Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00105/14.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/12/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
FACTO CONSUMADO
Sumário:I) – Numa providência conservatória de suspensão de eficácia de pena disciplinar de suspensão o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado compreende-se em função da garantia da «tutela de conteúdo repristinatório» emergente da decisão judicial anulatória a que é instrumental.*
*Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:OM...
Recorrido 1:NJVFA...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
OM, com os sinais nos autos, inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Coimbra, em 04.04.2014, que julgou procedente a providência cautelar contra si interposta por NJVFA, em que peticionava o decretamento de suspensão de eficácia do acórdão do Conselho Nacional de Disciplina, tirado na sessão de 9 de Dezembro de 2013, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão da actividade médica pelo período de seis meses.
No seu recurso, formula o autor as seguintes conclusões:
1) A sentença recorrida que decretou a requerida providência fez uma errónea qualificação dos factos e aplicação do direito, no que concerne à existência de uma situação irreparável ou de difícil reparação, em conjugação com a aparência de bom direito, por força do que se estabelece no nº 1, al. b) do art. 120º do CPTA.
2) Na verdade, não é aceitável o entendimento expresso na sentença que a aplicação da sanção de inatividade, apesar de poder ser materialmente compensada “apresenta os contornos de uma situação de facto consumado, pois que, como é óbvio, jamais poderá ser eliminado da realidade vivida”.
3) tal entendimento expresso na sentença, dada a sua extensão e óbvia generalização, conduziria, na prática, a uma verdadeira inovação legislativa, acrescentando às situações previstas nas al.s a) e b) do nº 1 do art. 120º uma outra aplicável às suspensões de atividade, expulsão ou despedimento.
4) Efetivamente, sempre que existe um despedimento, uma expulsão ou suspensão de atividade, a sua concretização leva à existência de uma situação que, embora economicamente reparável, jamais será apagada da realidade de quem a sofre.
5) No caso em apreço, temos como assente que a requerente já foi condenada criminalmente, por decisão transitada, pela prática dos mesmos factos e que se encontra reformada, não se mostrando comprovado que exerça atualmente atividade médica.
6) Daí que, o efeito para a reputação da requerente não resulte, sobretudo, do cumprimento desta pena, mas antes, da circunstância de já ter sido condenada pela prática do crime consubstanciado nos mesmos factos. Ou seja, o meio onde a requerente se insere e onde a penalidade disciplinar agora pode ser considerada, não é ignorante quanto às circunstâncias que determinaram a sua aplicação, por já ter havido antes uma pena criminal.
7) E, portanto, a existência de uma sanção disciplinar aparecerá, apenas, como consequência e desenvolvimento natural dos factos que determinaram a existência de ambos os processos.
8) E estando a requerente reformada é manifesto que a repercussão da suspensão da atividade, por via da aplicação da pena determinada no acórdão impugnado, não pode deixar de ser mínima.
9) Pelo que, no caso concreto, se não está perante uma situação de facto consumado ou de difícil reparação, não se mostrando preenchidos os requisitos cumulativamente exigidos pela norma do nº 1, al. b) do art. 120º do CPTA para poder ser decretada a suspensão.
10) Ao decidir como decidiu, violou a sentença recorrida tal norma legal, devendo ser revogada, indeferindo-se a providência requerida, com as legais consequências.
A recorrida NJVFA apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
a) A sentença recorrida não violou a disposição legal invocada pela recorrente porquanto não decretou a providência dando apenas por verificado um dos requisitos exigidos na norma, pelo contrario apurou da existência dos requisitos legais exigiveis ao decretamento: verificação do fumus boni iuris, do periculum in mora, e porque de providencia conservatória se trata considerou o perigo na demora do processo, e a consequente situação de facto consumada e o perigo de difícil reparação a que acresce o fumus non malis iuris, a significar que apurou não ser manifesto que o interessado não tem razão.
b) Impondo-se, por isso, o reconhecimento do justificado receio de ocorrência de prejuízos de reparação difícil e de verificação de facto consumado e a consequente suspensão da eficácia do acto impugnado.
c) De facto, no caso dos autos, a não concessão da providência cautelar geraria claramente uma situação de “facto consumado”, porque a pena disciplinar de suspensão da actividade por seis meses cumprir-se-á ou estará cumprida na sua totalidade aquando da prolação da decisão final no processo principal, de que constitui dependência a presente providência cautelar, do que decorre a existência de fundado receio que a sentença, salvaguardando, reconheceu e declarou, por se tornar impossível a reintegração no plano dos factos da situação preexistente à prolação do acórdão suspendendo uma vez que obtida a procedência da pretensão formulada pela recorrida na acção principal.
d) Reconhecidamente a Doutrina e a Jurisprudência consideram que o requisito “periculum in mora” se encontra preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis, e sobremaneira que o acto cuja execução envolva como consequência a cessação da atividade profissional implica a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente cautelar visa assegurar no processo principal.
e) Razão pela qual a decisão recorrida não enferma de qualquer violação de lei, por via duma qualquer alegada violação de norma – art. 120º, nº 1, alínea b) do CPTA.
f) Afirmado, além do mais, o requisito traduzido no periculum in mora e o reconhecimento de que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal e acrescidamente porque dela não resultam danos desproporcionados não pode proceder uma qualquer alegada violação de norma, por interpretação oportunista do seu âmbito, o qual, na unanimidade jurisprudencial nunca se circunscreverá ao que a recorrente alega de forma restritiva ao segmento da alínea b) constante do art. 120º, nº 1, alínea b) do CPTA
g) In casu o julgador procedeu a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na ação principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
h) Até porque, contrariamente ao entendimento anterior à reforma do contencioso administrativo, não procede à luz do novo regime, para afastar a dificuldade de reparação desses prejuízos, a exigência da irreparabilidade dos danos ou o argumento de os prejuízos serem suscetíveis de avaliação pecuniária ou passíveis de indemnização.
i) E o que se retira das proposições conclusivas a que se responde é a afirmação de que esta concreta pena disciplinar não constitui um qualquer dano, e porquê? Porque é uma mera consequência do processo criminal. Ou seja, mal andou o legislador ao prever a existência da jurisdição disciplinar, e daí se percebe dificuldade interpretativa que a norma posta em causa revela à recorrente.
j) Mas, em obediência à Lei e ao entendimento Jurisprudencial, deve confirmar-se a sentença proferida e e supra transcrita nos seus precisos termos, por nenhuma ilegalidade a afrontar, desde logo porque julgou verificados os pressupostos que ditam o decretamento da providencia requerida, dando por demonstrada a a produção de prejuizos como ocnsequencia directa da execução do acto suspendendo e, consequentemente, o fundado receio da produção de prejuizos de dificil reparação, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, tendo-se concluido que a aituação juridia permite a afirmação da existência do periculum in mora, exigido pelo nº 1 do art. 120º do CPTA, bem como concluiu que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no ambito da acção principal,
k) Reconhecendo, em consequência que estavam verificados os pressupostos constantes da alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, o que se impõe seja confirmado
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
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A factualidade, tida em prova indiciária pela 1ª instância e agora também ponderada:
1. A última consulta da falecida MC com a Requerente, teve lugar em 29 de Maio de 1998 (artigo 2.67 do R.I.);
2. A Requerente foi notificada da acusação em processo criminal em 4 de Junho de 2003 (artigo 2.65 e 2.70 do R.I.);
3. Por despacho de 9 de Janeiro de 2011, pelo relator do Conselho Disciplinar Regional do Centro da OM, foi determinada a suspensão do processo até ao trânsito em julgado da decisão da queixa-crime apresentada contra a Requerente (ponto 59 do artigo 2.33 do R.I.);
4. Por douta Sentença de 6 de Outubro de 2005, do 1.º Juízo dos Juízos Criminais do Tribunal Judicial de Coimbra, a Requerente foi condenada “pela prática de um crime por ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pelos art.ºs 148.º d.ºs 1 e 3, com referência ao art.º 144.º al. a), ambos do Cód. Penal (…) na pena de 150 (cento e cinquenta dias) de multa, à taxa diária de € 80,00 (oitenta euros), perfazendo € 12.000,00 (doze mil e quatrocentos euros) ou, subsidiariamente, 100 (cem) dias de prisão” (Doc. n.º 2 junto à oposição do c/Interessado);
5. Por douto Acórdão de 24 de Maio de 2006, do Ven.º Tribunal da Relação de Coimbra, foi decidido negar provimento aos recursos e confirmar a douta sentença recorrida (Doc. n.º 3 anexo à oposição do c/Interessado);
6. Em douto Acórdão de 20 de Março de 2007, o Ven.º Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pela ora Requerente (Doc. n.º 4 anexo à oposição do c/interessado);
7. A Requerente foi notificada do acórdão do Conselho Nacional de Disciplina da OM, tirado na sessão de 9 de Dezembro de 2013, em 22 de Janeiro de 2014 (doc. n.º 1 anexo ao R.I. – acto suspendendo).
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O Direito:
De harmonia com o disposto no art. 112.º, n.º 1, do CPTA, «quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo».
Peticionou a agora recorrida a suspensão de eficácia do acórdão do Conselho Nacional de Disciplina, tirado na sessão de 9 de Dezembro de 2013, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão da actividade médica pelo período de seis meses.
Depois de expressamente ter afastado decisão por evidência de pretensão (art.º 120º, nº 1, a), do CPTA), debruçou-se o tribunal “a quo” sobre a ocorrência ou não de “periculum in mora” (percebendo-se, ainda que não tenha sido explícito de todo, que perspectivou, quanto à bondade de causas de ilegalidade imputadas pela requerente, um “fumus non malus iuris”).
Unicamente aqui sob recurso a forma como o tribunal “a quo” operacionalizou decisão sob batuta do art.º 120º, nº 1, b), do CPTA, afirmativa do periculum in mora.
No cerne do discurso fundamentador da sentença, a este propósito, exarou-se (sic):
Quanto ao periculum in mora a Requerente abstém-se, efectivamente, de caracterizar por via da arguição de um factualidade convincente, os prejuízos materiais consequentes da imediata execução da pena disciplinar, excepto quanto ao receio do seu afastamento das entidades privadas a quem presta serviço e, consequentemente, da profissão.
Argumenta no que tange a danos morais, o receio de afectação da sua reputação profissional angariada ao longo de mais de quarenta anos de exercício, defendendo a superioridade do seu interesse na suspensão do acto relativamente ao público, na execução imediata.
Se no plano económico/financeiro, por escassez de factos caracterizadores, é impossível concluir que a imediata execução do acto suspendendo é susceptível de infligir à Requerente qualquer prejuízo que posterior indemnização pela eventual ilegalidade da suspensão de exercício decretada, não seja apto a reparar, o mesmo já não acontece na área não patrimonial.
Por óbvio, não carece de prova, até porque não se revela impugnada pela contraparte, a alegação de que a suspensão do exercício da medicina, impossibilita a prática de actos médicos por parte da Requerente.
É igualmente irrefutável que o período de inacção, podendo ser materialmente compensado, jamais poderá ser apagado da vida da Requerente, em caso de sucesso do pedido formulado ou a formular na acção principal.
No particular respeitante à dimensão e irreparabilidade dos prejuízos causados, deve assinalar-se, contra quanto defende a contraparte, que o afastamento da Requerente do exercício efectivo da medicina, apresenta os precisos contornos de uma situação de facto consumado, pois que, como é óbvio, jamais poderá ser eliminado da realidade vivida.
É claro que nos interesses que cabe à Requerente defender para procedência da providência cautelar não se incluem as preocupações relativamente aos cuidados de saúde de que, alegadamente, ficam privados os seus clientes; por esses deve pugnar a entidade Requerida, os próprios, ou o Ministério Público. Todavia, não é menos evidente que o impedimento de a Requerente praticar actos médicos afectará indelevelmente a sua reputação, comprometendo o seu bom nome, com os exactos contornos do facto consumado, cujo receio de ocorrência constitui fundamento para a concessão da providência.
Na realidade, o prejuízo imediato para a reputação do Requerente surge substancialmente mais relevante em relação à opinião pública do que em termos económicos, que não enfatiza minimamente, limitando-se a considerar que o agregado familiar da Requerente e marido depende da prestação de serviços médicos, e que tivesse que, desde há algum tempo a esta parte, prestar ajuda às filhas.
Se é verdade que a privação do vencimento apenas constituirá pressuposto para a verificação de dano irreparável quando for susceptível de privar o Requerente de rendimento essencial a uma existência condigna, própria e do respectivo agregado familiar, o que não vem alegado, não o é menos que a notícia da suspensão disciplinar da Requerente, pelo significativo período de seis meses, é susceptível de afectar negativamente a sua reputação, de forma a que a mera reposição da situação anterior à prática do acto, ou mesmo a atribuição de uma indemnização monetária, jamais poderá reparar.
Não deve perder-se de vista, ainda assim, que no caso de insucesso do pedido a formular na ac­ção principal, o período de suspensão há-de ser cumprido, e estará sempre em tempo, enquanto a Requerente mantiver a inscrição na OM.
Por outro lado, relativamente àquele que assiste à Requerente, o interesse público envolvido não resulta prejudicado.
Com efeito, diferentemente de quanto argumenta o contra-interessado, jamais a imagem pública dos Hospitais da Universidade de Coimbra poderá ser afectada pela procedência do pedido cautelar, até porque, segundo afirma, a Requerente estará já na situação de reforma, e a mera suspensão judicial, deixa incólume o procedimento instaurado, bem como a sanção aplicada.
Na realidade, a Requerente mantém-se inscrita na Ordem, pelo que a pena suspensiva po­de perfeitamente aguardar pela apreciação judicial da conformidade da sua aplicação com a lei (tal acontece desde a data dos comportamentos objecto do procedimento disciplinar) uma vez que a Requerente suscitou dúvidas quan­to à respectiva legalidade, que o tribunal considera justificativas de uma mais detida apreciação, por se não prefigurarem como manifestamente improcedentes.

Insurge-se a recorrente contra este entendimento, sustentando, em síntese, que o tribunal incorreu em erro de julgamento ao apreciar o requisito do “periculum in mora”.
Posição contrária é a da recorrida, que alinha na esteira do decidido.
Quid iuris?
O art.º 120º do CPTA consagra os critérios gerais de decisão das providências cautelares:
Artigo 120.°
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;
b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
c) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2— Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
3— As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, podendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença.
4 — Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.
5 — Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adopção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.
6 — Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adoptadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.° 1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.

Resumindo os pressupostos em que assenta a lógica legal de decisão, conforme sumariado no Ac. do STA, de 12-01-2012, proc. nº 0857/11
I - Os requisitos para o decretamento da suspensão de eficácia de um acto administrativo (artº120º do CPTA) são os seguintes: (i) que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); (iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência).
II - E tal como no sistema anterior (regime consagrado na LPTA) a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa.
III - O fumus boni juris tem uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento.
IV - A alínea b) do nº1 do artº120º do CPTA satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.
V - Ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº120º nº1 al.b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante”.
VI - Danos de difícil reparação são “aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”.

Como se sabe, «o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente [cfr. arts. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, e 365.º, n.º 1 do CPC/2013 (anterior art. 384.º, n.º 1 do CPC/2007)] [cfr., entre outros, Acs. STA de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 19.11.2008 - Proc. n.º 0717/08, de 22.01.2009 - Proc. n.º 06/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCAN de 11.02.2011 - Proc. n.º 01533/10.6BEBRG, de 08.04.2011 - Proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A, de 08.06.2012 - Proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B, de 14.09.2012 - Proc. n.º 03712/11.0BEPRT, de 30.11.2012 - Proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A, de 25.01.2013 - Proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A, de 25.01.2013 - Proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A, de 08.02.2013 - Proc. n.º 02104/11.5BEBRG, de 17.05.2013 - Proc. n.º 01724/12.5BEPRT, de 31.05.2013 - Proc. n.º 00019/13.1BEMDL in: «www.dgsi.pt/jtcn»], bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos.» – Ac. do TCAN, de 28/02/2014, proc. nº 01701/13.9BEBRG.
No que tange a eventuais danos no plano económico/financeiro, assinalou o tribunal “a quo” nada resultar em favor da requerente da providência.
Todavia, perspectivou que adviria: i) um facto consumado, caso se admitisse eficácia à pena de suspensão; ii) um prejuízo moral, de reputação.
Quanto ao requisito do “periculum in mora”, a que alude a 1ª. parte da al. b) do nº 1 do art. 120º. do CPTA, este traduz-se no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in “Comentário ao CPTA”, 2005, pág. 606).
Na expressão do Ac. deste TCAN, de 11-02-2011, proc. nº 01533/10.6BEBRG :
IV. Os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do acto em crise e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora susceptíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica do requerente, devolvendo-lhe a situação em que ele se encontraria não fora a execução havida daquele acto.
V. Estar-se-á em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respectiva lesão.
Ora, se em relação ao alegado dano de reputação bem mais próximos estamos da posição da recorrente - havendo, na nossa perspectiva de o relativizar perante antecedente pronúncia criminal, em primeiro grande impacto, a que a decisão disciplinar, subsequente, se acrescenta, digamos assim, já de menor surpresa e “já de mal causado” (em que o que afecta a reputação, mais que a punição disciplinar, é a afirmação do ilícito já dita em sede criminal) -, já quanto ao que respeita à afirmação ou não de facto consumado temos por correcto julgamento aquele que foi feito pelo tribunal “a quo”.
Não se trata, como sustenta a recorrente, de uma generalização que conduz “a uma verdadeira inovação legislativa, acrescentando às situações previstas nas al.s a) e b) do nº 1 do art. 120º uma outra aplicável às suspensões de atividade, expulsão ou despedimento.”
Antes de tratar situações em particular, reconhecendo ou não facto consumado; e situações de vida há em que essa até pode ser mais genérica realidade, seja pela própria natureza das coisas, seja pelo justificativo complexo de circunstâncias.
Nas palavras de M. Aroso de Almeida “... se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão ‘facto consumado’ (in: “Manual de Processo Administrativo”, 2010, págs. 475 e 476).
Ora, julga-se acertada a afirmação pelo tribunal “a quo” de que “a suspensão do exercício da medicina, impossibilita a prática de actos médicos por parte da Requerente”.
Vedada essa prática à requerente, ainda que apenas pelo assinalado tempo de suspensão, esse é tempo que não pode mais ser recuperado, recaindo, de vez, e irreversivelmente, efeitos impeditivos da prática profissional.
A este nível “não poderemos deixar de reconhecer e de assegurar o papel/função da tutela cautelar também enquanto garantia da «tutela de conteúdo repristinatório» emergente da decisão judicial anulatória, ou seja, de assegurar a realização efectiva do direito ou interesse lesado pelo acto ilegal e não a mera tutela da reparação de danos (danos emergentes e lucros cessantes) que eventualmente se produzirão na pendência do processo impugnatório” – Ac. do TCAN, de 15-07-2011, proc. nº 00220/10.0BEMDL.
Sobre a ponderação de interesses, nenhuma objecção vem a terreiro.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em julgar improcedente o recurso.
Custas, nesta instância: pela recorrente.
Porto, 12 de Agosto de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Mário Rebelo