Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00908/15.9BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL; INTERNAMENTO DE UTENTES; CONCURSO
Sumário:1 – O instituto da responsabilidade pré-contratual é aplicável a situações verificadas nos preliminares e na formação do contrato, independentemente, quer da sua efetiva conclusão, quer da sua validade e eficácia.
A celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia não obstam à aplicação do art. 227º do CC, a qual tem lugar, tanto no caso de se interromperem as negociações, como na hipótese de o contrato chegar mesmo a consumar-se.
Na responsabilidade civil pré-contratual, a culpa (in contrahendo) presume-se, como na responsabilidade contratual (art. 799º, nº1, do CC).

2 – Como resulta do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas funda-se nos mesmos critérios da responsabilidade civil prevista no Código Civil, a saber: o facto ilícito, a culpa, o prejuízo ou dano e nexo de causalidade.

3 - Importa não perder de vista que estando-se em presença de um procedimento concursal, por natureza dinâmico, as decisões que relevam são aquelas que são proferidas no final do procedimento, o que determina que se a Recorrente cativou vagas no seu estabelecimento, o terá feito por sua conta e risco, na expetativa das mesmas virem a ser adjudicadas em resultado do concurso a que se candidatou, o que não ocorreu, em face do que daí não resulta qualquer responsabilidade para a entidade que promoveu o Concurso. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Casa do Povo da (...) IPSS
Recorrido 1:Hospitais da Universidade de (...) EPE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A Casa do Povo da (...) IPSS, tendo intentado Ação Administrativa Comum contra os Hospitais da Universidade de (...) EPE, tendente, designadamente, à sua condenação no pagamento de uma indemnização de €218.400, decorrente dos danos patrimoniais alegadamente sofridos em virtude da cativação de 30 vagas para utentes, durante oito meses, em função da sua expectativa de vir a celebrar um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...) (CHPC), no âmbito do processo de contratação n.º 5490201/2013, ao abrigo do instituto da responsabilidade pré-contratual, inconformada com a decisão proferida em 5 de junho de 2018 no TAF de Coimbra, que julgou a Ação Improcedente, veio em 31 de agosto de 2018 recorrer jurisdicionalmente para esta instância.
Formulou a aqui Recorrente/Casa do Povo nas suas alegações de recurso apresentadas, as seguintes conclusões:
“I. A Douta Sentença Recorrida deve ser alterada em matéria de Facto e em matéria de Direito, atendendo em particular à prova gravada em sede audiência de discussão e julgamento.
II. Efetivamente, atendendo ao objeto do litígio (“O direito da Autora exigir do Réu o pagamento da quantia de €218.400 (duzentos e dezoito mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, correspondente a danos patrimoniais sofridos pela Autora em virtude da cativação de trinta vagas, para trinta utentes, durante oito meses, resultantes da violação da expectativa da Autora de vir a celebrar com o Réu um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013”) e aos temas da prova (“1. Saber se a Autora cativou desde 1 de Janeiro de 2014 até 1 de Setembro de 2014, trinta vagas, para trinta utentes, nas suas instalações; 2. Saber do conteúdo e extensão dos danos sofridos pela Autora, em virtude da cativação de trinta vagas, para trinta utentes, de 1 de Janeiro de 2014 a 1 de Setembro de 2014 nas suas instalações.”) o Douto Tribunal Recorrido deveria ter concluído pela procedência do pedido da Recorrente, tendo apenas por base os factos dados como provados, em concreto os pontos 13, 18, 19 e 30 a 33.
III. Atendendo aos depoimentos prestados e valorados como credíveis pelo Douto Tribunal Recorrido das Testemunhas M.C. (em particular os 00.21.00 e os 00.21.20 da respetiva gravação) e S.C. (em particular os minutos 00.53.44 e os 00.55.44 da respetiva gravação), mas também da Testemunha F.G. (em concreto os minutos 01.10.48 e os 01.12.20 da respetiva gravação), todos prestados a 24 de Maio de 2018 e registados no sistema informático dos TAF, o Douto Tribunal Recorrido deveria ter decidido, por tal motivo de forma distinta, fazendo constar em matéria de facto os seguintes pontos:
III.1. 34a) A A. tinha justa expectativa em celebrar o contrato com a R. um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013;
III.2. 34b) A R. não atuou no âmbito do procedimento de contratação para com a A. e demais candidatos com a diligência e boa fé exigíveis ao contraente público;
III.3. 34c) A R. nunca comunicou ou informou a A. de qualquer situação que colocasse em causa a justa expectativa dessa A. em celebrar o contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013;
III.4. 34d) A R. tinha conhecimento que a A. cativou 30 vagas na justa expectativa em celebrar o contrato com essa R. um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013;
III.5. 34e) A R. não tinha fundamento para excluir a A. no âmbito da sua candidatura.
IV. Devendo o ponto 14 da matéria de facto dada como provada ser considerado nos seguintes moldes: “Através de exposição datada de 04/11/2013, a concorrente Fundação ADFP exerceu o direito de audiência prévia relativamente ao segundo relatório do júri, sem que o mesmo implicasse qualquer fundamento de exclusão da A. (cfr. docs. de fls. 434 a 441 do vol. I do processo administrativo)”.
V. A matéria de facto deveria ter determinado ainda uma diferente decisão em matéria de direito,
VI. Pois verificam-se os requisitos cumulativos previstos no art. 227º do CC para a ocorrência de responsabilidade pré-contratual, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, em concreto:
VI.1. O facto voluntário da Recorrida que se traduz na não celebração do contrato com a Recorrente, no não esclarecimento atempado e completo da situação pré-contratual e a violação do prazo contratual estabelecido no caderno de encargos;
VI.2. A ilicitude da conduta da violação das regras da boa fé impostas à Recorrida, em concreto dos deveres de lealdade, de informação e de segurança, ocorrendo a presunção de ilicitude nos termos do art. 9º da Lei n.º 67/2007;
VI.3. A culpa da Recorrida, que se traduz na censura jurídica da atuação desta deveria ter pautado a sua atuação em conformidade com as normas e ditames legais da boa fé administrativa, bem como com da violação das normas protetoras do legítimo interesse constitucionais da Recorrente, nos termos do art. 7º n.º 2 e 10º da Lei n.º 67/2007.
VI.4. O dano causado à Recorrida e o nexo de causalidade de tal dano com a conduta da Recorrente.
57. O Douto Tribunal Recorrido deveria ter aplicado os arts. 69º n.º 1 al. a) e b), 70º n.º 1 e 2 e 122º do CCP, considerando que, a existir fundamento de exclusão de qualquer um dos candidatos, tal apenas deveria ter ocorrido no âmbito do relatório preliminar e,
58. O pelo Douto Tribunal a quo, devia ter tido em consideração que o art. 76º n.º 1 do CCP, estabelece um dever de adjudicação e/ou um prazo limite para a conclusão do concurso público, no caso concreto, o prazo de 66 dias previsto no art. 65º do CCP,
59. Prevendo-se o dever da entidade pública que não cumprir tal prazo de indemnizar o candidato que recuse a adjudicação, como fez a Recorrente, pelos prejuízos sofridos, nos termos do art. 76º n.º 3 do CCP.
VII. Assim, a Recorrente tem o direito a exigir à Recorrida o pagamento da quantia de €218.400,00 (duzentos e dezoito mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, decorrente de danos patrimoniais sofridos pela Recorrente em virtude da cativação de trinta vagas, para trinta utentes, durante oito meses, na justa expectativa de vir a celebrar com a Recorrente um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013,
VIII. Devendo a Recorrida ser condenada no pagamento de uma indemnização no valor 218.400,00 (duzentos e dezoito mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento por culpa in contrahendo.
IX. A Recorrente é isenta do pagamento da taxa de justiça, nos termos do art. 4º n.º 1 al. f) do RCP.
E assim se fazendo, farão V. Ex.ªs Venerandos Desembargadores a tão acostumada Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso.

Em 27 de novembro de 2018 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso interposto.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 5 de dezembro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, no que concerne aos suscitados erros na fixação da factualidade provada e no que respeita à interpretação do direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
“Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1) Por deliberação do Conselho de Administração do R. de 28/02/2013, foi autorizado o início do processo de aquisição de serviços para internamento de utentes do ex-Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...) (CHPC), bem como de todas as ações que lhe estão conexas (cfr. doc. de fls. 1033 do vol. II do processo administrativo).
2) Por deliberação do Conselho de Administração do R. de 14/05/2013, foi autorizada a abertura do processo concursal de aquisição de serviços para internamento de utentes do ex-CHPC, a efetivar mediante convite a instituições de solidariedade social e instituições privadas, processo de contratação ao qual foi atribuído o n.º 5490201/2013 (cfr. doc. de fls. 1005 e 1006 do vol. II do processo administrativo).
3) Do caderno de encargos/convite do referido processo de contratação constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
1. Objeto
1.1. Objeto contratual
O presente procedimento visa o internamento de um número máximo de 56 utentes provenientes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), em estrutura(s) residencial(is) de acordo com o grau de incapacidade funcional e cognitiva de cada utente, definidos pelo CHUC, EPE.
O Adjudicatário deverá assegurar os seguintes serviços:
1.2. Âmbito dos serviços a prestar
(…)
e. Acesso a cuidados médicos gerais e da especialidade de psiquiatria;
f. Cuidados de enfermagem permanentes;
(…)
3. Duração e validade do contrato
(…)
3.2. O contrato será celebrado até 31 de dezembro do corrente ano, podendo ser renovado por períodos sucessivos de 1 ano.
(…)
6. Requisitos que a entidade candidata à prestação de serviços deve reunir:
6.1. Requisitos legais:
a. Devem ser Instituições Privadas, com ou sem fins lucrativos, devidamente licenciada para a prestação dos serviços objeto desta contratação.
b. As instalações a afetar aos serviços objeto deste contrato devem localizar-se no distrito de Coimbra e estar licenciadas para o efeito.
6.2. Requisitos técnicos-funcionais no âmbito da intervenção desenvolvida pela Instituição. O candidato deverá dispor de:
(…)
h. Acesso a cuidados médicos gerais e de psiquiatria e apoio presencial de enfermagem”
(cfr. doc. de fls. 1007 a 1019 do vol. II do processo administrativo).
4) Foram convidadas a apresentar proposta no âmbito do processo de contratação em apreço, além da ora A., as seguintes entidades: Associação Quinta (...), D. Saúde Mental, Fundação ADFP, Santa Casa da Misericórdia de (...), S.A., Lda. e Casa de Repouso Solar (...), Lda. (cfr. docs. de fls. 996 a 1004 do vol. II do processo administrativo).
5) Na sequência do convite formulado, apresentaram proposta no processo de contratação, além da ora A., as entidades D. Saúde Mental, Casa de Repouso Solar (...), Lda., Associação Quinta (...) e Fundação ADFP (cfr. doc. de fls. 651 do vol. II do processo administrativo).
6) Da proposta da A. consta a disponibilização de 30 vagas mistas para o objeto do processo de contratação, com um valor anual de € 394.200,00, sem IVA (cfr. doc. de fls. 703 a 772 do vol. II do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7) Em 11/07/2013 reuniu o júri do processo de contratação, tendo o mesmo deliberado admitir as propostas apresentadas pelas entidades referidas supra no ponto 5) (cfr. doc. de fls. 645 do vol. II do processo administrativo).
8) Em agosto de 2013 o júri do processo de contratação efetuou visitas às instalações das entidades concorrentes (cfr. docs. de fls. 624 a 639 do vol. II do processo administrativo).
9) Em 03/10/2013 o júri do processo de contratação elaborou uma primeira avaliação das propostas e respetiva ordenação, tendo sido realizadas, no dia 10/10/2013, reuniões de negociação das propostas com as entidades concorrentes (cfr. docs. de fls. 585 a 616 do vol. I do processo administrativo).
10) Na sequência das reuniões de negociação, a A. apresentou, em 14/10/2013, uma adenda à proposta antes apresentada, a qual foi revista nos pontos referentes ao preço unitário sem IVA e ao quadro de pessoal, nomeadamente no que diz respeito aos serviços de enfermagem (cfr. docs. de fls. 467 a 473 do vol. I do processo administrativo).
11) Em 28/10/2013 reuniu o júri do processo de contratação para efeitos de elaboração do segundo relatório de avaliação e ordenação das propostas após as sessões de negociação realizadas com todas as concorrentes, em resultado do qual foi proposta a atribuição de 26 vagas para utentes à Fundação ADFP e a atribuição de 30 vagas para utentes à ora A. (cfr. doc. de fls. 447 a 451 do vol. I do processo administrativo).
12) Em 30/10/2013 foram as concorrentes notificadas do segundo relatório do júri de avaliação e ordenação das propostas, bem como para se pronunciarem, por escrito, no uso do direito de audiência prévia (cfr. docs. de fls. 442 a 446 do vol. I do processo administrativo).
13) A partir da notificação do referido segundo relatório do júri, a A. manteve cativas e sem serem utilizadas as 30 vagas propostas para atribuição, na expectativa de, a partir de 01/01/2014, ter de disponibilizar ao R. o serviço concursado para 30 utentes.
14) Através de exposição datada de 04/11/2013, a concorrente Fundação ADFP exerceu o direito de audiência prévia relativamente ao segundo relatório do júri (cfr. docs. de fls. 434 a 441 do vol. I do processo administrativo).
15) Em 25/11/2013 o júri do processo de contratação deliberou solicitar apoio jurídico, na área dos processos de contratação/aprovisionamento, para efeitos de elaboração da resposta à exposição da concorrente Fundação ADFP em sede de audiência prévia (cfr. docs. de fls. 431 a 433 do vol. I do processo administrativo).
16) Em 03/12/2013 foi rececionada pelo júri do processo de contratação uma carta anónima a contestar a proposta de atribuição de 26 vagas para utentes à concorrente Fundação ADFP, tendo o júri deliberado, em reunião de 09/12/2013, enviar a mesma ao Conselho de Administração do R. para os efeitos considerados convenientes (cfr. docs. de fls. 428 a 430 do vol. I do processo administrativo).
17) Pelo ofício n.º 1573/13, de 31/12/2013, na sequência de um pedido de informação da A., datado de 26/12/2013, quanto ao andamento do processo de contratação, foi esta informada pelo R. de que “o atraso verificado se deveu a um dos concorrentes ter reclamado sobre a proposta de decisão do Júri do concurso, situação que, como se deve imaginar, tem condicionado a tramitação processual do concurso”, sendo expectável que “no próximo mês de janeiro haja avanços sobre o mesmo” (cfr. doc. de fls. 272 do suporte físico do processo).
18) Através de carta datada de 08/01/2014, dirigida ao Presidente do Conselho de Administração do R., a A. expôs o seguinte:
“(…) importa reafirmar que esta IPSS não tem conhecimento do teor de qualquer reclamação quanto à proposta de decisão do júri, muito menos de qual ou quais os concorrentes que a apresentaram.
Na verdade, atendendo ao disposto nos art.os 147.º e 148.º do CCP, quaisquer observações realizadas por concorrentes em sede de audiência prévia, não nos parecem ser suficientes para implicar qualquer alteração das conclusões do relatório preliminar, na medida em que o mesmo se encontra devidamente fundamentado.
Não se vislumbrando, desse modo, qualquer motivo para o Júri do referido concurso não emitir o respetivo relatório final fundamentado quanto à manutenção integral do relatório preliminar.
Assim, ficamos a aguardar a comunicação do referido relatório final fundamentado no sentido da manutenção do relatório preliminar (…)”
(cfr. doc. de fls. 338 do vol. I do processo administrativo).
19) Através de carta datada de 22/01/2014, novamente dirigida ao Presidente do Conselho de Administração do R., a A. expôs o seguinte:
“A Casa do Povo de (...) vem uma vez mais manifestar a sua indignação pela demora na resolução do referido processo de aquisição. Como anteriormente expusemos e reafirmamos, tal demora está a implicar graves constrangimentos, em especial de índole financeira.
A CPA, tendo procedido dentro da legalidade e tendo cumprido escrupulosamente todos os trâmites processuais exigidos, vê-se agora estagnada neste atraso, cujo prosseguimento, ao que nos foi informado, foi condicionado pela reclamação de um dos concorrentes. No entanto, foi-nos igualmente avançado o mês de janeiro como meta para novos avanços. Como já reafirmámos, e porque cumprimos a nossa palavra, reservámos alojamento para o número previsível indicado referente a este processo de aquisição e atualmente estamos a dizer não a outros clientes, cujas mensalidades se situam entre os 900 e os 1100 euros, com todo o prejuízo financeiro que tal postura implica. O que solicitamos é que definam rapidamente esta situação, porque os tempos que vivemos não são fáceis para ninguém e muito menos para Instituições de Solidariedade que vivem de parcos recursos financeiros, não podendo protelar esta situação mais tempo, visto estar a pôr em risco toda a sua estabilidade financeira”
(cfr. doc. de fls. 336 do vol. I do processo administrativo).
20) Na sequência do pedido de apoio jurídico acima referido, foi elaborado por jurista do R. o parecer n.º 4/AJ/2014, de 23/01/2014, no qual foram analisados os argumentos da exposição da concorrente Fundação ADFP, do mesmo constando, além do mais, o seguinte, no que concerne à proposta da A.:
“(…) O concorrente Casa do Povo da (...), IPSS, apresenta:
Alvará de utilização, emitido para todos os efeitos prescritos no DL n.º 555/99, de 16.12, na redação conferida pela Lei 26/2010, de 30.3, do edifício sito na Rua (...), da Freguesia da (...), destinado a lar de idosos.
i) Visto o documento apresentado, e à semelhança do supra considerado, também este concorrente não preenche os requisitos legais de que depende a sua admissão ao procedimento e à apreciação da proposta, pelo que não devia ter sido avaliada e comparada com as demais, impondo-se ao júri excluir o concorrente do procedimento.
ii) Sem prejuízo desta conclusão, reitera-se relativamente a este concorrente o considerado quanto ao cumprimento de um dos ‘requisitos técnico-funcionais no âmbito da intervenção desenvolvida pela Instituição’, quando se exige que disponha de ‘acesso a cuidados médicos gerais e de psiquiatria’ [cfr. ponto 6.2.h) do caderno de encargos/convite], condição para apreciação da proposta que não se tem por verificada com a declaração de que ‘o acesso a cuidados médicos gerais e de psiquiatria estarão sempre assegurados através de deslocações, sempre que necessário, aos cuidados disponibilizados na área de atuação da instituição pelo Serviço Nacional de Saúde’ (cfr. proposta), pelo que, também por esta via, se impunha a exclusão do concorrente do procedimento”
(cfr. doc. de fls. 346 a 364 do vol. I do processo administrativo).
21) Foi igualmente elaborado o parecer n.º 13/AJ/2014, de 07/03/2014, nos termos do qual se concluiu que apenas as concorrentes Fundação ADFP e Casa de Repouso Solar (...), Lda. preenchiam os pressupostos de que dependia a apreciação e avaliação das propostas que apresentaram (cfr. doc. de fls. 340 a 344 do vol. I do processo administrativo).
22) Pelo ofício n.º 0419 de 29/01/2014, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde remeteu ao Presidente do Conselho de Administração do R. uma denúncia recebida por aquela entidade relativamente ao processo de contratação em causa, solicitando a pronúncia do R. sobre a matéria da mesma constante (cfr. docs. de fls. 272, no verso, e 273 do suporte físico do processo).
23) Em reunião de 31/03/2014, o júri do processo de contratação elaborou o respetivo relatório final, no qual foi apreciada a reclamação da concorrente Fundação ADFP apresentada em sede de audiência prévia, bem como todo o processo de contratação em apreço, tendo sido deliberada a exclusão da proposta da A. por não cumprir os pontos 6.1.b) e 6.2.h) do caderno de encargos/convite, não se encontrando as suas instalações licenciadas para o efeito e não dispondo a A. de acesso a cuidados médicos gerais e de psiquiatria, mais tendo sido deliberado propor ao Conselho de Administração do R. o seguinte resultado:
EntidadeN.º de vagasPreçoValor Total
Fundação ADFP1728,40 €176.222,00 €
Casa de Repouso Solar (...), Lda.3028,33 € 310.213,50 €
Total47486.435,50 €
(cfr. docs. de fls. 294 a 299 do vol. I do processo administrativo).
24) Em 16/05/2014 foram as concorrentes notificadas do relatório final do júri que antecede e para sobre o mesmo se pronunciarem, por escrito, no uso do direito de audiência prévia (cfr. doc. de fls. 291 e 292 do vol. I do processo administrativo).
25) Em 23/05/2014 a A. exerceu o respetivo direito de audiência prévia quanto ao teor do relatório final do júri (cfr. docs. de fls. 111 a 118 do vol. I do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
26) Em reunião de 06/06/2014, o júri do processo de contratação procedeu à apreciação das pronúncias apresentadas em sede de audiência prévia, incluindo a da A., tendo deliberado no sentido da manutenção da proposta vertida no relatório final de 31/03/2014, com os seguintes fundamentos:
“(…) Dos elementos trazidos agora ao processo pela Casa do Povo de (...) consta um acordo de cooperação celebrado em 1 de outubro de 2013, estabelecido com Instituto da Segurança Social, IP, para Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, pelo que o júri, atendendo ao princípio da igualdade e concorrência, considera que esta entidade cumpre, assim, o estipulado no ponto 6.1.b) do caderno de encargos/convite, ou seja, que as instalações estão licenciadas para o efeito de internamento de pessoas com mais de 65 anos. Todavia, mantém-se o motivo de exclusão por não cumprir o ponto 6.2.h) do caderno de encargos/convite, atendendo a que o candidato deve dispor de acesso a cuidados médicos gerais e de psiquiatria”
(cfr. doc. de fls. 100 e 100-A do vol. I do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
27) Por despacho de 24/07/2014 do Vogal Executivo do Conselho de Administração do R., foi adjudicada a aquisição dos serviços do processo de contratação em apreço às concorrentes Fundação ADFP e Casa de Repouso Solar (...), Lda., nos termos propostos no relatório final do júri (cfr. doc. de fls. 95 do vol. I do processo administrativo).
28) Em 01/08/2014 foi celebrado o contrato n.º 47/99/2014 entre o R. e a Fundação ADFP, para o internamento de um número máximo de 17 utentes provenientes do extinto CHPC, com início em 01/09/2014 (cfr. doc. de fls. 61 a 64 do vol. I do processo administrativo).
29) Em 01/08/2014 foi celebrado o contrato n.º 48/99/2014 entre o R. e a Casa de Repouso Solar (...), Lda., para o internamento de um número máximo de 30 utentes provenientes do extinto CHPC, com início em 01/09/2014 (cfr. doc. de fls. 65 a 68 do vol. I do processo administrativo).
30) A A. manteve cativas e sem serem utilizadas as 30 vagas propostas no âmbito do processo de contratação em apreço entre 01/01/2014 e 31/08/2014, não tendo inserido outros utentes ou clientes para ocupação de tais vagas durante aquele período de tempo.
31) A A. dispunha de uma lista de espera de potenciais utentes para ocupação das 30 vagas que ficaram cativas e reservadas entre 01/01/2014 e 31/08/2014.
32) O valor médio mensal que a A. teria recebido caso as 30 vagas tivessem sido ocupadas por outros utentes, no período entre 01/01/2014 e 31/08/2014, ascenderia a € 910,00 por cada utente, de acordo com o valor de referência da segurança social à data vigente.
33) A partir de setembro de 2014 a A. começou a preencher as 30 vagas que tinham ficado cativas na expectativa de celebração do contrato de aquisição de serviços concursado.
34) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 30/11/2015 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).

IV – Do Direito
Por forma a enquadrar a questão controvertida, infra se transcreverá, no que aqui releva, o que em matéria de “direito” se discorreu em 1ª instância:
“(...) Está em causa, nos presentes autos, a apreciação da responsabilidade civil pré-contratual do R. – também designada de culpa in contrahendo – pelos danos patrimoniais sofridos pela A. em virtude da cativação de 30 vagas para utentes, durante oito meses, em resultado da violação da sua expectativa de vir a celebrar um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...) (CHPC), no âmbito do processo de contratação n.º 5490201/2013.
(...)
Vejamos.
(...)
Ora, não temos dúvidas de que o Estado e os demais entes públicos são suscetíveis de serem demandados para efeitos de efetivação da sua responsabilidade pré-contratual fundada na própria aplicação a tais pessoas coletivas de direito público do regime legal vertido no art.º 227.º do Código Civil.
Este normativo, como se sabe, constitui uma manifestação do princípio geral da boa-fé existente em sede do direito administrativo e que, à data dos factos, tinha consagração expressa no art.º 6.º-A do CPA (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11, hoje correspondente ao art.º 10.º do CPA em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01), segundo o qual, “no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé” (n.º 1). Para tanto, “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial: a) a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa; b) o objetivo a alcançar com a atuação empreendida” (n.º 2).
Tal como defende a doutrina, “qualquer relação pré-contratual – mas com especial acuidade nestas relações entre Administração e particulares – a Boa-fé impõe especiais deveres: desde logo, deveres de proteção, de lealdade e de informação que conduzem, no caso de serem quebrados, à ‘culpa in contrahendo’ de qualquer das partes.
(...)
Assim, temos que o princípio da boa-fé, um dos princípios gerais que serve de pilar fundacional do nosso ordenamento jurídico, opera não só com relação aos atos jurídicos, mas também com os direitos que se exercitam e as obrigações que se cumprem, passando, no essencial, pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior.
Entre os corolários do princípio da boa-fé encontramos, portanto, o princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança. Em termos sintéticos, a Administração viola a boa-fé quando falta à confiança que despertou num particular ao atuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa que qualquer pessoa deve ter um comportamento correto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outras pessoas (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2010, proc. n.º 01312/07.8BEPRT, publicado em www.dgsi.pt).
Assenta, assim, a responsabilidade pré-contratual na designada tutela da confiança, exigindo-se da parte de cada um dos contratantes um comportamento leal e honesto, comportamento esse que abrangerá um conjunto de deveres que só casuisticamente podem ser determinados, entre eles o de informar, comunicar ou esclarecer o outro contratante dos elementos negociais relevantes para a formação da vontade de contratar.
(...)
Aqui chegados, e seguindo de perto a fundamentação vertida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/05/2007 (proferido no proc. n.º 0731945, publicado em www.dgsi.pt), à qual aderimos na íntegra, com as devidas adaptações, podemos afirmar que os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual correspondem aos pressupostos gerais da responsabilidade civil subjetiva, de verificação cumulativa: (i) ilicitude, (ii) imputabilidade, (iii) culpa, (iv) dano e (v) nexo causal entre o facto ilícito e o dano.
A ilicitude consiste na violação de algum dos deveres da boa fé-contratual, assim agrupados: deveres de proteção, deveres de informação e deveres de lealdade.
Os deveres de proteção impõem que, na fase pré-contratual de um negócio, a parte tome todas as medidas para que não ocorram danos pessoais ou patrimoniais à contraparte, isto porque as negociações preliminares colocam, por vezes, as partes à mercê uma da outra. Os deveres de informação obrigam a que, aquando da busca do eventual contrato, as partes, pela positiva, se prestem mutuamente todas as informações necessárias para a boa conclusão do negócio e, pela negativa, se abstenham de quaisquer artifícios ou enganos que possam induzir em erros ou equívocos. Finalmente, os deveres de lealdade obrigam as partes a uma conduta que previna quebras da confiança uma na outra, consistente, na perspetiva positiva, em que, uma vez iniciadas as negociações, estas prossigam sem interrupções arbitrárias contrárias às expectativas criadas e, pela negativa, em que as negociações não sejam utilizadas para efeitos a elas estranhos, designadamente para paralisar a concorrência ou beneficiar terceiros (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/03/2012, proc. n.º 3683/05.1TVLSB.L1-6, publicado em www.dgsi.pt).
Quanto à imputabilidade, esta consiste em determinar o universo de pessoas compreendidas pela expressão “quem negociar” com que se inicia o art.º 227.º, n.º 1, do Código Civil.
No que se refere à culpa (in contrahendo), como é bom de ver, o problema específico de regime que se pode colocar é o de saber se, na falta de regra legal diretamente aplicável e considerando a natureza diferenciada desta modalidade de responsabilidade civil, a culpa se presume, como na responsabilidade contratual (cfr. art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil), ou se recai sobre o lesado o ónus da prova da culpa, como na responsabilidade extracontratual (cfr. art.os 342.º, n.º 1, e 483.º do Código Civil). No entanto, a alternativa é apenas aparente se a ilicitude e a culpabilidade forem, na prática, indissociáveis. É o que sucede quando o objeto de avaliação incida sobre a pretensa violação de deveres de lealdade e de diligência, porque a deslealdade e a negligência não são concebíveis sem culpa. Pelo contrário, a questão torna-se relevante se estiverem em causa deveres pré-contratuais de informação ou de sigilo, que podem ser violados com ou sem culpa.
No que respeita ao dano, constitui hoje entendimento dominante que a aludida responsabilidade pré-contratual impõe apenas a obrigação de indemnizar o chamado dano ou interesse negativo ou de confiança (ou seja, o dano resultante da violação da confiança, e por forma a colocar o contraente prejudicado na situação em que se encontraria se não tivesse entrado nas negociações e sido levado a confiar na contraparte violadora dessa confiança, evitando, desse modo, os prejuízos que, por via de tal atuação, veio a ter) – nele se incluindo quer o dano emergente, quer o lucro cessante –, sendo que só em casos muito excecionais poderá estender-se ao chamado dano ou interesse positivo ou de cumprimento (cfr., neste ponto, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/04/2008, acima citado).
Por fim, quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, tem aqui aplicação, sem diferenças, a teoria da causalidade adequada do art.º 563.º do Código Civil, ou seja, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Munidos dos considerandos antecedentes e revertendo, agora, ao caso dos autos, julgamos que a atuação do R., na qual a A. alicerça o seu pedido indemnizatório, não é subsumível nos cinco pressupostos acima elencados, sendo que falha, desde logo, o requisito da ilicitude, senão vejamos.
No entender da A., a ilicitude da conduta do R. advém, em suma, da violação das regras da boa-fé e, em concreto, dos deveres de lealdade, de informação e de segurança que lhe eram impostos no decurso do processo de contratação. Alega, em particular, que o R. nunca informou a A. de que seria possível alterar a sua posição contratual ou de que se verificava qualquer incumprimento do caderno de encargos, tendo gerado na A. a confiança de que o contrato seria celebrado ao ter aceitado a sua candidatura, ao tê-la graduado em primeiro lugar, assim considerando, num momento inicial, que a referida candidatura se encontrava a preencher todos os requisitos exigidos no concurso.
Não é, porém, assim.
(...)
Ora, da tramitação procedimental acima descrita não se vislumbra em que medida o R. violou, com a sua atuação, os deveres de lealdade, de informação e de segurança.
De uma banda, quanto ao dever de informação, não tem razão a A. quando sugere que o R. deveria tê-la informado de que seria possível alterar a sua posição contratual ou de que se verificava qualquer incumprimento do caderno de encargos.
Importa, desde logo, ter presente que foi em sede de segundo relatório preliminar, elaborado em 28/10/2013, após a fase de negociações, e notificado à A. em 30/10/2013, que o júri propôs a atribuição de 26 vagas para utentes à Fundação ADFP e a atribuição de 30 vagas para utentes à ora A.
Tratava-se, portanto, de um mero projeto de decisão, que ainda iria ser sujeito a audiência prévia dos concorrentes e que não vinculava nem obrigava, em caso algum, o júri a manter o mesmo sentido decisório para efeitos do relatório final que viesse posteriormente a ser elaborado.
Daí que inexistisse, em rigor, um qualquer dever a cargo do R., enquanto entidade adjudicante no processo de contratação em apreço, de informar a A. de que seria possível alterar a proposta de avaliação e ordenação da sua candidatura, pois que tal possibilidade decorre, naturalmente, do procedimento de contratação e faz parte das vicissitudes próprias e normais deste tipo de procedimentos, com as quais qualquer concorrente pode e deve razoavelmente contar.
Foi isso que sucedeu no caso concreto, tendo vindo o júri a propor, no relatório final elaborado em 31/03/2014 e notificado às concorrentes em 16/05/2014, a exclusão da proposta da A. por se ter verificado que, afinal, a mesma não preenchia determinados requisitos constantes do caderno de encargos/convite, conclusão a que o júri chegou apenas na sequência da apreciação da reclamação da concorrente Fundação ADFP apresentada em sede de audiência prévia e das conclusões dos pareceres jurídicos entretanto solicitados sobre questões específicas que se colocaram no decurso do processo – pelo que, na verdade, o R. não violou um alegado dever de informação quanto à ocorrência, no caso da A., de um incumprimento do caderno de encargos, pois que, como se referiu, a tal conclusão a entidade adjudicante apenas chegou após a fase de audiência prévia quanto ao segundo relatório preliminar e perante as conclusões dos pareceres jurídicos que posteriormente lhe foram apresentadas, sendo certo que tal proposta constante do relatório final foi, em todo o caso, sujeita a nova audiência prévia das concorrentes.
Saliente-se, aliás, que, segundo a factualidade provada, o R., na realidade, chegou a informar a A. do andamento do processo de contratação e das razões subjacentes ao atraso na elaboração do relatório final do júri, tendo-lhe comunicado que “o atraso verificado se deveu a um dos concorrentes ter reclamado sobre a proposta de decisão do Júri do concurso, situação que, como se deve imaginar, tem condicionado a tramitação processual do concurso”, sendo expectável que “no próximo mês de janeiro haja avanços sobre o mesmo” (cfr. ponto 17 dos factos provados).
De outra banda, quanto aos deveres de proteção/segurança e lealdade, também não tem razão a A. quando afirma que tais deveres foram violados pelo facto de o R. ter gerado nela a confiança de que o contrato seria celebrado ao ter aceitado a sua candidatura, ao tê-la graduado em primeiro lugar, assim considerando, num momento inicial, que a referida candidatura se encontrava a preencher todos os requisitos exigidos no concurso.
Note-se, uma vez mais, que a confiança ou expectativa que a A. ora invoca – quanto à atribuição de 30 vagas objeto do concurso e consequente adjudicação da aquisição de serviços e celebração do contrato – e que alega ter sido ilicitamente “quebrada” pelo R., vem alicerçada tão-somente numa proposta do júri constante de um relatório preliminar, que nem sequer representa, como se viu, a proposta derradeira do júri constante do respetivo relatório final que é colocado à consideração da entidade competente para proceder à adjudicação do objeto do contrato.
Com isto queremos dizer que a situação de confiança invocada pela A. não se nos afigura legítima nem justificada, isto porque, como facilmente se compreende, a situação de confiança ou expectativa na conclusão do contrato só é relevante, em termos de tutela jurídica, se for justificada.
Ora, tal justificação consiste, precisamente, na presença de elementos objetivos explicativos, não só em abstrato mas em concreto, suscetíveis de legitimarem a convicção depositada pela A. na determinação do proponente (ora R.) quanto à celebração do contrato. E, neste contexto, julgamos que, ao contrário do alegado, um mero relatório preliminar elaborado no âmbito de um processo de contratação pública não é idóneo a gerar no concorrente que tenha sido, nessa sede, colocado em posição favorável face aos demais concorrentes (por lhe ter sido preliminarmente proposta a adjudicação do objeto do contrato, ou de parte dele) uma expectativa, fundada e/ou justificada, de que será o mesmo efetivamente, a final, o concorrente escolhido para efeitos de adjudicação, com a consequente celebração do contrato.
Por conseguinte, atendendo a que a situação de confiança invocada pela A. não se mostra justificada, não se verifica qualquer violação de deveres pré-contratuais de proteção e de lealdade por parte do R. no processo de contratação em crise.
Ademais, no que respeita ao argumento de que foi violado o prazo contratual estabelecido no caderno de encargos, advindo, por isso, a responsabilidade do R. também do facto de o concurso não ter sido concluído no prazo previamente definido de 31/12/2013, não pode o mesmo proceder.
Como bem sublinha o R. na sua contestação, não se pode confundir prazo contratual – prazo de duração do contrato a celebrar na sequência do procedimento concursal – com prazo de duração do procedimento pré-contratual propriamente dito, sendo que o prazo fixado no caderno de encargos/convite a que a A. se refere é o prazo de duração do processo de contratação, aí se prevendo que o contrato em causa seria celebrado até 31/12/2013 (cfr. ponto 3 dos factos provados).
Trata-se, porém, de um prazo meramente orientador, inexistindo norma legal que determine qual a duração de um procedimento pré-contratual, o que se compreende face às vicissitudes que podem ocorrer ao longo desse processo e que não são previsíveis nem dependem da vontade quer da entidade adjudicante, quer dos concorrentes.
Além disso, no caso concreto, a ultrapassagem do limite temporal inicialmente previsto para a conclusão do processo de contratação encontra-se plenamente justificada pela própria tramitação do procedimento, tendo em conta que, por exemplo, foi necessário pedir apoio jurídico para efeitos de apreciação de reclamação de uma das concorrentes, foram recebidas denúncias anónimas que exigiram posterior análise e exame, e foi necessário sujeitar o relatório final do júri a nova audiência prévia das concorrentes em face das alterações verificadas na avaliação e ordenação das propostas, tudo vicissitudes que, inevitavelmente, provocam demoras na conclusão do procedimento pré-contratual.
Daí que não seja possível assacar qualquer responsabilidade ao R. pelo facto de o processo de contratação não ter sido finalizado até 31/12/2013.
Por último, as alegações no sentido de que inexistia qualquer incumprimento do caderno de encargos no caso da proposta da A., pois que esta garantia o acesso aos cuidados médicos em causa, bem como de que o R. não concretizou as causas de incumprimento, não relevam para efeitos de efetivação da responsabilidade pré-contratual do R. aqui em análise, fundada, conforme alega a A., na violação dos deveres de proteção, lealdade e informação. De facto, tais alegações prendem-se antes com uma eventual ilegalidade do ato de exclusão da proposta da A. do processo de contratação, sendo que, no caso dos autos, de acordo com a causa de pedir formulada na petição inicial, a pretensão indemnizatória deduzida contra o R. baseia-se, como se disse, na culpa in contrahendo por violação das regras da boa-fé a este impostas na sua atuação no contexto daquele processo.
Em face do exposto, impera concluir que não houve qualquer atuação ilícita do R. traduzida na violação de algum dos deveres da boa fé-contratual no âmbito do processo de contratação em causa e que seja suscetível de alicerçar a sua responsabilidade (pré-contratual) pelos danos que vêm peticionados.
Assim, não se verificando o pressuposto da ilicitude da atuação do R., essencial à efetivação da responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo, nos termos do art.º 227.º do Código Civil, conclui-se que a presente ação não pode obter provimento, não podendo o R. ser condenado a pagar a quantia indemnizatória peticionada pela A., acrescida dos correspondentes juros de mora (e resultando, por isso, também prejudicada a apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade pré-contratual, bem como da questão relativa à concorrência da culpa da A. lesada para a produção dos danos).”

Vejamos:
A questão aqui controvertida prende-se predominantemente com a gestão de expetativas concursais.

Apreciemos, em, qualquer caso, e desde já, o suscitado “pedido” para que seja alterada a matéria de facto fixada

Em abstrato refira-se o seguinte:
Como se sumariou, entre muitos outros no recente acórdão deste TCAN nº 01749/09.8BEBRG, de 17-01-2020, “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
Pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir.

No caso vertente, o tribunal a quo especificou e identificou os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente, tendo como resulta do transcrito, fundamentado suficientemente a sua opção.

Diga-se desde já que se não reconhece a verificação de qualquer erro de julgamento relativo à matéria de facto fixada.

Em bom rigor, a Recorrente, mais do que questionar a materialidade fáctica fixada, vem predominantemente pôr em causa o alegado desacerto das ilações que o tribunal extraiu relativamente a essa matéria.

A matéria de facto fixada, atenta a prova disponível, foi densificadamente obtida através da normal e adequada livre convicção do tribunal, suficientemente justificada.

O tribunal a quo socorreu-se, como sempre deveria, do princípio da livre apreciação da prova aí produzida, para dar como assente essa materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 392.° e 396.° do Código Civil e 607.°, n.º 5, do CPC.

Em qualquer caso, o Recorrente pugna por afeiçoar, por assim dizer, a prova fixada, aos seus intentos processuais, o que é legítimo, mas que se não vislumbra que, em concreto, se mostre possível.

Pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir.
Em concreto, entende a Recorrente que deveriam ser aditados à matéria de facto um conjunto de factos que enuncia, os quais, em bom rigor, está por provar que pudessem garantir a alteração do sentido da decisão proferida, tanto mais que se consubstanciam predominantemente em questões conclusivas e/ou de direito.

Entende ainda a Recorrente que deveriam passar a constar da matéria de facto dada como provada os seguintes pontos:
34a) A A. tinha justa expectativa em celebrar o contrato com a R. um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013;
34b) A R. não atuou no âmbito do procedimento de contratação para com a A. e demais candidatos com a diligência e boa-fé exigíveis ao contraente público;
34c) A R. nunca comunicou ou informou a A. de qualquer situação que colocasse em causa a justa expectativa dessa A. em celebrar o contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013;
34d) A R. tinha conhecimento que a A. cativou 30 vagas na justa expectativa em celebrar o contrato com essa R. um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013;
34e) A R. não tinha fundamento para excluir a A. no âmbito da sua candidatura.

Já quanto ao ponto 14 da matéria de facto, entende a Recorrente que o mesmo deveria antes ter a seguinte redação:
“Através de exposição datada de 04/11/2013, a concorrente Fundação ADFP exerceu o direito de audiência prévia relativamente ao segundo relatório do júri, sem que o mesmo implicasse qualquer fundamento de exclusão da A.”

Sem necessidade de particulares desenvolvimentos, é patente a componente predominantemente conclusiva dos propostos “Factos Provados”, sendo que, em qualquer caso, os mesmos não teriam a virtualidade de infletir o sentido da decisão proferida, uma vez que a decisão proferida e que aqui se ratificará, assentou na ausência de ilicitude do procedimento concursal, o que determina que os referidos factos nada de substancialmente acrescido trariam à decisão.

Já quanto ao “direito, entende a Recorrente que se verificam “os requisitos cumulativos previstos no art. 227º do CC para a ocorrência de responsabilidade pré-contratual, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano”.

Refira-se desde logo que se não reconhece que assim seja.

Apreciemos então a referida questão de “direito”:
Como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 0731945, de 03-05-2007 “O instituto da responsabilidade pré-contratual é aplicável a situações verificadas nos preliminares e na formação do contrato, independentemente, quer da sua efetiva conclusão, quer da sua validade e eficácia.
Assim, a celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia não obstam à aplicação do art. 227º do CC, a qual tem lugar, tanto no caso de se interromperem as negociações, como na hipótese de o contrato chegar mesmo a consumar-se.
Os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual correspondem, ponto por ponto, aos pressupostos gerais da responsabilidade civil subjetiva: ilicitude, imputabilidade, culpa, dano e nexo causal entre o facto ilícito e o dano.
Na responsabilidade civil pré-contratual, a culpa (in contrahendo) presume-se, como na responsabilidade contratual (art. 799º, nº1, do CC) (...)”.

Os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual correspondem, ponto por ponto, aos pressupostos gerais da responsabilidade civil subjetiva: ilicitude, imputabilidade, culpa, dano e nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

A ilicitude consiste na violação de algum dos deveres da boa fé-contratual: dever de informação, dever de lealdade, dever de sigilo e dever de diligência.

Sem prejuízo do que se dirá, importa não perder de vista que estamos em presença de um procedimento concursal, por natureza dinâmico, em face do que as decisões são aquelas que são proferidas no final do procedimento, o que determina que se a Recorrente cativou vagas no seu estabelecimento, o terá feito por sua conta e risco, na expetativa das mesmas virem a ser adjudicadas em resultado do concurso a que se candidatou, o que não ocorreu.

Diga-se que, independentemente das diligencias processuais e procedimentais efetuadas no âmbito do controvertido concurso, o que é facto é que se não vislumbra qualquer conduta ilícita, geradora de responsabilidade civil extracontratual, faltando, assim, um dos respetivos pressupostos, o que, sendo estes de verificação cumulativa - cfr. neste sentido, v.g., os Ac. de 25/6/98, 21/9/2010 e 23/9/2010, in Proc. 4376, 859/09 e 465/2010, respetivamente, o que sempre determinará a inexistência de obrigação de indemnizar e, por consequência, a improcedência da ação e, nesta consonância deste recurso jurisdicional.

Em qualquer caso, para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, evidenciemos alguma da factualidade dada como provada, para demonstrar o referido:
- por deliberação do Conselho de Administração do R. de 14/05/2013, foi autorizada a ex-CHPC, a efetivar mediante convite a instituições de solidariedade social e instituições privadas, processo de contratação ao qual foi atribuído o n.º 5490201/2013;
- a A. apresentou proposta, dispondo de 30 vagas mistas para o objeto do processo de contratação, com um valor anual de € 394.200,00, sem IVA;
- em 11/07/2013 reuniu o júri, tendo o mesmo deliberado admitir as propostas apresentadas por todas as concorrentes;
- em 03/10/2013 o júri elaborou uma primeira avaliação das propostas e respetiva ordenação, tendo sido realizadas, no dia 10/10/2013, reuniões de negociação das propostas com as entidades concorrentes;
- na sequência das reuniões de negociação, a A. apresentou, em 14/10/2013, uma adenda à sua proposta, a qual foi revista nos pontos referentes ao preço unitário sem IVA e ao quadro de pessoal, nomeadamente no que diz respeito aos serviços de enfermagem;
- em 28/10/2013 reuniu o júri para efeitos de elaboração do segundo relatório de avaliação e ordenação das propostas, após as sessões de negociação realizadas com todas as concorrentes, em resultado do qual foi proposta a atribuição de 26 vagas para utentes à Fundação ADFP e a atribuição de 30 vagas para utentes à ora A., relatório notificado às concorrentes em 30/10/2013 para efeitos de exercício do direito de audiência prévia;
- em 04/11/2013 a concorrente Fundação ADFP exerceu o direito de audiência prévia relativamente ao segundo relatório do júri;
- pelo ofício n.º 1573/13, de 31/12/2013, na sequência de um pedido de informação da A., datado de 26/12/2013, quanto ao andamento do processo de contratação, foi esta informada pelo R. de que “o atraso verificado se deveu a um dos concorrentes ter reclamado sobre a proposta de decisão do Júri do concurso, situação que, como se deve imaginar, tem condicionado a tramitação processual do concurso”, sendo expectável que “no próximo mês de janeiro haja avanços sobre o mesmo”;
- através de cartas datadas de 08/01/2014 e de 22/01/2014, dirigidas ao Presidente do Conselho de Administração do R., a A. solicitou a conclusão do processo de contratação, alegando que a demora na emissão da decisão final lhe estava a causar prejuízos;
- na sequência do pedido de apoio jurídico, foi elaborado o parecer n.º 4/AJ/2014, de 23/01/2014, no qual foram analisados os argumentos da concorrente Fundação ADFP, do mesmo constando, além do mais, que a proposta da A. não preenchia os requisitos legais de que dependia a sua admissão ao procedimento e à apreciação da sua proposta, nomeadamente os requisitos previstos nos pontos 6.1.b) e 6.2.h) do caderno de encargos/convite, pelo que não devia ter sido avaliada e comparada com as demais, concluindo pela sua exclusão do procedimento;
- foi igualmente elaborado o parecer n.º 13/AJ/2014, de 07/03/2014, nos termos do qual se concluiu que apenas as concorrentes Fundação ADFP e Casa de Repouso Solar (...), Lda. preenchiam os pressupostos de que dependia a apreciação e avaliação das propostas que apresentaram;
- em reunião de 31/03/2014, o júri elaborou o respetivo relatório final, no qual foi apreciada a reclamação da concorrente Fundação ADFP apresentada em sede de audiência prévia, bem como todo o processo de contratação em apreço, tendo sido deliberada a exclusão da proposta da A. por não cumprir os pontos 6.1.b) e 6.2.h) do caderno de encargos/convite, mais tendo sido deliberado propor ao Conselho de Administração do R. a adjudicação de 17 vagas à Fundação ADFP e de 30 vagas à Casa de Repouso Solar (...), Lda.;
- em 16/05/2014 foram as concorrentes notificadas do relatório final do júri para exercerem o direito de audiência prévia;
- em 23/05/2014 a A. exerceu o respetivo direito de audiência prévia quanto ao teor do relatório final do júri;
- em reunião de 06/06/2014, o júri apreciou as pronúncias apresentadas em sede de audiência prévia, incluindo a da A., tendo deliberado no sentido da manutenção da proposta vertida no relatório final de 31/03/2014;
- por despacho de 24/07/2014, foi adjudicada a aquisição dos serviços do processo de contratação em apreço às concorrentes Fundação ADFP e Casa de Repouso Solar (...), Lda., nos termos propostos no relatório final do júri, na sequência do que foram celebrados os respetivos contratos.

Importa pois sublinhar que a exclusão da proposta da Recorrente, em decorrência do segundo relatório preliminar, que sucedeu à originária audiência prévia, resultou de se ter constatado que a mesma não preenchia alguns dos requisitos constantes do caderno de encargos, o que se mostrava incontornável.

É pois patente que o procedimento concursal decorreu com toda a transparência, não se vislumbrando, designadamente, qualquer ilicitude que pudesse determinar a atribuição da reclamada indemnização.

Como decorre do já amplamente afirmado, resulta do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas se funda nos mesmos critérios da responsabilidade civil prevista no Código Civil, a saber: o facto ilícito, a culpa, o prejuízo ou dano e nexo de causalidade.

Aqui chegados, decorre de tudo quanto se expendeu, que não se reconhece a verificação de qualquer facto ilícito, o que só por si, sempre determinaria a improcedência da Ação.

Imputa o Recorrente à decisão que impugnou, as seguintes supostas ilicitudes:
- Não celebração do contrato com o demandante;
- Não esclarecimento atempado e completo da situação pré-contratual; e
- Violação do prazo contratual estabelecido no caderno de encargos

No que concerne ao prazo contratual, diga-se desde logo que o mesmo não constitui um prazo vinculativo, pois que se é certo que se apontava para a celebração do contrato até 31 de dezembro de 2013, o incumprimento de tal meta não determinará a ilicitude do procedimento, uma vez que inexiste qualquer prazo legal para a conclusão dos procedimentos concursais.

Em face do que precede, não se reconhece que o incumprimento do prazo previsto na cláusula 3.2 do caderno de encargo possa implicar a invalidade do procedimento.

Já no que respeita à suposta ausência de informação à Recorrente de que poderia vir a ser alterada a classificação aquando da elaboração do 2º relatório e em resultado da audiência dos interessados realizada, tal é uma consequência que sempre pode decorrer daquela audiência, que visa exatamente possibilitar a correção de eventuais lapsos.

A única questão que importa atender, é que havendo alteração do posicionamento relativo dos candidatos no seguimento da realização da Audiência dos interessados, impõe-se realizar, naturalmente, uma segunda audiência, o que no caso em apreciação foi cumprido.

Em qualquer caso, entende a Recorrente ter “direito a exigir à Recorrida o pagamento da quantia de €218.400, acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, decorrente de danos patrimoniais sofridos pela Recorrente em virtude da cativação de trinta vagas, para trinta utentes, durante oito meses, na justa expectativa de vir a celebrar com a Recorrente um contrato de aquisição de serviços para internamento de utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...), correspondente ao processo de contratação n.º 5490201/2013.”,

Como resulta de tudo quanto se expendeu supra, não se vislumbrando, designadamente, a prática de qualquer ato ilícito no âmbito do procedimento concursal em apreciação, sempre improcederia o pedido indemnizatório, o que determinará que se negue provimento ao Recurso jurisdicional interposto.

Com efeito, a divergência do posicionamento relativo das candidaturas no âmbito de primeiro e segundo relatório é uma consequência normal de um qualquer procedimento concursal, e se se pode admitir que a Recorrente pudesse ter a expetativa de que viria a celebrar o concursado contrato de aquisição de serviços para internamento de 30 utentes do extinto Centro Hospitalar e Psiquiátrico de (...) (CHPC), o que é facto é que estamos perante uma mera expetativa, não tutelada pelo direito, não concretizada em resultado de um procedimento concursal transparente, não conferindo assim o direito à atribuição de qualquer indemnização pela inverificação de qualquer ato ilícito.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia – Artº 4º nº 1 alínea f) RCP.

Porto, 28 de fevereiro de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa