Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00084/14.4BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:TRANSAÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS; REGIME DE BENS EM 2.º MÃO
Sumário:I. Decorre da alínea d) do n.º1 do art.º 3 do Decreto- lei n.º 199/96 de 18.10 que as transmissões de bens em 2.º mão ficam sujeitas ao regime especial de tributação pela margem quando o sujeito passivo tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto nesse diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada.

II. Decorre da interpretação da alínea a) do art.º 1º do RITI que estão sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no nº 1 do artigo 2º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:L., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

A Recorrente, L., LDA, NIPC (…), não se conformou com a sentença emitida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial intentada, visando as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001, no valor de € 80 612,68.

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1- Nem todas as transmissões nacionais de bens adquiridos na Comunidade são sujeitas ao regime geral se as compras forem feitas a sujeitos passivos de IVA, nomeadamente as viaturas usadas por beneficiarem do regime protegido pela Directiva 94/5/CE
2- Compete à AT a prova das condições objectivas para que o recorrente não possa aplicar o regime da margem, no caso
3- O valor tributável das transmissões de bens em segunda MÃO é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre o total da contraprestação devida pelo cliente e o preço de compra dos mesmos bens
4- O regime de tributação da margem decorrente da transposição tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados.
5- Viola o Principio da Proporcionalidade dos impostos a interpretação da AT que pretende tributar pelo regime geral do IVA, a Revenda de automóveis usados em Portugal por comerciante que os adquiriu na Alemanha,
6- Mormente quando não liquidou IVA nas compras efectuadas.
Pelo exposto
Se pretende terem sido violadas as normas ínsitas nos artigos 1º e 3º do DL 199/96, o artigo 16 nº 2 f) do CIVA, no artigo 266 nº 2 da CRP.

Termos em que
Na procedência do presente Recurso, se pugna pela substituição da Douta Sentença Recorrida, Julgando-se procedente a Impugnação, e em consequência anulando-se as liquidações impugnadas.
Assim se crê que seja feita MELHOR JUSTIÇA (…)”

A Recorrida não contra alegou.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido ser negado provimento ao recurso, uma vez que, a sentença recorrida fez uma correta interpretação da lei.

Atenta à antiguidade do processo e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se de vistos, nos termos do art.º 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, a quais são delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu erro de julgamento, por violação dos artigos 1.º e 3.º do DL 199/96, o artigo 16.º nº 2 alínea f) do CIVA e do artigo 266.º nº 2 da CRP.


3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…)

1. A lmpugnante exerceu a atividade de comercialização de veículos automóveis pesados e máquinas destinadas essencialmente à construção civil até 25.03.2002, data em que alterou o objecto social para transportes rodoviários públicos ocasionais de mercadorias nacionais e internacionais, aluguer de máquinas e equipamentos comércio e reparação de veículos automóveis. -Fls. 6 e sgs. do PA (fls. 12).
2. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 31977, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, levaram a cabo uma ação de inspeção à Impugnante, com início em 07.01.2003 e fim em 14.02.2003, relativa aos exercícios de 1999, 2000 e 2001. - Fls. 6 e sgs. do PA.
3. Da ação de inspeção referida em 2., após o cumprimento do direito de audição, resultou o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 6e sgs. do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido por urna questão de brevidade.
4. Como consequência da ação de inspeção referida em 2. foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e de juros Compensatórios relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001 com o valor global de € 80.612,68 ouros, com datas limite de pagamento no dia 31.05.2003, impugnadas nestes autos. - Fls.11 a 22 dos autos.
5. A presente Impugnação foi apresentada no tribunal Tributário de 1ª Instância de Viseu no dia 15.09.2003. - Fls. 1 e sgs. dos autos, (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão que importa conhecer é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação dos artigos 1.º e 3.º do DL 199/96, o artigo 16.º nº 2 alínea f) do CIVA e do artigo 266.º nº 2 da CRP.
Nas alegações de recurso, a Recorrente nas conclusões invoca que nem todas as transmissões nacionais de bens adquiridos na Comunidade são sujeitas ao regime geral se as compras forem feitas a sujeitos passivos de IVA, nomeadamente as viaturas usadas por beneficiarem do regime protegido pela Diretiva 94/5/CE.
Compete à AT a prova das condições objetivas para que o Recorrente não possa aplicar o regime da margem.
Vejamos.
Está em causa nos presentes autos, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos anos de 1999, 2000 2001 na parte referente a correções aritméticas efetuadas pela Administração Tributária no montante de 80 612,68 € por entender que se aplica ao caso regime geral do IVA, por serem transações intracomunitárias e efetuados a sujeitos passivo de IVA, residentes na Alemanha.
A sentença recorrida, após elaborar estudo sobre a legislação aplicável e jurisprudência entendeu que a Recorrente ao ter utilizado “(…) o regime de bens em 2.ª mão nas transmissões internas relativamente a viaturas adquiridas nos países da Comunidade, mas ao contrário do alegado, não pode optar pelo regime da tributação pela margem, pois não adquiriu as viaturas numa das condições previstas no art.º 3.º n.º1 do DL 199/96, pois as aquisições foram efectuadas e sujeitos passivos de IVA, tendo em consequência que ser tributada pelo regime geral. “
E desde já se diga que não nos merece qualquer reparo.
Dispõe o art.º 1 do Dec. Lei n.º 199/96 de 18.10. que: “ Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, segundo o regime especial de tributação da margem, as transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção e de antiguidades, efetuadas nos termos deste diploma, por sujeitos passivos revendedores ou por organizadores de vendas em leilão que atuem em nome próprio, por conta de um comitente, de acordo com um contrato de comissão de venda.”
Por sua vez, o art.º 3.º prevê que “1 - As transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:
a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;
b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;
c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objeto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;
d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada.
2 – (…)”
Dispõe o art.º 16.º do CIVA que: “ 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:
(…)f ) Para as transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou antiguidades, efetuadas de acordo com o disposto em legislação especial, a diferença, devidamente justificada, entre o preço de venda e o preço de compra;
Decorre da alínea d) do n.º 1 do art.º 3 do Decreto- lei n.º 199/96 de 18.10 que as transmissões de bens em 2.º mão ficam sujeitas ao regime especial de tributação pela margem quando o sujeito passivo tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto nesse diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada.
No caso em apreço a Recorrente adquiriu os veículos a outros sujeitos passivos revendedores, residentes na Alemanha sem que a transmissão dos bens por esses outros sujeitos passivos tenha sido efetuada ao abrigo do disposto neste diploma, (diretiva 94/5/CE de 14 de fevereiro) ou outra regulamentação idêntica vigente no Estado Membro onde a transmissão dos bens foi efetuada.
Decorre da matéria de facto provada e constante do Relatório, não impugnada pela Recorrente, que as aquisições na Comunidade foram feitas a sujeitos passivos de IVA, Alemães, que emitiram as respetivas faturas, tendo-as declarado no VIES e as quais não foram contabilizadas pelo sujeito passivo como aquisições intracomunitárias nem foi pago o IVA nos termos do art.º 28.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).
Prevê o art.º 1.º do RITI (na redação, aqui aplicável, do DL nº 290/1992, de 28/12) que “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA):
a) As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efetue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n.º 2 do artigo 9.º nem os transmita nas condições previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 11.º; (…)”
Decorre da interpretação da alínea a) do art.º 1º do RITI que estão sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no nº 1 do artigo 2º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas.
É sabido que para a Administração Fiscal poder liquidar IVA, sobre ela recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca (artº. 1º al. a) do RITI e art. 74° n° 1 da LGT).
Nos termos da alínea a) do art.º 1 do RITI, os pressupostos desta apenas ficam verificados em caso de aquisição intracomunitária de bens por sujeito passivo nacional, agindo como tal, e de o vendedor ser também ele sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA noutro Estado membro, havemos de concluir que essa qualidade de sujeito passivo, agindo como tal, por parte do vendedor, se insere, ainda, nos pressupostos do facto tributário, ou seja, no âmbito dos factos constitutivos do direito que a Administração Tributária invoca.
Resulta do relatório que a Administração socorrendo dos elementos contabilisticos, e informações constantes do VIES e das declarações DP`s verificaram divergências, nos anos de 1999, 2000 e 2001, sendo que as aquisições foram efetuadas a sujeitos passivos sediados na Alemanha devidamente comprovadas no anexo IV 1 a 3 e que não procederam nos termos do art.º 28.º do RITI à liquidação do respetivo imposto.
Face a estes elementos devidamente documentados ter-se-à de concluir que a Administração Fiscal cumpriu o ònus que sobre si impendia de demonstrar que as aquisições foram efetuadas a sujeitos passivos de IVA sediados na Alemanha, e que as referidas transações não foram efetuadas ao abrigo do regime especial de bens em segunda mão.
Assim a Recorrente ao utilizar o regime de bens em segunda mão, nas vendas internas, relativamente a viaturas adquiridas na Comunidade, não pode optar pel0 regime especial da margem, por não ter adquirido as mesmas nas condições do n.º 1 do art.º 3 do Dec-Lei n.º 199/96, devendo ser tributadas pelo regime geral.
Por fim a Recorrente alega que tal comportamento viola o princípio da proporcionalidade dos impostos a interpretação da Administração Tributária que pretende tributar pelo regime geral do IVA, a revenda de automóveis usados em Portugal por comerciante que os adquiriu na Alemanha.
O princípio da proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins. (cf. Freitas do Amaral).
Como supra se disse não se vislumbra qualquer violação da lei e consequentemente o do princípio da proporcionalidade.
Acresce ainda referir que o Recorrente não consubstanciou de que modo o comportamento da Administração Fiscal e a interpretação que fez, limita os seus interesses.
Nesta conformidade, não se vislumbra a violação do principio da proporcionalidade bem como do art.º 266.º n.º 2 da CRP pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Decorre da alínea d) do n.º1 do art.º 3 do Decreto- lei n.º 199/96 de 18.10 que as transmissões de bens em 2.º mão ficam sujeitas ao regime especial de tributação pela margem quando o sujeito passivo tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto nesse diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada.
II. Decorre da interpretação da alínea a) do art.º 1º do RITI que estão sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no nº 1 do artigo 2º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente, nos termos do art.º 446.º do CPC.
*
Porto, 5 de novembro de 2020


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes