Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00303/07.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LEGITIMIDADE PASSIVA; PRESCRIÇÃO; JUNÇÃO DE DOCUMENTOS; ERRO MÉDICO;
Sumário:1 – A legitimidade é o pressuposto processual através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a tribunal, sendo que tal pressuposto deverá ser aferido nos estritos termos explicitados no articulado inicial ao delinear a relação jurídica controvertida, pelo que a ocorrência deste pressuposto é independente da existência real dos factos constitutivos do interesse alegado.
A legitimidade constitui um pressuposto processual e não uma condição de procedência, pelo que os problemas que se suscitam em torno da existência da relação material controvertida prendem-se com o fundo da pretensão ou mérito da mesma e nada tem que ver com a definição da legitimidade processual dos sujeitos intervenientes num processo.
2 - A ação sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas prevista no DL 48.051, de 21/11/1967, em regra está sujeita a um prazo de “prescrição” de três anos nos termos do artº 498º/1 do Código Civil.
No entanto, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável” (artº 498º nº 3 do Cód. Civil).
A prescrição interrompe-se pela citação (ou notificação judicial) e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo que, regra geral, conta-se a partir do ato interruptivo (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do CPC).
3 - Verificando-se dos elementos disponíveis que não resulta provado que o Autor/Recorrente, no âmbito do processo de inquérito criminal que correu paralelamente nos Serviços do Ministério Público, tenha aí deduzido pedido de indemnização cível e, se foi caso disso, qual o seu resultado, importará obter certidão do inquérito ou do subsequente processo-crime, por forma a que seja possível apurar do teor da decisão aí proferida, por forma a que se possa concluir se aí terá sido deduzido pedido de indemnização cível, e se sobre o mesmo recaiu qualquer decisão judicial, sem o que se não mostra possível apurar se ocorreu a causa de interrupção de prescrição decorrente da aplicação do artigo 323.º do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PP
Recorrido 1:Administração Regional de Saúde do Norte, Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua e ASP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido ser concedido parcial provimento ao presente recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
PP, no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentou contra a Administração Regional de Saúde do Norte, Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua e ASP, tendente, em síntese, à atribuição de uma indemnização “no montante de 95.000€ a titulo de danos não patrimoniais e na quantia de 1.780€, a titulo de danos patrimoniais”, no seguimento da assistência médica prestada, em resultado de acidente de trabalho sofrido, inconformado com a Sentença proferida em 18 de Janeiro de 2012, através da qual a ARSN foi julgada parte ilegítima, mais se tendo a ação julgado improcedente quanto aos restantes Réus, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Formula o aqui Recorrente/PP nas suas alegações de recurso, apresentadas em 7 de fevereiro de 2012, as seguintes conclusões (Cfr. Fls. 313 a 330 Procº físico):

“1 - O tribunal a quo violou a Portaria n.º 1199/200 de 20/12 os artigos Art. 1º do DL n.º 284/99 de 26/07 e o regime jurídico do DL nº 93/2005, de 07/06, vide anexo, e o Art. 5º nº 1 do DL nº 233/2005 de 29/11 e o artigo 22º da Secção II do Capitulo III do DL nº 212/2006 de 27/10, bem como violou os Arts. 306º, 323º, 326º, 327º, 498º n.º 1 e n.º 3 do CC, o Art. 137º, o Ar. 265º n.º e 266º todos do CPC e os princípios da celeridade processual da cooperação, entre os operadores judiciários e o do inquisitório.

2 - A co-recorrida administração Regional de Saúde Norte, IPE, (ARS), é parte legítima nos autos e tem legitimidade passiva por superintender juridicamente sobre o Centro Hospitalar Vila Real – Peso da Régua, à altura dos factos descritos.

3 - A matéria de facto julgado como provada não é suscetível de levar à invocada prescrição do direito, em litígio, nos presentes autos, quando resulta decisivamente dos autos que, o recorrente só teve conhecimento efetivo dos pressupostos da responsabilidade dos co-recorridos, em 2004-10-25, em resposta a reclamação sua, por parte do Centro Hospitalar aqui recorrido.

4 - Houve interrupção da prescrição, relativamente ao co-recorrido Dr. ASP, por o recorrente ter alegado, no artigo 16º da sua réplica, que, o co-réu Dr. ASP foi instituído arguido no âmbito do processo inquérito nº 669/04.7TAVRL da secção de processos do M.P. da Comarca de Vila Real.

5 - O ora recorrente protestou juntar documento e em nenhum momento, após esse facto foi notificado de que estava em falta ou lhe foi concedido prazo razoável, para o juntar, devendo eventualmente convidar o recorrente, para aperfeiçoar a o seu articulado, p. i. e/ ou réplica.

6 - Os factos alegados, pelas partes não permitem que o tribunal a quo profira uma decisão de mérito relativamente à prescrição invocada pelos co-recorridos Dr. ASP e Centro Hospitalar, deve, em consequência a ação prosseguir nos seus termos ulteriores, para a audiência final.

7- Existe manifesta prematuridade na decisão de julgar procedente a invocada exceção perentória da prescrição que deveria ser relegada, para final e aí, sim conhecer-se do seu profundo e legal mérito o que levou a uma composição do litígio, subjetiva e tendencial.

8- A não considerar-se, a data de 2004-12-29, para configurar o início da contagem da prescrição, esta só pode iniciar, com aceitação da “existência de incómodos”, no recorrente e da negação da existência de corpo estranho intraocular”, no olho esquerdo do recorrente.

Termos em que e sempre com o mui douto suprimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS se requer se DIGNEM julgar procedente por provado o presente recurso do despacho saneador – sentença, revogando o aludido despacho e substituindo-o por outro de sinal contrário que julgue improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva da Administração regional de saúde Norte IPE (ARS) e a das prescrições invocadas, pelos co-recorridos Centro Hospitalar Vela Real Peso da Régua S. A. e ASP, com o que farão A HABITUAL JUSTIÇA”

O aqui Recorrido/ASP veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 17 de fevereiro de 2012, concluindo do seguinte modo (Cfr. Fls. 339 a 345 Procº físico):
“I. O processo reúne todos os elementos necessários à douta apreciação da exceção da prescrição, não enfermando o despacho saneador sentença de qualquer precipitação valorativa da matéria articulada e documentada, nem desrespeitando quaisquer normas ou princípios processuais;
II. Os documentos n.ºs 1, 2, 4, 5 e 8, que instruíram a petição inicial, encerram em si mesmos o valor bastante para prova da factualidade a que respeitam, e que integra o núcleo determinante do conhecimento que o apelante tinha relativamente ao direito que lhe assistiria a ser indemnizado, com especial destaque para a reclamação dirigida pelo apelante ao Gabinete do Utente do segundo réu (Doc. 8), no dia 03/08/2004;
III. Tal documento revela que o seu subscritor, o aqui apelante, naquela data, era conhecedor da prática de atos que lhe teriam causado prejuízos, não sendo exigível um conhecimento jurídico dos mesmos, e, pese embora pudesse não conseguir estimar a extensão destes, tal circunstância não constitui qualquer impedimento ao exercício do direito, nem suspende ou interrompe o prazo de prescrição do direito;
IV. Outrossim não seria exigível, desta feita ao Tribunal a quo, que tivesse dirigido convite ao apelante, no sentido de juntar documentos que este protestara juntar, ou de oficiosamente os requerer, porquanto, ainda que se reconhecesse a existência de tal poder-dever, estaríamos sempre perante uma situação de total omissão de articulação dos factos e circunstâncias necessários ao reconhecimento da almejada interrupção da prescrição, que convite algum colmataria, por não ser esse o espírito inerente aos princípios da cooperação judicial, da celeridade processual ou do inquisitório;
V. Por isso, bem como por todas as razões atrás aduzidas, deve o douto despacho saneador sentença ser mantido nos precisos termos em que foi elaborado, negando total provimento ao presente recurso, com as inerentes consequências legais.
Decidindo desta forma, V. Ex.ªs farão, como é costume, a melhor JUSTIÇA!”
Não foram apresentadas quaisquer outras contra-alegações pelos restantes Recorridos

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 29 de Fevereiro de 2016 (Cfr. fls. 382 Procº físico), veio a emitir Parecer, em 15 de março de 2016 (Cfr. Fls. 383 a 386 Procº físico), através do qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser concedido parcial provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, no que tange à declarada prescrição do direito à indemnização, devendo os autos baixar ao TAF de Mirandela, a fim de aí prosseguirem os seus termos…”.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se invoca, designadamente, a indevida consideração da ARSN como parte ilegítima, bem como a inverificação da declarada prescrição do direito à peticionada indemnização.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se reproduz.
“Para conhecer desta exceção dou por provado os seguintes factos:
1. Em 1/7/2004, o A., vítima de acidente de trabalho, foi transferido do Centro de Saúde de Alijó para o serviço de urgência do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua S.A – doc. n.º 1 da PI
2. O motivo de transferência do Centro de Saúde para o serviço de urgência do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua S.A foi “Traumatismo ocular com perda de visão” – doc. n.º 2 da PI
3. Teve alta nesse mesmo dia, pelas 11.20 h, com a seguinte observação do médico que o atendeu, (Dr. ASP): “OE – Hifema (desenho adjacente com nível do Hifema); pa OE-14; Córnea sem lesões; Reflexos nrs; Cristalino transparente” – doc n.º 2 da PI;
4. Pelas 10.48 h do dia 15/7/2004 deu de novo entrada no serviço de urgência no Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua S.A – doc. 4 da PI;
5. Teve alta nesse mesmo dia às 11.28 h – doc. 4 da PI;
6. Desde o dia 15/7/2004 até ao dia 28/7/2004 o A. esteve internado no serviço de otorrinolaringologia do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua S.A – doc. 5 da PI;
7. Em 3/8/2004 o A. dirigiu ao Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua S.A a reclamação que consta do doc. n.º 8 da PI, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque:
“(…) Segundo dados do Hospital de Vila Real, fui atendido observado pelo Dr. ASP, oftalmologista. Depois de observar o meu olho o Dr. Disse que podia voltar a trabalhar e que não tinha nada de grave. Receitou-me algo para as dores. // Passaram alguns dias e durante o tempo que tomei os medicamentos não senti muitas dores, mas depois passei a sentir muitas dores e perdi toda a visão desse olho. Sentia que se estava a desenvolver um processo inflamatório. Recorri de novo ao hospital de Alijó, no dia 15 de Julho eles enviaram-me novamente para o Hospital de Vila Real. Dei entrada nas urgências às 10.48 h. (…)//Nesse dia o Dr. PA viu o meu olho e ele disse que necessitava de ser internado (…). Por meio de Rx o Dr. PA, no dia 16, observou o objeto que atravessava o meu olho. Necessitei de esperar uns dias para tratar o processo inflamatório e depois o Dr. PA operou o meu olho, no dia 22 e retirou o objeto. (…) // Venho desta forma fazer reclamação (…) porque não fui devidamente cuidado na primeira vez que fui ao hospital e teve de esperar mais de 20 dias para retirar o objeto do meu olho, sofrendo nesse ínterim dores e comprometer a recuperação da minha vista, com consequências ainda não determinadas, visto que ainda estou em tratamento.”
8. Esta ação deu entrada por fax datado de 28/9/2007
Com interesse não se provou:
- Que o R. ASP tenha sido constituído arguido no processo de inquérito n.º 699/04.7TAVRL que estará a correr termos no “Tribunal Criminal de Vila Real”;
- Que o R. ASP tenha sido notificado no âmbito desse inquérito;”

IV – Do Direito
Apreciemos agora o suscitado.
PP interpôs recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido no TAF de Mirandela, onde se absolveu da instância a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, por a considerar parte ilegítima, mais tendo sido julgado improcedente a presente ação, quanto aos demais Réus, verificada que foi a exceção da prescrição do direito de indemnização.

Invoca agora o Recorrente que a decisão recorrida terá violado um conjunto vasto de normativos invocados na 1ª conclusão do seu Recurso, ainda que com algumas imprecisões e lapsos na identificação dos diplomas.

Vejamos:
DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ARSN, IP.
Alega o Recorrente que, ao contrário do decidido em 1ª Instância, terá a ARSN, IP legitimidade passiva.

Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, citado pelo Ministério Público no seu parecer, «a legitimidade tem que ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configurou o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor (in “A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, publicado in BMJ, 292.º, págs. 53 a 113, designadamente, fls. 103).

Resulta, por outro lado e designadamente, do Acórdão deste TCAN de 21/02/2008, no Processo n.º 00639/06.0BEBRG-A, que “A legitimidade passiva é o pressuposto processual através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a tribunal, sendo que tal pressuposto deverá ser aferido nos estritos termos em que o A. no articulado inicial delineou a relação jurídica controvertida, pelo que a ocorrência deste pressuposto é independente da existência real dos factos constitutivos do interesse alegado.
A legitimidade constitui um pressuposto processual e não uma condição de procedência, pelo que os problemas que se suscitam em torno da existência da relação material controvertida prendem-se com o fundo da pretensão ou mérito da mesma e nada tem que ver com a definição da legitimidade processual dos sujeitos intervenientes num processo”

A legitimidade do réu advém-lhe assim do seu “interesse direto em contradizer”, como resulta do atual artigo 30.º, 1, do Código de Processo Civil.
Por sua vez, nos termos do n.º 2 do citado preceito, o interesse em contradizer corresponde ao “prejuízo que a procedência do pedido” lhe cause, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, a titularidade do interesse afere-se em função da titularidade da relação jurídica controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor (n.º 3).

Nos termos do art. 2.º e 3.º, do Dec. Lei 48.051, de 21 de Novembro de 1967, aqui aplicável por força do princípio tempus regit actum, pelos factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, respondem os entes públicos, isto é, a pessoa coletiva de direito público, sendo que os titulares, órgãos ou agentes, autores materiais do facto ilícito, só respondem, no caso de terem agido com dolo.

Atribuindo a lei legitimidade passiva à pessoa coletiva, onde estiver integrado o órgão ou agente que causou o dano, o causador material do dano só será parte legitima caso tenha agido com dolo (cfr. acórdão do Pleno da 1ª Secção do Colendo STA, de 28/09/2006, proferido no recurso 0855/04).

Aqui em concreto, o facto ilícito, gerador da responsabilidade civil extracontratual, foi imputado ao Centro Hospitalar e ao clinico identificado, pelo que, sendo o referido Centro Hospitalar uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e patrimonial, não se mostra censurável a decisão de 1ª instância ao ter julgado a ARSN como parte ilegítima na Ação, sem que o Autor, por esta via, tenha visto diminuída a sua tutela.

Sublinha-se que quer o DL nº 284/99 de 26/07 (Artº 2º), invocado pelo Recorrente, atenta a data do recurso ao Centro Hospitalar, quer o DL n.º 233/2005, de 29/12 (Artº 5º), indicado pela ARSN, aludem a que os Centros Hospitalares estão dotados autonomia administrativa, financeira e patrimonial, em face do que a provar-se o alegado, não estará o Recorrente potencialmente desprovido de tutela.

Assim, em função do supra expendido, negar-se-á provimento ao recurso interposto relativamente ao segmento analisado.

DA PRESCRIÇÃO
Determinou o tribunal a quo, designadamente, a prescrição do direito invocado pelo então Autor, o que determinou a improcedência da Ação e a absolvição do pedido, vindo o recorrente pugnar no sentido de que seja julgada improcedente a referida prescrição, revogando-se a correspondente decisão.

Vejamos.
O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas públicas está sujeito ao regime prescricional consagrado no artigo 498.º do Código Civil, o qual prevê que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado dele teve conhecimento.

O referido prazo é interrompido por via da citação do Réu ou por reconhecimento do direito, inutilizando-se todo o tempo, entretanto, decorrido, sendo que a mera propositura de ação destinada ao exercício de um direito de indemnização não tem efeito interruptivo da prescrição.

Com efeito, a prescrição apenas se interrompe com a citação ou a notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, conforme dispõe o n.º 1 do artigo. 323.º do Código Civil.

Ensinavam Pires de Lima e Antunes Varela, citados no Parecer do Ministério Público, que decorre “…claramente deste preceito que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de atos judiciais que, direta ou indiretamente, deem a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão…” (in Código Civil Anotado, 4.ª edição revista e atualizada, Vol. I, pág. 290).

Por outro lado, o prazo de prescrição, a que alude o citado artigo 483.º do Código Civil, deverá ser contado a partir do conhecimento, pelo titular do respetivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da conhecimento da possibilidade legal de ressarcimento, ou seja, a partir da data em que, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu, independentemente do conhecimento da extensão integral desses danos, bastando que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ficando, pois, em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato ou atos como geradores de responsabilidade civil e seja percetível que sofreu danos em consequência dele.

Como resulta do Acórdão deste TCAN, de 05/06/2015, no Processo n.º 00156/13BEMDL, “(…) A prescrição interrompe-se pela citação (ou notificação judicial) e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo que, regra geral, conta-se a partir do ato interruptivo (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do CPC). Contudo, o artigo 327.º estabelece os seguintes desvios a esta regra geral: (n.º1) se a interrupção resultar, nomeadamente de citação, os efeitos da interrupção prolongam-se até ao julgamento da causa, só começando a correr o novo prazo com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo; (n.º 2) porém, se a causa terminar por um motivo formal (desistência, absolvição ou deserção da instância), funciona a regra do artigo 326.º/1, ou seja, o novo prazo de prescrição reinicia-se a partir do ato interruptivo; (n.º 3) só assim não acontecendo quando o réu for absolvido da instância por motivo não imputável ao titular do direito e o prazo de prescrição tiver terminado na pendência da ação ou vier a terminar nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão, caso em que não se considera completada a prescrição antes de findarem esses dois meses (seguimos de perto o enunciado cristalino de Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, 2.ª ed., 131)”.

Em conclusão e em síntese, o prazo de prescrição interrompe-se com a citação do réu, inutilizando-se todo o prazo que entretanto tenha decorrido (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do CCiv);

Em concreto, na situação em análise, verifica-se que dos elementos disponíveis não resulta claro que o aqui Recorrente, no âmbito do processo de inquérito n.º 669/04.7TAVRL, que correu termos pelos Serviços do Ministério Público de Vila Real, tenha deduzido pedido de indemnização cível e, caso tal se confirme, qual o seu resultado, ou se chegou sequer a aí acionar os autores por facto ilícito e culposo.

Sem a confirmação dos referidos factos, não se mostra possível concluir pela verificação, ou não, da causa de interrupção decorrente da aplicação do artigo 323.º do Código Civil.

Em qualquer caso, e como suscitado pelo MP no seu Parecer, se não ocorreu, por esta via, a interrupção da prescrição, colocar-se-á um problema quanto à subsunção do caso vertente, designadamente, no que concerne à aplicação do n.º 1 (O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete…) ou do n.º 3 (Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável) do artigo 498.º do Código Civil.

Com efeito, e como resulta do sumariado no Acórdão do Colendo STA, de 14/04/2010, no âmbito do Recurso n.º 0751/07:
“(…) V - A ação sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas prevista no DL 48.051, de 21/11/1967, em regra está sujeita a um prazo de “prescrição” de três anos nos termos do artº 498º/1 do Código Civil, para onde remete o nº 2 do artº 71º da LPTA.
VI - No entanto, “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável” (artº 498º nº 3 do Cód. Civil). Em conformidade, se a ação vem alicerçada em factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de um crime de homicídio por negligência e pelos quais foi deduzida acusação em processo-crime, na situação é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos dos artº 117º nº 1/c) e 136º nº 1 do Cód. Penal de 1982.
VII - Tendo o lesado deduzido o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime no processo penal respetivo, numa altura em que ainda nem sequer havia decorrido o prazo de prescrição previsto no nº 1 do artº 498º do CPC, com a dedução do pedido de indemnização cível no processo-crime, interrompeu-se o prazo de prescrição, nos termos dos artº 323º e 326º nº 1 do Cód. Civil.
VIII - Em princípio, enquanto estiver pendente o processo penal não pode o lesado, que nele deduziu pedido de indemnização cível, ser sancionado em termos de prescrição do direito derivado de eventual inércia pelo exercício tardio desse direito. Após a interrupção, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a “decisão que puser termos ao processo” (artº 327º nº 1 do Código Civil)”.

Aqui chegados, importa reconhecer que assistirá razão ao aqui Recorrente, ao evidenciar a necessidade da junção aos autos dos pertinentes meios probatórios documentais, a saber, certidão do inquérito ou do subsequente processo-crime que correrá termos contra o aqui Recorrido ASP, por forma a que seja possível fazer prova do teor da decisão aí proferida, e se for caso disso, demonstrando-se que aí terá sido deduzido pedido de indemnização cível, e se sobre o mesmo recaiu qualquer decisão judicial.

Em face do que precede, deveria o tribunal a quo ter promovido a junção dos referidos elementos, sem os quais se não mostra possível apurar se ocorreu a invocada e decidida prescrição.

Acresce ao referido que verificada que fosse a ausência de documento essencial para decidir da invocada exceção, mesmo que tendo sido protestado juntá-lo em momento ulterior, sempre teria o tribunal a quo de determinar que o então Autor juntasse o mesmo.

Efetivamente, a determinação da junção de documentos necessários à apreciação de exceções, é, em regra, e nesta fase processual uma incumbência do tribunal, nos termos da al. c) do n.º 2 e 4 do art. 590.º do CPC (antigo 508.º).

Em face do que precede, importará julgar procedente o recurso quanto à questão precedentemente abordada

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, julgar parcialmente procedente o Recurso, revogando-se a decisão relativa à declarada prescrição do direito à indemnização, baixando os autos ao TAF de Mirandela, a fim de aí prosseguirem os seus termos, se a tal nada mais obstar.

Custas por ambas as partes.

Porto, 20 de maio de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão