Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01575/19.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:08/11/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:RECLAMAÇÃO DOS ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO. INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
REDUÇÃO DOS JUROS DE MORA A METADE. NÃO CONHECIMENTO DE QUESTÕES CONTRATUAIS NA EXECUÇÃO.
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do CPPT, o contribuinte que pretenda reagir judicialmente contra um ato da Administração Tributária, dispõe do prazo de dez dias, a contar da data em que foi notificado da decisão.

II - Tendo a Reclamante, nos termos dos artigos 36.º e 37.º do CPPT apresentado pedido de emissão de certidão que contivesse a fundamentação, quer de facto, quer de direito, subjacente aos juros de mora em causa e a fórmula de cálculo dos referidos juros de mora, e, não tendo o Recorrido inicialmente respondido cabalmente ao pedido, mas apenas em nova pronúncia sobre o assunto em que dá todas as informações pretendidas e necessárias ao conhecimento do ato, implica que apenas com esta última pronúncia ficou a Reclamante apta a reagir contenciosamente, pelo que o processo deduzido dentro do prazo de 10 dias após a receção desta última informação é tempestivo.

III – Estando em causa juros de mora relativos a processos de execução fiscal para cobrança coerciva de taxas, e, sendo o crédito tributário indisponível, conforme determina o artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, as condições que sejam fixadas tendo em vista a sua redução ou extinção devem respeitar o princípio da igualdade e da legalidade tributária.

IV – O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários implica que a Administração Tributária não possa conceder moratórias ou alterar quaisquer outras condições de pagamento das dívidas tributárias por mero ato administrativo, sem qualquer habilitação legal, bem como, que não possa proceder ao perdão total ou parcial dos impostos ou renunciar de outro modo ao seu pagamento.

V – Nos termos do artigo 3.º, nos. 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março, a taxa dos juros de mora tem vigência anual com início em 1 de janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P. (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de dezembro do ano anterior, sendo reduzida a metade para as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...) e P., SA
Recorrido 1:P., SA e Município de (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Município de (...) interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal, deduzida por P., SA» contra a decisão proferida no processo de execução fiscal n.º 98/2010, consubstanciada no ofício datado de 27/05/2019, nos termos do qual o Município de (...) notificou a Reclamante de que deveria proceder ao pagamento da diferença dos juros de mora vencidos desde 01/03/2015 até à data do pagamento no mês de junho de 2019 (conta efetuada para a possibilidade de se realizar a assinatura do auto de dação no mês de junho), no valor de € 85.466,53.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

DA CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO -
DA EXTEMPORANEIDADE DA RECLAMAÇÃO:
1ª) A Reclamante, foi notificada, por ofício de 27/06/2017, Ofício de saída n.º 15098, para que procedesse ao pagamento de juros de mora em falta desde Março de 2015, como resulta dos factos provados 9 e 11, bem como do processo administrativo;
2ª) Foi incorrectamente que o tribunal a quo entendeu que apenas com a notificação do Ofício com registo de saída n.º 12520, datado de 27 de Maio de 2019, a Reclamante foi notificada para o pagamento dos juros, devida e formalmente, devendo a reclamação ser feita contra esse acto expresso;
3ª) Primeiro, porque não foi, como se verteu na sentença em análise, apenas com o recebimento do acto reclamado que tomou conhecimento do fundamento da cobrança dos juros pois já com o primeiro esclarecimento da primeira notificação a recorrida tinha sido informada de qual o fundamento para a cobrança dos juros, como resulta do facto provado n.º 11;
4ª) Pois do esclarecimento prestado em 31/07/2017, esclarecimento do acto que lhe foi notificado em 27/06/2017, retira-se que o pagamento deveria ser feito “nos termos do n.º 3 da Cláusula 1.ª do acordo celebrado com o Município”, e dessa cláusula consta “Sobre os montantes referidos nas alíneas d), e) e f) do número anterior incidem juros nos termos legais.”. (facto provado n.º 11)
5ª) Não é certo o ato consubstanciado na notificação de 27/05/2019 tenham sido aditados à decisão novos pressupostos que até então não tinham sido aventados, porque a reclamante sempre foi notificada para pagar os mesmos juros de mora, devidos nos termos legais, no mesmo valor, desde a mesma data, relativos ao mesmo processo, tendo subjacente o mesmo acordo de dação em cumprimento;
6ª) Só com grande esforço se poderia chegar à tese, mencionada na sentença em análise, de que estariam em causa notificações sem identidade de pressupostos e de circunstâncias – não tendo sequer tal sido afirmado pela Reclamante, que sempre soube estar em causa a mesma liquidação.
7ª) Foi a reclamante – e não qualquer outra pessoa ou entidade – quem celebrou o acordo com o reclamado, tendo por isso negociado, discutido e previamente tomado perfeito conhecimento dos termos do acordo, sabendo, desde então, que era ao abrigo do regime das leis tributárias que os juros lhe seriam cobrados, em caso de aplicação da sobredita cláusula, não podendo valer-se de qualquer pretexto de desconhecimento da lei ou do teor do acordo que negociou e outorgou;
8ª) Carece totalmente de credibilidade o argumento aventado pela sentença de desconhecimento do fundamento para o pagamento de juros quando, ainda para mais, eles foram sendo pagos relativamente a todas as anteriores prestações estabelecidas no acordo;
9ª) Segundo, o acto reclamado não constitui qualquer suprimento de notificação deficiente resultante de pedido feito ao abrigo dos artigos 36º e 37º do C.P.P.T. antes, como resulta do mesmo, tratou-se de mera resposta a um requerimento da recorrida de 06/05/2019 para efectuar a dação em cumprimento, em que, complementarmente e voluntariamente, o Município descreve o processo e, por excesso e em acréscimo, relembra a obrigação de pagamento que já fora notificada à reclamante, porque integrante do processo.
10ª) O que o acto indevidamente reclamado contém é uma descrição exaustiva do processo, em 15 pontos, que não são, como se pretende na sentença em crise e transcrito em 10º supra, um “aditar à decisão de novos pressupostos que até então não tinham sido aventados” !!!!
11ª) Não há, como pretenderia o Tribunal a quo, qualquer acto novo sobre outro assunto, mas mera referência ou repetição do conteúdo do acto já notificado: é a mesma cobrança de juros, com o mesmo valor, que diz respeito ao mesmo acordo, reiterando-se que a obrigação de pagamento decorre da lei (como consta do contrato) e não de qualquer cláusula contratual;
12ª) E, portanto, ao invés do que pretenderia o tribunal a quo, uma mera repetição, um verdadeiro acto confirmativo do acto que foi notificado em 27/06/2017, e que não é impugnável, nos termos do artigo 53º, n.º 1 do C.P.T.A.;
13ª) A lei não permite ao reclamante que peça, ad eternum, esclarecimentos sobre notificações deficientes, ao abrigo dos artigos 36º e 37º do CPPT;
14ª) Caso contrário, estaria encontrado o mecanismo para que o reclamante garantisse que um acto nunca mais estivesse fixado na sua esfera jurídica, solicitando esclarecimentos, sempre que bem entendesse, e arquitectando permanentes dúvidas sobre o teor do acto notificado.
15ª) No procedimento em questão, como visto acima, foi-lhe notificado o Ofício de 27/06/2017 (cfr. factos provados 9 e 11) no seguimento do que a reclamante apresentou um pedido de esclarecimento nos termos dos artigos 24.º, 36.º e 37.º do C.P.P.T. (cfr. facto provado 10), e como resulta do texto da sentença a fls. 39, último parágrafo.
16ª) Manda a lei, de forma expressa e clara, no n.º 2, do artigo 37º, do C.P.P.T., que “Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.”, o que a reclamante devia ter feito após recebimento do primeiro esclarecimento do acto notificado em 27/06/2017.
17ª) Em vez disto, a reclamante decidiu voltar a considerar-se e declarar-se insatisfeita com a resposta recebida e, como a própria sentença em análise bem confirma, a fls. 32 e se extrai do processo administrativo, “Em 14/08/2017, a Reclamante volta a insistir na emissão de tal certidão (…)” nos termos dos artigos 36.º e 37.º do CPPT e voltou, ainda, a questionar a legalidade dos juros em outra carta datada de 08/04/2019, como resulta do processo administrativo, da sentença a fls. 32 e do facto provado n.º 16.
18ª) Ainda que o primeiro esclarecimento de 31/07/2017, do acto que lhe fora notificado em 27/06/2017, fosse insuficiente – e tal apenas o tribunal podia declarar, e não a recorrida - e esse acto continuasse sem fundamentação (o que se equaciona por dever de patrocínio e sem conceder) a solução processual era reclamar do mesmo, e não apresentar sucessivos pedidos esclarecimentos, o que o artigo 37º do C.P.P.T não permite;
19ª) O tribunal é que, recebida a reclamação, apreciaria se existia ou não algum vício no acto de 27/06/2017, que não tivesse sido suprido com o esclarecimento prestado ao abrigo do art. 37º do CPPT, e que devesse ser declarado;
20ª) O envio constante de pedidos de esclarecimentos não constitui fundamento para que lhe seja concedido diferente prazo para reclamar do acto de 27/06/2017 que originalmente a notificou para pagamento, que não foi o acto constante do Ofício n.º 12520, de 27/5/2019;
21ª) O Ofício 12520 é uma resposta a um requerimento de 06/05/2019 para efectuar a dação em pagamento em que, na sua resposta, o Município elencou vários factos relacionados com a dação em pagamento, incluindo a obrigação de pagamento de juros, limitando-se a repetir o historial do processo, não constituindo, de forma alguma, a resposta a partir da qual o artigo 37º, n.º 2 do CPPT impõe a contagem do prazo para reclamação.
22ª) A Reclamante devia ter reagido, em tempo e no prazo de 30 dias após recebimento do primeiro esclarecimento (cfr. facto provado n.º 11) pedido ao abrigo do artigo 37º do CPPT pelo que, não o tendo feito, a presente reclamação é extemporânea, o que deve ser declarado.

Termos em que, decidindo-se em conformidade com as conclusões, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a Reclamação ser julgada improcedente, por não provada, confirmando-se a legalidade do acto impugnado, com as consequências de lei.

O Recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

a. Tendo sido notificada pelo Município de (...), através do Ofício com registo de saída n.º 15098, datado de 27 de junho de 2017, para proceder ao pagamento de juros - sem mais detalhes - a ora Recorrida apresentou, nos termos da lei, um pedido de emissão de certidão que contivesse a fundamentação, quer de facto, quer de Direito, subjacente ao citado Ofício, ao qual o Município de (...) respondeu (em 31 de julho de 2017), referindo apenas que tais juros seriam devidos nos termos do n.º 3 da Cláusula 1.ª do acordo celebrado com o Município no ano de 2013 - abstendo-se de concretizar, porém, qualquer fundamentação de facto ou de direito;
b. A Recorrida apresentou, novamente, um pedido de emissão de certidão, tendo sido igualmente informada pelo Município de(...), através do Ofício com registo de saída n.º 17888, datado de 31 de julho de 2017, de que tais juros seriam devidos nos termos do n.º 3 da Cláusula 1.ª do acordo celebrado com o Município;
c. Posteriormente, através do Ofício com registo de saída n.º 2517, datado de 23 de janeiro de 2019, foi a Recorrida notificada para materializar a transferência do imóvel sito no Parque…, com a advertência de que “à dívida existente, acrescem juros até à data efetiva do pagamento” (cfr. alínea 13) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida);
d. Os termos do acordo celebrado entre o Município de (...) e a ora Recorrida foram exaustivamente discutidos antes da sua redução a escrito, pelo que, não estando expressamente previsto o pagamento de juros de mora nos termos do regime geral das leis tributárias, é legítimo que a Recorrida tenha considerado que o n.º 3 da Cláusula 1.ª do referido acordo compreendesse apenas o pagamento de juros civis – razão pela qual, insista-se, apresentou sucessivos pedidos de esclarecimento;
e. A alegação aduzida pelo Município de (...) está em clara contradição com a atuação do próprio Município, porquanto, por e-mail datado de 4 de maio de 2019, aquele Município informou a Recorrida de que a mesma poderia apresentar uma Reclamação do Ato do Órgão de Execução Fiscal, na parte relativa aos juros de mora, explicitando as consequências do indeferimento dessa Reclamação (cfr. alínea 20) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida);
f. No seguimento do referido e-mail, através do Ofício com registo de saída n.º 12520, datado de 27 de maio de 2019, o Município de (...) notificou a Recorrida da natureza dos juros de mora - in casu devidos por força das “leis tributárias”, pelo que, apenas a partir dessa data estaria a Recorrida em condições de contestar judicialmente a sua aplicação e exigibilidade - entendimento esse expressamente perfilhado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público – razão pela qual a presente Reclamação é tempestiva.
g. Também não proceder o argumento adiantado pelo Recorrente – cfr. 18ª) conclusão das Alegações de Recurso – nos termos do qual, caso o primeiro pedido de certidão (datado de 31 de julho de 2017) fosse insuficiente, apenas restaria à ora Recorrida reclamar dessa certidão, jamais sendo possível solicitar uma segunda fundamentação (ou “sucessivos pedidos [de] esclarecimentos”, como refere o Recorrente), porquanto, ao abrigo do princípio da colaboração dos intervenientes na relação jurídica-tributária – previsto no artigo 59.º da LGT, bem como no artigo 11.º do CPA – combinado com o disposto no artigo 56.º da LGT, ao contribuinte/administrado é facultada a possibilidade de dirigir todos e quaisquer requerimentos que julgue pertinentes para obter as informações sobre a sua situação tributária, em todas as dimensões, enquanto manifesta decorrência do princípio da legalidade tributária.
h. Por outro lado, não existe qualquer limitação legal referente à impossibilidade de sucessivamente recorrer ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, nomeadamente quanto às sucessivas e insuficientes respostas obtidas, pois sendo este instituto uma faculdade que a própria lei não limita aos atos tributários, antes aplicando-a com grande amplitude a “toda a comunicação da decisão em matéria tributária” a mesma pode ser utilizada nos moldes em que o fez a Recorrida.
i. Ainda que o Município de (...) entendesse que a Recorrida não deveria ter sucessivamente procurado obter a informação em falta, antes tendo reclamado do ato insuficiente (do primeiro), não se compreende então por que razão o Município continuou a responder aos pedidos, sem jamais mencionar – aliás como ordena o artigo 37.º do CPPT – os meios e prazos legais de defesa que assistiam à Recorrida, ou, no limite, por que razão não recusou o conhecimento dos pedidos efetuados.
j. Em suma, é no mínimo abusivo que o Município de (...) alegue como argumento para justificar uma intempestividade da presente reclamação o facto de a Recorrida ter procurado obter fora dos tribunais e ao abrigo dos princípios norteadores da sã relação administração-administrado as informações que pretendia e que lhe eram legalmente devidas.
k. A Reclamação em escrutínio foi, por tudo o exposto, tempestivamente apresentada, pois ocorreu no prazo de 10 dias após a notificação do primeiro ato que lhe deu a conhecer os fundamentos de facto e de direito que justificam a liquidação e cobrança de juros de mora, pelo que a decisão recorrida não enferma, nesta parte, de qualquer vício, razão pela qual deve ser mantida na ordem jurídica quanto ao objeto do presente recurso;
l. Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida não merece censura - quanto à tempestividade da reclamação -, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso de Município de (...).
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo quanto à tempestividade da reclamação, tudo com as legais consequências.

A Reclamante P., SA», deduziu recurso subordinado da sentença, na parte em que o tribunal de 1.ª instância não concedeu provimento quanto ao peticionado, apresentando as seguintes conclusões:
a. As partes - Recorrente e Município de (...) – acordaram, nos termos do disposto no artigo 837.º do Código Civil, em instrumento próprio celebrado de livre vontade, na realização de uma dação em cumprimento, no âmbito da qual a Recorrente viria a efetuar a prestação de coisa diversa daquela que era devida;
b. Sendo a dação em cumprimento uma das formas passíveis de satisfação do direito do credor, a mesma apenas exoneraria a Recorrente perante o consentimento por parte do Município de (...), o que manifestamente ocorreu no caso concreto, tudo conforme o artigo 837.º do Código Civil;
c. Após celebração do contrato-promessa de dação em cumprimento, a única obrigação que passou a impender sobre a Recorrente foi a de celebração da escritura respetiva (a qual não dependia em exclusivo de si), que foi celebrada em 30 de maio de 2019, razão pela qual foram, nessa data, liquidados os juros de mora pendentes;
d. Com efeito, a alegada dívida cessou aquando da celebração do contrato-promessa de dação em cumprimento, sendo que foi por esse mesmo facto que foram pagos juros sobre a totalidade do remanescente da dívida, pelo que tanto a adenda ao acordo celebrado em 14 de junho de 2013, como o contrato-promessa de dação em cumprimento, referem que o pagamento se faz pela “promessa e dação” e não apenas pela própria “dação”;
e. Atentos os termos contratualizados entre as partes, os juros de mora só seriam devidos caso a realização da escritura da dação em cumprimento não fosse possível por causa imputável à Recorrente - frustrando-se, assim, a promessa e considerando-se a dívida reconstituída - o que, com toda a certeza, não ocorreu;
f. Subsidiariamente sempre se diga que, diferentemente dos juros compensatórios, os quais integram a própria dívida do imposto, os juros de mora não são tributos, nem integram tributos, apenas assumindo o caráter de receita pública, razão pela qual o artigo 44.º da LGT – que dispõe sobre os juros de mora - não segue igual regime àquele disposto para os juros compensatórios – artigo 35.º da LGT;
g. Embora seja verdade que a arrecadação de receita é uma obrigação das autarquias locais, tal incumbência não pode privá-las da gestão do seu património da forma que melhor lhes convier, nomeadamente, mediante a celebração de acordos que permitam regularização dos seus créditos, facto que decorre do artigo 6.º do RFAL, bem como n.º 1 do artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa;
h. Não se encontra vedada às autarquias locais a possibilidade de recorrerem à via
contratual para verem os seus créditos liquidados, mesmo que tal pressuponha o perdão de juros de mora (não incorporando, estes, o crédito tributário);
i. Os juros de mora não consubstanciam um crédito tributário nem, admitindo-se essa qualificação, o mesmo seria indisponível, porquanto o próprio legislador já previu, por diversas vezes, a possibilidade do seu perdão pela Administração Pública.
j. Nos termos do 813.º do Código Civil, o Município de (...) incorreu em manifesta mora porquanto, sem justificação válida, não levou a cabo os atos necessários ao cumprimento da obrigação que lhe incumbia;
k. As partes celebraram o acordo de dação em cumprimento nos termos definidos durante o procedimento negocial, acreditando a Recorrente desde o início que, não obstante os constrangimentos normais associados ao licenciamento urbanístico, o Município de (...), na prossecução do interesse público que subjaz à sua atividade, sempre pautaria a sua conduta com a diligência e responsabilidade exigíveis a uma pessoa coletiva de direito público, com efeito, não pode ser assacada qualquer responsabilidade à ora Recorrente por ter confiado na atuação do Município, pelo que, havendo mora do credor (Município de (...)), não podem ser cobrados à ora Recorrente quaisquer juros;
l. Ainda que estejam em causa diferentes competências e atribuições, tal não acarreta a sua natureza autónoma, porquanto na prática tais competências e atribuições - quer do foro tributário, quer do foro urbanístico - se reconduzem à prossecução do interesse público, que é objetivo prosseguido pelo Município, como uma realidade una;
m. Verifica-se, portanto, que deve ser revogada a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de anulação da totalidade dos juros de mora, sob pena de violação dos artigos 405.º, 406.º, 837.º e 813.º do Código Civil, 35.º e 44 da LGT, 6.º do RFAL e 238.º da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, ser o presente recurso dado como procedente, por provado.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de anulação da totalidade dos juros de mora, tudo com as legais consequências.

O Município apresentou contra-alegações ao recurso subordinado, patenteando as seguintes conclusões:
1ª) A P. não recorreu de nenhum ponto da matéria de facto que,
assim, se encontra definitivamente fixada;
2ª) Porque o presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de Direito, era ónus da Recorrente indicar nas suas conclusões os elementos constantes do artigo 639º do C.P.C. (as normas violadas, o sentido em que deviam ter sido interpretadas ou a norma que devia ter sido aplicada), o que não aconteceu - nem nas conclusões, nem no articulado - pelo que deve ser indeferido;
3ª) A exoneração da obrigação de pagamento de juros não opera por força da mera celebração do contrato-promessa de dação em cumprimento, sendo necessária a efectiva dação em cumprimento, nos termos acordados entre as partes – cfr. al. f) do n.º 2 da cláusula 1ª do Acordo (documento n.º 3 da Reclamação) e redacção da al. f) resultante da cláusula 3ª, n.º 1 da Adenda ao Acordo (documento n.º 4 da Reclamação);
4ª) Para além da dação em cumprimento prevista na al. f), é devido o pagamento de juros que resulta da lei e ficou expressamente previsto no n.º 3 da Cláusula 1.ª do Acordo celebrado entre a Recorrente e o Município, de que consta: “Sobre os montantes referidos nas alíneas d), e) e f) do número anterior incidem juros nos termos legais.” (cfr. documento n.º 3 da Reclamação).
5ª) A celebração da Adenda ao Acordo, apenas alterou o teor da alínea f), do n.º 2 da cláusula 1ª, verificando-se que o n.º 3 dessa cláusula se manteve inalterado e, expressamente, revalidado pelo teor da cláusula 6ª da Adenda (cfr. documento n.º 4 da Reclamação), não tendo havido qualquer outro instrumento que tenha feito cessar a vigência do Acordo e sua cláusula 1ª, n.º 3, tendo até o contrato-promessa (cfr. documento n.º 5 da Reclamação) assimilado este facto nas declarações preambulares;
6ª) Nos termos do artigo 176º n.º 1 do C.P.P.T., o processo de execução fiscal extingue-se por pagamento da quantia exequenda e do acrescido pelo que, enquanto a dação não for cumprida, aplicam-se os juros devidos nos termos do artigo 44º, n.º 1 da L.G.T., e do n.º 2 que estabelece que os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida;
7ª) Os juros cobrados são um crédito tributário e indisponível, em decorrência da lei (nomeadamente, dos art.s 266º da C.R.P., 3º do C.P.A., 30º e 36º, n.º 3 da L.G.T., 85º, n.º 3 e 148º do C.P.P.T.), não tendo a Recorrente identificado nenhuma previsão legal que contenha a possibilidade do seu perdão, nem explicado por que seria aplicável à sua situação;
8ª) A Recorrente não indica quaisquer factos concretos que demonstrem falta de diligência ou de responsabilidade na actuação do Município, com reporte a datas e momentos formais do procedimento administrativo de licenciamento ou outro;
9ª) A actuação do Município foi pautada pelo absoluto cumprimento, com diligência e responsabilidade, das suas competências;
10ª) Foi a Recorrente P. quem entrou em incumprimento do Acordo celebrado, por incapacidade de resolução de vicissitudes várias – e alheias ao Município – com que se deparou na instrução do processo necessário à realização da escritura de dação em cumprimento;
11ª) Não existiu qualquer mora do Município;

Termos em que, decidindo-se em conformidade com as conclusões, deve o recurso subordinado ser julgado improcedente, por não provado, e a Reclamação ser julgada improcedente, por não provada, confirmando-se a legalidade do acto impugnado, com as consequências de lei.

O Recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, que por Decisão Sumária, julgou-se hierarquicamente incompetente.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (vide artigo 657.º, n.º 4 do CPC e artigo 278.º, n.º 5 do CPPT), vindo os autos à Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte para julgamento do recurso.
*
Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
Factos provados: (na parte em que a reprodução da matéria de facto não se encontra integral como na sentença, aplica-se o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC)
1) O Município de (...) instaurou à aqui Reclamante o processo de execução fiscal (PEF) n.º 98/10 para cobrança de taxa de ocupação do subsolo municipal, liquidada através da guia de receita n.º 5879 no valor de € 396.080,00 - Cf. fls. 134 e 135 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2) Em 07/05/2010, a Reclamante foi citada no âmbito do PEF n.º 98/2010- Cf. fls. 138 e ss. do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3) No âmbito do PEF n.º 98/2010, em 11/06/2010, a Reclamante prestou garantia bancária no valor de € 505.236,28 de forma a suspender a execução por a legalidade da taxa estar a ser discutida na reclamação apresentada ao abrigo do disposto no art.º 16.º.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 53-E/2006 de 29/12 - Cf. fls. 139 a 160 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4) Em 02/07/2010 o OEF proferiu despacho de suspensão da execução fiscal por prestação de garantia - Cf. fls. 161 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5) Em 14/06/2013, entre a Reclamante e o Município de (...) foi outorgado documento particular designado “acordo” nos seguintes termos, no que ao caso releva:
PRIMEIRA
1 - As Partes acordam que o valor do crédito do Município resultante da ocupação do seu subsolo com as condutas referidas nos Considerandos IV e V, supra, reportado à data de 31 de Dezembro de 2012, por parte da P., era no montante de €13.329.768,69 (treze milhões, trezentos e vinte e nove mil setecentos e sessenta e oito euros e sessenta e nove),
(…)
2 - As PARTES acordam em que, cumpridos os requisitos legais aplicáveis, o montante referido no corpo do número anterior, deduzido dos valores referidos nas alíneas a) e b) do mesmo número e actualizado à data de 14 de Junho de 2013 por consideração dos Juros de mora aplicáveis será pago da seguinte forma:
(…)
d) em 31 de Agosto de 2013 a P. procederá ao pagamento do montante de € 1.496.139,89 (um milhão quatrocentos e noventa e seis mil cento e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), correspondentes a 1/9 (um nono) do montante referido na alínea b) deste número 2;
e) em 31 de Dezembro de 2013, a P. procederá ao pagamento do montante de € 1.496.139,89 (um milhão quatrocentos e noventa e seis mil cento e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), correspondentes a 1/9 (um nono) do montante referido na alínea b) deste número 2;
f) a P. procederá ao pagamento da parte restante do montante determinado nos termos da alínea b) deste número 2 através de promessa de dação e dação em pagamento de parte determinada dos prédios em que tem compropriedade no PARQUE DE (...), a concretizar nos termos previstos neste Acordo;
3 - Sobre os montantes referidos nas alíneas d), e) e f) do número anterior incidem juros nos termos legais.
4 – As prestações serão imputadas, nos termos do estatuído nos artigos 40.º-4 da Lei Geral Tributária e 262.º-2 do Código de Procedimento e Processo Tributário, sucessivamente ao pagamento de juros de mora, dos outros encargos legais, designadamente custas processuais, e das dívidas, ou parte delas, mais antigas à data em que foram efectuadas.
SEGUNDA
A P. declara consentir, como pressuposto deste ACORDO e em reciprocidade com idênticos consentimentos da R. e da B. na promessa de dação e na dação de partes certas e determinadas dos prédios integrantes do PARQUE DE (...) que elas venham a fazer em pagamento total ou parcial da dívida delas, de origem e natureza idênticas às descritas nos CONSIDERANDOS deste ACORDO, comprometendo-se a praticar todos os actos necessários para que o PRIMEIRO CONTRAENTE prometa adquirir e adquira essas partes.
Cf. fls. 41 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6) Em 30/03/2015, a Reclamante e o Município de (...) outorgaram documento particular designado “adenda” segunda a qual, no que ao caso releva:
(…)
TERCEIRA
1 - Pela presente Adenda, as Partes assentam que a alínea f) do n.º 2 da Cláusula Primeira do Acordo de 14/06/2013 passa a ter a seguinte redação:
f) a P. procederá ao pagamento da parte remanescente do montante determinado nos termos da alínea b) deste número 2, entregando um montante equivalente a metade da mesma até ao dia 31/03/2015 e prometendo e efetuando a dação em cumprimento de parte determinada dos prédios em que tem compropriedade no PARQUE DE (...), a concretizar nos termos previstos neste Acordo, com um valor equivalente à metade remanescente."
(…)
QUARTA
1. A eficácia do Acordo de 14/06/2013, modificado nos termos desta Adenda, mantém-se subordinada às condições previstas na respetiva Cláusula Sétima.
2. Os termos finais dos prazos previstos nas alíneas b), c), d) e f) da Cláusula Sétima do Acordo de 14/06/2013, consideram-se porém substituídos por:
a) 31 de março de 2015, o termo final previsto na alínea b);
b) 30 de abril de 2015, o termo final previsto na referida alínea c);
c) 15 de junho de 2015, o termo final previsto na referida aliena d):
d) 30 de junho de 2015, o termo final previsto na referida aliena f).
(…)
SEXTA
Todas as disposições do Acordo de 14/06/2013 que não hajam sido, ou na medida em que não hajam sido, alteradas pela presente Adenda mantêm-se plenamente válidas e eficazes.
Cf. fls. 67 e ss. do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7) Por ofício datado de 08/04/2015, o Município de (...) enviou à aqui Reclamante guias de pagamento, nos seguintes termos:
(…)
8) Em 10/09/2015, a Reclamante e o Município de (...) outorgaram documento particular designado “contrato-promessa de dação em cumprimento” segundo o qual, no que ao caso releva:
PRIMEIRA
(…)
4. A entrega a que se refere o número anterior [entrega do imóvel livre de ónus e encargos e após total descontaminação] será feita até ao dia 31 de dezembro de 2018 (...).
5. Por cada ano civil completo que decorra entre a celebração da escritura a que se refere a cláusula seguinte e a entrega a que se refere o número anterior, contar-se-ão, com o objetivo de ressarcir o MUNICÍPIO DE (...) por não entrar imediatamente na posse da parte do prédio referido no número UM desta Cláusula, juros de 2% (dois por cento) sobre o valor de 4.488.419,66 € (…).
6. A P. pagará anualmente, até 31 de dezembro, ao MUNICÍPIO DE (...) os juros contados nos termos do número anterior.
SEGUNDA
1. A escritura pública de dação em cumprimento celebrar-se-á após a conclusão das operações de destaque da parcela tendentes à separação do prédio referido no NÚMERO 1 da CLÁUSULA ANTERIOR, mas nunca após 31 de dezembro de 2015, nos Paços do Concelho de (...) em dia e hora a indicar pelo PRIMEIRO CONTRAENTE, observando os termos descritos nos números seguintes:
Cf. fls. 104 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9) Por ofício datado de 27/06/2017, ref. 15098, epigrafado “pagamento de juros de processos executivos”, o Município de (...) notificou a Reclamante do seguinte:
(…)
Cf. fls. 170 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10) Em 17/07/2017, a Reclamante, em resposta ao ofício mencionado na alínea antecedente, requereu que o Município de(...), “ao abrigo do dever de fundamentação previsto nos arts. 24.º e 36.º e 37.º do CPPT se digne ordenar a emissão de certidão que contenha a fundamentação, quer de facto, quer de direito subjacente à presente notificação e, bem assim, a identificação das liquidações subjacentes aos processos de execução fiscal acima identificados” - Cf. fls. 171 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11) Por ofício datado de 31/07/2017 epigrafado “pagamento de juros de processos executivos” “sua comunicação de 17/07/2017”, o Município de (...) notificou a Reclamante do seguinte:
(…) Cf. fls. 176 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12) Por requerimento datado de 14/08/2017, em reposta ao ofício a que se alude na alínea antecedente, a Reclamante requereu o seguinte:
(…)
Cf. fls. 178 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13) Por ofício datado de 23/01/2019, o Município de (...) notificou a Reclamante para apresentar proposta da dação em cumprimento, nos seguintes termos:
(…)
Cf. fls. 190 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14) Por requerimento datado de 19/02/2019, a Reclamante comunicou ao Município o seguinte:
(…)
Cf. fls. 191 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15) Por ofício datado de 25/02/2019 epigrafado “dação em cumprimento de terrenos sitos no Parque(...), em (...)” “sua comunicação de 21/02/2019 Ent/2019/3386”, o Município de (...) notificou a Reclamante do seguinte:
(…)
Cf. fls. 111 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16) Por ofício datado de 08/04/2019, a Reclamante comunicou ao Município de (...) que aguardava confirmação da disponibilidade do Município para a celebração da escritura no próximo dia 3 ou 6 de maio nos seguintes termos:
(…)
Cf. fls. 114 e ss. do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17) Por ofício datado de 12/04/2019 epigrafado “dação em cumprimento de terrenos sitos no Parque (...), em(...)” “sua comunicação de 11/04/2019 Ent/2019/6979”, o Município de (...) notificou a Reclamante do seguinte:
(…)
Cf. fls. 121 e ss. do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18) Por ofício datado de 30/04/2019, a Reclamante comunicou a disponibilidade para realizar uma reunião, nos seguintes termos:
(…)
Cf. fls. 121 e ss. do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19) Por requerimento datado de 03/05/2019 sob a epígrafe “dação em cumprimento de terrenos sito no PARQUE DE (...), (...) n/ carta de 30 de abril” a Reclamante expôs o seguinte:
(…)
Cf. fls. 238 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20) Por email de 04/05/2019 foi a Reclamante notificada do seguinte:
(…)
Cf. fls. 130 e 234 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21) Por ofício datado de 08/05/2019 epigrafado “sua comunicação de 03/05/2019”, a Reclamante foi notificada de que o assunto se encontraria em análise nos seguintes termos:
(…)
Cf. fls. 240 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22) Em 07/05/2019, os Serviços de Contencioso Tributário do Reclamado elaboraram a seguinte informação:
(…)
Cf. fls. 241 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23) Por ofício datado de 27/05/2019 epigrafado “dação em cumprimento de terrenos sitos no Parque (...), em(...)” “sua comunicação de 06/05/2018 Ent/2019/8206”, o Município de (...) notificou a Reclamante do seguinte:
(…)
Cf. fls. 32 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
24) No dia 30/05/2019 foi outorgado documento designado “Auto de Dação em Pagamento” do imóvel para pagamento da quantia total de 4.488.419,64 €, resultante, entre outros, do PEF n.º 98/2010, relativamente aos quais incluía quantias exequendas, custas e juros de mora contados até junho de 2013, por dívidas provenientes de ocupação do solo com condutas subterrâneas, ficando ainda a constar que valor de juros de mora a liquidar desde 01/03/2015 até à data de pagamento efetivo, no mês de maio de 2019, perfaz o total de 907.245,37 €, foi objeto de reclamação por parte da aqui Reclamante, ficando os processos de execução suspensos na parte do pagamento dos juros de mora até trânsito em julgado da Reclamação - Cf. fls. 396 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
25) A Reclamante efetuou o pagamento da quantia de € 27.485,24 em 31/03/2015 relativa a juros de mora do processo n.º 98/2010 desde 01/12/2013 até 31/03/2015 - Cf. fls. 167 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26) A presente Reclamação deu entrada em 30/05/2019 - Cf. fls. 5 processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa.
Motivação
A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber: (1) se ocorre caducidade do direito de ação, no caso de deduzir a presente Reclamação; (2) se existe erro de julgamento invocado no recurso subordinado, na parte em que a Reclamante ficou vencida.
*
*
Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar cumpre apreciar se ocorre a alegada caducidade do direito de deduzir a Reclamação a que alude o artigo 276.º do CPPT.
A situação referida nestes autos é em tudo semelhante a outras duas já tratadas por este Tribunal. Ou seja, o Município de (...) instaurou várias execuções fiscais, que deram origem a três Reclamações de Atos do Órgão de Execução Fiscal, exatamente com o mesmo fundamento e objeto do presente.
Tratam-se dos processos n.º 1560/19.8BEPRT e n.º 1569/19.1BEPRT, relatados em 2 de julho de 2020 e em 4 de agosto de 2020, respetivamente.
Analisados aqueles Acórdãos, concordamos com o seu integral teor, pelo que, visando uma aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil) e aplicando correspondentemente o disposto no n.º 5 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acompanhamos os respetivos arestos, limitamo-nos a remeter para os precedentes Acórdãos.
Assim, em ambos os arestos ficou decidido que não ocorria caducidade do direito de ação, referindo-se, em suma, que da leitura de todas as comunicações supra enunciadas, apesar do Município ter feito menção aos juros de mora que entendia verificados, a verdade é que, em momento algum, informou a Reclamante, em concreto, qual o valor da dívida exequenda relativa a cada um dos processos de execução fiscal, o valor total dos juros de mora apurados e a fórmula de cálculo dos referidos juros de mora, tal como havia sido solicitado pela Reclamante. Mais concluíram que somente após ter sido suscitada a legalidade dos juros é que o órgão de execução fiscal se pronunciou cabalmente através da decisão ora em crise, situação que permite deduzir atempadamente a presente Reclamação.
Assim, o Acórdão n.º 1560/19.8BEPRT, referiu o seguinte: (págs. 23/24):
«Entende a recorrente Município de (...) que a 1º interpelação do recorrido no sentido de obter os requisitos omitidos na sua comunicação de 2017 com o sentido de serem devidos os respectivos juros moratórios ao abrigo do acordo de pagamento faseado da dívida exequenda celebrado pelas partes, se teria verificado pela resposta contida no oficio de 31.07.2017 constante do ponto 11, do probatório da sentença, pelo que o uso do presente meio contencioso da decisão irregularmente notificada relativa ao apuramento dos referidos juros moratórios se haveria de ater àquele termo inicial e não do esclarecimento prestado a que se refere o ponto 28 do probatório que, alegadamente não consubstanciaria qualquer suprimento das ditas irregularidades daquela comunicação da dita decisão em matéria tributável reportada a tais juros. Ora,
Como bem aponta o Tribunal “A Quo”, a sanação daquela irregularidade contida na comunicação de apuramento dos ditos juros moratórios não se concretizou com o teor da resposta ínsita no oficio de 31.07.17., nem com as posteriores informações referidas nos pontos 20 e 21, do probatório se concretizou tal satisfação do requerido quanto á entrega da certidão requerida. É certo que tais deficiências da dita notificação da decisão de apuramento dos referidos juros moratórios nunca foi suprida nos termos legais (nos termos do apontado artº 37º do CPPT), pelo que a situação de ineficácia do acto perante o notificado manter-se-ia na ordem jurídica. - cfr nesse sentido o Ilte Conselheiro J. Lopes de Sousa, in “CPPT Anotado”, 4ª Ed. 2003, pags. 218. Não obstante, tendo o recorrido apresentado reclamação da dita decisão em matéria tributável, por discordar daquela quantificação dos juros moratórios apurados, sustentando-se na errónea liquidação dos mesmos em razão da consideração dos juros legais como constituído a indemnização moratória pelo retardamento da prestação devida, sustentando que tendo sido convencionado entre as partes uma cláusula penal moratória em caso de atraso de cumprimento da obrigação, apenas nos seus precisos termos poderia ser sujeito ao pagamento desses danos fixados “ a forfait”, nos termos assim estipulados, o que não sendo o caso, haveria que se considerar como indevidos tais juros moratórios, pelo que perante tal quadro o próprio recorrido entendeu nesses termos a decisão controvertida tendo deduzido reclamação da mesma para este Tribunal ao abrigo do disposto nos artºs 276º e segs do CPPT, pelo que será de considerar como susceptível de apreciação judicial o conteúdo do acto sob judicio no que tange á sua validade.
Improcede nesses termos a invocada caducidade do direito de deduzir o presente recurso da decisão assim proferida pelo órgão de execução fiscal, que determinou a liquidação de juros de mora ao abrigo da lei geral para as dívidas ao Estado e a outras entidades públicas- cfr nº 3, do artº 44º da LGT.».

Por sua vez, no Acórdão n.º 1569/19.1BEPRT, exarou-se: (págs. 36 a 39)
«A presente reclamação tem como objeto o ato notificado através do ofício n.º 12520, datado de 27 de maio de 2019, através do qual a Reclamante foi notificada para proceder ao pagamento da diferença dos juros de mora vencidos desde 01.03.2015 até ao mês em que se concretizar a assinatura do auto de dação em cumprimento.
Resultou provado que, por ofício de 27.06.2017, a Reclamante foi avisada para proceder ao pagamento dos juros de mora em falta desde 01.03.2015 até 28.07.2017, na sequência do qual a Reclamante apresentou um pedido de emissão de certidão, nos termos dos artigos 24.º, 36.º e 37.º do CPPT, que contivesse a fundamentação, quer de facto, quer de direito, subjacente ao ofício.
Em resposta, o Município de (...), por ofício datado de 31.07.2017, limitou-se a comunicar que ¯ relativamente ao nosso ofício nº 15098 de 28/06/2017, referente à notificação para pagamento dos juros de mora em falta nos processos executivos nºs 73/2010; 98/2010; 233/2011; 48 e 49/2012; 177/2012, informo V. Ex.ª que deverá proceder à sua liquidação nos termos do n.º 3 da Cláusula 1.ª do acordo celebrado com o Município no ano de 2013.
Posteriormente, a Reclamante apresentou, novamente, um pedido de emissão de certidão, nos termos dos artigos 36.º e 37.º do CPPT, que contivesse a fundamentação, quer de facto, quer de direito, subjacente aos juros de mora em causa, concretamente, que contivesse - o valor da dívida exequenda relativa a cada um dos supra-referidos processos de execução fiscal, o valor total dos juros de mora apurados e a fórmula de cálculo dos referidos juros de mora.
Por ofício datado de 23.01.2019, o Município de (...) interpelou a Reclamante no sentido de celebrar o contrato tendente a materializar a transferência de propriedade do imóvel prometido em dação, no qual constava ainda o seguinte: “Alerto V. Exa. que à dívida existente acrescem juros até à data efetiva do pagamento”.
No mesmo sentido, por ofício datado de 25.02.2019, o Município referiu que “Mais informo que deverão proceder ao pagamento da diferença dos juros de mora vencidos desde 01/03/2015 até à data do pagamento no mês de março/2019, no valor total de 872.685,17 € (oitocentos e setenta e dois mil, seiscentos e oitenta e cinco euros e dezassete cêntimos), de acordo com o mapa em anexo”.
Ora, da leitura das comunicações mencionadas, retira-se que, pese embora o Município de (...) tenha feito menção aos juros de mora que entendia serem devidos, em momento algum esclareceu a Reclamante, em concreto, qual o valor da dívida exequenda relativa a cada um dos processos de execução fiscal, o valor total dos juros de mora apurados e a fórmula de cálculo dos referidos juros de mora, tal como havia sido solicitado pela Reclamante.
E, por carta datada de 08.04.2019, a Reclamante suscitou a questão da legalidade dos juros exigidos no âmbito dos processos de execução instaurados contra si, sendo que somente com o ofício datado de 12.04.2019 é que o Município de (...) apresentou um mapa relativo ao juros, apesar do mesmo não clarificar qual a taxa de juro aplicada, nem tampouco qual o diploma legal em que se baseava tal obrigação, mais tendo informado ¯ que desde o último pagamento efetuado em março de 2015 até à data do pagamento em maio de 2019, os juros de mora continuam a vencer nos termos da lei e de acordo com o que já foi comunicado através do ofício nº 2517 de 25/01/2019‖.
Só com o Ofício n.º 12520 de 27.05.2019 é que a Reclamante foi finalmente informada de que “os juros de mora que estão a ser exigidos não estão relacionados com qualquer cláusula constante do contrato de promessa, mas sim nos termos das leis tributárias, cujo pagamento dos mesmos nos processos de execução fiscal continuam a vencer-se até à liquidação efetiva da dívida, nos termos do disposto do DL 73/99 de 16 de Março, com as alterações introduzidas até à presente data” (cfr. alínea Z) do probatório).
Dito de outro modo, apenas com o ofício n.º 12520 foi a Reclamante devidamente informada da natureza dos juros de mora em causa e das razões e normas legais que subjazem à sua exigência, por banda do Município, pelo que só nesta data se encontrava dotada das informações necessárias para reagir contra tal ato.
Assim, tendo enviado a presente reclamação para o Município de (...) em 29.05.2019 (cfr. alínea AA) do probatório), facilmente que conclui que a mesma é tempestiva, uma vez que deu entrada no prazo de 10 dias a que se refere o artigo 277.º, n.º 1, do CPPT.
(…)
Com efeito, e como assim apreciou o Tribunal recorrido em torno dos factos do probatório identificados pelo Recorrente [sob as alíneas G) e I)], em nenhuma das comunicações que foram expedidas para a ora Recorrida, o Recorrente Município de (...) a notificou/informou sobre qual o valor da dívida exequenda relativa a cada um dos processos de execução fiscal [v.g., o atinente ao processo n.º 177//2012], assim como sobre qual o valor total dos juros de mora apurados e a fórmula de cálculo dos referidos juros de mora [nem em nenhuma outra posterior notificação - Cfr. ainda, alíneas R) e S) do probatório], pelo que, qualquer uma dessas informações/notificações então emitidas e dirigidas à Reclamante, ora Recorrida, lhe eram/foram ineficazes, tanto mais porque na tese desta [Reclamante, ora Recorrida], entre as partes havia sido convencionada uma clausula penal moratória em caso de atraso no cumprimento da obrigação.».
*
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso deduzido pelo Município de(...).
**
Tendo sido apresentado recurso subordinado pela Reclamante, ora Recorrida, o qual visa a parte da sentença em que ficou vencido, compete apreciar o mesmo, uma vez que a tal nada obsta – artigo 633.º do Código de Processo Civil e Acórdão do STJ de 26/01/2017, proferido no processo n.º 308/13.5TTVLG.P1.S1.
Considerando que o recurso subordinado também foi apreciado nos processos n.º 1560/19.8BEPRT e n.º 1569/19.1BEPRT, tendo, igualmente, os mesmos fundamentos, remetemos para o que ficou decidido nos ditos Acórdãos. (Aliás, a sentença de 1.ª instância neste processo, acolheu a fundamentação da sentença proferida no processo n.º 1560/19.8BEPRT).
Assim, no Acórdão proferido no processo n.º 1560/19.8BEPRT, referiu-se:
«Prevê o n.° 1 do artigo 44.° da LGT que “[s]ão devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto no devido no prazo legal”, dispondo o n.º 2 que “[o]s juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida”, e o n.º 3 que “[a] taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, onde se incluem as autarquias locais. Embora o n.º 1 da presente norma se fale em imposto, deve entender-se que o preceito se refere a qualquer dívida tributária, como, aliás, se encontra referenciado no n.º 2 do mesmo preceito legal, pelo que também se incluem as taxas (cfr. n.º 2 do artigo 3.º da LGT).
Como decorre do citado n.º 3 do artigo 44.º da LGT, os juros de mora são juros legais, visto que se encontram legalmente previstos, concretamente no Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 31/2012, de 13.2 (regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas).
Prevê o n.º 1 do artigo 3.º do referido Decreto-Lei n.º 73/99 que “[a] taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P. (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior”, estatuindo o n.º 4 da mesma disposição legal que “[a] taxa referida no n.º 1 é reduzida a metade para as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária.”
Os juros de mora assumem, neste contexto, um carácter de receita pública. Constituem uma importante receita pública, englobando as receitas provenientes da arrecadação de juros devidos pelas importâncias em dívida, quando pagas depois do prazo de pagamento voluntário, possuindo nos termos do anexo III do Decreto-lei n.º 26/2002, de 14.2 (na sua actual redacção), o código de classificação económica n.º 04 02 01.
Ainda neste sentido, a alínea n) do artigo 14.º da Lei n.º 73/2013, de 3.9 (na sua actual redacção) - o qual estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFAL) - estatui que “constituem receitas dos municípios: n) Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor dos municípios.”
Por seu turno, o artigo 6.º do RFAL, sob a epígrafe “princípio da autonomia financeira”, prevê que: “As autarquias locais têm património e finanças próprios, cuja gestão compete aos respectivos órgãos.” Este princípio possui consagração constitucional nos termos do n.º 1, do artigo 238.º, da Constituição da República Portuguesa (vide, no mesmo sentido, n.º 1, do artigo 9.° da Carta Europeia da Autonomia Local). Como bem refere Joaquim Freitas da Rocha, “[c]ontudo, apesar de constituir um pressuposto essencial da actuação autárquica, a autonomia financeira não é sinónimo de independência financeira, uma vez que existem limites e constrangimentos económicos e jurídicos a ser obrigatoriamente tidos em consideração.” [vd. “Direito Financeiro Local (Finanças Locais)”, CEJUR, 2009, p. 27]. Alguns dos limites à autonomia financeira são de natureza jurídica. Nesta sede chamamos à colação a Lei n.º 98/97, de 26.8 (na sua actual redacção), a qual aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC).
Conforme refere Joaquim Freitas da Rocha (op. cit, p. 29), autonomia financeira não significa “independência absoluta, que se poderia confundir com arbítrio ou inexistência de regras”. Desde logo, a actividade financeira das autarquias locais está sujeita ao controlo do Tribunal de Contas. O n.º 1, do artigo 1.° da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) prevê que: “O Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidades por infracções financeiras.” Sendo certo que “estão sujeitas à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas as seguintes entidades: c) As autarquias locais.”
Aqui chegados, é forçoso afirmar que, apesar da autonomia financeira das autarquias locais, há limites de natureza jurídica (e.g.) que, por exemplo, não permitem à autarquia local dispor arbitrariamente da receita pública.
A cobrança de receita pública (como tal definida), é uma obrigação das autarquias locais, visando o cumprimento das suas atribuições e competências e, como isso, a prossecução da satisfação das necessidades colectivas, assumindo uma importância tal que o legislador previu dois tipos de responsabilidade pela não liquidação, cobrança ou entrega de receita: 1) Responsabilidade sancionatória, prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 65.º da LOPTC, segundo a qual “[o] Tribunal de Contas pode aplicar multas nos casos seguintes: a) Pela não liquidação, cobrança ou entrega nos cofres do Estado das receitas devidas”; 2) Responsabilidade reintegratória, estatuída no artigo 60.º da LOPTC, onde se prevê que “[n]os casos de prática, autorização ou sancionamento, com dolo ou culpa grave, que impliquem a não liquidação, cobrança ou entrega de receitas com violação das normas legais aplicáveis, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável na reposição das importâncias não arrecadadas em prejuízo do Estado ou de entidades públicas.”
In casu, estão em causa juros de mora relativos a taxas cujos processos de execução fiscal estão em curso, sendo que de acordo com o disposto no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. Sublinhe-se que o Tribunal Central Administrativo do Sul, em Acórdão de 08/02/2011, proferido no Processo n.º 04497/11 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), decidiu que: “1. Do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enunciado no art.º 30, n.º 2, da L. G. Tributária, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias. 2. A indisponibilidade do crédito tributário estende-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros” (realce e sublinhado nossos).
E nem poderia ser de outro modo, porquanto, e como já se disse, o crédito tributário, no qual se incluem os juros de mora, é indisponível, sendo certo que apenas com o pagamento da dívida exequenda é que o mesmo se extingue, que, no caso da dação em pagamento, apenas ocorre com a escritura de dação. De resto, ao Município jamais seria permitido um “perdão de juros” sem base legal. Isto porque, estabelece o artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à constituição e à lei” ou seja, todos e quaisquer actos da administração estão subordinados ao princípio da legalidade. A actividade administrativa possui como limite mínimo e máximo a letra da lei, em obediência ao princípio da legalidade. Nos termos do n.º 1, do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA): “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respectivos fins”, limitando-se, dessa forma, a discricionariedade de actuação da Administração Pública. Conforme ensina Luís Cabral de Moncada (“Código do Procedimento Administrativo” - anotado, Coimbra Editora, 2015, pp. 68 e 69): “Toda a actividade administrativa fica sujeita à legalidade. Não ficam dela hoje excluídos determinados sectores da actividade administrativa a pretexto de não contenderem com a esfera jurídica dos particulares dela destinatários ou de apresentarem os efeitos apenas internos sem relevância nas relações entre a Administração e os particulares (...) Fica perfeitamente claro do código que a lei constitui não apenas o limite negativo da actividade administrativa mas positivamente o seu fundamento e critério, por mínimo que seja, pelo que esta é sempre uma actividade secundária relativamente à lei. A Administração não pode fazer o que quiser dentro dos limites da lei (preferência da lei) mas apenas o que a lei lhe deixa fazer (reserva de lei)”. Por regra, o legislador limita a actividade da Administração Pública às atribuições e competências definidas por lei. Dito de outra forma, a autarquia apenas pode conceder o perdão de juros nos casos expressamente previstos na lei. Ora, sendo certo que não existe qualquer previsão legal para o efeito, jamais seria permitido tal feito ao Município de (...).
Sempre se dirá, ainda, que não são concedidas moratórias no pagamento de dívidas tributárias e, como tal, não há que trazer à colação normas de direito civil. De facto, é proibida a moratória no pagamento das obrigações tributárias e da suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, conforme as disposições do nº 3 do artigo 85º do CPPT e nº 3 do artigo 36º da LGT, cuja violação determina a nulidade, podendo fazer incorrer em responsabilidade subsidiária o funcionário que conceder a moratória. A proibição da moratória constitui um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, expressamente clarificado, como já se disse, no nº 2 do artigo 30º da LGT, entendendo-se esta indisponibilidade no sentido de que, além de não poder a Administração Tributária conceder moratórias ou alterar quaisquer outras condições de pagamento das dívidas tributárias por mero acto administrativo, sem qualquer habilitação legal, não pode igualmente, proceder ao perdão total ou parcial dos impostos ou renunciar de outro modo ao seu pagamento. Encontrando-se o processo de execução fiscal imperativamente regulado pelo legislador, tendo em conta que neste se visa a satisfação do interesse público na cobrança dos créditos fiscais de forma célere - artigo 148º do CPPT - a actividade tributária, neste domínio, encontra-se totalmente vinculada à lei, sendo totalmente irrelevante a vontade das partes no que respeita ao pagamento e cobrança dos créditos tributários e ao normal andamento do processo de execução fiscal.
Por outro lado, resulta do artigo 176.º do CPPT, que o processo de execução fiscal se extingue por pagamento da quantia exequenda e do acrescido, por anulação da dívida ou do processo ou por qualquer outra forma prevista na lei.
Resulta provado nos autos, que em 19 de Abril de 2012 foi instaurado contra “P. - P., S.A.”, ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.° 48/2012 e 49/2012, a correr termos no Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de(...), para cobrança coerciva do montante global de € 431.813,25, sendo € 1.613,25, respeitante a taxa de ocupação do subsolo municipal, com condutas subterrâneas utilizadas para o transporte de produtos petrolíferos na Rua da(...), e € 430.200,00, proveniente da taxa de ocupação do subsolo municipal, com condutas subterrâneas utilizadas para o transporte de produtos petrolíferos da Refinaria até ao… (cf. ponto 1. dos Factos Provados). E que, no âmbito dos referidos processos de execução, e de outros, foi celebrado em 14 de Junho de 2013 um acordo de pagamento, em cuja alínea f) do n.º 2 da cláusula 1.a ficou expressamente previsto que “a P. procederá ao pagamento da parte restante do montante determinado nos termos da alínea b) deste número 2 através de promessa de dação e dação em pagamento de parte determinada dos prédios em que tem compropriedade no PARQUE DE(...), a concretizar nos termos previstos neste Acordo” (cf. ponto 3. dos Factos Provados). Ou seja, ficou expressamente acordado que a quantia exequenda em causa seria paga mediante dação em pagamento. Tal possibilidade está expressamente prevista nos artigos 201.º e 202.º do CPPT, sublinhando J. L. Saldanha Sanches e André Salgado de Matos que “são competências do Presidente da Câmara nos processos de execução fiscal municipal, exclusivamente no âmbito da dação em pagamento (isto para além da já muitas vezes mencionada competência para designar o funcionário responsável pelo serviço de execuções fiscais, que não é uma propriamente competência no âmbito do processo de execução fiscal, por prévia em relação a este): a) Solicitar a avaliação dos bens oferecidos em pagamento, através de comissão cuja constituição será promovida pelo órgão de execução fiscal (art. 201.º, n.º 3); b) Solicitar, em situações de especial complexidade técnica, a avaliação dos bens dados em pagamento, à Direcção-Geral do Património do Estado, à Direcção-Geral do Tesouro e ao Instituto de Gestão do Crédito Público ou a entidade especializada designada por despacho do Ministro das Finanças (art. 201.º, n.º 4); c) Decidir o requerimento de dação em pagamento (art. 201.º, n.º 7); d) Determinar a aquisição dos bens penhorados na venda por arrematação ou, no caso da venda por proposta cm cana fechada, por não haver propostas que satisfaçam os requisitos legais, quando se tratar de prédio ou outro bem que esteja onerado com encargos mais privilegiados do que as dívidas ao Estado e quando o montante daqueles encargos for inferior a dois terços do valor real do prédio [art. 255.º, al. b)] [“Introdução ao Processo de Execução Fiscal Municipal”, in Revista “Fiscalidade” 24 (2006), p. 68].
Volvendo ao caso dos autos, resulta provado que em 30 de Março de 2015 foi celebrada uma “Adenda” ao acordo de pagamento celebrado em 14 de Junho de 2013, nos termos foi alterada a alínea f) do n.º 2 da cláusula primeira, cuja redacção passou a ser; “f) a P. procederá ao pagamento da parte remanescente do montante determinado nos termos da alínea b) deste número 2, entregando um montante equivalente a metade da mesma até ao dia 31/03/2015 e prometendo e efectuando a dação em cumprimento de parte determinada dos prédios em que tem compropriedade no PARQUE DE (...), a concretizar nos termos previstos neste Acordo, com um valor equivalente à metade remanescente”, mais tendo ficado a constar da respectiva cláusula sexta que “[t]das as disposições do Acordo de 14/06/2013 que não hajam sido, ou na medida em que não tenham sido, alteradas pela presente Adenda mantêm-se plenamente válidas e eficazes” (cf. ponto 6. dos Factos Provados). Ora, uma das disposições que se manteve foi a do n.º 3 da cláusula primeira, cuja redacção prevê que “[s]obre os montantes referidos nas alíneas d), e) e f) do número anterior incidem juros nos termos legais” (cf. ponto 3. dos Factos Provados), donde se conclui que sobre o montante a que se refere aquela alínea f), seja quanto ao montante em numerário, seja quanto ao montante objecto da dação, incidem juros de mora nos termos legais.
Alega, contudo, a reclamante que nos termos contratualizados entre a reclamante e o Município de (...), os juros de mora apenas seriam devidos caso a realização da Escritura da dação em cumprimento já não fosse possível, por causa imputável à reclamante, altura em que se frustraria a promessa e a dívida se consideraria reconstituída, conferindo ao Município de (...) o direito a exigir juros, o que, naturalmente, não sucederia no caso da dação em cumprimento se realizar.
Não cremos que assim seja. Senão vejamos.
Em primeiro lugar, e como se disse supra, quer ao abrigo do Acordo inicial celebrado em 14 de Junho de 2013, quer por força da “Adenda” ao mesmo outorgada em 30 de Março de 2015, consta que sobre o montante a que se refere aquela alínea f), seja quanto ao montante a pagar em numerário, seja quanto ao montante objecto da dação, incidem juros de mora nos termos legais.
Em segundo lugar, resulta provado que em 20 de Setembro de 2015 foi celebrado o contrato-promessa de dação em pagamento (no qual se integrava o montante da quantia exequenda objecto dos processos de execução fiscal n°s. 48/2012 e 49/2012, que ascendia a € 431.813,25), não tendo ficado a constar do mesmo, qualquer alteração ao referido n.º 3 da cláusula primeira do Acordo datado de 14 de Junho de 2013, cuja redacção se manteve inalterada com a celebração da Adenda em 30 de Março de 2015, e que prevê que sobre o valor em causa incidem juros de mora nos termos legais (cf. ponto 8. dos Factos Provados).
Na verdade, neste contrato-promessa ficou expressamente a constar do n.º 5 da cláusula primeira que “por cada ano civil completo que decorra entre a celebração da escritura a que se refere a cláusula seguinte [celebração da escritura de dação em pagamento] e a entrega a que se refere o número anterior [entrega efectiva do imóvel ao Município de (...)], contar-se-ão, com o objectivo de ressarcir o MUNICÍPIO DE (...) por não entrar imediatamente na posse da parte do prédio referido no número UM desta Cláusula, juros de 2% (dois por cento) sobre o valor de 4.488.419,66 €”, sendo que "[a] P. pagará anualmente, até 31 de Dezembro, ao MUNICÍPIO DE (...) os juros contados nos termos do número anterior”( n.º 6. da mesma cláusula). Ou seja, apenas ficou previsto o pagamento de juros no montante de 2% a partir da data da celebração da escritura de dação, caso nessa data não tivesse sido efectivamente entregue o imóvel objecto da dação, mantendo-se quanto ao período anterior (até à celebração da escritura) em vigor a disposição constante do n.º 3 da cláusula primeira do Acordo de Pagamento celebrado em 14 de Junho de 2013. Como refere a reclamante na sua petição inicial (artigo 29.º), é certo que do contrato-promessa de dação nada ficou a constar sobre juros de mora sobre a segunda metade da quantia remanescente, contudo, já não lhe assiste razão quando refere, na primeira parte do mesmo artigo 29.º da petição inicial, refere que também nada consta sobre os juros de mora na Adenda efectuada em 30 de Março de 2015. De facto, e como se viu supra, ficou a constar da respectiva cláusula sexta que “todas as disposições do Acordo de 14/06/2013 que não hajam sido, ou na medida em que não tenham sido, alteradas pela presente Adenda mantêm-se plenamente válidas e eficazes”, o que sucedeu com a disposição do n.º 3 da cláusula primeira, cuja redacção prevê que “sobre os montantes referidos nas alíneas d), e) e f) do número anterior incidem juros nos termos legais”, que se manteve em vigor. Pelo que, mesmo com a celebração do contrato-promessa manteve-se vigente aquele n.º 3 da cláusula primeira do Acordo inicial.
Também não assiste razão à reclamante quando refere, no artigo 32.º da sua petição inicial, que “a promessa era, ela própria, o fundamento da exoneração de pagamento”. Sendo certo que a redacção da alínea f) resultante da Adenda ao Acordo não terá sido a mais feliz, já que refere “prometendo e efectuando a dação em cumprimento”, a verdade é que deverá atender-se que a mesma só se efectiva com a escritura definitiva de dação e não com o contrato-promessa, por ser esta a interpretação mais consentânea com lei, que prevê que a extinção da dívida (ou de parte da mesma) se efectua com a dação em pagamento.
Da alegada mora do credor:
Refere, ainda, a reclamante que a escritura da dação em cumprimento não foi celebrada na data prevista no contrato-promessa e, como tal, também não foi entregue a parcela do terreno na data acordada por situações que não são (nem podem ser, de todo) imputáveis à reclamante, sendo, antes, imputáveis em grande parte, ao próprio Município de(...). Alega, para o efeito que “o atraso na concretização da dação em cumprimento deveu-se, em grande parte, ao próprio Município de (...) - que (i) demorou cerca de 1 (um) ano a emitir a certidão de destaque da parcela do terreno, que (ii) não emitiu atempadamente a certidão a atestar de que as construções existentes na parcela de terreno estariam dispensadas/isentas de licença de utilização e que (iii) alterou a configuração da parcela do terreno (o que implicou um impasse nas negociações com a B.. e R.) - razão pela qual a reclamante entende que não deverá ser fiscalmente penalizada (com exigência de juros de mora) pela inércia / alteração de posição negociai do Município”.
Como ponto prévio, há que reconhecer que, não obstante o Município ter atribuições e competências de âmbito tributário e de âmbito urbanístico, não deixam de tratar-se de matérias e procedimentos distintos, adstritos a serviços municipais e realidades distintas, devendo, como total, ter cada um deles natureza autónoma.
De facto, o processo de execução fiscal está sujeito às normas tributárias e o procedimento urbanístico a normas urbanísticas, não havendo envolvimento algum entre os mesmos.
Resulta do probatório que, de acordo com o n.º 1 da cláusula segunda do contrato-promessa de dação em pagamento, a respectiva escritura seria celebrada após a conclusão das operações de destaque da parcela tendentes à separação do prédio, mas nunca após 31 de Dezembro de 2015 (cf. ponto 8. dos Factos Provados). Ou seja, em 10 de Setembro de 2015 (data da celebração do contrato-promessa) a reclamante comprometeu-se a celebrar a escritura pública de dação até 31 de Dezembro de 2015, ou seja, até cerca de três meses e meio depois, sem que tivesse feito qualquer reserva expressa de que havia obrigações por parte do Município que, eventualmente, poderiam inviabilizar tal facto. Por sua vez, o Município de(...) comprometeu-se tão-somente a “desenvolver os seus melhores esforços para, no estrito respeito da lei, deferir os pedidos de licenciamento necessários a todas as operações urbanísticas que devam ser efectuadas nos prédios de compõem o Parque(...)” (cfr. cláusula quinta do contrato-promessa de dação em cumprimento). Em conformidade, apenas está vinculado à Lei e aos procedimentos legais aplicáveis ao licenciamento urbanístico, os quais poderão efectivamente prolongar-se já que implicam numerosas tarefas, o que é do conhecimento comum e, logo, da própria Reclamante que, mesmo assim, não se coibiu de outorgar um acordo naqueles termos - celebração da escritura após a conclusão das operações de destaque da parcela.
Acresce que, e como alega a reclamante, o Município terá demorado cerca de 1 (um) ano a emitir a certidão de destaque. Ora, a partir desse momento (concluída que estava a operação de destaque da parcela), estavam reunidos os pressupostos constantes do n.º 1 da cláusula segunda do contrato-promessa para celebrar a escritura, contudo, a mesma só veio a ser celebrada em 30 de Maio de 2019 (cf. ponto 30. dos Factos Provados), ou seja, mais de três anos depois e após interpelação do Município de (...) através de ofício datado de 23/01/2019 (cf. ponto 13. dos Factos Provados).
Como resulta dos factos dados como provados, após essa interpelação, a Reclamante, por carta datada de 19/02/2019, que deu entrada na Câmara Municipal de (...) em 21/02/2019, informou que havia adquirido a parcela em 14 de Fevereiro de 2019, momento a partir do qual deu início à apresentação da documentação necessária para a celebração da escritura, tendo concluído a apresentação de todos os documentos apenas no mês de Maio de 2019 (cf. ponto 14. a 27. dos Factos Provados), o que demonstra a mora por parte da reclamante.
Da inexigibilidade dos juros de mora relativos ao mês de Março de 2015:
Alega a reclamante a inexigibilidade e, consequente, ilegalidade, dos juros de mora por referência ao mês de Março de 2015. E com razão. De facto, e como resulta da matéria de facto provada, e no que concretamente concerne aos processos de execução fiscal n°s. 48/2012 e 49/2012, a reclamante procedeu ao pagamento de juros de mora até 31 de Março de 2015 (cf. pontos 4., 5. e 7. dos Factos Provados). Não obstante, no ofício de 27/05/2019, é-lhe exigido o pagamento de juros de mora desde 1 de Março de 2015 (cf. ponto 28. dos Factos Provados).
Ora, tendo pago juros de mora até 31 de Março de 2015, não lhe pode ser exigido o pagamento de juros mora relativos ao período de 1 a 31 de Março de 2015, sendo, como tal, inexigíveis por já se encontrarem pagos.
Da redução a metade do montante devido a título de juros de mora:
Por último, invoca a reclamante a errónea quantificação do montante de juros de mora calculado por parte dos Serviços de Execução Fiscal. Refere que o n.° 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março prevê que, nas situações em que tenha sido apresentada garantia bancária, como sucedeu no caso dos autos, a taxa referida no n.° 1 do mesmo preceito legal é reduzida a metade.
Desde logo, cumpre referir que assiste razão à reclamante.
De facto, prevê o n.º 1 do artigo 3.º do referido Decreto-Lei n.º 73/99 que “[a] taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P. (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior”, estatuindo o n.º 4 da mesma disposição legal que “[a] taxa referida no n.º 1 é reduzida a metade para as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária.”
In casu, a reclamante prestou garantia bancária no valor de € 547.191,92 (cf. ponto 2. dos Factos Provados) e, como tal, encontra-se abrangida por aquele n.º 4 do artigo 3.º do referido Decreto-Lei n.º 73/99, pelo que a taxa terá de ser reduzida a metade.
Posto isto, haverá que concluir que são devidos pela reclamante juros de mora legais sobre a quantia exequenda desde o dia 1 de Abril de 2015 até 29 de Maio de 2019, porquanto no dia 30 de Maio de 2019 foi celebrado o Auto de Dação em Pagamento do imóvel para pagamento da quantia total de € 4.488.419,64, no qual estava incluída a quantia exequenda de € 431.813,25 relativa dos processos de execução fiscal n°s. 48 e 49/2012 (cf. ponto 30. dos Factos Provados).
Tendo presente que foi prestada garantia bancária, haverá que aplicar-se o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do referido Decreto-Lei n.º 73/99, pelo que o montante deverá ser reduzido a metade.
Deve, pois, proceder parcialmente a presente reclamação e, em conformidade, deverá ser parcialmente anulado o acto reclamado na parte em que excede o valor correspondente aos juros de mora, reduzidos a metade, sobre a quantia exequenda desde 1 de Abril de 2015 a 29 de Maio de 2019 por força do disposto no artigo 3°, n°s 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, com a redacção actualizada”.
*
Delimitadas as questões suscitadas nas conclusões do recurso subordinado que compete a este Tribunal conhecer (cfr nº 2, do artº 608º do CPC), dir-se-á o seguinte:
O impetrante pretende que com a dação em cumprimento convencionado pelas partes através da realização de uma prestação diferente da que era devida mediante acordo do credor, com o fim de extinguir a obrigação relativo ao tributo em causa, concretizado com a celebração do contra-promessa, e com a realização da escritura de dação em cumprimento prometida realizar, cessaria o direito á indemnização através de tais juros de mora legais reportado àquela 1ª data, sendo apenas devida a indemnização devida decorrente da cláusula penal convencionada pelas partes no referido contrato-promessa apenas para o caso de incumprimento da prestação, o que não foi o caso, sendo ainda de considerar a mora do credor.
Quanto a esta última é evidente que num caso de dação em cumprimento que tenha por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a obtenção da mesma depende de acto de realização dessa prestação a cargo do devedor, pelo que as vicissitudes inerentes á mesma, ainda que derivadas de determinados procedimentos urbanísticos vinculativos, a respectiva responsabilidade pelo cumprimento da dita prestação é exclusiva do devedor, inexistindo qualquer “mora creditoris” por falta de actos necessários ao cumprimento da obrigação que incumbisse ao credor, nos termos do disposto nos artºs 813º e segs, do C. Civil. Decidiu assim correctamente a sentença recorrida ao realçar o momento em que o devedor obteve o bem dado em cumprimento da prestação devida.
Quanto á possibilidade legal de as partes convencionarem uma clausula penal que fixe por acordo o montante da indemnização em caso de não cumprimento da prestação ou de mora do devedor, tal possibilidade legal ( de fixação contratual dos direitos do credor), encontra-se expressamente prevista na lei civil ( cfr artºs 809º e segs, do C. Civil), em termos que, tratando-se de obrigações pecuniárias como era o presente caso, a indemnização correspondente aos juros devidos que são os juros legais, salvo se as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal, como expressamente resulta do disposto na 2ª parte do nº2, do artº 806º do mesmo Código. Diga-se que, na presente situação, como resulta do probatório e menciona o Mº Juiz do Tribunal “A Quo”, não se convencionou tal clausula penal para o caso de não cumprimento da obrigação (clausula penal compensatória), antes para o caso de atraso no cumprimento ( clausula penal moratória. – sobre tal distinção vd. J. Calvão da Silva in “Cumprimento e sanção pecuniária compensatória”, Almedina Coimbra, 1987, págs. 247 e segs. Ora,
Estando em causa uma situação de mora do devedor decorrente do atraso no cumprimento da prestação por facto a si imputável ( cfr artº 804º, nº1, do C. Civil), o credor “conserva o direito á prestação originária mas tem além disso o direito a ser indemnizado dos danos resultantes de essa prestação não haver sido efectuada em tempo… ( sobre a forma) de juros correspondentes ao tempo que a mora perdurar…”, nas palavras do Ilte Jurisconsulto Inocêncio Galvão Telles, in “Dtº das Obrigações, 3ª Ed. 1980”. Coimbra Editora, págs. 244 e segs.
Ora,
Nada obsta que as partes ao celebrar um negócio jurídico de promessa de dação em cumprimento de uma prestação diferente da que é devida e com o fim de extinguir imediatamente a obrigação pecuniária, neste caso, de pagamento de um tributo autárquico liquidado ao s.p., nos termos do qual se convencionou uma cláusula penal, o qual se traduz “… na estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível ao devedor que não cumpre…”, como bem refere os Iltes Jurisconsultos Antunes Varela in “Das obrigações em Geral, II Vol,.5ª ed. 1992” Coimbra Editora, págs. 137 e segs, o que significa que “… em principio o devedor deve os juros legais…se porém …se tinha sido estipulado um juro moratório diferente do legal ( cfr artº 810º), atender-se-á a…outra taxa”- como resulta dos comentários ao artº 806º do C. Civil, ínsito no “C. Civil Anotado Vol.II ”,de Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 1968, págs. 52 e segs. Assim,
Importa proceder á devida interpretação do negócio jurídico em causa, no intuito de apurar que indemnização se convencionou fixar antecipadamente naquele referido contra-promessa. Ora, tal prejuízo indemnizável na esfera do credor era a que resultava do atraso na efectivação da dação em pagamento que se verificasse entre a escritura de dação e a concretização da sua transmissão (dos bens dados em cumprimento) a favor do credor. Assim sendo, e não se tratando da indemnização pelo retardamento do pagamento da dívida tributária que se constitui como pressuposto da exigibilidade de juros de mora, não é legitima a consideração daquele regime de fixação dos direitos do credor, sendo de concluir que,
As cláusulas do contrato-promessa, só relevarão para efeitos de ilações acerca do seu cumprimento. Se o contrato promessa não foi cumprido nos prazos definidos no mesmo, existe mora. Contudo, esta responsabilidade sobre o cumprimento intempestivo ou incumprimento do contrato promessa deverá ser apreciada em sede indemnizatória por incumprimento ou atraso no cumprimento do contrato promessa.
Em sede de execução fiscal a dação em pagamento como forma de extinção da dívida exequenda apenas depende dos requisitos materiais e processuais vertidos no artº 201º, do CPPT, o qual compreende a sua aceitação pelo credor, o qual definirá os termos e o âmbito de entrega dos bens oferecidos, operando-se a mesma através de auto lavrado no processo que valerá para todos os efeitos como titulo de transmissão - cfr nº 8,12,13 e 14, do artº 201º do CPPT. Portanto,
No presente caso, sendo que parte da última prestação era concretizada com a dação em pagamento de determinado bem imóvel, importa saber quando é que se considera paga a dívida exequenda. Ora, será de entender que o pagamento opera com a formalização total (tal como está prevista no artigo 201.º do CPPT) da dação em pagamento (com a transmissão do bem imóvel através do respectivo auto lavrado).
Embora seja discutível o entendimento sufragado na sentença sub judice quanto á caracterização dos juros moratórios legais como se tratando de um crédito tributário indisponível, nos termos do disposto no nº 2, do artº 30º da LGT, porquanto tal qualificação apenas abrange aquilo que a lei declara como integrando o objecto da relação jurídica tributária ínsito no nº 1, do referido preceito legal, sendo que “os juros de mora… não mencionados no nº1 do presente artº confirma expressa e claramente a sua qualificação como prestações de natureza não tributária, mas meramente administrativa..”, nas palavras do Ilte Jurista A. Lima Guerreiro, in “LGT Anotada” Ed. 2001”, Ed. Rei dos Livros, págs. 159, a verdade é que a jurisprudência tem qualificado o crédito dos juros de mora derivados da dívida tributária como integrando esta última - vd. por todos o Ac. do Pleno do C.T. do STA, de 13.04.2011, proferido no Proc. Nº 0361/10, que considera os mesmos como autónomos até á data de pagamento e que qualifica os mesmos como se integrando na divida tributária aquando do pagamento, embora não conclua no sentido da sua indisponibilidade.
Tal não obsta a que se entenda que tal direito á indemnização sob a forma de juros seja insusceptível de renúncia antecipada, i. e., que a referida edilidade tenha previamente renunciado ao direito de se ressarcir através do processamento de juros legais, já que a tal se opõe o regime geral de fixação contratual dos direitos do credor ínsito no disposto no artº 809º do C. Civil e atento o regime legal de tal vinculação jurídica por parte dos devedores dos tributos e demais obrigações fiscais, em razão da falta de pagamento voluntário no prazo legal de tais dívidas tributárias, de acordo com a previsão legal contida no artº 44º, da LGT e regulados com carácter geral pelo Dec. Lei nº 73/99, de 19.03. O que aí se estabelece é que tais juros moratórios são devidos até á data de pagamento da dívida que, no caso como o presente em que foi autorizado o pagamento em prestações das dívidas exigíveis em processo executivo, tais juros continuam a vencer-se em relação á divida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento e incluídas na guia passada para pagamento conjuntamente com a prestação, conforme resulta do disposto no nº 8, do artº 196º do CPPT, o que significa que tais juros se encontram determinados até á data da última prestação de acordo com o plano aprovado pelas partes, o que foi concretizado e pago: o problema põe-se noutra sede que reside em saber se, num caso como dos autos, em que parte da última prestação era concretizada com a dação em pagamento de determinado bem imóvel, quando é que se considera paga a dívida exequenda. Ora,
São devidos juros de mora todos os que se venceram até á data que se produziram os efeitos do negócio, atento a natureza da referida dação com o fim de extinguir a obrigação, pelo que apenas se concretiza com a elaboração do “auto lavrado no processo” atento que tal “ valerá para todos os efeitos como titulo de transmissão ( cfr nºs 12,13 e 14, do artº 201º, do CPPT), pelo que se entende que o objecto da dação integra a transmissão da propriedade de uma coisa nos termos da lei (vd. nesse sentido da possibilidade da dação poder ter esse conteúdo J.M. Antunes Varela, in obra citada II Vol. Págs. 169), e concomitante, constitui-se como termo final de contagem de tais juros de mora em razão do pagamento da divida tributária a que se reporta, nos termos do disposto no nº 2, do artº 44º, da LGT. Nesses termos,
Ter-se-á de considerar que se verificou tal efeito jurídico com a realização do auto a que se refere o ponto 30, do probatório, em 30.05.2019, como bem decidiu o Tribunal “A Quo”, sendo por isso de considerar os juros moratórios vencidos a partir de Abril de 2015 e com o termo final reportado a 29 de Maio de 2019, com a redução decorrente da prestação de garantia a que se refere a sentença proferida pelo Tribunal “A Quo” que se mantém na ordem jurídica.».
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Em face do exposto, conclui-se que, igualmente, carece de fundamento o recurso subordinado intentado pela Reclamante.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso independente, bem como o recurso subordinado, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.
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Custas pelas partes, em ambas as instâncias, de acordo com o respetivo decaimento, que se fixa em partes iguais.
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Porto, 11 de agosto de 2020.
(Em turno)
Paulo Moura
Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais