Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00161/18.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECLAMAÇÃO. ART. 276º DO CPPT. EXECUÇÃO FISCAL. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA.
Sumário:
I) A fonte da obrigação tributária radica no facto tributário (art.º 36.º, da LGT), que tanto pode ser instantâneo, como reportado a um determinado período;
II) A liquidação não é fonte da obrigação tributária, apenas torna certa e exigível a pré-existente obrigação tributária.
III) A compensação prevista no art.º 89.º do CPPT não pode operar entre liquidações correctivas reportadas à mesma obrigação de imposto (IRC/2011), geradoras de reembolso umas e de pagamento outras, por faltar o requisito essencial da existência de dois créditos recíprocos reportados a obrigações distintas que a compensação exige. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:GV SGPS, SA
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar improcedente a reclamação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 13-09-2018, que julgou procedente a pretensão deduzida pelo GV SGPS, SA no âmbito da presente Reclamação relacionada com o procedimento da AT com referência à consideração do valor resultante do deferimento do pedido de revisão oficiosa (envolvendo IRC de 2011, no valor de 115.831,45 €) no âmbito do processo de execução fiscal suspenso sob a forma de anulação parcial da dívida.
Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 272-277 dos autos ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos autos, com a consequente anulação da decisão do Órgão de Execução Fiscal, ínsita na demonstração de acertos de contas n.° 2017 00017451356, de compensar o valor de €115.831,45 na dívida exequenda constante do processo de execução fiscal n.° 2720201601047060;
b) Ressalvado o devido respeito, que é muito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e de facto, consubstanciada em errada interpretação e aplicação do disposto no art.° 89.° do CPPT;
c) Com efeito, em resultado dos movimentos de acerto de contas efectuados entre a liquidação inicial de IRC, do exercício de 2011, e as quatro liquidações correctivas subsequentes, verifica-se que a reclamante, com referência ao exercício de 2011, recebeu um reembolso no valor global de €6.174.715,39 - cfr. pontos A) a E) do probatório;
d) Em resultado da acção inspectiva de que a reclamante foi alvo (em sede de IRC e com referencia ao ano de 2011), foi emitida a liquidação de IRC n.° 2016 8510032080, de que resultou valor a reembolsar de €2.683.788,31 - cfr. ponto F) do probatório;
e) Em razão da liquidação n.° 2016 8510032080 foi, ainda, emitida a nota de cobrança n.° 2016 00000606433 (que não n.° 2016 00001049667 como, de modo erróneo, é indicado no ponto G) do probatório), donde resultou o valor a pagar de €3.490.927,08, sendo que, por falta de pagamento voluntário desse valor, foi instaurado o PEF n.° 2720201601047060 — cfr. ponto H) do probatório;
f) Atente-se que o valor a pagar resulta da diferença entre o valor de reembolso que a reclamante teria direito a receber, apurado na liquidação de IRC n.° 2016 8510032080 (€2.683.788,31), e o valor de reembolso que, em momento anterior, a reclamante indevidamente recebeu (no valor global de €6.174.715,39);
g) A reclamante não procedeu ao pagamento em execução da referida dívida, pelo que, tendo questionado a sua legalidade, prestou, para os efeitos previstos no art.° 169.° do CPPT, garantia sob a forma de fiança, a qual foi aceite por despacho do OEF, datado de 01.07.2016, motivo pelo qual a dita execução fiscal foi suspensa (cfr. pontos I) e J) do probatório);
h) Em razão da decisão de deferimento da revisão oficiosa foi emitida a liquidação de IRC n.° 2017 85110030101, onde foi apurado valor a reembolsar de IRC, com referência ao exercício de 2011, na importância de €3.387.414,58 - cfr. pontos N) a P) do probatório;
i) Tendo ainda, nessa sequência, sido emitida a demonstração de acerto de contas n.° 2017 00017451356, tendo sido apurado um crédito a favor da reclamante, no valor de €115.831,45, bem como, a nota de anulação parcial da dívida de IRC constante no PEF 2720201601047060, no valor de €115.831,45 - cfr. ponto Q) e R) do probatório;
j) Considerou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que, com tal regularização, a AT operou materialmente uma compensação de reembolso de IRC a que a reclamante tinha direito com a dívida constante da execução fiscal, compensação essa que, atendendo a que, à data da sua realização, o processo executivo se encontrava suspenso, foi efectuada em violação do disposto no art.° 89.°, n.° 1 do CPPT;
k) Do que discordamos porquanto, salvo melhor douta opinião, entendemos que o movimento de regularização aqui em causa em nada se subsume à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária prevista no n.° 1 do art.° 89 do CPPT;
l) Pois, no caso sob apreciação, inexiste qualquer crédito de que a reclamante fosse titular e de que a Fazenda Pública fosse devedora, pelo que não se verifica um dos pressupostos exigidos para a compensação nos termos daquele normativo legal;
m) Note-se que a reclamante não tinha direito ao reembolso de IRC no valor de €115.831,45, uma vez não procedeu à devolução do valor de reembolso que, em momento anterior, indevidamente recebera;
n) Daí que a AT tenha emitido a nota de anulação n.° 175731, de 10.07.2017, procedendo à anulação, no valor de €115.381,45, da quantia exequenda devida no PEF 2720201601047060, reduzindo, assim, o valor do imposto em divida naquele processo executivo (cfr. ponto R) do probatório);
o) Ademais, tal como é referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30/09/2014 - Processo n.° 01160/13.6BEPRT, não podemos olvidar que a compensação prevista no art.° 89.° do CPPT não pode operar entre liquidações correctivas reportadas à mesma obrigação de imposto, geradoras de reembolso umas e de pagamento outras, por faltar o requisito essencial da existência de dois créditos recíprocos reportados a obrigações distintas que a compensação exige;
p) E, estando em causa nos autos, liquidações correctivas reportadas à mesma obrigação de imposto (no caso concreto, está em causa o IRC do exercício de 2011), tal facto deveria ter sido tomado em conta na sentença ora recorrida, o que não ocorreu;
q) Mal andou, assim, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao entender, como entendeu, que o movimento de regularização descrito na demonstração de acertos de contas n.° 2017 00017451356 configurava a compensação prevista no art.° 89.°, n.° 1 do CPPT, pois, atenta à factualidade assente, deveria, antes, ter considerado que se tratava, formal e materialmente, de uma anulação parcial de imposto não pago, não existindo, por isso, qualquer direito ao seu reem bolso;
r) Deste modo, o Julgador, ao ter decidido como decidiu, mormente ao decidir considerar que o acto tributário praticado pela AT, constituía uma indevida compensação entre créditos reciprocamente exigíveis, incorreu em incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art.° 89.°, n.° 1 do CPPT;
s) Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida, por padecer a mesma de um erro de julgamento de facto e de direito por violação da referida disposição legal.
Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a decisão recorrida ser revogada, com as devidas consequências legais.
(…)”
*
O recorrido GV SGPS, SA apresentou contra - alegações (cfr. fls. 282 e 283 dos autos), nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
.- A douta decisão recorrida procedeu a uma adequada valoração da matéria de facto, a um correcto enquadramento jurídico e a uma irrepreensível interpretação e aplicação da lei.
2a.- Estando a execução fiscal suspensa na sequência de ter sido deduzida im­pugnação e prestada garantia idónea aceite pela AT, esta encontra-se legalmente impedida de proceder à cobrança daquela. Consequentemente,
3a.- Enquanto a suspensão da execução fiscal persistir, a dívida em execução deve considerar-se regularizada.
4a.- A AT, em clara violação da lei, apesar de formalmente ter emitido uma anula­ção parcial da dívida de IRC, materialmente operou uma compensação do re­embolso - a que a recorrida tinha direito - com a dívida constante da execu­ção fiscal.
5a.- Ao assim ter procedido, a AT violou o disposto no art°. 89° do C.P.P.T..
6a.- Não merece, por isso, qualquer censura a douta decisão recorrida, que deve ser integralmente mantida.
NESTES TERMOS, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA AT SER JUL­GADO IMPROCEDENTE, PROFERINDO-SE DOUTO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A TAMBÉM DOUTA DECI­SÃO RECORRIDA NOS SEUS PRECISOS TERMOS.
ASSIM DECIDINDO V. Exas. FARÃO JUSTIÇA.
(…)”
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer (cfr. fls. 292-295) no sentido da improcedência do presente recurso.
*
Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada prende-se com a bondade do procedimento da AT com referência à consideração do valor resultante do deferimento do pedido de revisão oficiosa no âmbito do processo de execução fiscal suspenso sob a forma de anulação parcial da dívida.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Em 28 de julho de 2012 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2012 2610083851 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.457.402,19 que foi reembolsado.
[cfr. emerge de fls. 194 a 196 dos presentes autos].
B) Em 27 de Setembro de 2012 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2012 2500430678 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.543.310,18, que deu origem a reembolso da importância de EUR 85.907,99 (4.543.310,18- 4.457.402,19) recebido pela Reclamante.
[cfr. emerge de fls. 197 a 199 dos presentes autos].
C) Em 17 de junho de 2013 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2013 2500020124 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.632.689,01, que deu origem a reembolso adicional da importância de EUR 89.378,83 (4.632.689,01-4.54.3.310,18) recebido pela Reclamante.
[cfr. emerge de fls. 200 a 202 dos presentes autos].
D) Em 11 de Agosto de 2014 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2014 8500032925 ondefoi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.833.274,57, que deu origem a reembolso adicional da importância de EUR 208.169,34 incluindo EUR 7.583,78 de juros indemnizatórios (4.833.274,57-4.632.689,01+7.583,78) quefoi recebido pela Reclamante.
[cfr. emerge de fls. 203 a 205 dos presentes autos].
E) Em 17 de Dezembro de 2015 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2015 8500039898 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 6.055.314,54, que deu origem a reembolso adicional da importância de EUR 1.333.857,04 incluindo EUR 119.400,85 de juros indemnizatórios (6.055.314,54-4.833.274,57+119.400,85) que foi recebido pela Reclamante.
[cfr. emerge de fls. 206 a 208 dos presentes autos].
F) Em 28 de janeiro de 2o16 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.2 2016 8510032080 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 2.683.788,31.
[cfr. emerge de fls. 25 dos presentes autos].
G) Em] de Fevereiro de 2016 e em razão da liquidação constante do facto precedente foi emitida a nota de cobrança n.º 2016 00001049667 no valor de EUR 3.490.927,08 apurado nos seguintes termos:
DescriçãoMontanteTotal DIC
Estorno liquidação 2011 — Liq. 2013 850039898-6.174.715,39-6.174.715,39
Acerto Liq. de 2011 — Liq. 2016 8510032080+2.937.477,66
Juros Comp. por recebimento indevido Liq. 2016 0000016492-253.689,35+2.683.788,31
Saldo Apurado3.490.927,08
[cfr. emerge de fls. 27 dos presentes autos].
H) Para cobrança coerciva do valor constante do facto anterior foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2720201601047060 no SF de Viseu.
[cfr. emerge de fls. 244 verso e 245 dos presentes autos].
I) Mediante requerimento apresentado em 3 de Maio de 2016 a Reclamante solicitou a suspensão do processo de execução fiscal anteriormente referido mediante a prestação de garantia sob a forma de fiança.
[cfr. emerge de fls. 42 a 44 dos presentes autos].
J) Por despacho proferido em 1 de Julho de 2016 foi aceite a garantia com vista à suspensão do processo n.º 2720201601047060
[cfr. emerge de fls. 209 a 216 dos presentes autos].
K) Em 9 de Novembro de 2016 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2016 8510036261 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 3.271.583,13
[cfr. emerge de fls. 29 dos presentes autos].
L) Em n de Novembro de 2016 e em razão da liquidação constante do facto precedente foi emitida a "demonstração de acerto de contas"n.º 2016 0001721885 no valor de EUR 587.794,82 apurado nos seguintes termos:
DescriçãoMontanteTotal DIC
Estorno liquidação 2011 — Liq. 2016 85100032080-2.937.477,66-2.937.477,66
Acerto Liq. de 2011 — Liq. 2016 8510036261+3.451.809,30
Juros Comp. por recebimento indevido Liq. 2016 0000016492-180.226,17+3271583,13
Regularização parcial de doc. anterior Nota 2016 00060643-587.794,82
[cfr. emerge de fls. 31 dos presentes autos].
M) Em razão do acerto de contas referido no facto precedente foi emitida anulação parcial da dívida constante do processo de execução fiscal n.º 2720201601047060 no valor de EUR 587.794,82 com fundamento em "declaração fiscal de substituição"
[cfr. emerge de fls. 190 dos presentes autos].
N) Em 27 de Abril de 2017 foi proferido despacho favorável ao pedido de revisão da matéria tributável autuado sob o n.° 2720201602000040
[cfr. emerge de fls. 13 a 21 dos presentes autos].
O) Em causa naqueles autos estava a autoliquidação de IRC respeitante a 2011 efetuada pela Reclamante nomeadamente era peticionada a redução dos custos que não concorrem para a formação da matéria tributável dos EUR 5.255.984 por si declarados para EUR 4.905.465,00
[cfr. emerge de fls. 13 a 21 dos presentes autos].
P) Em razão daquele deferimento, em 3 de julho de 2017 foiemitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2017 8510030101 onde foi apurado o valor a reembolsar de 1RC com referência àquele exercício de EUR 3.387.414,58, incluindo EUR 166.045,23 de juros compensatórios
[cfr. emerge de fls. 33 dos presentes autos].
Q) E emitida a "demonstração de acerto de contas" onde foi apurado um crédito a favor da Reclamante no valor de EUR 115.831,45 nos seguintes termos:
DescriçãoMontanteTotal DIC
Estorno liquidação 2011 — Liq. 2016 8510036261-3.271.583,13-.3271.583,13
Acerto Liq. de 2011 — Liq. 2017 8510030101+3.553.459,81
Juros Comp. por recebimento indevido Liq. 2017 00000131990-166,045,23+3.387.414,58
Regularização parcial de documento anterior-115.831,45-115.831,45
[cfr. emerge de fls. 10 dos presentes autos].
R) Em razão do acerto de contas referido no facto precedente, em 10 de julho de 2017 foi emitida anulação parcial da dívida constante do processo de execução fiscal n.º 2720201601047060 no valor de EUR 115.831,45 com fundamento em "declaraçãofiscal de substituição"
[cfr. emerge de fls. 191 dos presentes autos].
S) Em 11 de julho de 2017 a Reclamante tomou conhecimento do acerto de contas constante do facto «Q»
[cfr. resulta admitido por esta no requerimento de fls. 262 dos autos].
T) A presente reclamação foi apresentada no SF de Viseu em 21 de julho de 2017
[cfr. carimbo aposto no requerimento de fls. 263 dos autos].
…”
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
No que respeita à fundamentação, a convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação crítica [artigos 396.° do Código Civil e 6o7.°, n.º 5 do nCPC, ex vi do art.º 2.° do CPPT], e à luz das regras da experiência comum, do exame dos documentos juntos aos autos, não impugnados, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes.
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, o que significa apreciar da bondade do procedimento da AT com referência à consideração do valor resultante do deferimento do pedido de revisão oficiosa no âmbito do processo de execução fiscal suspenso sob a forma de anulação parcial da dívida.
A decisão recorrida julgou procedente a reclamação apresentada, ponderando que:
“…
Assim, verificando-se que:
(i) A Reclamante tinha direito ao reembolso de imposto que foi a mais liquidado na sua autoliquidação de imposto como foi reconhecido no processo de revisão oficiosa;
(ii) A Administração Fiscal não emitiu qualquer reembolso naquele montante;
(iii) Emitindo uma "nota de anulação" com referência à liquidação emergente da ação inspetiva;
(iv) Cuja cobrança se encontrava legalmente suspensa em razão da pendência de contencioso associado à legalidade da dívida exequenda e prestação de garantia;
Brota que muito embora a Administração Fiscal tenha formalmente emitido uma anulação parcial da dívida de IRC, imputando-a à liquidação emergente da ação inspetiva, materialmente operou uma compensação de reembolso a que a contribuinte tinha direito com a dívida constante da execução fiscal.
Sendo certo que tal compensação apenas é admissível se a dívida em execução fiscal não se encontrar regularizada (cfr. alínea b) do n.º 1 do art.º 89.°), não sendo esse o caso dos autos, conclui-se que a compensação ocorreu em violação do circunstancialismo previsto no art.º 89.º do CPPT.
Fica demonstrado, deste modo, que assiste razão à Reclamante ao peticionar a anulação da compensação efetuada com a consequente procedência da presente Reclamação. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente insiste que inexiste qualquer crédito de que a reclamante fosse titular e de que a Fazenda Pública fosse devedora, pelo que não se verifica um dos pressupostos exigidos para a compensação nos termos daquele normativo legal, sendo que a reclamante não tinha direito ao reembolso de IRC no valor de €115.831,45, uma vez não procedeu à devolução do valor de reembolso que, em momento anterior, indevidamente recebera, pelo que, a AT emitiu a nota de anulação n.° 175731, de 10.07.2017, procedendo à anulação, no valor de €115.381,45, da quantia exequenda devida no PEF 2720201601047060, reduzindo, assim, o valor do imposto em divida naquele processo executivo.
Que dizer?
Tendo presente a realidade em equação nos autos, crê-se pertinente notar que o art. 89º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com a epígrafe “Compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária”, determina que:
«1 - Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, excepto nos casos seguintes: (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
a) Estar a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução;
b) Estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º.».
A compensação é uma forma de extinção das obrigações que pode ser utilizada quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor – artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil.
E a esta reciprocidade de créditos se reporta também o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando refere que «Os créditos do executado … são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à administração tributária…».
A norma citada reporta-se à compensação por iniciativa da Fazenda Pública, estabelecendo os requisitos para tanto, e que são (tal como os enumerou o Tribunal recorrido recorrendo aos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, p. 631):
a) haver um crédito a favor do contribuinte de que é devedora a administração tributária, que esteja em fase de execução;
b) que esse crédito resulte de reembolso, ou de revisão oficiosa, ou de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou de outro meio administrativo ou contencioso.
c) que esse contribuinte seja simultaneamente devedor de tributos;
d) não estar a dívida garantida ou, estando-o, não estiver pendente reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução fiscal relativa à dívida do contribuinte, nem estar a dívida a ser paga em prestações.
Foi este último requisito que o Tribunal recorrido entendeu não estar no caso verificado e que, assim, tornava ilegal a compensação efectuada, pois que a AT embora tenha formalmente emitido uma anulação parcial da dívida de IRC, imputando-a à liquidação emergente da ação inspetiva, materialmente operou uma compensação de reembolso a que a contribuinte tinha direito com a dívida constante da execução fiscal, sendo certo que tal compensação apenas é admissível se a dívida em execução fiscal não se encontrar regularizada (cfr. alínea b) do n.º 1 do art.º 89.°), não sendo esse o caso dos autos, conclui-se que a compensação ocorreu em violação do circunstancialismo previsto no art.º 89.º do CPPT por a dívida estar garantida e estar pendente impugnação na qual se discute a exigibilidade da dívida exequenda.
Será assim?
Pois bem, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 30-09-2014, Proc. nº 01160/13.6BEPRT, www.dgsi.pt, que aqui se acolhe, com as devidas adaptações, a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário – cf. art.º 36.º, da Lei Geral Tributária. Facto tributário que, temporalmente, é continuado, no caso dos impostos sobre o rendimento.
Em anotação ao referido artigo, escrevem Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Ed. Encontro de Escrita, 4ª edição, 2012, o seguinte: “A liquidação, como qualquer acto tributário, sendo um acto definidor da posição da Administração tributária perante os particulares, não constitui a obrigação. Torna-a certa e exigível (…). Ou seja, a liquidação do imposto vem só definir ou, se quisermos, tornar certa e exigível, a obrigação tributária que já existia”.
É assim também com a autoliquidação, cuja natureza de acto tributário, ao menos na vertente da exigibilidade, não difere substancialmente da hétero-liquidação, ou liquidação administrativa.
Na verdade e como decorre do disposto no art.º 101.º, do Código do IRC, “Havendo lugar a autoliquidação de imposto e não sendo o pagamento efectuado até ao termo do respectivo prazo, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela Direcção-Geral dos Impostos nos termos previstos no artigo seguinte”.
É, portanto, a liquidação, nesta se incluindo a autoliquidação, o acto tributário que define o conteúdo da prestação tributária, dando expressão numérica ao valor pecuniário da correspondente obrigação tributária.
Todavia, embora a compensação seja uma forma de extinção da prestação tributária, como decorre do n.º 2 do art.º 40.º, da Lei Geral Tributária - prestação tributária definida (tornada certa e exigível) na liquidação -, ela nunca pode operar entre liquidações correctivas, de sentido favorável ou desfavorável ao contribuinte (ou geradoras de reembolso ou pagamento), praticadas no domínio da mesma obrigação de imposto (IRC/2011), exactamente porque falta o requisito da existência de dois créditos recíprocos reportados a obrigações distintas, que a compensação exige.
Nos termos do n.º 1 do art.º 847.º, do Código Civil, “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com obrigação do seu credor…”.
Diz-se que há compensação quando um devedor que seja credor do seu próprio credor, se libere da dívida à custa do seu crédito - Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2.º Vol., a págs. 219.
Mas obviamente esse crédito compensante não pode emergir da mesma obrigação (tributária), ou da mesma relação jurídica (de imposto - IRC/2011), a que está reportada a dívida.
Nessas situações, o que ocorre é a anulação parcial da dívida (titulada pela liquidação adicional) pelo valor do crédito (resultante da autoliquidação revista), tal como, aliás, sustenta a Administração tributária.
Por isso que o acima citado n.º 10 do art.º 83.º do Código do IRC, prescreve que havendo liquidações correctivas, nomeadamente de autoliquidação, cobram-se ou anulam-se as diferenças apuradas.
Não se verifica, pois, ter havido compensação entre a dívida exequenda e o crédito emergente da decisão do pedido de revisão oficiosa, uma vez que ambos os actos tributários em causa se reportam à mesma obrigação de imposto, não constituindo eles próprios a fonte da obrigação de imposto.
Consequentemente, e na esteira do aresto descrito, improcede o vício de violação de lei assacado ao acto reclamado, no entendimento de que o procedimento da AT consubstancia materialmente um acto de compensação sujeito ao regime previsto no art.º 89.º, do CPPT, incorrendo em erro de direito a sentença recorrida que perfilhou tal solução.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente Reclamação.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 31 de Outubro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos