentou no disposto no artigo 6.º, n.º 8, alínea c) do CIVA, em que o contribuinte deduz de imediato e em simultâneo o IVA liquidado sobre os serviços adquiridos.
Estamos perante liquidação de IVA que operou legalmente por via do mecanismo do “reverse charge”, isto é, liquidação e dedução do mesmo valor de IVA (Esc. 1.624.390$00) – cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) in fine, 6.º, n.º 8, alínea c) e 19.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.
Nesta conformidade, não pode manter-se na ordem jurídica a liquidação adicional de IVA aqui em crise, que teve como pressuposto a indevida dedução do IVA liquidado.
Uma vez que a liquidação impugnada deverá ser anulada, resta prejudicado o conhecimento das questões colocadas no recurso que conduziriam a este mesmo resultado, bem como a questão da prescrição, que somente seria reexaminada na eventualidade de a impugnação judicial não dever ser julgada procedente, como o será.

Cumpre, por fim, analisar o último pedido formulado pela Recorrente, o qual a sentença recorrida não acolheu, dado ter afastado, in casu, a possibilidade de ressarcimento das despesas incorridas com a garantia prestada.
Efectivamente, a Recorrente insiste nesse direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, sustentando que, para suspender a execução subjacente às liquidações postas em crise, teve de prestar garantia bancária no montante de €45.624,52 em 04/02/1999, a qual foi levantada em Março de 2003 e que, enquanto se manteve a garantia, teve custos, designadamente comissões bancárias e imposto de selo, num total de €1.187,21, cujo montante pretende ver ressarcido à luz do estatuído no artigo 53.º da LGT e no artigo 171.º do CPPT.
Não se questiona que a Recorrente teve despesas com a prestação da garantia desde que a mesma foi constituída, conforme o demonstra o ponto 32 do probatório.
Assim, sendo ilegais, por vício de violação de lei, as liquidações adicionais de IVA efectuadas com base nas correcções referentes aos anos de 1993, 1994 e 1995, a Requerente tem direito a ser indemnizada de todos os encargos incorridos com a garantia prestada, para suspensão do processo de execução fiscal, ao abrigo do disposto do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT.
A sentença recorrida assim não entendeu, pois indeferiu, in totum, o pedido de indemnização dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia prestada para suspensão do processo de execução fiscal emergente das liquidações aqui impugnadas.
A Recorrente alerta para a circunstância de o tribunal recorrido aplicar indevidamente o disposto no artigo 183.º-A do CPPT, aditado pela Lei nº 15/2001, de 5/6 - respeitante a indemnização pelos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia em virtude do atraso na apreciação da reclamação graciosa ou de impugnação judicial, e não em virtude da procedência, total ou parcial, da impugnação judicial. Pelo que incorreu em erro de julgamento quando considerou que a garantia prestada não adveio única e exclusivamente das liquidações impugnadas, acentuando ser erróneo considerar que o contribuinte contribuiu para as correcções unilateralmente efectuadas pela Inspecção Geral das Finanças, as quais foram a única causa das liquidações aqui impugnadas, para além disso efectuadas pela AT e não pelo contribuinte.
Com efeito, a sentença recorrida afirma que as liquidações assentaram em "errada informação do sujeito passivo", mas a verdade é que se fundaram nos erros de facto e de direito que foram detectados e expressamente assinalados pela própria AT, no deferimento parcial da reclamação graciosa, e pelo Tribunal, tal como foi julgado em primeira instância e como foi complementado no presente acórdão.
Compulsando o teor da decisão recorrida, observamos que, para aferir e/ou determinar o quantum indemnizatório, a Meritíssima Juíza “a quo” verificou se, para a prestação da garantia, algo seria de imputar à aqui Recorrente.
Nesta sequência, a sentença recorrida julgou improcedente o pedido indemnizatório com a seguinte motivação:
“(…) Deste modo, ante a exposto, visto à luz da factualidade trazida, temos por seguro, conforme adiantamos já, que, tendo a liquidação em crise sido efectuada na sequência das declarações apresentadas pelo contribuinte, que, não estava sequer obrigado a apresentar por não se tratar de um sujeito abrangido pelo regime do IVA, foram as ditas declarações que estiveram na génese da liquidação adicional que as culminou. Donde, não é imputável aos serviços, mas à impugnante o seu surgimento, uma vez que, quanto a todas as liquidações impugnadas, conforme se diz na doutrina transcrita, o erro de facto, que consista na falta de correspondência entre a factualidade tomada como base da liquidação e da realidade, são imputáveis ao sujeito passivo, uma vez que as suas declarações beneficiam da presunção de verdade a que aduz o art. 75° n° 1 LGT. (…)”
Recordamos que a impugnante peticionou a fixação de indemnização pela prestação de garantia indevida, nos termos do artigo 53.º da LGT.
Este preceito estabelece que:
“(…) 1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
E, o artigo 171.º, do CPPT, consigna que:
“(…) 1. A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2. A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”
A razão que justifica a atribuição do direito a uma indemnização nestes casos é a existência de um prejuízo para o particular, provocado por uma actuação ilegal da administração, ao efectuar erradamente uma liquidação, e, por isso, a atribuição de tal direito justifica-se em todos os casos em que for detectado um erro imputável aos serviços, independentemente do prazo de três anos referido na lei e do meio processual administrativo ou contencioso em que essa determinação é feita ou ainda quando o erro sendo imputável ao contribuinte tenha sido mantida a garantia por mais de três anos.
O artigo 171.º do CPPT regulamenta o artigo 53º da LGT no qual se estabelece a possibilidade de indemnização parcial.
Como explica Jorge Lopes de Sousa in “Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado”, vol. III, Áreas Editora, 2011, p. 237:
“(…) Aí se atribui ao devedor que, para suspender a execução, tenha oferecido garantia bancária ou equivalente, o direito de ser indemnizado, total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua pretensão.
A indemnização será total ou parcial conforme o vencimento que o interessado obtenha em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida (n.º 1 daquele art. 53.º). Se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (n.º 2 daquele art. 53.º). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação é anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (n.º 1 do mesmo artigo) (…) Diferente deste direito a indemnização é o que foi reconhecido pelo art. 183-A do CPPT, reintroduzido pela Lei n.º 40/2008 de 11 de Agosto, pois há lugar a indemnização quando for reconhecida a caducidade da garantia por atraso na decisão do processo com ela conexionado, mesmo que, posteriormente, se venha a demonstrar que o contribuinte não tem razão nesse processo (no entanto apesar de se tratar de direitos de indemnização distintos, com pressupostos diferentes, as indemnizações não são cumuláveis, pois não se compreenderia que fossem indemnizados duplamente os mesmos prejuízos).”
Na medida em que a Recorrente obteve decisões favoráveis tanto em sede graciosa, como em sede contenciosa, importará ter em conta o deferimento parcial da reclamação graciosa e a procedência da presente impugnação judicial, por erro de facto e de direito das liquidações impugnadas. Logo, nesta sede, haverá que ter em conta a proporção do vencimento na impugnação judicial.
Como resulta do disposto no artigo 53.º da LGT, supra transcrito, ali se reconhece ao devedor, que ofereça garantia bancária ou equivalente, uma indemnização total ou parcial pelos prejuízos resultantes da sua prestação, em proporção do vencimento na acção (destaque nosso), caso a tenha mantido por período superior a três anos ou, independentemente desse prazo, caso ocorra erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
No caso dos autos, a ora Recorrente peticionou a anulação das liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 1993, 1994 e 1995, e dos respectivos juros compensatórios. Obteve parcial provimento em sede de reclamação graciosa, quanto aos juros compensatórios. Na parte em que o pedido da reclamação graciosa não foi deferido foi apresentada, em 08/08/2003, impugnação judicial, visando as liquidações de IVA e o reconhecimento do direito de indemnização pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da referida garantia bancária.
Assim sendo, e estando em causa na impugnação judicial apenas o valor relativo às liquidações de IVA, que não foi atendido na reclamação graciosa, o valor a considerar para efeitos da percentagem da indemnização pela prestação de garantia indevida terá que ser, forçosamente, respeitante ao montante da liquidação resultante dessas correcções e respectivo acrescido (que se mantinham como quantia exequenda no processo de execução fiscal), e cuja ilegalidade, por erro sobre os pressupostos, imputado à AT, constitui o fundamento para a sua anulação e responsabilidade desta pelos custos suportados com a garantia.
Assim, o tribunal apenas tem que se pronunciar em sede de impugnação judicial sobre essa parte da garantia – cfr. Acórdão do STA, de 22/02/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0468/16.
In casu, a garantia bancária foi mantida por mais de três anos. Mas, na nossa óptica, existiu erro nas liquidações imputável à AT, pelo que não havia sequer a necessidade do decurso daquele referido prazo de três anos para conferir à Recorrente o direito a ser indemnizada. Porém, será na medida do vencimento nesta impugnação judicial que será determinada a indemnização pelos prejuízos que a Recorrente teve (cuja proporção é realizada sobre o valor quase integral, dado que na reclamação graciosa o vencimento tem uma expressão diminuta por somente ter sido dada razão quanto aos juros compensatórios).
Pelo exposto, é forçoso conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente procedente, reconhecendo-se o direito à Recorrente de ser ressarcida dos prejuízos que suportou por força da prestação de garantia indevida, na proporção do vencimento nesta acção.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) in fine do Código do IVA acrescenta que as pessoas singulares ou colectivas referidas nesta alínea serão também sujeitos passivos do imposto pela aquisição de qualquer dos serviços indicados no n.º 8 do artigo 6.º, nas condições nele previstas – são situações em que o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo de IVA pela respectiva aquisição.

II - Estamos perante as denominadas situações de reverse charge, em que ocorre a reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente.

III - Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código do IVA.

IV - No artigo 53.º da LGT reconhece-se ao devedor, que ofereça garantia bancária ou equivalente, o direito a uma indemnização total ou parcial pelos prejuízos resultantes da sua prestação, em proporção do vencimento na acção, caso a tenha mantido por período superior a três anos ou, independentemente desse prazo, caso ocorra erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente procedente, anulando, também, a liquidação adicional respeitante ao primeiro trimestre de 1995, no valor de Esc. 1.624.396$00 (€8.102,50).
Reconhece-se, ainda, o direito de a Recorrente ser ressarcida das despesas que suportou com a prestação de garantia indevida, na proporção do vencimento nesta acção.
*
Sem custas em ambas as instâncias, por a Fazenda Pública delas estar isenta – cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro.
*
Porto, 14 de Outubro de 2021

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares