Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00047/13.7BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Esperança Mealha
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:A falta de notificação do resultado de diligência de prova, requerida pelo arguido em processo disciplinar, impede-o de exercer o direito ao contraditório e consubstancia a omissão de uma formalidade essencial à sua defesa adequada, com a consequente invalidade da respetiva decisão punitiva.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JCSOD
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
JCSOD interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, que julgou improcedente a ação administrativa especial que a Recorrente intentou contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, na qual peticiona a declaração de nulidade do despacho do Inspetor Geral das Atividades em Saúde, de 20.07.2012, que lhe aplicou a pena disciplinar de multa no valor de 250€.

A Recorrente conclui as suas alegações como se segue:

1. A Recorrente não foi notificada do Relatório Pericial de informática, diligência probatória requerida no processo pela mesma;

2. Nos termos dos arts. 269.º, n.º 3, 32.º, n.ºs 5 e 10, da CRP, era assegurado à Recorrente o direito de se pronunciar sobre todo e qualquer material probatório levado ao processo disciplinar, havendo que facultar-lhe para o efeito prazo razoável antes da decisão punitiva;

3. Não andou bem a douta decisão recorrida ao, sem atender ao disposto no artigo 32º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18º, da CRP, não declarar que a falta desta notificação constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 37.º do E.D.

4. Por consequência, ao contrário do estatuído na douta decisão recorrida, a falta da notificação gerou a anulabilidade do ato final decisório do Recorrido, nos termos do art. 135.º do CPA;

5. Não foi realizada a notificação do resultado Relatório Pericial à Recorrente, não sendo, por consequência, realizadas todas as diligências exigidas pelo direito, pelo que não se mostrou cumprido o dever de audiência daquele;

6. A falta de notificação de interessados conhecidos no procedimento traduz a mais flagrante violação do direito de audiência;

7. A evolução recente do direito disciplinar entre nós, designadamente a partir do texto constitucional de 76, conferiu ao princípio da audiência e defesa do arguido dignidade e proteção de direito fundamental, “culminando o movimento já antes iniciado de “jurisdicionalização” do processo disciplinar” (in CJA, n.º8, Março/Abril, 1998, pág. 6);

8. Segundo RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (in CPA Anotado, pág. 450), “Nos processos disciplinares, seja por via da consideração do direito substantivo de que a audiência é instrumento (o direito de manter o vínculo de emprego público) seja por via da própria natureza do processo e do tipo de sanção cominada – também se chegará à mesma conclusão: sem audiência do arguido, é nula a decisão final, por violação de uma garantia fundamental que, para estes procedimentos, está consagrada no n.º3 do art. 269.º da Constituição, segundo o qual “em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa” – garantia que, no entender de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, deveria ser extensiva a todos os procedimentos administrativos sancionatórios...”;

9. Nos termos do art. 37.º, n.º1, do E.D., “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade”;

10. Por consequência, o desrespeito crasso por este direito de audiência e de defesa em processo disciplinar, na função pública, que constitui garantia fundamental dos arguidos, como o proclama o art. 269.º, n.º3, da CRP, gera a sua violação, desembocando na anulabilidade do acto final decisório que aplicou a multa à Recorrente, por ofensa desse direito fundamental – cfr. art. 135.º do CPA, e art. 37.º, n.º1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local;

11. Por tudo isto, não andou bem a douta decisão recorrida ao não anular o acto decisório do Recorrente, por violação do disposto nos arts. 269.º, n.º3, 32.º, n.ºs 1, 3, 10, ex vi art. 18.º, todos da CRP, e 100.º e ss. do CPA.

*
O Recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:
A. A Recorrente apresentou defesa escrita no procedimento disciplinar, requereu a junção de prova documental e testemunhal e a realização de diligências probatórias, que foram deferidas.

B. Pelo que, a Recorrente utilizou no procedimento disciplinar todos os meios de defesa postos ao seu alcance pelo ED.

C. A Recorrente não tinha que ser notificada do projeto de decisão nos termos do artigo 100.º do C.P.A..

D. Nem a falta de tal audiência torna nulo o ato impugnado.

E. Bem decidiu a sentença recorrida por entender que o direito de defesa e audiência do arguido em processo disciplinar é exercido nos termos dos artigos 49.º a 53.º do ED, não havendo lugar à audiência prévia nos termos do artigo 100.º co C.P.A.

F. Na verdade, a lei não exige que, previamente ao relatório final previsto no ED, o arguido seja notificado para se pronunciar quanto ao sentido da decisão.

G. Isto porque o processo disciplinar previsto no ED, é um “processo especial” regulado exaustivamente, por normas próprias, as que constam do ED.

H. E, o ED não prevê que, previamente à elaboração do relatório final, o arguido seja notificado para se pronunciar quanto ao sentido provável da decisão final.

I. Isto dado a lei regular especificamente (art.ºs 49.º a 53.º do ED): o direito de defesa e audição do arguido em sede de processo disciplinar, prevendo e regulando os referidos preceitos a notificação da acusação para apresentação de defesa escrita (art.º 49.º), o exame do processo, a apresentação de defesa (art.º 51.º), a confiança do processo (art.º 52.º) e a possibilidade de o arguido requerer a produção de prova (art.º 53.º).

J. Acresce que, o n.º 1 do art.º 54.º do ED refere que finda a fase de defesa do arguido, “o instrutor elabora no prazo de 5 dias um relatório final completo e conciso (…)”.

K. Por outro lado e sustentando o mesmo entendimento, o n.º 1 do art.º 55.º determina que “Junto o parecer referido no n.º 4 do artigo anterior, ou decorrido o prazo para o efeito (…), a entidade competente analisa o processo, concordando ou não com as conclusões do relatório final, podendo ordenar novas diligências, a realizar no prazo que para tal estabeleça.”

L. Verifica-se que o legislador determinou no ED, passo a passo, toda e a mais ampla defesa do arguido até ao momento da decisão final.

M. Tal reforça o entendimento de que o direito de defesa e audição do arguido no procedimento disciplinar é o que consta dos artigos 49.º a 53.º do ED.

N. Não havendo, portanto, lugar, nos procedimentos disciplinares regulados pelo ED, lugar à audiência prévia prevista no art.º 100.º do C.P.A..

O. Não existiu falta de audiência do arguido com violação dos artigos 18.º, 32.º, n.º 5 e n.º 10, e 269.º n.º 3 da C.R.P. por a Recorrente não ter sido notificada do relatório pericial de informática, diligência probatória por si requerida no procedimento disciplinar.

P. Nesse sentido, bem decidiu a sentença recorrida.

Q. A Recorrente foi ouvida no procedimento disciplinar e apresentou a sua defesa escrita.

R. A Recorrente requereu no procedimento disciplinar a realização duma diligência probatória, uma perícia informática, tendo sido notificada de que a mesma lhe foi deferida.

S. A Recorrente tinha a faculdade de pedir a consulta do processo para o caso de ter interesse em tomar conhecimento do resultado da dita perícia.

A. O que, contudo, não fez.

B. Bem decidiu a sentença recorrida ao entender que “Ao contrário do sustentado pela A., a circunstância de não ter sido esta notificada do teor do relatório da perícia efetuada em sede de procedimento disciplinar não constituiu qualquer violação dos seus direitos.”

C. É que a perícia em apreço foi requerida pela ora Recorrente.

D. E a leitura conjugada da acusação e do relatório final, revela que do relatório da perícia não foram extraídos novos factos que tenham influenciado o teor do relatório final.

E. O Estatuto Disciplinar não prevê a obrigatoriedade de os arguidos em procedimento disciplinar serem notificados para se pronunciarem quanto ao teor de diligências probatórias levadas a cabo e que não implicaram a consideração de qualquer facto que não constasse já da acusação.

F. Importa ainda referir ser de concluir que os artigos 53.º e 54.º do Estatuto Disciplinar não preveem a obrigatoriedade de notificação aos arguidos em procedimento disciplinar do resultado das diligências.

G. Não se mostrando evidente que a falta de notificação do relatório pericial tenha redundado na violação do invocado direito de defesa.

H. Portanto, não existiu a alegada violação dos artigos 18.º, 32.º, n.º 5 e n.º 10, e 269.º n.º 3 da C.R.P..

Pelo que, só pode concluir-se que o ato impugnado não padece da nulidade que lhe é imputada pela Recorrente.

*
A Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Norte emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, considerando que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e que o ato impugnado padece de vício de forma por preterição da audiência dos interessados (artigo 100.º CPA), o que determina a sua anulabilidade, e é também ilegal por omissão de formalidade essencial, no caso, de notificação à arguida do resultado de diligência de prova, em violação do princípio do contraditório.
***
2. Objeto do recurso
Tal como delimitado pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, o presente recurso tem por objeto o erro de julgamento imputado à decisão recorrida, cuja apreciação implica responder a duas questões que estão interligadas e são indissociáveis: saber se, no âmbito de processo disciplinar, a falta de notificação à arguida (aqui Recorrente) do Relatório Pericial de informática, emitido em diligência probatória requerida pela própria, constitui preterição de formalidade essencial, geradora da invalidade do ato disciplinar punitivo; e saber se a falta de notificação do referido Relatório, determinava a obrigatoriedade da audiência prévia da arguida, nos termos do artigo 100.º do CPA, a qual não tendo ocorrido também determina a invalidade do ato.

Cumpre referir que, ainda que esta segunda questão não esteja claramente expressa nas conclusões do recurso, verifica-se que a mesma está bem enunciada no corpo das alegações, pelo que não pode deixar de ser apreciada. Além disso, importa precisar que o problema colocado – tal como enunciado pela própria Recorrente – não é o de saber se nos processos disciplinares, em geral, há lugar a audiência prévia nos termos do artigo 100.º do CPA (nomeadamente quanto ao teor do Relatório Final), mas sim o de saber se tal audiência se impunha no caso em apreço, face à omissão da notificação do resultado de uma diligência probatória requerida pela arguida, aqui Recorrente.

***
3. Factos
A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos:

A) Por despacho proferido em 10 de Fevereiro de 2011 pelo Inspetor-Geral das Atividades em Saúde foi instaurado à A. processo disciplinar – cfr. fls. 1 do P.A..

B) No dia 23 de Setembro de 2011 foi elaborada acusação, da qual se extrai o seguinte:

(…)

39º

A arguida tinha as condições necessárias, estava obrigada e era capaz de ter adoptado as condutas médicas que se impunham, designadamente podia ter requisitado ab initio as análises clínicas em nome de JFAM, podia, após ter sido alertada para o erro, e antes de ter sido efectuada qualquer colheita de sangue, requisitado as análises em nome daquele doente e podia ter rectificado a identificação do doente da forma que entendesse mais adequada (mesmo de forma manuscrita) e eficaz quando imprimiu as análises e as juntou ao processo clínico, com vista a evitar qualquer confusão por parte dos colegas que iam avaliar o caso, o que não fez por manifesta negligência que configura um caso de negligência grave:

40º

Com a conduta supra referida, a arguida incorreu em responsabilidade disciplinar, tendo praticado factos que configuram a prática de infracção disciplinar prevista no nº 1 do artigo 3º do ED, a título de negligência grave, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de zelo previstos nas alíneas a) e e), do nº 2 e nºs 3 e 7 do artigo 3º do ED, e ainda, dos deveres especiais/profissionais previstos nas alíneas a), c) e f) do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 177/2009, de 4 de Agosto, que estabelece o regime da carreira especial médica. (….) – cfr. fls. 35/39 do P.A. que se dão por reproduzidas.”

C) A A. apresentou resposta à acusação, tendo requerido a inquirição de testemunhas, bem como “…a peritagem aos computadores que foram utilizados no dia 13 de Agosto de 2009, no SU, com o sistema informático SAM para requisitar análises para o Laboratório e com o sistema informático designado por “Clinidata”, esclarecendo:

a) O que se entende por “data de introdução”, “quem introduziu”, “data prometimento”, “data de validação” e “técnico”?

b) Como se efectua um “bloqueio” de pedido”?

c) Quem tem de participar na operação de “bloqueio”, quem pode executar o “bloqueio” e quem obrigatoriamente participa no acto?

d) Qual o resultado da verificação, se houve alteração de dados, bem como se dados podem ser ou não alterados e por quem?” – cfr. fls. 64/72 do P.A. que se dão por reproduzidas.

D) Por despacho proferido em 10 de Novembro de 2011 pelo Chefe da Equipa Multidisciplinar de Acção e Auditoria Disciplinar da Inspecção Geral das Actividades em Saúde foram nomeados três peritos da área informática – cfr. fls. 151 do P.A.

E) Por despacho proferido em 25 de Novembro de 2011 foi indeferido o incidente de impedimento do perito indicado pela Inspecção-Geral de Actividades em Saúde – cfr. fls. 203 do P.A..

F) Por despacho proferido pelo Inspector-Geral das Actividades em Saúde foi ordenada a substituição do perito AMP – cfr. fls. 227 do P.A..

G) Foi elaborado o relatório de peritagem constante de fls. 272/288 do P.A. que se dão por reproduzidas.

H) No dia 19 de Julho de 2012 foi elaborado o “Relatório IGAS nº 160/2012” do qual se extrai o seguinte:

(….)

“6.2. Da Matéria de Direito

6.2.1. A arguida agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei e que com o seu comportamento incorria em responsabilidade disciplinar.

6.2.2. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 3º ED, considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais e especiais inerentes à função que exerce.

6.2.3. A infracção disciplinar é, em regra, meramente formal, consumando-se com a violação (por acção ou omissão) culposa de deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida (cfr. artº 3º, nº 1 do ED).

6.2.4. Os factos imputados à arguida – descritos ao longo da matéria de facto dada como provada – revelam e demonstram que aquela não procedeu com o cuidado, com a diligência a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, no que respeita à requisição das análises clínicas em nome do doente JMGJ e não de JFAM com era a sua intenção, uma vez que quando foi alertada para o erro na identificação do doente pela Técnica RN, e, antes de qualquer colheita, poderia/deveria ter feito uma requisição em nome de JFAM, resolvendo, desde logo, a situação, evitando todos os procedimentos anómalos subsequentes que, entretanto, ocorreram.

6.2.5 Na verdade, a arguida, informada do facto e das envolventes informáticas, nada fez, tendo impresso as análises em nome de JMGJ, juntando-as ao processo clínico, sem fazer qualquer rectificação (mesmo de forma manuscrita), e, tendo mesmo, entregue o processo ao director do Serviço de Urgência, sem qualquer rectificação, tendo saído do turno pelas 22h30m sem resolver o problema, sendo, consequentemente, directa ou indirectamente responsável pela facto de o Dr. AD ter entregue aquelas análises ao doente aquando da alta.

6.2.6. A Perita não tomou em linha de conta as análises clínicas efectuadas em nome do doente JMGJ por entender que formalmente e, do ponto de vista médico, as análises respeitam àquele doente e não ao JFAM.

6.2.7. Sendo certo que, quer do ponto de vista médico, quer do ponto de vista jurídico, a regularidade e correcção dos procedimentos médicos têm uma função garantística, quer para o doente e para os profissionais do HDA, quer para as entidades de fiscalização, controlo e outras.

6.2.8. A arguida tinha as condições necessárias, estava obrigada e era capaz de ter adoptado as condutas médicas que se impunham, designadamente podia ter requisitado ab initio as análises clínicas em nome de JFAM, podia, após ter sido alertada para o erro, e antes de ter sido efectuada qualquer colheita de sangue, requisitado as análises em nome daquele doente e podia ter rectificado a identificação do doente da forma que entendesse mais adequada (mesmo de forma manuscrita) e eficaz quando imprimiu as análises e as juntou ao processo clínico, com vista a evitar qualquer confusão por parte dos colegas que iam avaliar o caso, o que não fez por manifesta negligência que configura um caso de negligência grave.

6.2.9. Com a conduta supra referida, a arguida incorreu em responsabilidade disciplinar, tendo praticado factos que configuram a prática de infracção disciplinar prevista no nº 1 do artigo 3º do ED, a título de negligência grave, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e de zelo previstos nas alíneas a) e e), do nº 2 e nos 3 e 7 do artigo 3º do ED, e ainda, dos deveres especiais/profissionais previstos nas alíneas a), c) e f) do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 177/2009, de 4 de Agosto, que estabelece o regime da carreira especial médica.

6.2.10. Os factos imputados à arguida foram enquadráveis (em sede de acusação), em termos de pena a aplicar, na cláusula geral punitiva do artigo 17º do ED, a que corresponde a pena de Suspensão de vinte (20) a noventa (90) dias, nos termos conjugados do artigo 17º com os artigos 9º, nº 1 al. c), 10º, nº 4, e 11º nº 2, todos do ED.

6.2.11. Inexistem agravantes especiais contra a arguida.

6.2.12. A favor da arguida militam as seguintes circunstâncias atenuantes: (i) inexistência de antecedentes sancionatórios jurídico-disciplinares; (ii) confissão de parte dos factos, e, (iii) em geral todas as circunstâncias antecedentes e contemporâneas da prática dos factos que abonam a seu favor e que se encontram referidas na apreciação da defesa do presente relatório final, pelo que ao abrigo do disposto nos artigos 20º e 23º do ED, a pena pode ser atenuada, aplicando-se pena inferior, ou seja, a pena de multa prevista no artigo 16ºdo ED.

(…)

6.2.16. Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da justiça, afigura-se adequado e proporcional fixar a multa em 250,00 € (duzentos e cinquenta euros)

7. DAS PROPOSTAS

7.1. De acordo com o exposto, tudo visto e ponderado, propõe-se:

7.1.1. Que seja aplicada à arguida a pena de multa no montante de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), nos termos do disposto no corpo do artigo 16º em conjugação com os artigos 9º nº 1 al. b), 10º, nº 2, e 11º nº 1, todos do ED;

(…) – cfr. fls. 291/298 (frente e verso) do P.A.

I) [e não “H”, como por manifesto lapso consta da decisão recorrida] O Inspector-Geral das Actividades em Saúde, no dia 20 de Julho de 2012, exarou sobre o referido relatório despacho com o seguinte teor: “1. Concordo. 2. Nos termos e com os fundamentos expostos e constantes do presente relatório e pareceres que o acompanham, aplico à arguida, Dra JCSOD a pena de multa, no montante de 250€ (duzentos e cinquenta euros).” (despacho impugnado) – cfr. fls. 23 dos autos.

*
4. Direito
A sentença recorrida considerou, em síntese, que as garantias de audiência e defesa do arguido encontram-se especificamente consagradas no procedimento disciplinar que, à data dos factos, era regulado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 setembro (adiante, ED/2008). Do regime especialmente consagrado neste diploma, concretamente nos seus artigos 49.º a 53.º, a decisão recorrida extraiu a conclusão da inaplicabilidade no âmbito do processo disciplinar do disposto no artigo 100.º do CPA. Sobre a circunstância de a arguida, aqui Recorrente, não ter sido notificada do teor do relatório de perícia, o tribunal a quo considerou que tal não violava os seus direitos de defesa, nomeadamente, porque desse relatório de perícia não foram extraídos novos factos que tivessem influenciado o teor do relatório final e porque o Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008 (ED/2008), nomeadamente, nos seus artigos 53.º e 54.º, “não prevê a obrigatoriedade de os arguidos em procedimento disciplinar serem notificados para se pronunciarem quanto ao teor de diligências probatórias levadas a cabo e que não implicaram a consideração de qualquer facto que não constasse já da acusação”.

Adiante-se desde já que este entendimento não pode manter-se.

Como bem salienta o Ministério Público no seu parecer, caso idêntico ao presente, suscitando as exatas mesmas questões, foi decidido pelo TAF de Aveiro no P. 46/13.9BEAVR, aí se concluindo, diversamente da sentença aqui recorrida, pela ilegalidade do ato punitivo, com fundamento, além do mais, na falta de notificação ao arguido do relatório pericial. Tal decisão foi confirmada por Acórdão deste TCAN, de 05.12.2014, P. 00046/13.9BEAVR, assim sumariado:

I) – O processo disciplinar, tal como se encontra gizado, não exige um projeto de decisão final como via de assegurar a audiência de interessados (art.º 100º do CPA), que ainda assim não deixa de ter lugar, enformada na particular estrutura de processo.

II) – A garantia constitucional de defesa, em que avulta o contraditório, impõe a notificação do relatório pericial ao arguido.

Como se salienta no citado Acórdão do TCAN, de 05.12.2014, P. 00046/13.9BEAVR, a jurisprudência do STA, desde há muito entende que o artigo 100.º do CPA não é aplicável no caso do processo disciplinar, pois neste processo a audiência dos interessados está organizada de forma especial (cfr., Acórdãos do STA, de 13.02.2007, P. 047555; de 08.07.2009, P. 0635/08; de 26.04.2012, P. 01194/11 e demais jurisprudência aí citada). Este entendimento é assim resumido no Acórdão do STA, de 08.07.2009, P. 0635/08: “(...) segundo entendimento reiteradamente manifestado em jurisprudência deste STA, no caso do processo disciplinar, a audiência do arguido, não corresponde, exatamente, à audiência prévia prevista nos artigos 100.º e segs. do CPA para o processo administrativo em geral, pois está estruturada noutros moldes, sendo até mais amplo o seu âmbito, estando o processo de audiência dos interessados organizada de forma especial (cf. regime estabelecido nos arts. 59.°, 61.° e 63.° do ED, relativo à "audição e defesa" do arguido). Também o Tribunal Constitucional já afirmou que “desde que a acusação ou a nota de culpa, comunicada ao arguido, contenha os factos que lhe são imputados, o seu enquadramento legal e a indicação da sanção aplicável, de forma a permitir o exercício do contraditório e a audiência e defesa do arguido, uma exigência geral de renovação da sua audição após o relatório final da entidade instrutora, que, de resto, não vincula a entidade decisória, não se afigura, porém, resultar da Constituição”, porque “não lograria realizar melhor a garantia dos direitos de audiência e de defesa dos arguidos do que a sua pronúncia sobre o conteúdo e enquadramento legal da acusação (…) evidentemente, desde que esta contenha os elementos necessários para o exercício do direito de defesa” (Acórdão n.º 516/2003).

No caso dos autos está assente (e não é controvertido) que a arguida, ora Recorrente, não foi notificada do relatório de perícia informática, realizada aos computadores utilizados no dia da prática dos factos disciplinares de que é acusada e pelos quais foi condenada, diligência de prova que havia sido por si requerida no âmbito do procedimento disciplinar.

Ora, o exercício do contrário e a audiência e defesa do arguido (garantias asseguradas no artigo 32.º da CRP e 37.º do ED), impunham que a arguida tivesse sido notificada do resultado de tal diligência de prova, por si requerida, em momento prévio à notificação do ato punitivo. Nem pode afirmar-se, em contrário, que tal notificação nenhuma projeção teria sobre a descoberta da verdade, pois caso a arguida tivesse tido oportunidade de contraditar o resultado de tal diligência de prova, não é seguro que os factos apurados tivessem sido exatamente os mesmos.

Também não procede o argumento do Recorrido, segundo o qual a Recorrente sempre poderia ter pedido a consulta do procedimento disciplinar, para se inteirar do teor do relatório, pois é bom de ver que essa possibilidade, em geral conferida a um qualquer destinatário de um procedimento administrativo (quer tenha natureza sancionatória, quer não), não cumpre a função de assegurar o contraditório, que vimos destacando como essencial no âmbito do procedimento disciplinar.

Como se escreve no citado Acórdão do TCAN, de 05.12.2014, P. 00046/13.9BEAVR, sobre caso exatamente idêntico ao presente, “(...) nada no processo disciplinar pode ser produzido ou levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que do mesmo passo se abra ao arguido a possibilidade de o mesmo se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório). E isto assim é ainda que se trate de diligências requeridas no processo pelo próprio arguido. É que, se assim não fosse, o arguido ver-se-ia cerceado no seu direito de audiência e defesa pelo simples facto de ter sido ele próprio a requerer a diligência em causa, no interesse da sua defesa, o que seria inadmissível, pois o que está em jogo é facultar-lhe a possibilidade de ele se pronunciar sobre o resultado ou conteúdo da diligência de prova. O arguido tem pois o direito de se pronunciar sobre todo e qualquer material probatório levado ao processo disciplinar, havendo que facultar-lhe para o efeito prazo razoável antes da decisão punitiva.

Sublinhe-se que este entendimento é, há muito, aquele que foi acolhido na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, no Acórdão do Pleno de 27.04.1999, recurso n.º 28897 (Apêndice ao DR, de 08.05.2001, 620), com o seguinte sumário:

“I - Nada no processo disciplinar, sob pena de ocorrência de nulidade por falta de audiência e defesa do arguido (art. 42.º , n.º 1 do Est. Disc.) pode ser levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que se faculte ao mesmo a possibilidade de se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório).

II - Isto ainda que se trate de diligências probatórias requeridas no processo pelo próprio arguido”.

Assim, não tendo o referido relatório pericial sido notificado à Recorrente, esta ficou impedida de exercer o seu direito ao contraditório, o que consubstancia a omissão de uma formalidade essencial à sua defesa adequada no âmbito do procedimento disciplinar, com a consequente invalidade da respetiva decisão punitiva.

Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, julgar procedente a ação, anulando-se o ato impugnado.

*
5. Decisão

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, em substituição, julgar a ação procedente, anulando-se o ato impugnado.

Custas pelo Recorrido.

Porto, 22.01.2016
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira