Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:002674/08.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:IRS, TRESPASSE, VALOR DE MERCADO, METODOS INDIRECTOS
Sumário:1 – Gozando a contabilidade do contribuinte da presunção de veracidade, as suas declarações só podem ser alteradas quando haja fundados indícios de que não correspondem à verdade, competindo à AT a demonstração de que tais elementos não correspondem à realidade tributária, devendo apenas fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, tal como decorre do principio da legalidade que preside ao direito tributário e do principio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte.

2 – No recurso aos métodos indirectos não basta à AT demonstrar que o conteúdo da declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte: cabe-lhe também demonstrar a impossibilidade de aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método directo e justificar o método indirecto escolhido.

3 – A AT ao apurar o valor de um trespasse por referência ao valor de mercado e sustentado em estudos e artigos de opinião, sem levar em consideração as especificidades objectivas e subjectivas que podiam e deveriam ter sido consideradas, não cumpriu com o especial dever de fundamentação material a que estava obrigada.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S. e Outra
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

S., contribuinte fiscal n.º (…), e esposa, S., contribuinte fiscal n.º (…), inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a pretensão por eles deduzida na impugnação judicial, relacionada com a liquidação adicional de IRS do exercício de 2003.
Formularam nas alegações de recurso as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
1. Salvo melhor opinião a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria coletável.
2. Como já se disse no processo n.º 699/07.7 BEPNF e no acórdão de 08-02-2012, processo 01290/07.3BEPRT, processos que tinham na origem liquidações feitas com idêntica fundamentação, a Administração Tributária não logrou justificar no caso concreto qual o valor de mercado.
3. E, assim, ficou por demonstrar que o valor de mercado era superior ao valor declarado, faltando um pressuposto legitimador da sua atuação, tal como está definido no art.º 88.º, al. d) da LGT.
4. E, assim, o recurso aos métodos indiretos não se mostra conforme à lei, impondo-se a consequente anulação da liquidação.
5. Tratando-se de aplicação de métodos indirectos por afastamento do valor de mercado é manifesto o acrescido dever de fundamentação que impende sobre a Administração na determinação do que venha a ser o valor de mercado.
6. Que é simultaneamente, índice de aplicação de métodos indirectos e índice de correcção dos valores declarados pelo contribuinte.
7. a Administração Tributária não conseguiu ilidir a presunção de veracidade que resulta da contabilidade e da declaração dos Recorrentes.
8. No relatório em questão não ficou demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
9. Pois a mesma constava dos elementos contabilísticos consultados e facultados à AT.
10. Nem ficou demonstrada que a suposta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado inviabilizassem o apuramento da matéria tributável
11. Reconhecendo a AT que a contabilidade dos Impugnantes se encontra formalmente correta, impõe-se-lhe que indique de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da atividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável.
12. E, não prescindo, e caso assim não se entenda de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto dada como provada.
13. A conclusão de que o valor de trespasse declarado é manifestamente inferior ao valor de mercado assente no conhecimento existente de operações da mesma natureza, na experiência obtida através de ações inspetivas anteriormente levadas a cabo, nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na internet e num relatório pericial apresentado num processo judicial e num parecer prestado pela Associação Nacional de Farmácias, desacompanhada de qualquer concretização, não cumpre aquele especial dever de fundamentação material.
14. O parecer da Associação Nacional de Farmácias e da Universidade Católica não deviam ter sido sobrevalorizados pela douta sentença uma vez que os mesmos não têm qualquer efeito vinculativo, não se conhece a que períodos se referem, e em que contexto foi pedido e para que fins.
15. Deviam ter sido dados como provados os seguintes factos:
- "A Administração nunca questionou a existência e validade do negócio (fls. 157 dos autos de reclamação graciosa)"
- "Nem a validade do documento autêntico que lhe serve de suporte"
- "Nem tão pouco questionou em nenhum momento a contabilidade dos Impugnantes"
- "Tanto pelo método do Valor dos Rendimentos pelos Resultados e pelo Método dos Múltiplos o valor da farmácia transmitida é substancialmente inferior ao que resulta dos rácios aplicados pela AT"
- "No relatório de inspeção em questão não ficou demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável"
- "Nem ficou demonstrada que a suposta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado inviabilizassem o apuramento da matéria tributável"
- "Nada se diz no relatório que permita supor que a contabilidade do contribuinte se mostrasse desorganizada, revelando uma falta generalizada de credibilidade, não sendo possível apurar através dela o rendimento tributável real"
- "A inspeção não colocou em causa a contabilidade dos Impugnantes e não efetuou quaisquer diligências adicionais na tentativa de comprovar as suas conclusões".
- "Os valores a que chega a administração tributária são manifestamente excessivos e não correspondem aos rendimentos efetivos auferidos pelos Recorrentes no ano de 2003".
- "O valor do trespasse da Farmácia (...) à data e nas circunstâncias do negócio é substancialmente inferior ao apurado pela administração tributária".
- "À data do negócio verificava-se uma alteração do negócio das farmácias e que influenciavam substancialmente o seu valor".
- "Em 2003 já se previa a liberalização do negócio das farmácias e o preço pago nos trespasses já teria que ter em conta essa liberalização, com consequências no lucro das farmácias".
16. Deviam ainda ser dados como provados os seguintes factos:
- os valores a que a AT chegou são manifestamente excessivos e não correspondem aos rendimentos efetivamente auferidos pelos Impugnantes em 2003.
- e, consequentemente, devia ser dado como provado que o valor do trespasse da farmácia à data e nas circunstancias do negócio é substancialmente inferior ao apurado pela AT.
- à data do negócio verificava-se uma alteração substancial do negócio das farmácias e que influenciava o seu valor.
17. Por outro lado, não deveriam constar como provados os seguintes factos:
- que o valor do trespasse devia ser o fixado pela AT.
- que o valor fixado pela AT é razoável.
- que para obter o valor de trespasse de uma farmácia é tecnicamente correto acrescer ao valor da farmácia as existências à data do negócio.
- que para obter o valor de mercado do trespasse de uma farmácia a aplicação de um coeficiente de 1,5 ao volume de negócios do ano anterior, acrescido do valor do stock ao preço é um critério credível e fiável para este sector de atividade.

Pelo exposto deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida. Decidindo nesta conformidade será feita:

JUSTIÇA!
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Exma. Procuradora- Geral Adjunta deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

As questões suscitadas pelos Recorrentes são delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu erro de julgamento (i) na verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria colectável (ii) na apreciação da matéria de facto provada e não provada.
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3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) Em 1/7/1999, por contrato de trespasse e pelo preço de €250.000,00, a impugnante adquiriu a denominada Farmácia (...), abaixo melhor identificada (fls. 96 do PRG).
B) Na abertura da escrita em 1999, foi contabilizada na conta 434 - Trespasse, a verba de €99.483,87, correspondente ao valor de aquisição e na conta 431 - Despesas de Instalação, a verba €1.172,18, sendo a diferença para os €250.000,00 relativa aos valores das existências e imobilizado corpóreo (fls 96 do PRG).
C) Em 2002 foi efectuado um acréscimo ao valor da conta 434 - Trespasse no montante de €918.283,47, que resultou da verba contabilizada em 31/3/2002 com base na nota de lançamento interno que referia "rectificação da conta do Banco Espírito Santo, por omissão de lançamento", no montante de €124.699,47 e por contrapartida da conta 231900 - Empréstimos bancários e da contabilização em 31/10/2002 da verba no montante de €793.584,00, com base na nota de lançamento interno que referia Rectificação do saldo da conta da "A.", no que respeita ao montante correspondente à letra que deveria ter sido lançada no ano anterior" por contrapartida na conta 221925 - Fornecedores C/C A. conta 2 (fls 97 do PRG).
D) Na data da aquisição a farmácia tinha dívidas à "A." e ao "BES" que foram assumidas pela impugnante (fls. 97 do PRG),
E) Em 11/2/2003, os impugnantes celebraram, por escritura pública, um contrato, denominado "Trespasse", no qual declararam que a impugnante é dona do estabelecimento de farmácia, licenciado pelo alvará número 3857 emitido pelo INFARMED em 19/12/2000, denominado "Farmácia (...)", instalado na fracção autónoma designada pela letra T, rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua (…), e que pelo preço de €250.000,00 trespassa a S., com todos os seus pertences, designadamente, móveis, mercadorias, utensílios, respectivas licenças e alvará e direito ao arrendamento, tendo o impugnante declarado dar o seu consentimento à impugnante para a prática deste acto (fls. 41 a 44 do procedimento de reclamação graciosa apenso (PRG)).
F) Na contabilidade do sujeito passivo o trespasse foi contabilizado com um valor de realização de €1.558.748,09, correspondente a:
Imobilizado corpóreo - €115.99140, valor líquido do mesmo à data do trespasse, que resulta da diferença entre o valor de aquisição dos elementos que o compõem e respectivas amortizações acumuladas;
Imobilizado incorpóreo - €1.017.913,68, valor de aquisição do trespasse contabilizado referido em B) e C), correspondente ao valor inicial de €99.483,87, mais €918.283,47, mais as despesas de instalação de €146,34; e
Existências - €424.843,01, valor do inventário final a preço de custo à data do trespasse (fls 97 e 98 do PRG).
G) Entre 1/7/1999 e 15/2/2003, a impugnante foi empresária em nome individual, exercendo a sua actividade de "Comércio a retalho de produtos farmacêuticos (farmácias)"CAE 52310, no estabelecimento comercial de farmácia identificado na alínea E), com a denominação comercial de "Farmácia (...)", tendo sido tributada em IRS pelo regime geral de determinação do lucro tributável (fls. 95 do PRG),
H) A impugnante cessou a sua actividade em nome individual em 15/2/2003, na sequência do "trespasse" identificado na alínea E) (fls. 95 do PRG).
I) Nos exercícios de 2002 e 2003, a impugnante declarou os seguintes resultados (fls 95 e 96 do PRG):
20022003
Vendas de mercadorias1.258.329,61513.445,98
Soma1.258.329,61513.445,98
Proveitos e ganhos finais10.980,623.224,06
Proveitos e ganhos extraordinários0,000,00
Total dos proveitos1.269.310,23516.670,04
Custo das mercadorias e matérias958.489,73438.677,85
Fornecimento de serviços externos32.020,801.696,36
Impostos1.971,60275,06
Custos com pessoal203.818,4327.096,05
Outros custos e perdas529,9886,00
Amortizações / reintegrações30.745,160,00
Provisões do exercício0,000,0
Custos / perdas financeiras62.799,1724.317,57
Custos / perdas extraordinárias1.030,000,00
Total dos custos1.291.404,87492.148,89
Imposto sobre rendimento exercício0,000,00
Resultado líquido do exercício-22.094,6424.521,15
20022003
Existências iniciais245.069,00349.920,00
Compras1.063.340,0088.757,00
Existências finais349.920,000,00
Mercadorias 1 materiais958.489,73438.677,85

J) Os impugnantes e a actividade da impugnante foram sujeitos a uma acção inspectiva aos seus rendimentos de IRS do exercício de 2003, que conclui pela determinação da matéria tributável, com recurso a métodos indirectos pelos fundamentos constantes de fls. 95 a 101 do processo de reclamação graciosa apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
K) O relatório da inspecção tributária conclui pela correcção à matéria tributável no valor de €753.588,42 (fls. 92, 93 e 101 do apenso).
L) Com a referida correcção, a administração tributária fixou aos impugnantes, para o ano de 2003, um rendimento líquido de €867.728,65 (fls. 21 a 26 do apenso).
M) Os impugnantes apresentaram pedido de revisão da matéria tributável (fls. 138 do apenso).
N) No pedido de revisão não houve acordo, não tendo estado presente perito independente, tendo sido apresentado parecer do perito da administração tributária e dos impugnantes e proferida decisão, cujo teor consta de fls. 126 a 137 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 124 e 125 do apenso).
O) Os impugnantes foram notificados da liquidação dos rendimentos relativos ao ano de 2003, com um valor a pagar de €372.060,92, correspondente à soma do imposto apurado de €329.388,68 e a juros compensatórios no valor de €42.672,24 e apresentaram reclamação graciosa (fls 2, 38 e 39 do apenso).
P) Os impugnantes apresentaram a reclamação graciosa de fls. 2 a 18 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 2 a 83 do apenso).
Q) Os impugnantes arrolaram uma testemunha e requereram a sua inquirição (fls. 18 do apenso).
R) Aí os impugnantes invocam, entre o mais, o vício de fundamentação na aplicação de métodos indirectos, contestando o valor de mercado do trespasse apurado pela administração tributária invocando dois critérios para determinação do valor de trespasse sendo que um apresenta um valor de cerca de €430.000,00 e outro de €553.000,00, invocando ainda as condições do trespasse e as alterações dos negócios das farmácias (fls. 2 a 18 do apenso).
S) Sobre a reclamação graciosa foi realizado o projecto de decisão de fls. 150 e 151 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 150 e 151 do apenso).
T) E foi proferido o projecto de despacho de indeferimento, fundado no parecer constante de fls. 153 a 157, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e no projecto de decisão referido na alínea anterior (fls. 153 a 157 do apenso).
U) Os impugnantes foram notificados do projecto do despacho de indeferimento e para o exercício do direito de audição, que não exerceram (fls. 158 e seguintes do apenso).
V) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 20/11/2008, com o seguinte teor:
«Em 2008-11-04 o reclamante foi notificado por carta registada, através do ofício n° 77 677/0403 do teor do projecto de despacho proferido em 2008-10-30, e para exercer, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, o direito de audição previsto no art° 50° da Lei Geral Tributária (LGT).
Face à ausência de resposta, em exercício do direito de audição prévia, INDEFIRO a pretensão do reclamante, nos termos e com os fundamentos constantes do projecto de decisão, oportunamente notificado, tomando-se definitiva a decisão ínsita no projecto de despacho.
Notifique-se o reclamante para, querendo, recorrer hierarquicamente da decisão nos termos do art° 76°, nº 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 30 (trinta) dias, relendo no art° 68°,n°2 do mesmo diploma ou impugná-la, no prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no art° 102°,n°2 do citado código.» (fls. 160 do apenso).
W) Os impugnantes foram notificados da decisão da reclamação graciosa em 24/11/2008 (fls. 161 a 163 do PRG) e apresentaram a petição inicial da impugnação judicial em 9/12/2008 (fls. 1 e 2).
X) À data do trespasse a contabilidade dos impugnantes apresentava um activo líquido de €1.905.139,91 e um passivo de €1.929.763,55, apresentando em consequência um capital próprio negativo de €24.623,64 (fls. 45 e 46 do PRG, 325 dos autos e relatório do exame pericial de fls. 322 a 328).
Y) Com base nos dados contabilísticos dos impugnantes em 2002 e nas condições do trespasse realizado pelos impugnantes, o valor de trespasse da Farmácia (...) de €2.312.336,02 é razoável (relatório do exame pericial de fls. 322 a 328 e depoimento da testemunha J.).
Z) A quantificação do valor do trespasse realizada pela administração tributária é razoável (relatório do exame pericial de fls. 322 a 328 e depoimento da testemunha J.).
AA) Para obter o valor de trespasse de uma farmácia é tecnicamente correcto acrescer ao valor da farmácia o valor das existências à data do negócio (relatório do exame pericial de fls. 322 a 328 e depoimento da testemunha J.).
BB) Para obter o valor de mercado de trespasse de uma farmácia a aplicação de um coeficiente de 1,5 ao volume de negócios do ano anterior, acrescido do valor de stock ao preço de custo é um critério credível e fiável para este sector de actividade (relatório do exame pericial de fls 322 a 328).

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:

1) Os valores a que chega a administração tributária são manifestamente excessivos e não correspondem aos rendimentos efectivos auferidos pelos impugnantes no ano de 2003.
2) O valor de trespasse da Farmácia (...) à data e nas circunstâncias do negócio é substancialmente inferior ao apurado pela administração tributária.
3) À data do negócio verificava-se uma alteração do negócio das farmácias e que influenciavam substancialmente o seu valor (fls. 57 a 63 do PRG e depoimento das testemunhas J. e O.).
4) Em 2003 já se previa a liberalização do negócio das farmácias e o preço pago nos trespasses já teria que ter em conta essa liberalização, com consequências no lucro das farmácias (fls. 57 a 83 do PRG e depoimento das testemunhas J. e O.).

3.1.1 - Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo de reclamação graciosa que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 74.° e 76.º, n.º 1, da LGT e 362 ° e seguintes do Código Civil (CC)), identificados em cada um dos factos julgados provados, bem como da prova pericial e testemunhal.
Dos factos julgados provados ressaltam sobretudo os factos para que relevou a prova pericial e a prova testemunhal.
A prova pericial que contribui para a formação a convicção do tribunal relevou sobretudo porque corrobora as constatações e conclusões extraídas pelo relatório da inspecção tributária (RIT) no que concerne aos critérios e forma de avaliação do valor do trespasse da farmácia dos impugnantes, sustentada também em critérios objectivos e estranhos à administração tributária, garantindo assim uma isenção e imparcialidade relevantes para a formação da convicção do tribunal.
Aqui relevam sobretudo os critérios utilizados pelo RIT quando invocam o parecer da Associação Nacional de Farmácias, o estudo da Universidade Católica, realizado a pedido da Autoridade da Concorrência, e os critérios invocados na avaliação realizada para situação idêntica - de avaliação do valor de trespasse de uma farmácia - no processo n.º 55/2002, da 9.a Vara - 2.a Secção do Tribunal Cível do Porto, cujos critérios foram invocados e seguidos pela administração tributária e que representam critérios objectivos e sobretudo critérios de fixação do valor de trespasse para estabelecimento do mesmo sector de actividade, porque como veremos o valor de trespasse pode variar consoante ao ramo de actividade em causa.
Por isso, estes critérios sobrepuseram-se à prova realizada pelos impugnantes e aos critérios por si invocados quer no parecer junto à reclamação graciosa reproduzido na petição inicial, quer ao depoimento das testemunhas quanto à determinação do valor de trespasse da farmácia em causa nestes autos.
Dai resultou, por um lado, que a prova dos impugnantes não foi suficientemente consistente para abalar a coerência e credibilidade da prova documental do RIT e da prova pericial no que respeita ao relatório pericial subscrito por maioria e em claro desacordo com a posição do perito indicado pelos impugnantes, por outro lado, que não foi bastante para convencer o tribunal dos factos julgados não provados, uma vez que sendo factos constitutivos dos direitos dos impugnantes recaía sobre eles o respectivo ónus da prova (ano. 74 °, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária (LGT)), pelo que perante a insuficiência da prova os factos têm de ser julgados contra si, isto é têm de ser julgados não provados (art.ºs 414.° do CPC e 2.°, alínea e), do CPPT).
O relatório pericial subscrito pelos peritos nomeados pelo tribunal e pela Fazenda Pública revela por um lado maior coerência e consistência que o relatório subscrito pelo perito nomeado pelos impugnantes e contribuiu em maior medida para a convicção do tribunal, não só por corroborar os critérios de avaliação do valor do trespasse das farmácias invocados por outras entidades completamente isentas e autónomas em relação a estes autos, como por apreciarem concretamente a forma de avaliação do valor de trespasse de farmácias, estabelecimento da mesma área que a dos autos, ao passo que o relatório do perito indicado pelos impugnantes, bem como o parecer de avaliação do valor de trespasse da farmácia junto à reclamação graciosa invocam critérios gerais de determinação do valor de trespasse de estabelecimentos comerciais, não invocando e apreciando especificamente a situação do valor de trespasse das farmácias em territorial nacional, com critérios e literatura estrangeira, não aplicáveis integralmente aos critérios nacionais e ao trespasse de farmácias no território nacional - ao invés dos critérios invocados no relatório pericial dos outros peritos, no parecer da Associação Nacional de Farmácias, no estudo da Universidade Católica e nos critérios apresentados no processo judicial invocado no RIT, devendo ainda salientar-se que esses critérios eram objectivos e imparciais e como tal aplicáveis à generalidade das farmácias e não apenas concretamente às ai avaliadas, porquanto estabeleciam critérios de avaliação que tinham em conta as características próprias de cada farmácia avaliada, pelo que esses critérios são tão válidos para uma farmácia do Centro do Porto, como para uma farmácia de Freixo de Espada à Cinta na medida em que ponderam o volume de negócios e o stock de cada farmácia a avaliar e que serão necessária diferentes em cada caso concreto.
Por outro lado, os critérios seguidos no parecer junto à reclamação graciosa corroborados pelo depoimento da testemunha O., que o elaborara e que invoca uma duplicação do valor do stock, por o valor do stock não dever acrescer ao valor da venda porque o passivo superava o activo e como tal o valor do passivo estava a ser pago no trespasse e tinha de ser pago no passivo, são abalados pelo depoimento da testemunha J. que declara de forma cabal que embora exista essa percepção na realidade não existe qualquer duplicação de stocks.
Esta duplicação de stocks invocada pela testemunha O. foi infirmada pelo depoimento de J., a instâncias dos próprios impugnantes porque esclareceu que a percepção que o stock é pago duas vezes é meramente aparente, mas não ocorre na realidade porquanto esse valor faz parte da contabilidade e do valor de trespasse apurado a partir dele, pelo que não há duplicação de pagamentos ou valores.
Acresce ainda que tendo os impugnantes contabilizado o valor do stock no valor de aquisição do estabelecimento, esse valor tem de acrescer ao valor de realização, sem que haja qualquer duplicação.
De resto a explicação desta testemunha coincide com a explicação do relatório pericial de fls. 322 a 328, na parte em explica a razoabilidade do valor de trespasse invocado pela administração tributária e o seu apuramento a partir da soma do valor declarado do trespasse e do valor do passivo reflectido no balanço e que engloba o valor do stock.
Por isso o tribunal relevou o teor das informações constantes do relatório pericial de fls. 322 a 328, conjugado com os restantes critérios invocados pela administração tributária em detrimento do parecer de avaliação do valor do trespasse e do relatório pericial subscrito pelo perito nomeado pelos impugnantes, e julgou provada a matéria de facto constante das alíneas A) a BB).
Para a matéria de facto julgada provada nas alíneas Y) a AA) relevou ainda o depoimento da testemunha J. na parte em que reconhece que à data do negócio em causa nos autos o negócio das farmácias era um negócio rentável, que as margens de lucro eram fixas e embora se falasse na redução das margens de comercialização, não se falava da crise actual das farmácias. Este depoimento vem corroborar os critérios de avaliação invocados quer pela administração tributária, sustentados nos pareceres e informações constantes do RIT, quer na relatório pericial de fls. 322 a 328, infirmando ainda as informações e conclusões invocadas pelos impugnantes para sustentar o exagero do valor de trespasse invocado pela administração tributária.
No caso da matéria de facto da alínea AA) releva ainda as diligências realizadas no âmbito do relatório pericial de fls. 322 a 328 que confirmam que na determinação do valor de trespasse duma farmácia é método usual da Associação Nacional de Farmácias acrescer ao valor da farmácia o valor das existências à data do negócio.
Esta prova serve ainda para fundamentar o julgamento da matéria de facto julgada não provada, nos pontos 1) e 2).
A matéria de facto julgada não provada nos pontos 3) e 4) resulta dos documentos aí referidos e do depoimento de J. que corrobora em parte a informação desses documentos. Com efeito, com pequena excepção quanto ao Decreto-Lei n.º (DL) 271/2002, de 2 de Dezembro, na medida em que o trespasse foi realizado em 11/2/2003, ou seja cerca de 30 dias depois da entrada em vigor deste DL, que entrou em vigor 30 dias depois da sua publicação e cujos efeitos poderiam começar a sentir-se a partir daí, embora na realidade os efeitos só começassem a fazer sentir-se mais tarde à medida que ia tendo aplicação, os restantes documentos são todos de datas muito posteriores à data dos factos em apreço nestes autos, isto é, posteriores a 2003 e como tal não têm eficácia e relevância para estes autos.
Acresce que a alegada crise e a alteração das circunstâncias em que eram realizados os negócios das farmácias e a sua influência no valor de trespasse são desmentidos pelo depoimento da testemunha J. que declarou que à data dos factos o negócio das farmácias era, que as margens de lucro eram fixas e embora se falasse na redução das margens de comercialização, não se falava da crise actual das farmácias.
A assertividade deste depoimento abala o depoimento de O., na medida em que esta testemunha declarou que à data do depoimento, em 2012, as farmácias passam por uma crise, facto irrelevante para os autos porquanto o ano relevante é 2003 e embora tivesse declarado que pensa que à época já estava a começar a sentir-se a crise, também declarou que não tinha a certeza disso, conclusão que é desmentida pelo depoimento de J., que afirmou que à época, em 2003, o negócio das farmácias era rentável.
Por isso, o tribunal julgou não provados os factos dos pontos 3) e 4) não só por ter sido feita prova do contrário, como porque perante a insuficiência de prova, tais factos têm de ser julgados contra os impugnantes, isto é, têm de ser julgados não provados arts, 74.°, n.ºs 1 e 3, da LGT, 414.° do CPC e 2.°, alínea e), do CPPT).
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa, designadamente por também constituírem em grande parte factos instrumentais do facto determinante para os autos. Qual seja: o critério de determinação do valor de trespasse das farmácias, em particular, da "Farmácia (...)" e o valor concretamente apurado pela administração tributária. Com efeito, parte significativa dos factos alegados pelos impugnantes relativos às circunstâncias e características do negócio das farmácias e da influência no valor do trespasse são circunstanciais e irrelevantes porquanto como se disse ocorreram depois, bastante tempo depois da data do negócio em causa nestes autos, e por isso são irrelevantes para o caso em apreço, para além de terem sido informados pelo depoimento da testemunha José Fernandes e do relatório pericial de fls. 322 a 328.”
*** ***

4 – O DIREITO

Cumpre, agora, apreciar o recurso que nos vem dirigido.

Os Recorrentes não se conformam com a sentença proferida pelo TAF de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação de IRS do ano de 2003. Invocam, para o efeito, que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e de direito.

Relembremos que a liquidação ora impugnada teve a sua génese num procedimento inspectivo levado a efeito ao sujeito passivo S., o qual recaiu sobre o exercício de 2003 e surgiu da necessidade de analisar o Trespasse da “Farmácia (...)”, efectuado em 11/02/2003, tendo-se concluído pela aplicação de correcções por recurso a métodos indirectos.

Em sede inspectiva a Administração Tributária considerou ser de recorrer à aplicação de métodos indirectos para determinação da matéria tributável pelo facto de ter sido declarado um valor de trespasse de €1.558.748,09 da “Farmácia (...)”, valor esse substancialmente inferior ao valor de mercado, que no entender da AT ascenderia no mínimo ao montante de €2.312.336,01, aí radicando a alegada impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do sujeito passivo.

A questão a equacionar é, pois, a de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração que fez da matéria de facto e, consequentemente, no julgamento de direito ao considerar verificados os pressupostos para o recurso à aplicação dos métodos indirectos.

Comecemos por efectuar uma breve resenha jurídica sobre o instituto da tributação com recurso a métodos indirectos.

Nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, cessando tal presunção quando, entre outras razões, aquelas declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo ou se apresente de uma forma que impeçam precisamente o conhecimento dessa mesma realidade tributável.

Dispõe o artº 81º da LGT que a Autoridade Tributária só pode proceder à avaliação indirecta, em detrimento da avaliação directa, nos casos e condições previstos na lei. Acresce que o artº 85º da LGT impõe que a avaliação indirecta seja subsidiária da directa, ou seja, só nos casos de manifesta impossibilidade de determinação da matéria colectável através da avaliação directa, é que se poderá partir para a indirecta, sempre seguindo os pressupostos estabelecidos nos artºs 87º e 88º da LGT.

Quanto aos fins que visa cada uma das espécies de avaliação, o artº 83º da LGT refere que a avaliação directa tem em vista a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, enquanto a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Autoridade Tributária disponha.

Já quanto ao ónus da prova dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, gozando as declarações dos contribuintes da presunção de verdade nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da L.G.T., só podem ser alteradas quando haja fundados indícios de que não correspondem à verdade.

É, pois, à Autoridade Tributária que compete a demonstração de que tais elementos não correspondem à sua realidade tributária, devendo apenas fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao direito tributário e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte.
Nuns casos, esses factos são por si só reveladores da falta de colaboração do contribuinte. Noutros, menos graves, essa falta de colaboração deve ser confirmada no próprio procedimento, fazendo-o intervir para esclarecer a sua situação tributária.

Para isso, é necessário que a Autoridade Tributária proceda a diligências instrutórias suficientes, consubstanciando depois as correcções que levar a cabo com factos concretos apurados no decorrer do procedimento de inspecção tributária. Isto porque não actua aqui a coberto do princípio da oportunidade, mas da legalidade, sendo-lhe imposto que realize todas as diligências necessárias e ao seu alcance para o apuramento da verdade material.

Por isso, em caso de recurso à tributação por métodos indirectos, não basta à Autoridade Tributária demonstrar que o conteúdo da declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte: cabe-lhe também demonstrar a impossibilidade de aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método directo e justificar o método indirecto escolhido. É o que resulta dos artigos 74.º, n.º 3, primeira parte, e 77.º, n.º 4, ambos da L.G.T.

Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indirectos de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros adequados à situação.
Por isso, a Administração Tributária tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
Não conseguindo fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.

Uma vez cumprido esse ónus, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

Como vimos já, entre as situações em que a Administração Tributária pode proceder à avaliação indirecta, encontra-se expressamente prevista no art. 87º da LGT a situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, importando ainda salientar - porque intimamente relacionado com o presente caso - que essa impossibilidade de comprovação e quantificação pode resultar da existência de uma manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, se essa discrepância inviabilizar o apuramento da matéria tributável (cfr. indicação exemplificativa da al. d) do art.° 88°do mencionado diploma legal).

Volvendo in casu, a AT concluiu que o valor do trespasse declarado era manifestamente inferior ao valor de mercado justificando no RIT tal conclusão nos pontos que se sintetizam da seguinte forma: (i) o conhecimento existente de operações da mesma natureza; (ii) a experiência obtida através de acções inspectivas anteriormente levadas a cabo; (iii) os dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social (Jornal de Negócios e Jornal de Notícias); (iv) nas informações que circulam na Internet (blog saudesa.Blogspot.com); (v) no relatório pericial apresentado num processo judicial (processo 55/02 da 9ª vara – 2ª secção do Tribunal Cível do Porto); (vi) no parecer prestado pela Associação Nacional de Farmácias aos Serviços do Ministério Público e, por último (vii) num estudo efectuado pela Universidade Católica a pedido da Autoridade da Concorrência (cfr. al. J) da factualidade).

Já a sentença recorrida, alicerçada na alínea J) da factualidade, considerou que “No caso em apreço, resulta da matéria de facto julgada provada, em particular da alínea J), que o RIT dedica o seu capítulo IV aos "Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos'', capítulo que aqui se dá por reproduzido, que demonstra de forma cabalmente sustentada e fundamentada os motivos do recurso à tributação por métodos indirectos, salientando-se apenas aqui a conclusão: "Face ao exposto, para o cálculo do preço da farmácia em questão, considerando que o valor desta transacção corresponde ao produto do volume de negócios do ano anterior pelo coeficiente 1,5, acrescido do valor do stock de mercadorias ao preço de custo, estima-se que o mesmo ascenderia no mínimo a valor de 1.887.493€ + 424.843,01€ = 2.312.336,01.
Nestes termos, dados os contornos da operação, tendo sido contabilizado um valor de trespasse no montante total de 1.558.748,09€, substancialmente inferior ao valor de mercado, vemos impossibilitada a comprovação e quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, à luz da al. D) do art. 88° da Lei Geral Tributária, pelo que proceder-se-á à avaliação indirecta da matéria tributável, é luz do disposto nos artº 87° al. B) do mesmo diploma legal e art. 39° do Código do IRS”.
Daqui resulta que a administração tributária demonstrou de forma comprovada e sustentada o recurso à aplicação dos métodos indirectos, verificando-se que não assiste razão aos impugnantes, na medida em que se encontram preenchidos os pressupostos da aplicação dos métodos indirectos.
(…)
Assim, ainda que a contabilidade da impugnante se apresentasse organizada, resulta do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido na parte que importa, que a mesma não evidenciava os resultados efectivamente obtidos no desenrolar do exercício da sua actividade - mormente no que respeita ao "trespasse" - o que impossibilitou a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
(…)
No caso em apreço, está correcta a aplicação dos métodos indirectos, atendendo à matéria de facto julgada provada e não provada por este tribunal, já que a administração tributária logrou indicar e provar os pressupostos de facto e de direito que conduziram à determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos. A administração tributária logrou fundamentar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, encontrando-se assim reunidos os pressupostos exigíveis nos arts. 88.°, alínea d), 87.°, alínea b), e art. 90.° da LGT, e do artigo 39.° do CIRS, que levaram o recurso à avaliação indirecta. Assim, foi possível a este tribunal extrair dos factos indiciadores, apurados e devidamente explicitados e fundamentados no RIT, um forte e elevado juízo de probabilidade de que a contabilidade da impugnante não reflectia a sua exacta situação tributária.
Ora, tendo a Administração Tributária conseguido demonstrar os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, caberia aos impugnantes demonstrar, através de prova concludente, factos demonstrativos da inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados, o que não lograram, de todo, fazer. Neste sentido, pronunciou-se, recentemente o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no seu douto Acórdão de 16/11/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 0247/11, no qual é dito, entre o mais, que "Afastada que fique a presunção de veracidade da contabilidade e verificada a impossibilidade de determinar a matéria tributável com base nela ou por outra forma directa (...), fica a AT legitimada para lançar mão dos métodos indirectos" - disponível online em www.dgsi.pt.”.

Mas serão tais factores, apurados desta forma em sede inspectiva pela AT, suficientes para justificar o recurso à aplicação de métodos indirectos no caso em apreço? Temos para nós que a resposta não pode ser positiva.

Concretizemos.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (art. 8º, nº 3 do Código Civil) acolhemos a argumentação jurídica que se alude no acórdão proferido em 08/03/2012, no âmbito do processo 01290/07.3BEPRT, in: www.dgsi.pt. proferido em situação em tudo idêntica à dos presentes autos, pois, apesar do sujeito passivo não ser o mesmo trata-se de situação de igual natureza (trespasse de farmácia) e com os mesmos fundamentos de recurso a métodos indirectos.

Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever a fundamentação de tal aresto, aderindo ao seu discurso fundamentador. Assim, refere o mencionado aresto que:
Acontece, porém, que tais factores, para além de serem, por si só, vagos e de força probatório duvidosa quando abstractamente considerados, também não poderem deixar de ser absolutamente irrelevantes quando são desacompanhados de qualquer concretização, sendo esta a situação que ocorre no caso em apreço.
Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspecção constata-se que, em momento algum a Administração Fiscal concretizou: quais foram as operações da mesma natureza que devem ser atendidas e que justificam que os conhecimentos e a experiência delas advenientes sejam relevantes no caso dos autos; qual foi a razão de ciência dos artigos jornalísticos e de opinião invocados; qual foi a factualidade subjacente ou que constituiu objecto do relatório pericial que foi junto aos presentes autos, que respeita a outro contribuinte e pertence a processo que correu termos num outro Tribunal; ou qual foi o circunstancialismo que rodeou ou condicionou a emissão do referido Parecer da Associação Nacional de Farmácias.
Do que vimos dizendo resulta, pois, que a Administração Tributária, a quem incumbia o ónus de demonstrar que o valor declarado como valor de trespasse era manifestamente inferior ao valor de mercado em situações similares, se limitou, nas palavras da Meritíssima Juíza a quo, «a invocar a experiência obtida noutras acções inspectivas, que não identificou, bem como artigos de opinião publicados na comunicação social, cujas razões de ciência não cuidou de enunciar e que abordam, genericamente, a questão dos lucros elevados obtidos na actividade farmacêutica e o valor dos trespasses de farmácias em situações em que as leis da oferta e da procura têm plena aplicação, ou seja, em que o valor da venda é ditado, pura e simplesmente, pelas regras do mercado.», sem dar, como devia, o mínimo relevo às especificidades pessoais ou subjectivas e objectivas que rodearam aquele concreto trespasse, as quais, não só estão apuradas nos autos como, em sede de procedimento, lhe haviam sido dadas a conhecer e que, por serem condicionadoras do valor de trespasse, não poderiam ter sido marginalizadas ou ter sido pura e simplesmente ignoradas como foram no percurso percorrido para aferição da existência do tal valor manifestamente inferior ao declarado.
Razões ou especificidades que, adiantamos mesmo, se tivessem sido consideradas, teriam determinado que o negócio em causa não pudesse ser visto como um corrente, normal ou típico negócio a valorar exclusivamente segundo regras de mercado.
Antes, porém, de salientarmos essas especificidades objectivas e subjectivas que podiam e deveriam ter sido consideradas e a bondade dessa mesma asserção, importa ter em conta a própria natureza e especiais características do negócio jurídico em causa.
É que, sendo este um trespasse de estabelecimento comercial, que consiste numa transmissão definitiva, por acto entre vivos, seja a título oneroso, seja a título gratuito, da titularidade do estabelecimento comercial (vd., por todos, A. Varela in RLJ 115/253 nota 1 e 123/346 in nota 1 à pág. anterior; também Henrique Mesquita entende que o trespasse engloba todos os negócios de transmissão definitiva e inter vivos de um estabelecimento, seja qual for a causa do acto translativo - venda, troca, doação, realização do valor de uma quota no capital de determinada sociedade, transmissão decorrente de uma fusão de sociedades, etc, entendimento que considera pacífico - RLJ 128/58), importa, para efeitos da sua avaliação, considerar autonomamente não só cada um dos elementos que integram aquela universalidade de direito como a importância relativa (peso) de cada um dos bens nessa universalidade. É que só desse modo se pode revelar evidente que a avaliação deste tipo de bem ou, se preferirmos, a sua avaliação enquanto «bem de mercado» está dependente (como os inúmeros critérios de avaliação de empresas existentes também o revelam) não só da própria importância/função de cada um desses bens objectivos e autonomizáveis que integram aquela universalidade, como a importância que assumem autonomamente ou globalmente para os concretos sujeitos intervenientes na celebração do negócio concreto.
Aliás, o chamado «valor de mercado» é o valor que um produto atinge no mercado, baseado objectivamente na concorrência - resultante do “jogo” entre a oferta e a procura - constituindo seu oposto o valor real do mesmo produto ou bem. O valor do mercado é, pois, a medida desse bem expressa em unidade monetária que resulta, em regra, de estatísticas ou critérios de referência sobre os preços praticados na venda e ou oferta de bens similares no mesmo mercado, em dado momento. É uma medida, um dado numérico que possibilita a comparação entre bens similares, reflectindo esse valor (monetário) a medida-referência que o mercado impõe numa eventual transacção comercial, distintamente do que ocorre com o valor real, em que as variações de mercado ou medida-referência não têm ou têm pouca influência na determinação do preço de transacção.
Expostas estas breves considerações gerais sobre a definição do negócio em questão e as particularidades que a sua avaliação pode suscitar enquanto bem de mercado, analisemos as especificas circunstâncias objectivas e subjectivas que rodearam o trespasse em causa e a sua influência no valor do trespasse.
Assim, no que tange às especificidades subjectivas, desde logo a Administração Tributária deveria ter ponderado que por esse trespasse também era transmitido o direito de propriedade da farmácia, de que a Impugnante era titular, para uma sociedade em que a mesma figurava como sócia ainda que com uma quota reduzida, sendo essa sociedade constituída por duas pessoas, a Impugnante e o sócio maioritário, amigos e colegas de profissão há muitos anos, circunstâncias que já haviam sido determinantes do anterior trespasse do mesmo estabelecimento comercial (e do respectivo valor), ocorrido cerca de dois anos antes, daquele sócio para a Impugnante.
Relativamente às especificidades objectivas é de realçar, desde logo, o facto de, na ponderação realizada, não ter sido tomado em consideração o valor e a data do anterior trespasse, realizado apenas dois anos antes, através do qual a impugnante adquirira a mesma farmácia a A…, por cerca de € 997 595,79, o que, naturalmente, torna expectável que influencie o valor de um posterior trespasse entre as mesmas partes.
E o mesmo vale para o facto de a Recorrida integrar a sociedade trespassária, em cujo capital também participava, bem como a sua quota-parte nas expectativas de lucros que pelo desenvolvimento da actividade económica da sociedade de que era parte também viria a obter.
Ou seja, este concreto circunstancialismo de facto não pode ter deixado de influenciar, e não só por via reflexa ou eventual, o valor real do trespasse cujo apuramento, salvo o devido respeito, é exactamente o que se exige à Administração Tributária. (…)”.

No presente caso não foi ponderado o facto de ter sido transmitida a propriedade da farmácia e alvará em nome de S. para S.. Também não foram analisados e ponderados os valores da aquisição ou titularidade dessa farmácia nem mesmo os custos com ela tidos, não foram verificados os meios de pagamento, limitando-se a Administração, com os fundamentos acima mencionados retirados de alegados estudos, noticias e perícias de outro processo, a concluir que o valor do trespasse se afastava substancialmente dos valores de mercado.

Como se salienta no Acórdão proferido neste TCAN em 23/01/2020, no âmbito do processo nº 10/12.5BEPNF, que aqui também acolhemos, e em que são partes os Recorrentes em situação em tudo idêntica à aqui visada “Assim, a conclusão de que o valor de trespasse declarado é manifestamente inferior ao valor de mercado, assente no conhecimento existente de operações da mesma natureza, nos dados retirados de artigos de opinião publicados na comunicação social e que circulam na Internet e num relatório pericial apresentado num processo judicial desacompanhada de qualquer concretização subjetiva ou objetiva, não cumpre aquele especial dever de fundamentação material.
Em síntese na fundamentação aduzida pela Administração Tributária não se encontram elementos de facto concretos e objetivos de onde se possa retirar, com uma certeza razoável, que o valor de trepasse do estabelecimento declarado pelos Recorrentes não corresponde ao valor real desse negócio jurídico. Ou seja, o Relatório não enuncia sequer elementos de facto concretos suficientes para demonstrar que o “valor de mercado” do trespasse do estabelecimento em causa nas condições que ficaram apuradas é substancialmente superior ao declarado, limita-se a sustentar teoricamente a gradeza do negócio, no entanto, não aponta para factos concretos e objetivos que possam indiciar o recurso a métodos indiretos.
Sendo este, nos termos do disposto no citado art.º 88.° alínea d) da LGT, o pressuposto legitimador do recurso por parte da Administração Tributária aos métodos indiretos de determinação da matéria tributável, não tendo logrado provar terá que ser valorado contra si.”.

Ora, o assim ajuizado tem aqui plena aplicação não se vendo qualquer motivo para dissentir de tal julgado na solução a dar ao presente caso.

Por fim, diga-se que nem a perícia realizada nos autos coloca em crise a conclusão a que chegamos, porquanto os peritos referem-se a um hipotético valor da transacção e não do trespasse para justificar a razoabilidade do valor encontrado pela AT, reportam-se, ainda, à informação prestada ao Ministério Público pela ANF (Associação Nacional de Farmácias) e a um alegado método usual no apuramento do trespasse de farmácias, sustentando a determinação do valor de mercado de uma farmácia e a aplicação do coeficiente de 1.5 vezes às vendas no Relatório Final de Outubro de 2005, efectuado pela Universidade Católica a pedido da Autoridade da Concorrência, sobre “A situação concorrencial no sector das farmácias”, ou seja, secundam o método adoptado no relatório inspectivo, o que, como acima referimos, não aponta para factos concretos e objectivos que possam indiciar o recurso a métodos indirectos.

Nesta conformidade, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Administração Tributária demonstrou de forma cabalmente sustentada e fundamentada os motivos do recurso à tributação por métodos indirectos bem como a Administração Tributária logrou fundamentar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável pelo que o presente recurso terá de proceder.

Face ao supra exposto, ficam prejudicadas as restantes questões equacionadas pelo Recorrentes, nos termos do art.º 608.º, nº 2 do CPC.
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5-DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente.

Custas pela Recorrida, com dispensa da taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 2021-02-25


Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda