Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02030/15.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PERÍCIA
Sumário:I) – Constituem objecto de perícia (para além dos factos relativos a pessoas que não devam ser objecto de inspecção judicial) os factos necessitados de prova que tenham de ser percepcionados segundo especiais conhecimentos; se assim não acontece, não há razão para que a instrução da causa comporte tal meio de prova.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F... Serviços, SA e Outro(s)...
Recorrido 1:Município de Santo Tirso
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
F... Serviços, SA (Avª …) e N..., SA (R…), em acção de contencioso pré-contratual, em que é réu Município de Santo Tirso (Praça…) recorrem de despacho que não admitiu perícia.
Concluem:

1ª) Como decorre da p.i., o A. invocou ERRO GROSSEIRO na avaliação da sua proposta, no tocante ao subfactor MT3 (que devia ter tido uma pontuação superior), erro esse que também invoca na avaliação das propostas do CIA (contra-interessado adjudicatário) e do CI SUMA (que deviam ter tido uma pontuação inferior).

2ª) Tal avaliação foi levada a cabo pela empresa “ E..., Lda”, “ nomeada ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 68º do Código dos Contratos Públicos, por deliberação da Câmara Municipal de 23 de abril de 2015 ( item 7 da respetiva ata ), como perito para apoiar o júri do concurso no exercício das respetivas funções … A colaboração do referido perito restringiu-se à apreciação do fator “Mérito Técnico” das propostas… A avaliação das propostas quanto ao fator “Mérito Técnico” do critério de adjudicação é a que consta do parecer técnico do referido perito, o qual constitui o Anexo VIII do presente relatório de avaliação… “, tal como vem referido no Relatório de Análise das Propostas – Relatório Preliminar nos termos do disposto no artigo 146º do Código dos Contratos Públicos (DOC. 3 junto com o Requerimento Inicial da Providência Cautelar apensa à acção).

3ª) Após pronúncia em audiência prévia, o Relatório Final mantém as avaliações feitas no Relatório Preliminar, no seguimento do Relatório Complementar do mesmo referido perito, tal como consta do DOC. 5 junto com o Requerimento Inicial da Providência Cautelar apensa à acção.

4ª) Isto é, não foi a EPD que avaliou, ela própria, as propostas dos concorrentes, quanto ao seu “Mérito Técnico”, mas sim um perito externo, ao abrigo do estabelecido no nº 6 do artº 68º do CCP e tal só aconteceu, porque entendeu ser conveniente, atenta a dificuldade, complexidade óbvias de uma tal avaliação.

5ª) “I - A actividade de valoração das propostas em procedimento concursal insere-se na margem de “livre apreciação” ou de “prerrogativa de avaliação” que assiste à entidade administrativa decisora, sendo contenciosamente insindicável, salvo em caso de erro grosseiro ou manifesto, ou de violação dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa. II - Erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas.“, na esteira do douto Acórdão de 11/05/2005, proferido no Processo nº 0330/05, tendo sido Relator, Pais Borges.

6ª) O tribunal a quo rejeita o meio de prova (perícia) requerido, afirmando: “ Atendendo à causa de pedir, às peças do procedimento, às propostas e ao relatório final entende o Tribunal que a decisão da causa não exige a realização de prova pericial, pois a resposta às questões suscitadas não implica a emissão de juízos técnicos “.

7ª) Ora, salvo o devido respeito, não pode o A. estar de acordo com as razões que fundamentam o referido despacho, porquanto a avaliação das propostas – destas propostas – no que diz respeito a um critério que requer conhecimentos técnicos específicos, não está ao alcance do homem comum, sequer de juristas, advogados ou juízes, e também, salvo o devido respeito, a decisão a proferir nos presentes autos terá que ter em conta toda a prova que for carreada pelas partes, sendo certo que, do ponto de vista do A., os Relatórios Periciais do perito E..., Lda padecem de ERROS GROSSEIROS, que prejudicam claramente os interesses do A.

8ª) No caso dos autos, o ERRO GROSSEIRO não tem a ver com a análise de questões simples, como a que ocorre, por exemplo, no âmbito do douto Acórdão do TCA-Norte, de 19/06/2015, proferido no Processo 00184/14.0BEMDL, em que foi Relatora A. Alendouro (tinha a ver com a idade dos veículos), antes requer a análise de diversificados documentos, quadros e mapas e a sua respectiva conjugação, só ao alcance de pessoas especializadas, os peritos nestas matérias.

9ª) O artigo 388º do Código Civil assim o exige “ …quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem…”.

Sem contra-alegações.

*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º, nº 1, do CPTA, não tendo emitido parecer.
*
Cumpre decidir, estando dispensados vistos.
*
De circunstância:
§º) – Decidiu o tribunal “a quo”, por despacho de 19/12/2015 (cfr. cópia inserta na certidão que antecede):
«(…)
A Autora requereu a realização de uma perícia com o seguinte objecto: (i) para a apreciação do atributo denominado “mérito técnico”, Subfactor MT3 (plano de mão-de-obra), o que era exigido nas peças do procedimento aos concorrentes; (ii) relativamente ao referido subfactor MT3, que elementos concretos foram apresentados por cada um dos seguintes concorrentes nas suas propostas; (iii) que elementos foram considerados pelo júri do procedimento na apreciação das propostas dos concorrentes n.ºs 2,3 e 5; (iv) devem os senhores peritos verificar e indicar o número de trabalhadores propostos por cada um dos concorrentes, serviços a que se encontram afectos e respectiva percentagem de afectação, tendo em conta que a lei estabelece 40 horas de trabalho por semana (a título de exemplo, os cantoneiros cumprem 6h e 40m por dia de trabalho) e ainda relacionando-os com cada uma das localidades em causa – Santo Tirso e Vila das Aves.
Atendendo à causa de pedir, às peças do procedimento, às propostas e ao relatório final entende o Tribunal que a decisão da causa não exige a realização de prova pericial, pois a resposta às questões suscitadas não implica a emissão de juízos técnicos, pelo que se indefere a sua realização.
(…)».
*
De Direito:
O despacho recorrido rejeitou a perícia, «pois a resposta às questões suscitadas não implica a emissão de juízos técnicos».
A recorrente opina de modo contrário, lembrando que estamos situados em domínio de avaliação das propostas, que, no caso, “requer conhecimentos técnicos específicos, não está ao alcance do homem comum, sequer de juristas, advogados ou juízes”.
É de manter o despacho.
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(...) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial” (como ensina Manuel de Andrade, por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em que se verificam tais factos – Noções Elementares de Processo Civil, pág. 135).
Só a primeira hipótese aqui se coloca.
«Essencial, em princípio, para que haja perícia, é a percepção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos.” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 578].
Na verdade, no exercício da acção judiciária há factos cuja percepção ou valoração requerem conhecimentos especiais que escapam à experiência comum ou à cultura geral dos juízes.
Mas não será aqui o caso.
Não há que “deslocar” o ponto de discussão do que aqui está em causa para sede de avaliação das propostas, com o que porventura aí estará implicado de conhecimentos técnicos específicos.
Por muito que o objecto da acção a discussão até possa convocar que assim suceda, o que há que ver é o que singularmente decidiu o despacho recorrido, e pelo que se lhe impunha observar.
O despacho recorrido teve como impertinente sujeitar a uma perícia o que as recorrentes concretamente definiram como objecto :
- (i) para a apreciação do atributo denominado “mérito técnico”, Subfactor MT3 (plano de mão-de-obra), o que era exigido nas peças do procedimento aos concorrentes;
- (ii) relativamente ao referido subfactor MT3, que elementos concretos foram apresentados por cada um dos seguintes concorrentes nas suas propostas;
- (iii) que elementos foram considerados pelo júri do procedimento na apreciação das propostas dos concorrentes n.ºs 2,3 e 5;
- (iv) devem os senhores peritos verificar e indicar o número de trabalhadores propostos por cada um dos concorrentes, serviços a que se encontram afectos e respectiva percentagem de afectação, tendo em conta que a lei estabelece 40 horas de trabalho por semana (a título de exemplo, os cantoneiros cumprem 6h e 40m por dia de trabalho) e ainda relacionando-os com cada uma das localidades em causa – Santo Tirso e Vila das Aves.
Ora:
- as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do CC);
- a instrução deverá reportar-se a factos necessitados da prova;
- a justificação de uma perícia encontra-se na necessidade de conhecimentos especiais.
E os factos que a recorrente aponta como objecto de perícia não são factos necessitados de prova que tenham de ser percepcionados segundo especiais conhecimentos.
Tudo o que a recorrente pretende saber/dar a conhecer pode ser alcançado directa e exclusivamente pelo juiz - bastando perscrutar o que consta nas peças do procedimento, nas propostas, e o que o Júri fundamenta -, segundo o conhecimento comum que se supõe ter.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelas recorrentes.
Porto, 21 de Abril de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins