Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00059/15.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; (IN) IDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL – ARTIGO 38.º DO CPTA/2004
Sumário:I – A acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de um acto administrativo inimpugnável bem como da condenação na prática de acto devido em sua substituição, o que sucede nos autos quanto aos pedidos de reconhecimento ao Recorrente do direito a subsídio de desemprego com fundamento na ilegalidade do acto que o indeferiu, já consolidado na ordem jurídica, e do pagamento da correspondente quantia – artigo 38.º, n.º 2, do CPTA.
II – Ressalva-se o pedido de indemnização de danos não patrimoniais alegadamente advenientes do acto em causa, cuja ilegalidade pode ser conhecida, apenas a título incidental, como fundamento jurídico do pedido – artigo 38.º, n.º 1, do CPTA.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:FJSO
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
FJSO interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que na acção administrativa comum proposta pelo Recorrente contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - Centro Distrital de Braga julgou procedente a excepção dilatória inominada prevista no art.º 38.º, n.º 2, do CPTA/2004 e, em consequência, absolveu o Réu da instância.
*

O Recorrente, apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
i- O ora Recorrente intentou acção administrativa comum contra o Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Braga, ora Recorrida, pedindo o reconhecimento de que, enquanto desempregado, tinha direito ao subsídio de desemprego e, consequentemente, a Recorrida fosse condenada a pagar-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de 6.430,90 Euros.

ii- A douta sentença recorrida absolveu o Instituto de Segurança Social, I.P em virtude de ter concluído pela verificação da “excepção dilatória inominada, prevista no art. 38, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo”,

iii- Com a sua decisão, o tribunal “ a quo”, violou os artigos 2º, 7º, 37º, 1 e 2, alíneas a), e d), 38º, nº 1, 41º, 46º, 1 e 2 e 47º, 66º, alínea b) nº 1 do 67º e o nº 2 do 69º, e por último, 1 e 2 do 88º do CPTA, e os artigos 193º, nº1, 547º do CPC ex vi art. 1º do CPTA, 576º e 577º do Código do Processo Civil, nº 4 do 268º da CRP devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.

iv- Na verdade, o Tribunal “a quo” não conheceu do mérito da acção, tendo antes julgado procedente a excepção de erro na forma de processo – por entender que o recorrente deveria ter interposto uma acção administrativa especial não uma acção administrativa comum – determinando, em consequência, a absolvição da instância

v- Salvo o devido respeito, julga-se ser manifesto, notório e grave o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso, podendo-se dizer que o Tribunal “a quo” continua a viver no tempo do velho (velho) contencioso administrativo, ignorando a evolução constitucional, legal, doutrinal e jurisprudencial e continuando, por isso, a ver na acção comum – que é a acção normal no novo sistema de justiça administrativa – um papel de subalternidade em face da acção especial.

vi- O aresto em recurso incorreu ainda em flagrante erro de julgamento ao considerar que a acção administrativa comum interposta pelo Recorrente era o meio processual impróprio e que o meio adequado era a acção especial de condenação, violando frontalmente o disposto nos nºs 1 e 2, alínea e) e no artº 67º do CPTA, pois não só não estavam preenchidos no caso sub judicie os pressupostos de que o artº 67º faz depender a propositura de uma acção especial de condenação à prática de acto devido – pelo que esse nunca poderia ser o meio processual próprio a que o Recorrente deveria ter recorrido.

vii- Pois que, a pretensão do recorrente insere-se, apesar do sentido que o Tribunal “a quo” quer dar, na imposição do Réu no dever de indemnizar.

viii- Ou seja, confundiu o Tribunal “a quo” que o efeito que o Recorrente pretendia era o do dever de prestar, mas não, o que o Recorrente pretende é o dever de indemnizar.

ix- Errou ainda a sentença ao referir que: “A solução poderia ser outra caso o Autor tivesse intentado uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Réu, peticionando uma indemnização pelos danos que a conduta deste lhe causou, mas não foi essa a opção do Autor. Aliás, o valor peticionado nesta acção, a título de danos patrimoniais é o valor que o Autor entende que tem direito a receber por via da atribuição do subsídio de desemprego o que é revelador do efeito, efectivamente, pretendido por via desta acção”

x- Pois, olvidou que para além dos DANOS PATRIMONIAIS, PETICIONOU DANOS NÃO PATRIMONIAIS o que é revelador, inequivocamente, que a pretensão do Autor era e é ser indemnizado pelos danos causados, sendo certo que o reconhecimento da situação do Autor terá como consequência o verdadeiro efeito – ser indemnizado.

xi- O fim tido em vista com a acção subjudice, para além do reconhecimento da qualidade, do estatuto jurídico-administrativo do Recorrente como desempregado com direito a subsídio, por consequência necessária da procedência daquele pedido, a condenação da ISSS, I.P., ao pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo este último o pedido principal.

xii- O que o Recorrente pretendia, e que se percebe, era o ressarcimento dos danos e desta feita uma acção comum de responsabilidade civil, inserida no artigo 38º nº 1 do CPTA.

xiii- Pois, não peticionaria danos patrimoniais e não patrimoniais se assim não fosse.

xiv- Posto isto, encontra-se preenchido o âmbito de aplicação do artigo 37º e 38º do CPTA, sendo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a acção administrativa comum o meio processual próprio e adequado à apreciação do pedido deduzido.

xv- PELO QUE, A DECISÃO RECORRIDA PROCEDEU, INDISCUTIVELMENTE, A UMA INCORRECTA INTERPRETAÇÃO DA NORMA CONTIDA NO ARTIGO 38º, Nº 1 DO CPTA, AO CONSIDERAR QUE O PEDIDO DA RECORRENTE SE INSERE NO DEVER DE PRESTAR, E NÃO NO DEVER DE INDEMNIZAR.

xvi- O Tribunal “a quo” refere que mesmo que não se peticione a anulação do acto, a acção não pode ser utilizada - como é o caso, visto o pedido - para obter o efeito que resultaria da anulação.

xvii- Para chegar a esta conclusão, a douta sentença recorrida lança mão do artigo 38º n.º 2 do CPTA, o qual estatui que "(...) a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável ".

xviii- Porém, o Recorrente não pretende anular qualquer acto, até porque não invoca qualquer situação de nulidade ou anulabilidade, mas sim que a sua situação seja reconhecida e enquadrada num determinado regime legal, com as necessárias e consequentes repercussões a título indemnizatório. E, mais se dirá,

xix- O Tribunal “a quo”, no dever de suscitar e resolver dúvidas relativamente ao fim a que destinava a presente acção, deveria corrigi-las oficiosamente (artigo 88º, nº 1 CTPA).

xx- Ou então, se não conseguisse compreender, deveria proferir despacho de aperfeiçoamento (artigo 88º, nº 2 CPTA).

xxi- MAS NÃO O FEZ!!! VIOLANDO FRONTALMENTE AS DISPOSIÇÕES LEGAIS QUE SE ENCONTRAM TAXATIVAMENTE PLASMADASS NO Nº 1 E Nº 2 DO ARTIGO 88º DO CPTA.

No entanto, sem conceder e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá

xxii- Mesmo que se considere a acção administrativa comum inidónea in casu, tal não deverá levar necessariamente à absolvição da instância.

xxiii- Nos termos do art. 7º do CPTA, e de acordo com os princípios anti formalista, pro actione e pro favoritate instanciae (favorecimento do processo), deveria ter havido convolação do meio processual, alegadamente utilizado de forma inadequada, em meio processual adequado, eventualmente com convite ao aperfeiçoamento das peças processuais.

xxiv- Não o tendo feito violou a douta sentença recorrida o disposto nos art. 193º n° 1 e art. 547º do CPC ex vi art. 1º do CPTA, no art. 7º do CPTA e os princípios anti formalista, pro actione e pro favoritate instanciae (favorecimento do processo), devendo, também com estes fundamentos, ser revogada.

xxv- E, na sequência dessa revogação, deve ser determinada a convolação da acção administrativa comum, devendo a mesma ser tramitada como acção de responsabilidade civil extracontratual.

E mesmo, que não entenda ir por esta via,

xxvi- As modificações da instância e a convolação processual são corolários dos princípios da economia, da gestão processual e da adequação formal.

xxvii- Assim, deveria o Tribunal “a quo” convolar a presente acção administrativa comum em acção administrativa especial para a prática do acto devido, conforme dispõe o artigo 66º do CPTA.

xxviii- Pois, só haveria erro na forma do processo conforme dispõe o nº 1 do artigo 193.º “O erro na forma dedo processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.”

xxix- Devia o Tribunal “a quo” convolar a presente acção administrativa comum em acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, pois só poderia não o ser esgotados os prazos legais para a sua propositura, violando assim os princípios da economia, da gestão processual e da adequação formal e o artigo 66º, alínea b) nº 1 do 67º e o nº 2 do 69º todos do CPTA.

xxx- Em jeito de conclusão e desabafo, o Tribunal a quo, mesmo sujeito à aplicação da lei no tempo, deveria ter em conta o Contencioso Administrativo Moderno, adaptando as decisões actuais à nova realidade.

xxxi- E não seria contra legem, pois o que o CPTA Revisto trouxe foi apenas constatações ao “Velho” CPTA, que estava obsoleto, poeirento e que não protegia os cidadãos da incúria da Administração.

xxxii- Violando assim a nova tendência legislativa trazida pelo CPTA Revisto.

TERMOS EM QUE, COM A SUA DECISÃO, O TRIBUNAL “ A QUO”, VIOLOU OS ARTIGOS 2º, 7º, 37º, 1 E 2, ALÍNEAS A), E D), 38º, Nº 1, 41º, 46º, 1 E 2 E 47º, 66º, ALÍNEA B) Nº 1 DO 67º E O Nº 2 DO 69º, E POR ÚLTIMO- 1 E 2 DO 88º DO CPTA, E OS ARTIGOS 193º, Nº1, 547º DO CPC EX VI ART. 1º DO CPTA, 576º E 577º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL, Nº 4 DO 268º DA CRP DEVENDO TAL DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, FAZENDO ASSIM A TÃO ALMEJADA.

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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional em termos que se dão por reproduzidos.
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II - QUESTÕES DECIDENDAS

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações do recurso, traduzidas nos erros de julgamento imputados à decisão recorrida, por considerar verificada a excepção dilatória inominada prevista no artigo 38.º n.º 2 do anterior CPTA (uso indevido ou inidoneidade da acção administrativa comum proposta pelo Recorrente), com consequente inadmissibilidade de convolação em acção administrativa especial, atenta a natureza insuprível da referida excepção – em violação, alegadamente, dos artigos 2º, 7º, 37º, 1 e 2, alíneas a), e d), 38º, nº 1, 41º, 46º, 1 e 2 e 47º, 66º, alínea b) nº 1 do 67º e o nº 2 do 69º, 1 e 2 do 88º do CPTA, 193º, nº1, 547º do CPC ex vi art. 1º do CPTA, 576º e 577º do CPC, nº 4 do 268º da CRP.

***
III – FUNDAMENTAÇÃO:

A/DE FACTO

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

“1. Em 23 de Março de 2012, o Autor apresentou no Centro de Emprego de Braga, requerimento de prestações de desempregoCfr. fls. 10-11 da paginação electrónica;

2. Por carta datada de 30 de Março de 2012, o Réu comunicou ao Autor a proposta de indeferimento do requerimento referido em 1, onde consta nomeadamente, o seguinte:

“os fundamentos para o indeferimento são os a seguir indicados: não ter prazo de garantia de 450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro)(…) Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir do qual se inicia a contagem dos prazos de: 3 meses para recorrer hierarquicamente, para o Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social; 3 meses, para impugnar contenciosamente” (Cfr. Fls. 3 do PA);

3. Em 09 de Outubro de 2012, o Autor apresentou requerimento junto dos serviços do Réu do seguinte teor:

em março de 2012 entreguei os documentos para a obtenção do subsídio de desemprego, quando recebi a resposta esta foi indeferida. Como tal dirigi-me à Seg. Social para saber o porquê, tendo a senhora que me atendeu dito que para receber desemprego tinha de trabalhar um período de 15 meses e eu só tinha 14. Eu achei isso impossível, pois eu tinha trabalhador desde Junho de 2010 até Fevereiro de 2012 (…). Assim sendo, repararam que os descontos de 2010 ainda não tinham sido validados, por razão que eu desconheço (…). Desde esse dia fui várias vezes à Seg. Social e sempre que lá ia diziam-me que receberia no mês seguinte, tendo esta situação se arrastado até hoje (…)” (Cfr. fls. 4-6 do PA);

4. Por carta datada de 04 de Dezembro de 2012 e recepcionada pelo Autor em 06 de Dezembro, o Réu comunicou-lhe proposta de indeferimento do requerimento referido em 3, onde consta nomeadamente, o seguinte:

“os fundamentos para o indeferimento são os a seguir indicados: não ter prazo de garantia de 450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro). (…) Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir do qual se inicia a contagem dos prazos de: 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social; 3 meses para impugnar contenciosamente” (Cfr. fls. 3 do PA);

5. Em 11 de Dezembro de 2012, o Autor apresentou comunicação nos serviços do Réu do seguinte teor: “em resposta à vossa carta recebida em 6/12/12 (…) não concordo com o indeferimento do meu pedido de subsídio de desemprego. Pois conforme documentos comprovativos dos meus descontos à vossa instituição já ultrapassam os 450 dias mais precisamente 626 dias (…)” (Cfr. Fls. 10 do PA);

6. Por carta datada de 22 de Fevereiro de 2013 e expedida pelo Réu em 25 de Fevereiro de 2013, foi comunicado ao Autor o seguinte:relativamente à sua exposição apresentada em 09/10/2012, se procedeu a nova apreciação do processo, e por despacho superior de 19/02/2013, da Directora de Núcleo de Prestações do Sistema Previdencial, no uso de subdelegação de competências, a mesma foi rejeitada, por ser considerada intempestiva, por já terem decorrido todos os prazos legais de reacção graciosa e contenciosa, nos termos dos art.ºs 100º, 101º, 162º e art.º 168º, todos do CPA e al. b) do n.º 2 do art.º 58 do CPTA” (Cfr. Fls. 12-14 e 34 do PA).

7. Em 21 de Março de 2013, o Autor requereu um pedido de audiência ao Director do Centro Distrital de Braga do Instituto Réu (Cfr. Fls. 28-29 do PA);

8. Por carta datada de 30 de Maio de 2014, o mandatário do Autor, Dr. HX, requereu ao Réu informações sobre a situação de atribuição do subsídio de desemprego (Cfr. Fls. 16-17 do PA);

9. Por carta datada de 13 de agosto de 2014, o Réu enviou ao mandatário do Autor comunicação do seguinte teor:somos a informar que o beneficiário supra mencionado foi notificado em sede de audiência prévia, por N/ofício n.º 112030 de 2012/04/02, da intenção de indeferir o requerimento de prestações de desemprego apresentado em 2012/03/23, por motivo de não ter prazo de garantia nos termos do n.º 1 do art.º 22.º do DL n.º 220/2006, de 03/11.Foi novamente notificado em 2013/02/25, por ofício n.º 057271 e em resposta à reclamação apresentada em 2012/10/09 de que a mesma foi rejeitada por decisão proferida por despacho superior de 2013/02/19 (…), por ter sido considerada intempestiva” (Cfr. Fls. 26 do PA);

10. Em 04 de Setembro de 2014, o mandatário do Autor, Dr. HX, enviou ao Réu a carta junta a fls. 34 do PA, cujo teor se dá por reproduzido e onde constanão restam alternativas a V/Ex.ª s senão reparar o equívoco/erro e que tantos prejuízos têm criado, evitando assim mais transtornos (…).

11.Por carta datada de 21 de Novembro de 2014, o Réu informou o Autor do seguinte: “(…) nada mais há a acrescentar ao que já lhe foi comunicado pelos nossos ofícios n.º 057271 de 25/02/2013 e 214587 de 14/08/2014, conforme o estabelecido no artigo 61.º do CPA” (Cfr. fls. 37 do PA);

12. A petição inicial deu entrada em juízo em 05 de Janeiro de 2015 (Cfr. fls. 1 da paginação electrónica)

A convicção do Tribunal assentou no teor de toda a documentação que consta do PA e nos documentos juntos pelo Autor e não impugnados pelo Réu, referidos em cada um dos pontos da matéria fáctica assente.

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B/DE DIREITO

Discorda o Recorrente da decisão a quo pelas razões supra delimitadas, resumidas à inidoneidade da acção administrativa comum que propôs ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 37.º do anterior CPTA, peticionando o reconhecimento do “direito ao subsídio de desemprego que lhe foi ilegalmente recusado” e o pagamento do valor correspondente ao referido subsídio a título de danos patrimoniais, acrescido de quantia calculada a título de danos não patrimoniais, bem como a inadmissibilidade de convolação para a acção administrativa considerada adequada (acção administrativa especial).

Vejamos se lhe assiste razão.

O Autor/Recorrente lançou mão da acção administrativa comum para pedir a condenação do Réu Instituto no reconhecimento do direito ao subsídio de desemprego que lhe foi recusado bem como no pagamento da quantia de €6.430,90, sendo a quantia de €1430,90, a título de danos patrimoniais (que o Autor calcula tendo por base o valor do subsídio de desemprego a que julga ter direito, acrescido de juros de mora) e a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou, em suma, que em 23/03/2012 requereu junto dos serviços do Réu as prestações de desemprego, o que foi indeferido no ano de 2012, com o fundamento de não ter prazo de garantia de 450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, e nos termos dos ofícios que a entidade demandada lhe enviou; sendo que cumpria todos os requisitos para que lhe fosse atribuído o subsídio de desemprego, tendo tal indeferimento bem como a falta de informação da Administração necessária à prossecução dos seus interesses lhe causado danos patrimoniais correspondentes às quantias que teria direito a receber a título de subsídio de desemprego, desde Abril de 2012 até à data da entrada da petição inicial em juízo, bem como danos não patrimoniais.

Apreciando:

Em sede de acções administrativas principais o anterior CPTA assentava num modelo dual: a Acção Administrativa Comum e a Acção Administrativa Especial, distinguíveis consoante os pedidos respeitem ou não ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração, efectivados mediante juízos próprios do exercício da função administrativa.

– v., entre muitos, cfr. Mário Aroso de Almeida in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2. Ed., Almedina, p. 77 e ss; José Carlos Vieira De Andrade in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, p. 172 segs; Sérvulo Correia in “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, p. 23 ss.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 46.º do CPTA seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração e os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade, estabelecendo o respectivo n.º 2 as pretensões que deverão obedecer a esta forma, entre outras, as anulatórias de actos administrativos e de condenação à prática de actos administrativos legalmente devidos.

O âmbito de aplicação da forma de acção administrativa comum que constitui o processo comum do contencioso administrativo na medida em que “podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebe no seu âmbito todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais” cfr. Sérvulo Correia, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 22, pág. 27 – resulta do artigo 37.º do CPTA o qual determina que seguem esta forma os processos em que não seja formulada nenhuma das pretensões para as quais, nem o CPTA nem previsão contida em legislação avulsa estabeleçam um modelo especial de tramitação, o que sucede com as pretensões nela enumeradas a título exemplificativo, mormente com as respeitantes ao reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo” e à “condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados.”, nas quais o Recorrente inseriu a sua pretensão base, conforme resulta da Petição inicial.

Ora, e como bem se refere na sentença recorrida, sem prejuízo, como melhor veremos, do pedido indemnizatório de danos morais, é “no disposto nestas duas alíneas que o Autor fundamenta a sua pretensão, e analisados os pedidos formulados (“reconhecer o direito ao subsídio de desemprego que foi ilegalmente recusado e condenar o R. ao pagamento do valor de € 6.430,90”) pareceria, à primeira vista, que se enquadravam nos normativos citados.

No entanto, importa ter presente o disposto no art.º 38.º do CPTA, e mais concretamente o seu n.º 2, que dispõe que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável. (…)”.

Efectivamente, o artigo 38.º do CPTA respeitante à acção administrativa comum, sob o título “acto administrativo inimpugnável” estabelece no seu n.º 1 que “nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado”.

E adita no seu n.º 2 que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.”.

Ora, na primeira parte deste normativo consagra-se o entendimento jurídico segundo o qual a falta de impugnação contenciosa de um acto administrativo tido como ilegal não impede o interessado de requerer a apreciação dessa ilegalidade, em especial no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, sendo que, neste caso, a ilegalidade do acto em causa é conhecida a título incidental e serve apenas de fundamento jurídico ao pedido de indemnização dos danos resultantes da prática do acto.

Advertindo a segunda parte deste normativo que esta apreciação da ilegalidade do acto administrativo não impugnado, assim vertida numa acção administrativa comum, nunca pode ter como finalidade obter o efeito que resultaria da anulação ou declaração de invalidade do acto, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus próprios efeitos – cfr., Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 188 a 192, e Vieira de andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, p. 209.

Ou seja, o artigo 38.º, n.º 2, do CPTA não permite que a acção administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à acção comum …os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do CPTA) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, sejam por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do acto, a sua eliminação da ordem jurídica.” – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., p. 278.

Em síntese, o objecto da acção administrativa comum mostra-se “nomeadamente e no que aqui releva, incompatível com a figura do ato administrativo e litígio que em torno do mesmo se estabeleça, pelo que a mesma não pode ser utilizada para obter a invalidação de ato administrativo [cfr artigos. 46.º, n.º 2. al a) e 50.º e segs. do CPTAJ, a condenação à prática dum ato administrativo [cfr. arts. 37°, n.° 2, al e), 46.º, n.° 2. al. b), 66.º e segs. do CPTAJ ou ainda o efeito que resultaria da anulação de ato administrativo [cfr. art. 38.º, n.° 2 do CPTA], sendo que “ (…) as únicas exceções a tal incompatibilidade prendem-se, por um lado, com a possibilidade de apreciação a título incidental de ilegalidade no quadro previsto no nº 1 do art. 38.° do CPTA e, por outro, com a condenação à não emissão de atos administrativos no quadro da tutela principal preventiva prevista no art. 37.º, n.º 2, al. c) do mesmo Código.” – v. Acórdão do TCAN, de 29/06/2012, proc. n.º 00090/11.0BEPRT;

“III. O art. 38.º, n.º 1 do CPTA permite que a ilegalidade de acto administrativo que já não possa ser impugnado por consolidado na ordem jurídica possa ser aferida ou apreciada, a título incidental, em acção administrativa comum cuja pretensão não seja dirigida em termos finais à impugnação daquele acto. IV. Tal conhecimento incidental da ilegalidade naquela acção administrativa só pode ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visem obter efeitos jurídicos diversos, ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da acção administrativa especial de impugnação. V. Esta possibilidade de apreciação incidental está ainda condicionada àquelas situações em que a lei substantiva o admite mediante o reconhecimento de relevância jurídica conferido àquela apreciação, prevendo-se, desde logo, a título meramente exemplificativo, aquela possibilidade e relevância nas situações em que se visa efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração pela alegada prática de actos administrativos ilegais [cfr. arts. 22.º da CRP, 07.º, 08.º, 09.º e 10.º, n.º 2 do RRCEE]. VI. Daí que fundando-se a acção administrativa comum instaurada pelo A. numa situação de alegada actuação jurídica ilegal, ilícita e culposa desenvolvida no âmbito de procedimento administrativo que correu termos em serviço do Estado, actuação essa que pretensamente foi geradora de danos patrimoniais cuja reparação indemnizatória se visa obter com a dedução de pedido com esse único sentido não ocorre infracção ao que se preceitua no art. 38.º do CPTA. – Acórdão 01070/09.1BEBRG08/04/2011.

Neste contexto, no que respeita ao primeiro pedido formulado de condenação do Réu Instituto no “reconhecimento do direito ao subsídio de desemprego que lhe foi ilegalmente recusado” a sentença recorrida, ao considerar verificado o uso indevido da acção administrativa comum, em contravenção ao disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, subsumiu correctamente os factos ao direito.

É que subjacente à pretensão do Recorrente de obter as prestações de subsídio de desemprego consideradas ilegalmente recusadas, por via do reconhecimento de tal direito, está um acto administrativo de indeferimento (enquanto definição unilateral e inovatória de uma situação individual e concreta – cfr. artigo 120.º do CPA) da pretensão substantiva, insusceptível de ser jurisdicionalmente impugnado com vista à sua eliminação jurídica, em sede de acção administrativa especial, seja na vertente impugnatória, seja na vertente de condenação à prática de acto devido, por decurso do prazo legal de 3 meses para o efeito – cfr. artigo 58.º, n.º 2, alínea b) e 69.º, n.º 2, do CPTA.

Como decorre do probatório, o Autor requereu as prestações do subsídio de desemprego em 23 de Março de 2012, tendo tal requerimento sido objecto de proposta de indeferimento datado de 30 de Março de 2012, com a menção de que se converteria em decisão definitiva, se no prazo de 5 dias úteis não fosse dada resposta por escrito, não tendo contra ele reagido contenciosamente no prazo legal. Sendo que caso assim tivesse actuado e por essa via obtido procedência da sua pretensão a “legalidade” teria sido reposta e o Recorrente teria a sua situação jurídico substantiva consolidada por força dos efeitos ultra constitutivos da sentença anulatória ou de eventual sentença condenatória da qual resultaria a eliminação automática do acto de indeferimento da prestação de desemprego requerida (artigos 46.º e ss e 66.º e ss do CPTA).

Tornado inatacável o acto em causa, a lei veda agora ao Recorrente a possibilidade de, mediante o peticionado na presente acção, proposta em 05 de Janeiro de 2015, tornear a falta de impugnação contenciosa daquele acto, reabrir a discussão sobre a legalidade do mesmo, no sentido de obter por via da procedência da acção comum, os efeitos típicos resultantes da anulação de acto impugnável. (eventualmente cumulada com a condenação à prática de acto devido), O que também vale, por identidade de razão, quando o efeito pretendido é o que resultaria da condenação na prática do acto administrativo devido – a este propósito vide, entre outros, o Acórdão do TCAS de 23.10.2014, proc. n.º 4375/08.

A não ser assim, tal corresponderia à destruição dos efeitos de acto jurídico já consolidado na ordem jurídica como se de uma verdadeira anulação se tratasse, com ofensa do caso administrativo resolvido.

Do mesmo modo, o pedido de “indemnização” por danos patrimoniais, no montante de €1430,90, exactamente correspondente ao valor do subsídio de desemprego a que o Recorrente julga ter direito, acrescido de juros de mora, visa a obtenção dos efeitos que decorreriam da anulação do acto em causa (eventualmente cumulada com a condenação à prática de acto devido), uma vez que corresponde ao cálculo das prestações de subsídio de desemprego que o Recorrente teria auferido não fora o acto de indeferimento reputado ilegal.

Em suma, o artigo 38.º, n.º 2 não permite o uso da presente acção administrativa comum pelo Recorrente para obter o efeito que resultaria da anulação de acto inimpugnável e/ou da condenação na prática do acto administrativo devido no que concerne ao pedido de reconhecimento do direito ao subsídio de desemprego e ao pedido de pagamento do valor de tal subsídio.

Verifica-se assim, nesta parte, a excepção inominada concretizada na inadmissibilidade/ilegalidade da utilização da acção administrativa comum, improcedendo, neste segmento, os argumentos de impugnação da sentença recorrida.

E o que dizer quanto ao pedido de pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais?

Ora, nesta parte não podemos concordar com a sentença recorrida.

Na verdade, tal pedido reveste cariz indemnizatório e baseia-se em alegados prejuízos advenientes da falta de pagamento do subsídio de desemprego, na falta de prestação de informações tidas por necessárias à satisfação dos seus interesses e na violação de direitos constitucionalmente garantidos.

E assim sendo, este pedido indemnizatório reporta-se ao instituto jurídico da responsabilidade civil extracontratual por actuação administrativa ilícita, podendo ser apreciado nos moldes ínsitos no n.º 1 do artigo 38.º do CPTA.

Isto é, no âmbito da acção administrativa comum proposta mediante conhecimento, a título incidental, da ilegalidade/ilicitude do acto/actuação em causa, relativo ao indeferimento do subsídio de desemprego, como fundamento jurídico reportado, apenas e tão só, à indemnização solicitada.

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Termos em que a presente acção deve prosseguir para conhecimento do formulado pedido indemnizatório por danos morais (segundo pedido), considerando-se que a absolvição do Réu da instância se cinge ao pedido de reconhecimento do direito ao subsídio e consequente pagamento das inerentes prestações.

Procedendo parcialmente os fundamentos do presente recurso, com consequente revogação da sentença recorrida no que ao referido pedido indemnizatório concerne, no sentido de a presente acção administrativa comum dever prosseguir para efeitos de conhecimento desse pedido, ao abrigo do disposto no artigo 38.º n.º 1 do CPTA.

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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a decisão recorrida na parte em que absolveu o Réu da instância quanto ao pedido de indemnização por danos morais formulado pelo Autor, determinando-se o prosseguimento dos autos com vista ao conhecimento do mérito desse pedido, se a tal nada mais obstar.
Custas pelo Recorrente e Recorrido em partes iguais.
Notifique. DN.

Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato
Ass.: Hélder Vieira