Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01064/08.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:I – Em sede de responsabilidade pré-contratual, mesmo que a “solidez” do iter negotii possa enquadrar possibilidade de um dever de indemnizar por um interesse contratual positivo, não basta uma mera hipótese de aquisição do ganho para afirmação de um dano, pressuposto da obrigação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:A., S. A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Município de (...) (Paços do Concelho, (...)), interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida nos presentes autos de acção administrativa comum ordinária intentada por A., S. A. (Rua (…) (...)).

Conclui o recorrente:

I - Por douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 3 de novembro de 2017 foi dado provimento ao recurso interposto pelo Município de (...), reconhecendo a nulidade processual invocada que implicou a anulação da douta sentença proferida em primeira instância pela Juiz de Direito Eliana de Almeida Pinto, datada de 21 de janeiro de 2017 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, ao abrigo do princípio da plenitude de assistência do Juiz, por ser a anterior titular do processo.
II - A nulidade processual consubstanciava-se no facto de não ter sido adotada, por essa ilustre juiz da causa, a tramitação processual adequada às especificidades da causa, violando-se expressamente o princípio de adequação formal previsto no art.º 547° do Código de Processo Civil.
III - Tal nulidade classificada consubstancia a omissão de ato que a lei prescreve, constitui uma irregularidade com influência na decisão da causa, nos termos do disposto no art.° 195º n.° 1 do novo Código de Processo Civil consagrado na Lei n.° 41/2013.
IV - É que no encadeamento dos atos processuais sub facto, os autos mostram que após a audiência de 17/04/2013, terminada inquirição de testemunhas se ordenou perícia depois de ulterior tramitação (referente a essa perícia), adveio o despacho a ordenar a remessa dos autos à anterior titular que, sem mais logo, verteu a sentença que foi objeto de recurso de apelação que, concluindo pela nulidade decorrente da omissão da continuidade da audiência final e alegações orais, assim como a omissão da abordagem com o uso do contraditório dos "factos instrumentais" vertidos prima faciae, a anulou, concluindo pela verificação da referida nulidade.
V - Nulidade que a mesma juiz do Tribunal a quo, entendeu suprir após prolatar douto despacho a folhas... convocando o prosseguimento da audiência final, para as partes tomarem posição quanto aos factos instrumentais carreados pelo Tribunal para os autos e para serem produzidas Alegações finais orais.
VI - Só que apenas teve lugar a audiência final oral, como, expressamente consta da douta sentença ora em recurso a folhas 20 de 46 que passamos a transcrever:
"As partes, notificadas para alegar e tomar posição expressa sobre os factos instrumentais, e para alegarem, no respeito pelo ordenado pelo Venerando Tribunal Administrativo Norte, fizeram-no, tendo o réu, em particular, pedido justiça".
VII - Reduzir assim as questões a dirimir e consequente necessidade de produção de prova sobre os factos instrumentais aduzidos em douta sentença anulada, a mera audiência oral que não ao necessário prosseguimento da audiência final com uso do necessário contraditório, expressamente viola, não dando assim cumprimento ao douto Acórdão do Venerando Tribunal Administrativo Norte que a meritíssima juiz zelosamente pretendia cumprir.
VIII - Não afastando, a nosso ver, a nulidade que esteve na base da anulação da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro prolatada em 21 de janeiro de 2017 pela mesmo juiz que agora igualmente prolatou a douta sentença exatamente igual - ipsis verbis - que ora igualmente merece igual impugnação contenciosa, com novo recurso para este Venerando Tribunal.
Assim sendo e sem prescindir,
IX - Vinha antes a douta sentença recorrida, a folhas 17 in fine e 18 ab initio e agora a folhas 20 de 46, no uso dos seus poderes previstos no n.° 2 do art.º 5º do NCPC e em resultado da instrução da causa, carrear para o processo os factos instrumentais n.° 3, 4 (para prova dos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º), 6. ,7., 8. (para prova dos quesitos 16º., 26º), 9., 10. (para prova dos quesitos 23°) 21., 30. para prova dos quesitos n.° 27º., 29.º), 35., 36., (para prova dos quesitos n.° 27.º, 29.º) , 35., 36. (para prova dos quesitos n.° 28° e 30.º) 37., 38., 39. Para prova dos quesitos n.° 24º., 26.) importantes, segundo aí se diz, para a prova dos factos essenciais alegados, constituindo factos indiciários dos factos essenciais aos quais o Tribunal pretende chegar por presunções judiciais servindo para provar os quesitos referidos da Basejnstrutória.
X - Perante tais ambiguidades, obscuridades e ininteligibilidades, a confusão é tanta que não é possível apreender a exata relação causal entre factos instrumentais, os factos essenciais alegados que constituem factos essenciais indiciários dos factos essenciais aos quais o Tribunal pretende chegar por presunção judiciais, servindo para provar os quesitos referidos na BASE INSTRUTÓRIA.
Xl - Sendo que, no que toca à na BASE INSTRUTÓRIA apenas resultarão como provados os seguintes quesitos:
(“1°, 2°, 3°,, 4°, 16°, 23°, 24°, 26°, 27°, 29° e 30°”)
XII - Quanto aos demais, in douta sentença não há quaisquer referências, quer probatórias ou não probatórias
XIII - Sendo que, quanto ao quesito 30º, dado como provado, este constitui, como é sabido, o peticionado valor global indemnizatório do pedido, (englobando os emergentes de responsabilidade extracontratual, já prescrita, como a pré contratual, tão só em apreciação) de € 570.000,00 o que só parcialmente corresponde à procedência da ação.
XIV - No douto despacho inicial constante da ata de audiência de julgamento, a Meritíssima Juiz a quo, dada a sua tecnicidade, pretendia obter perícia técnica que a ajudasse a dar resposta aos quesitos 24°, 26° e 32° da "BASE INSTRUTÓRIA".
XV - Porém, no despacho final sobre essa mesma perícia que passou a ser colegial, por ser entendido como conclusivo, deixou de fazer parte da perícia, o citado art.º 32º da BASE INSTRUTÓRIA.
XVI - Como igualmente deixou de fazer parte dos factos agora dados como provados in douta sentença recorrida, as explicações técnicas dos peritos ao facto (ponto 1 ao art.º 24º proposto pelo réu Município e aceite in douto despacho ade 11 .06.201 3 a folhas 436 a 440) que a própria juiz entendia como útil para a matéria decidenda.
XVII - E que tinha a seguinte formulação:
( ... ) Com a atuação da Câmara Municipal que conduziu à abertura da Rua (...), a amputação de 403m2, desvalorizou, ou pelo contrário valorizou o prédio dos autores identificado no considerando alínea a), fundamente e quantifique."
XVIII - Matéria a que os peritos se pronunciaram e a que a douta sentença, mais uma vez por omissão de pronúncia, por completo ignorou, como necessariamente integradora da resposta ao quesito 24º.
XIX - Tal igualmente sucedeu quanto às explicações técnicas, de igual formulação 1 ao quesito 26°, também aceite pela Meritíssima juiz, a que os peritos igualmente se pronunciaram:
XX- E que tinha também a seguinte formulação:
(...) Da abertura do arruamento resultou, direta ou indiretamente, prejuízo suscetível de provocar aos autores impossibilidade de aproveitamento para fins imobiliários do seu prédio, conducente à desvalorização do mesmo." Sic.
XXI - Antes foi com base nos factos instrumentais constantes nos números 6, 7, 8, 37, 38 e 39 "DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA"in douta sentença recorrida.
Ou seja, as respostas de cada um dos três peritos ao valor do prédio em 1999, ao quesito 1. de folhas 422 dos autos a saber:
"O valor de 120.000.000$00 (€598.557,47) era aceitável para o terreno identificado na alínea a) acima referida, se vendido para fins imobiliários em final do ano de 1999?”
E as respostas dos três peritos ao valor atual do prédio, mais de cinco anos após a entrada da presente ação em juízo, e após a publicação do PLANO DE PORMENOR DE QUINTELAS em 4 de janeiro de 2013", que a Meritíssima Juiz a quo, encontrou dos senhores peritos os esclarecimentos técnicos que reputava essenciais para a boa decisão da causa.
XXII - Ora, esta interpretação dos factos dada pela Meritíssima Juiz a quo, na sua perspetiva de apreender a "exata relação causal entre factos instrumentais, os factos essenciais alegados que constituem factos essenciais indiciários dos factos essenciais aos quais o Tribunal pretende chegar por presunção judiciais, servindo para provar os quesitos referidos na BASE INSTRUTÓRIA é manifestamente absurda, comparando coisas que não são comparáveis e de modo algum compaginável com os considerandos que informam a sua pretensão de perícia técnica contida no seu despacho, em plena audiência, de 17 de abril de 2013.
XXIII - Assim, não foram apreciados pelo Tribunal as seguintes questões técnicas que a Meritíssima juiz reputava essenciais na apreciação dos quesitos 24° e 26°:
- Com a atuação da Câmara Municipal que conduziu à abertura da Rua (...), a amputação de 403m2, desvalorizou, ou pelo contrário valorizou o prédio dos autores identificado no considerando na alínea a), Fundamente e quantifique.
- Da abertura do arruamento resultou, direta ou indiretamente, prejuízo suscetível de provocar aos autores impossibilidade de aproveitamento para fins imobiliários do seu prédio, conducente à desvalorização do mesmo.
XXIV - Sendo que as respostas a estas questões pela perícia, particularmente a fundamentação e o rigor técnicos dados a essas mesmas questões pelo perito do réu, teriam ajudado) o Tribunal a quo a concluir, sem mais, pela improcedência do pedido ainda em apreciação nos autos.
XXV - Como, por exclusão de partes, de entre os factos que o tribunal a quo diz como provados, terão ficado por apreciar os quesitos 5º a 15º, 17º a 22º, 25º, 28º , 31º e 32º da “Base Instrutória".
XXVI - E cuja importância, pelo menos em alguns deles, é por demais relevante para a boa decisão da relação material controvertida, maxime a violação da confiança devida pelo réu à autora, por força do compromisso do então Presidente da Câmara em ressarcir a autora da ocupação ilícita dos 403m2 do seu prédio na abertura da Rua (...), mediante uma operação urbanística de reparcelamento e loteamento do conjunto de proprietários envolvidos, a aqui autora, o Município e herdeiros de M.F.
XXVII - Por exemplo, não seria despiciendo saber-se, para a boa decisão da causa que nos autos não existe qualquer prova, testemunhal, documental ou por perícia pelo que a autora não fez prova aos seus quesitos 5° (havia apenas estudos do plano) 6º, 7º, 8° e 9°.
XXVIII- Nem que o quesito 10º é consequência dos precedentes.
XXIX - Como não foi pela abertura da Rua (...) que a autora ficou impossibilitada de dispor economicamente do terreno.
XXX - Que dessas mesmas reuniões ficasse concretamente acordado o vertido nos artigos 10º a 14º.
XXXI - Como não é verdade não ter havido reunião de Câmara Municipal de 25 de outubro de 1999, como pretendia a autora no seu quesito 17, pelo que o não provou.
XXXII - Como antes ficou provado, com documento junto aos autos pelo réu, em tal reunião foi aprovado um projeto ou estudo de loteamento urbano preparado pelo Diretor de Departamento Planeamento e Ordenamento, arquiteto J.M que previa uma solução prévia de reparcelamento de quatro prédios, dois da Câmara um da autora e outro dos herdeiros de M.F que previa e posterior operação de loteamento com a criação e permuta de quatro lotes para “A. Lda.”, conforme projeto junto aos autos.
XXXIII - Como não será também despiciendo que não ficou provado igualmente os quesitos da autora de 18° a 21° antes pelo contrário, as negociações prosseguiram, sem qualquer espécie de demora, até à aprovação final da operação de loteamento conjunto, condicionado apenas à desafetação dum caminho do domínio público para completar lote criado, em deliberação de Câmara Municipal de 26 de fevereiro de 2001 e posterior aceitação dos co loteadores, conforme factos provados 19 a 24, folhas 10 e 11 da "2.1 MATÉRIA DE FACTO PROVADA" da douta sentença recorrida.
XXXIV- Como não fica provado que os factos instrumentais 9 e 10 (o dito acordo verbal do Presidente da Câmara e reuniões ditas ressarcitórias posteriores) tenham qualquer nexo de causalidade com a aprovação do art.º 24° e 26° da BASE INSTRUTÓRIA.
XXXV - Constituindo a omissão de tais factos, mais uma clara omissão de pronúncia, igualmente geradora da nulidade da douta sentença recorrida.
XXXVI - Aliás é o depoimento do próprio Arquiteto M. que a Meritíssima Juiz a quo tanto valora que afirma, segunda a própria sentença recorrida, que o terreno da autora por si só não tinha capacidade construtiva, carecendo de um emparcelamento para posterior loteamento já que era composto por vários prédios.
XXXVII - É desse estudo ou projeto de loteamento urbano a que se reporta o arquiteto J.M no âmbito de um Plano de Pormenor em gestação para o local e que obteve aprovação por deliberação de Câmara Municipal de 25 de outubro de 1999, que se reporta a carta da autora de 16 de julho de 1999 - facto provado n.° 11 in "2.1 MATÉRIA DE FACTO PROVADA”' e demais factos subsequentes 12, 14, 15, 16, 17 , 18 que culmina coma aprovação do chamado loteamento das Quintelas por deliberação de Câmara de 26.02.2001, condicionado a posterior desafetação de um caminho do domínio público pela Assembleia Municipal, a que se reporta facto provado n.° 19.
XXXVIII - Assim como os demais factos subsequentes, números 20, 21, 23 e 24.
XXXIX - Foi nessa operação de reparcelamento e loteamento conjunto entre a aqui autora a réu (bem como os herdeiros de M.F) dos seus prédios envolvidos nessa operação (onde se inclui a totalidade do prédio da autora sem a amputação dos 403m2 que foram em 1994 ilicitamente apropriados para a criação de parte da Rua (...)) que se formalizou e materializou o acordo verbal com o então Presidente da Câmara a que se refere o número 9 do facto provado em "2.1 MATÉRIA DE FACTO PROVADA" in douta sentença recorrida.
XL - Razão por que com o cumprimento do acordo verbal estabelecido em 1999 com o então Presidente da Câmara, conforme o aludido facto dado como provado no número 9 e que se consubstanciou e formalizou na apresentação pelo réu da operação conjunta de reparcelamento e loteamento presente à deliberação de Câmara Municipal de 26 de fevereiro de 2001, de acordo com os números dos factos provados de 19 a 23, não se comprovam os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, quer quanto à sua formação quer conclusão no iter negotii, nos termos do art.° 227º do Código Civil, não existindo pois quaisquer factos geradores da violação do princípio da confiança que a lei civil configura, igualmente aplicável às relações jus administrativas.
XLI - Cuja formulação doutrinária ou conceptual a Meritíssima juiz a quo classifica de promessa administrativa, in casu, ao contrário do que aduz, obviamente não violada.
XLII - E que consequentemente teria de conduzir à absolvição do réu do pedido indemnizatório a título da aludida responsabilidade civil pré-contratual peticionada pela autora
XLIII - Ao contrário das conclusões de Direito a que chega a Meritíssimajuiz in douta sentença recorrida, nada há nos autos que prove que o réu violou o disposto no art.º 227° do Código Civil, desde logo no que tange aos preliminares desse mesmo acordo verbal.
XLIV - A elaboração do loteamento conjunto constitui disso prova.
XLV - Nem, ao contrário do que a douta sentença aduz, foi violado o dever de concluir o negócio.
XLVI - Sendo falso que apenas faltou a formalização do mesmo nem tal resulta claro dos factos provados 15, 16, 17, 22 e 23.
XLVII - E bem demonstrativa de que as partes em todo o decurso das negociações atuaram de boa fé; atuando o Presidente da Câmara em representação do réu Município, com toda a informação, clareza, lealdade probidade e correção pelo que nada fez conducente à quebra das relações de confiança que a sua promessa verbal de ressarcimento mediante a concretização da operação urbanística conjunta a licenciar, fazia prever.
XLVIII - Pelo que inexiste qualquer dano correspondente ao chamado interessa contratual negativo a ressarcir.
XLIX - Resultando dos autos, com toda a clareza, inexistirem fundamentos de facto e de direito para a fixação, não por juízo de equidade como aí é dito, mas por mero arbítrio, dum valor mensal de €275,00 pela privação do uso do bem que, num período de 23 anos se fixa in douta sentença já em €75.900,00.
L - Como inexiste quaisquer responsabilidades do réu pela perda de chance de concretização do negócio assente na promessa administrativa a que alude a Meritíssima juiz a quo.
LI - A conclusão de que a carta de intenções da "B." pela compra do prédio da autora em finais de 1999 pelo grau de probabilidade da prometida permuta por parte do réu era motivadora da lesão da perda de dano, por perda de chance de negócio em 30%, não tem salvo o devido respeito o menor fundamento jurídico.
LII - Inexistindo razões de facto e de direito, para a fixação a esse título da indemnização arbitrada in douta sentença recorrida de € 179.567,24, nem de qualquer outro valor indemnizatório.
LIII - Devendo a douta sentença recorrida ser revogada, por nula, nos termos do art.º 668°, números 1, alíneas c) e d) do anterior CPC, ou se assim não for entendido, nas mesmas causas contidas no art.º 615º do NCPC, sendo a mesma substituída por douto Acórdão que absolva integralmente o réu dos pedidos a que foi condenado.
Nos termos expostos,
E nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, numa ação complexa como esta deve:
a) Ser reconhecida a manutenção da mesma nulidade processual
que implicou a anulação da decisão recorrida consubstanciada na douta sentença de janeiro de 2017.

Sem prescindir, para o caso de assim não ser entendido,
b) Deve igualmente conforme conclusão "LIII” a douta sentença
recorrida ser revogada por nula, sendo substituída por outra que absolva integralmente o réu dos pedidos inderrinizatários a que foi condenado, a título de responsabilidade civil pré contratual, como pagar à autora pela privação do uso do bem desde o ano de 1994, o valor global de €75.900,00, acrescido de mais €275,00 mensais enquanto durar a ocupação do mesmo e pagar à autora o valor de € 179.567,24 pelo dano de perda de chance, como é inquestionavelmente de Direito e da mais elementar JUSTIÇA.


A recorrida apresentou contra-alegações, finalizando:

A - A nulidade que levou à anulação da primeira sentença — a falta de alegações orais — foi entretanto sanada pelo tribunal a quo.
B - O mesmo se diga quando ao exercício do contraditório relativamente aos factos instrumentais aditados aos factos principais inicialmente identificados.
C - Essa nulidade — que o próprio TCA considera “consumida” pela acima referida nulidade (cf. fls. 21 do seu douto acórdão) — ficou também sanada a partir do momento em que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar a respeito dos factos instrumentais e da prova pericial produzida para esclarecer e apurar essa matéria.
D - Esse contraditório foi agora possibilitado pelo tribunal, tendo a Apelada feito referencia aos ditos factos instrumentais em sede de alegações orais, no que poderia ter sido imitada pelo Apelante, que todavia (conforme consta da douta sentença recorrida, a fls. 20) se limitou a “pedir justiça”, sem ter requerido fosse o que fosse no início dessa audiência final, nem sentido qualquer necessidade de se pronunciar sobre as provas disponíveis nos autos, ou sobre a factualidade que se deveria dar como provada.
E - As demais nulidades que o Apelante imputa à douta sentença recorrida, ao longo da sua alegação, não fazem qualquer sentido, devendo improceder a respectiva arguição.
F - Desde logo, a omissão de pronúncia consiste em o juiz deixar de conhecer questões que lhe cumpra apreciar; mas o Apelante nem sequer identificou as questões que o tribunal a quo deveria ter apreciado e terá deixado de conhecer.
G - Por seu lado, a alínea e) do nº 1 do art. 668º do CPC respeita à nulidade decorrente da condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não se vislumbrando como terá o tribunal recorrido praticado tal nulidade, já que a condenação proferida se conteve claramente nos limites do peticionado pela Apelada.
H - Na parte em que o Apelante impugna a matéria de facto dada como provada em primeira instância, as respectivas alegações estão sujeitas ao disposto no art. 685º-B do CPC (actualmente art. 640º do Novo CPC).
I - Contudo, o Apelante não indica claramente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados, nem especifica os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; e, apesar de boa parte dessa matéria de facto ter sido objecto de depoimentos testemunhais, gravados, não se deu ao trabalho de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
J - Pelo que, nessa parte, o recurso do Apelante deve ser liminarmente rejeitado, por infracção ao disposto nos citados art. 685º-B do CPC de 2008 e art. 640º do Novo CPC.
K - O que está em causa nesta lide não é a conduta pessoal do senhor Presidente da Câmara (aliás, foram vários os titulares deste cargo, desde 1994...), pois o réu neste processo é o Município, pessoa colectiva pública composto por diversos órgãos (assembleia municipal, câmara e presidente da câmara) que, no seu conjunto, violaram a confiança da Apelada e a lesaram com a sua conduta.
L - Até custa a acreditar que, depois de ter ocupado abusiva e gratuitamente uma parcela de terreno alheia, durante 23 anos (!), impedindo a proprietária de o usar e frustrando negócios com esse terreno, o Apelante tenha o arrojo de afirmar que não existem danos causados nem benefícios perdidos...
M - Face à matéria de facto provada, se a sentença recorrida peca em matéria de quantificação dos danos, será quando muito por defeito, ao fixar em apenas 30% o dano decorrente da perda de chance resultante da ocupação selvagem perpetrada pelo Município.
N - Não merece, pois, censura a douta sentença recorrida, que fez uma correcta aplicação do regime legal respeitante à responsabilidade pré-contratual das entidades públicas por violação da confiança gerada pela sua conduta.
*
O Exmª Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.
*
Após vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, que o tribunal “a quo” teve como provados:
1. A autora é proprietária do prédio rústico sito à Rua do (...), nos limites de (...) e (...), da freguesia de (...), inscrito na Matriz Predial de (...) sob o artigo 546 e descrito na Conservatória do registo predial sob o n.º 04165/(...);
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
2. Em finais de 1994, sem ter informado a autora, o réu abriu uma rua [designada Rua (...)] que atravessou o terreno acima descrito (ocupando cerca de 403 dos cerca de 2000 m2 desse prédio);
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
3. O prédio propriedade da autora possuía numa fase inicial até 1994 a área total de 2.349 m2, confrontando a Norte com caminho público e M.F, a Sul com C.S.R. e outro, a Nascente com Rua (...) e Município de (...) e a Poente com (...);
(Facto Instrumental Provado por Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
4. A construção em 1994 da rua (...) retirou ao terreno da autora 403 m2, dando origem a duas parcelas separadas: uma com 1732 m2, situada a norte da rua (...), confrontando a Norte com caminho público e M.F, a Sul com rua (...), a Nascente com Rua (...) e Município de (...) e a Poente com (...) e a outra parcela com 214 m2, confrontando a Norte com a rua (...), a Sul com C.S.R. e outro, a Nascente com o Município de (...) e a Poente com (...);
(Facto Instrumental Provado por Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
5. A autora escreveu uma carta, a 17 de junho de 1998, ao Presidente da Câmara Municipal de (...), expondo a situação descrita nos artigos 1.º a 10.º da PI e solicitando a marcação, com urgência, de uma reunião para a discussão dos termos da permuta de terrenos;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
6. Em 1999, para o perito do autor, o valor do terreno seria de € 639.296,00, baseando-se no Loteamento das Quintelas, aprovado pela Câmara Municipal "à condição", projetado para os terrenos da autora, do réu e dos herdeiros de M.F;
(Facto Instrumental Provado na Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
7. Em 1999, para o perito do réu, o valor do terreno seria de € 430.000,00, baseando-se no Plano de Urbanização de (...) de 22 de maio de 1989 e do Plano Diretor Municipal de (...) de 14 de maio de 1993;
(Facto Instrumental Provado na Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
8. Em 1999, para o perito do Tribunal, o valor do terreno seria de € 619.898,00, baseando-se no Loteamento das Quintelas, aprovado pela Câmara Municipal "à condição", projetado para os terrenos da autora, do réu e dos herdeiros de M.F;
(Facto Instrumental Provado na Perícia (esclarecimentos), junta aos autos em 12 de abril de 2015)
9. Em 1999 o Presidente da Câmara Municipal de (...) fez acordo verbal com a autora no sentido de a ressarcir pela construção pelo Município da rua (...) em terreno da sua propriedade em 1994;
(Facto Instrumental Provado por prova testemunhal)
10. Houve várias reuniões entre a autora, o Presidente da Câmara Municipal de (...) e o Diretor do Departamento de Planeamento e Ordenamento do Território da Câmara Municipal para se chegar a um acordo ressarcitório com a autora;
(Facto Instrumental Provado por prova testemunhal)
11. A autora solicitou por carta de 16 de julho de 1999 a intervenção pessoal do Presidente da Câmara Municipal, para a resolução do problema, ali constando, em particular:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 21 de julho de 2008 aos autos)
12. Foi agendada nova reunião entre a autora e o Presidente da Câmara para o dia 12.10.1999, confirmada pela autora por carta datada de 27.09.1999;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
13. Em 14 de dezembro de 1999 é subscrito documento pela B., SOC. IMOBILIÁRIA, LDA, dirigida a A. & Companhia, Lda, ali constando:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 21 de julho de 2008 aos autos)
14. A autora escreveu nova carta ao Presidente da Câmara Municipal solicitando a conclusão do processo conforme carta de 14.04.2000;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
15. O réu remeteu à autora, para apreciação, um projeto de loteamento (Loteamento das Quintelas) que integrava terrenos pertencentes à autora e réu e aos herdeiros de M.F (Ofício 9395 de 2 de setembro de 2000, junto com doc 8);
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
16. Tendo a autora dado o seu parecer favorável à proposta de viabilização do loteamento, em 11.09.2000;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
17. Em 12.12.2000 os herdeiros de M., representados por M.LC.F., manifestaram igualmente a sua concordância à viabilização do Loteamento das Quintelas;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
18. Em 26 de fevereiro de 2001 consta de documento timbrado de "Município de (...)", denominado de "ACTA N.º 08/2001-fevereiro, ali constando:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 22 de fevereiro de 2013 aos autos)
19. O Loteamento das Quintelas foi aprovado em reunião da Câmara Municipal de (...) a 26.02.2001, por maioria, com o voto contra do Sr. Vereador J.L.;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
20. Tendo sido atribuídos à autora os lotes 2, 3, 5 e 6., ao réu os lotes 1,7 e 8 e aos herdeiros de M.F o lote 4;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
21. Em 26 de fevereiro de 2001 foram atribuídos à autora 4.512 m2 de área de construção acima do solo e 1.632 m2 de área de construção abaixo do solo;
(Facto Instrumental Provado na Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
22. Por ofício de 08.03.2001, o réu enviou à autora a planta do loteamento, solicitando, para efeitos de formalização do processo, que a autora a informasse da sua concordância com as condições em que o loteamento foi aprovado e que, em caso afirmativo, a autora apresentasse certidões dos registos do terreno sua propriedade, ali sendo referido que os lotes a atribuir seriam o lote n.º 4 aos herdeiros de M.F, os lotes 2, 3, 5 e 6 à A. e os lotes 1, 7 e 8 à Câmara Municipal;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012 e doc a fls 130 do PA)
23. A autora manifestou a sua concordância ao Loteamento das Quintelas, tendo enviado ao réu os elementos solicitados em 27.04.2001;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
24. Em 06.09.2001, na sequência de um pedido do réu para inscrição do terreno da autora na conservatória do registo predial de (...), a autora remeteu, por carta, certidão da conservatória de (...) e certidão de teor emitida pela repartição de finanças de (...);
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
25. Em 19 de novembro de 2003 é subscrito documento timbrado de Câmara Municipal de (...), ali constando:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 22 de fevereiro de 2013 aos autos)
26. Em 2 de janeiro de 2004 é subscrito documento timbrado de "Câmara Municipal de (...)", denominado de EDITAL, ali constando:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 22 de fevereiro de 2013 aos autos)
27. Por ofício de 20 de fevereiro de 2004 o Presidente da Câmara Municipal de (...) subscreve documento dirigido ao Presidente da Assembleia Municipal, ali constando, designadamente:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 22 de fevereiro de 2013 aos autos)
28. Na Assembleia Municipal do réu de 26.02.2004 foi deliberado que o assunto relativo à análise e deliberação da desafetação de parcela de terreno do domínio público para o domínio privado do Município, sita nas Fontainhas, e respeitante ao Loteamento das Quintelas baixasse a uma comissão de estudo apoiada pela Câmara Municipal e constituída por todos os líderes parlamentares da Assembleia Municipal;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
29. Em 4 de março de 2004 é subscrito documento timbrado de "Câmara Municipal de (...)", do Diretor do Departamento de Ambiente e Planeamento ao Presidente da Câmara Municipal, ali constando, designadamente:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 22 de fevereiro de 2013 aos autos)
30. Em 4 de março de 2004, para o perito do Tribunal e do autor, com a reformulação do Loteamento das Quintelas, o prédio da autora sofre uma desvalorização correspondente a uma redução da área edificável de 50% para 33% do total das construções inicialmente previstas no Loteamento aprovado em 23 de fevereiro de 2001;
(Facto Instrumental Provado por Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
31. Em 28 de abril de 2004 é subscrito documento timbrado de "Câmara Municipal de (...)", denominado de "CERTIDÃO", ali constando, em especial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
32. A proposta que veio a ser elaborada pela comissão de estudo defendia que a desafectação da parcela de terreno do domínio público para o domínio privado do Município, sita nas Fontainhas, e respeitante ao Loteamento das Quintelas, fosse enviada novamente para negociação, tendo sido aprovada por unanimidade dos presentes reunidos na Assembleia Municipal de 29.04.2004;
(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
33. Em 22 de outubro de 2004 é subscrito documento timbrado de "Assembleia Municipal de (...)", denominado de "CERTIDÃO", ali constando, particularmente:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
34. Em 22 de outubro de 2004 é subscrito documento timbrado de "Assembleia Municipal de (...)", denominado de "CERTIDÃO", ali constando, particularmente:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado no Despacho Saneador de 13 de janeiro de 2012)
35. Em 2005 a Câmara Municipal alterou o projeto inicial do Plano de Pormenor das Quintelas, reduzindo o seu índice de utilização do solo de 1.33 m2 para 0.75 m2;
(Facto Instrumental Provado por prova testemunhal)
36. Em 22 de novembro de 2012 o Plano de Pormenor de Quintelas foi aprovado pela Assembleia Municipal de (...):
(Facto Instrumental Provado por Prova documental usada na Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
37. De acordo com o perito da autora, e em consonância com o Plano de Pormenor de Quintelas, aprovado em 2012, verifica-se uma diminuição da área de implantação atribuída à autora, face ao Loteamento anterior, em 18%, passando a ter 1.912 m2 de área bruta de construção, acima do solo, e de 632 m2, abaixo do solo;
(Facto Instrumental Provado por Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
38. De acordo com o perito do réu, o valor do terreno em 2014 seria de € 185.000,00;
(Facto Instrumental Provado por Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
39. De acordo com o perito do Tribunal, o valor do terreno em 2014 seria de € 192.800,00;
(Facto Instrumental Provado por Perícia junta aos autos em 2 de dezembro de 2014)
*
A apelação
O tribunal “a quo julgou a acção procedente, condenando o réu Município a:
1. Pagar à autora pela privação do uso do bem desde o ano de 1994, o valor global de € 75.900, acrescido de mais € 275 mensais enquanto durar a ocupação do mesmo;
2. Pagar à autora o valor de 179.567,24 pelo dano de perda de chance.
Vejamos os pontos sob censura seguindo a ordem das conclusões, que delimitam o objecto do recurso.
Conclusões I a VIII.
O recorrente censura a prolação da decisão sem contraditório quanto a factos instrumentais, em suposto incumprimento de pretérito aresto deste TCAN.
Consta ele dos autos, tendo nos seus pontos essenciais justificativos de anulação da decisão então sob recurso:
- a falta de oportunidade ao contraditório sobre os factos consignados como instrumentais;
- a falta de oportunidade para alegações orais.
Após baixa dos autos foi dado despacho de 8/2/2018, notificado às partes, determinando:
«(…)
O Tribunal convoca o prosseguimento da Audiência Final para as partes tomarem posição quanto aos factos instrumentais carreados pelo Tribunal para os autos e para serem produzidas Alegações Finais Orais no próximo dia 5 de abril de 2018, pelas 11h30 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
(…)».
Por subsequente despacho de 4/4/2018, notificado às partes, “Reagendam-se as alegações finais a tomada de posição quanto aos factos instrumentais para o mesmo dia às 15 h 30”.
Recorde-se que - não negando um uso oficioso de factos instrumentais, mas também impondo no caso a adequação formal desse uso pela pauta de direito positivado - o anterior aresto observou justificar-se «como previa o anterior art.º 650º, nº 2, f), da lei adjectiva, que o juiz providenciasse “até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória da causa, nos termos do disposto no artigo 264.º”, e observando-se o que dispunha os subsequentes nºs. 3 e 4.».
Os subsequentes n.ºs. 3 e 4 dispunham:
3 - Se for ampliada a base instrutória, nos termos da alínea f) do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, não sendo possível a indicação imediata, no prazo de 10 dias.
4 - A audiência é suspensa antes dos debates quando as provas a que se refere o número anterior não puderem ser logo requeridas e produzidas.
Não obstante não ter sido expressamente ampliada a base instrutória em lavrado despacho, é absolutamente inequívoco que os despachos que designaram audiência têm em pressuposto de confrontação os ditos factos instrumentais que constavam da decisão anteriormente anulada.
Tanto assim que não é da falta desse despacho ou percepção que o recorrente se queixa.
Na falta desse despacho expresso, e na definição com que foi designada “Audiência Final para as partes tomarem posição quanto aos factos instrumentais carreados pelo Tribunal para os autos”, teremos de encarar que, a coberto do caso julgado formal, ficou diferido para esse momento posição que às partes aprouvesse ter.
Essa a expectativa.
E os termos do recurso só o confirmam, quando o próprio recorrente assume a audiência aprazada como o oportuno momento.
A acta de audiência final de 7/04/2018 dá (apenas) conta de que as alegações orais foram produzidas.
Nada informa quanto a uma tomada de posição sobre os factos instrumentais.
O recorrente rejeita que fosse apropriado em sede de alegações finais tomar a sua posição; adequado seria antes sim tomar essa posição no âmbito da instrução, continuando com audiência, que entende não ter sido prosseguida; isto, quando em audiência de julgamento do dia 17/04/2013, já produzida toda a prova que até então havia de produzir, a Mmª Juiz ter determinado a realização de perícia; seria de continuar, e só depois alegações.
Não procede.
O acto processual teve em fito “as partes tomarem posição quanto aos factos instrumentais carreados pelo Tribunal para os autos e para serem produzidas Alegações Finais Orais”.
Um só acto de audiência, que não tinha de “segmentada” em duas; e não o tendo sido, não é por isso que verte o confinamento que o recorrente lhe quer dar de espartilho; o que importa é a oportunidade ao seu propósito.
E a decisão recorrida dá expressa nota de que “As partes, notificadas para alegar e tomar posição expressa sobre os factos instrumentais, e para alegaram, no respeito pelo ordenado pelo Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, fizeram-no, tendo o réu, em particular, pedido justiça.”.
O recorrente não ousa contrariar.
De qualquer forma, e bem até de antemão ciente o réu de que esse era o momento que se encontrava definido, irregularidade houvesse - como o recorrente situa, nos termos do art.º 195º do CPC - haveria ela de ser arguida contemporaneamente (art.º 199º, n.º 1, do CPC); como se escreve em Ac. deste TCAN, de 05-02-2016, proc. n.º 00845/05.5BEVIS, «“é o próprio dever de lealdade processual de todos os intervenientes no processo que impõe que a imperfeição seja suscitada por forma a causar o menor dano na tramitação processual e não como último argumento que se mantem resguardado para se utilizar como último recurso caso o resultado final não agrade.” – Ac. do STJ, de 02-04-2008, proc. nº 08P578».
Conclusões IX a XIII.
Na decisão recorrida motiva-se que “O Tribunal, no uso dos seus poderes previstos no n.º 2 do artigo 5.º do NCPC, em resultado da instrução da causa, carreou para o presente processo os factos instrumentais n.º 3., 4.[para prova dos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º], 6., 7., 8.[para prova dos quesitos 16º., 26.º], 9., 10.[para prova dos quesitos 23.º], 21., 30. [para prova dos quesitos n.º 27.º, 29.º], 35., 36. [para prova dos quesitos n.º 28.º e 30.º], 37., 38. e 39.[para prova dos quesitos n.º 24.º, 26.º], importantes para a prova dos factos essenciais alegados, constituindo factos indiciários dos factos essenciais aos quais o Tribunal pretende chegar por presunções judiciais, servindo para provar os quesitos referidos da Base Instrutória.”.
No que o recurso aponta de censura, apenas que o recorrente não consegue “apreender a exata relação causal”, e que da base instrutória “apenas resultarão como provados os seguintes quesitos: (“1°, 2°, 3°,, 4°, 16°, 23°, 24°, 26°, 27°, 29° e 30°”)”, pois “quanto aos demais não há qualquer referência probatória ou não probatória”.
Ora, não conseguir o recorrente “apreender a exata relação causal” nada oferece de argumento que identifique um erro de julgamento.
E quanto à prova dos factos, também não tem razão.
A motivação não se bastou com o já avançado apontamento.
Alicerçou também que:
«(…)
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como assentou em toda a prova testemunhal produzida referente à responsabilidade civil pré-contratual, já que a extracontratual por ato ilícito prescreveu.
Portanto, o Tribunal valorizou em especial o depoimento da testemunha N.C.F., vereador com o pelouro das obras particulares em 1999 e 2000, afirmando que em 2000 estava totalmente definido como se iria proceder à divisão dos lotes, porque se reconheceu que o Município invadiu parte dos terrenos da autora. Esta testemunha afirmou de modo convicto e seguro que havia um acordo "fechado" verbal do Presidente em que seria resolvido o problema originado pela abertura da rua (...) que passou pelos terrenos da autora. Esclareceu, também, que sempre houve vontade da vereação em ressarcir a autora dos seus danos, só tendo ficado apenas por formalizar o acordo e, nesta sequência recorda-se ter estado em 2 reuniões onde foi acordado que se iriam licenciar 4 lotes com índice construtivo para 5 pisos.
Também afirmou esta testemunha que houve um almoço, entre finais de 1999 e início de 2000, entre a autora, através de Luís Chaves, e os representantes da B. que queriam comprar os lotes resultantes do acordo com o Município, lembrando-se ter estado presente ainda o arquiteto M. para explicar os termos do acordo, sendo que, nesse almoço, afirmou ter ouvido falar no valor de 120.000 contos como possível valor da aquisição.
O Tribunal ainda valorizou o depoimento da testemunha D.C.M. que afirmou que, juntamente com o seu sócio B., tentou comprar um terreno com lotes aos donos da A., SA, terreno esse que ficava atrás do campo de futebol de treinos, para posterior construção de prédios para venda. Ofereceu 120.000 contos, correspondendo esse valor ao n.º de apartamentos que iria poder ali construir.
O Tribunal valorizou, também, o depoimento do arquiteto J.M. M., Diretor do Departamento de Planeamento e Ordenamento da Câmara Municipal de (...). Esta testemunha apresentou-se tranquila, serena e convicta, afirmando que foi aberta uma rua no ano de 1994 da A. SA, pelo que em 1996 iniciou-se o estudo de uma solução para regularizar e compensar a autora, iniciando-se a preparação da elaboração de um Plano de Pormenor. Recordou-se que o terreno da autora por si só não tinha capacidade construtiva imediata, carecendo de um emparcelamento para posterior loteamento, já que era composto por vários prédios.
Afirmou que em 2001 pelo estudo do loteamento a autora não receberia 4 lotes, nem havia tipologias definidas e seria necessário construir pelo menos 2 vias viárias em matéria de infraestruturas necessárias.
Esta testemunha confirma terem existido várias reuniões no Município onde esteve presente com a autora, mas em nenhuma delas ocorreu qualquer divisão de lotes. Todavia, recorda-se de depois de 1999 o Presidente da Câmara Municipal de (...) ter apresentado proposta concreta de afetação de uma % de lotes aos autores, levando essa proposta à sessão de Câmara, tendo ela sido aprovada.
Finalmente a testemunha, depois de lhe ser exibido o doc. constante a fls 43 e segs do PA, afirmou que foram atribuídas à autora 10 frações x 4 lotes, num total de 40 frações e 8 lojas, mas afirma que dali não resulta que seriam da tipologia T3, T2 ou T1 e que nas informações prestadas à autora sempre lhe foi sendo dito que a operação careceria de desafetação de terrenos da autarquia do seu domínio público para privado por outro órgão que era a Assembleia Municipal.
Confirmou, ainda, que em 2005 o Município alterou o Plano de Pormenor das Quintelas inicialmente pensado, reduzindo-lhe os índices de utilização do Plano, designadamente reduzindo de 1.33 m2 para 0,75 m2 o índice de utilização.
Por fim, o Tribunal ainda valorizou o depoimento prestado pela testemunha J.M.A, engenheiro civil na Câmara Municipal de (...), que declarou que o loteamento das Quintelas não chegou ao fim, sendo certo reconhecer que a autora deixou de dispor da parcela de terreno de que era proprietária.
(…)».
Certo que só por este segmento narrativo não fica explícito, em grau de pormenor, correspondência de meio de prova que serve a cada facto, que normalmente favorece cumprimento de um dever de fundamentação e controle do juízo avaliativo.
Mas não é por alicerce dessa ausência que logo resulta apartado todo o restante discurso fundamentador, que existe, além do que não poderemos também esquecer o que na fixação do elenco factual vem de intercalada referência a suporte de prova, não autorizando que sem mais se conclua que apenas poderão ser julgados como factos provados os que até possam ter mais perfeita motivação.
Conclusões XIV a XXV.
No quesito 32 da base instrutória questionava-se: «A optimização da capacidade construtiva para o seu prédio, passará agora pela aprovação desse mesmo plano e em sede da sua execução?» - cfr. Acta de 13/01/2012.
[Plano a que se referia o quesito 30º, com o seguinte teor: «Entendeu a Câmara Municipal (igualmente por razoes de planeamento) desencadear a elaboração dum novo plano de pormenor designado por «Plano das Quintelas» que, já aprovado pelo executivo camarário como projecto de plano, se encontra em fase final de tramitação, de forma a ser presente a Assembleia Municipal para aprovação»?]
Em audiência de julgamento do dia 17/04/2013, já produzida toda a prova que até então havia de produzir,…
«a) tendo em conta o terreno propriedade dos Autores conforme existia no ano de 1987, já com a rua construída pelo Município de (...) (juntando o tribunal cópias das certidões matriciais constantes no Processo Administrativo a fis., 130 e ss., assim como juntando a escritura lavrada na Conservatória do Registo Predial de (...) que tinha a propriedade do terreno em causa constante a fls. 145 e ss do Processo Administrativo;
b) Tendo em conta ainda a envolvente externa ao mesmo e ainda o PDM, válido e eficaz de (...) no ano de 1997;
c) Bem como considerando o contexto externo do setor imobiliário de então para cá e ainda as alterações ocorridas nos instrumentos de planeamento urbanístico, por força do exercício das competências do Município de (...);
d) e finalmente, atendendo ao denominado "Projeto de loteamento urbano de A., S.A., Rua (...), S João da Madeira" de novembro de 1997 e bem assim considerando o projeto de loteamento “Rua (...) (...), Quintelas”, datado de 23 de maio de 2000 e o “Projeto de loteamento Rua (...), (...), Quintelas” datado de 11 de fevereiro de 2001 constante de folhas 44 e 46 do processo administrativo, e de folhas 65 a 68 do processo administrativo, assim como atendendo à deliberação de Câmara de 26 de fevereiro de 2001 constante de folhas 35 e 43 do processo administrativo»…
… a Mmª Juiz, “Considerando a tecnicidade da matéria de facto que importa fazer prova apara a boa decisão da causa, atendendo ainda ao pedido e à causa de pedir dos presentes autos” determinou a realização de perícia “para melhor ajuizar a necessária prova quesitada nos artigos 24º, 26º e 32º” – cfr. Acta de 17/04/2013.
[No quesito 24º questionava-se (antecedendo em 23º «Com a descrita actuação da Câmara, abrindo uma rua sobre o prédio da Autora, esta ficou impedida de fruir o seu terreno?»): «O qual foi desvalorizado em resultado da amputação de áreas, ficando provado de qualquer capacidade construtiva própria?; : No quesito 26º (antecedendo, para além do já referido quesito 25º, o quesito 26º, em que se questionava: «Além disso, a Autora perdeu oportunidades de negócios que não se repetirão, especialmente nesta conjuntura económica para o ramo imobiliário?»): «Assim, o prejuízo da Autora, pode computar-se no valor global de € 570.000,00 (quinhentos e setenta mil euros), correspondente à soma das seguintes fracções: . 300.000,00 com a desvalorização do prédio; . 200.000,00, com a perda de oportunidades de negócio; . 5.000 por ano, a título de compensação pela ocupação indevida do terreno da Autora, desde 1994 até à data (ascendendo actualmente a € 70.000,00), acrescida de 5.000,00 por cada ano que decorrer até à desocupação e restituição efectivas do mesmo»?]
No mesmo despacho definindo “resposta às seguintes questões:
1 -O valor de 120 mil contos (E 598 557,47) era aceitável para o terreno identificado na alínea a), acima referida, se vendido para fins imobiliários em final do ano de 1999? Fundamente.
2 – O mesmo terreno hoje poderia, a ser vendido para os mesmos fins, ter sofrido desvalorização? Fundamente.
3 – E poderia, hoje, sofrer valorização? Fundamente.
4 – Qual o ano, a ter havido desvalorização, poder ter ocorrido uma maior perda financeira? Fundamente.
5 - Com os actuais instrumentos de planeamento urbanístico do Município de (...) e considerando as infra-estruturas existentes hoje em dia circundantes ao sobredito terreno pode ele hoje ser uma mais valia patrimonial? Fundamente.”
Subsequentemente, dada oportunidade, a autora veio propor, entre o mais, “a formulação dos quesitos técnicos deverá ser a seguinte” – cfr. req. de fls 427 proc. fís.:
«C- QUANTO AO QUESITO 32º
1- À face dos instrumentos de planeamento urbanísticos válidos e eficazes, designadamente o Plano de Pormenor das Quintelas, aprovado e publicado após a propositura da acção e já em fase de julgamento, qual o direito concreto de construção do prédio dos autores? Fundamente e quantifique.
2- À luz do RJGT as restrições determinadas pela execução dos planos são indemnizáveis? Fundamente.
Por despacho de 11/06/2013 foi decidido:
«Quanto ao quesito 32º
1 – Indeferido. Trata-se de matéria de direito, subsumida nos respectivos instrumentos de gestão e planeamento urbanístico em vigor, não passível de prova pericial.
2 – Indeferido. Trata-se de questão de direito, não passível de prova pericial.»
O Tribunal não incorre em nulidade por omissão de pronúncia por não responder às questões de facto da perícia.
Ao contrário do que parece supor a argumentação do recorrente, por este despacho não foi extirpada a apreciação de resposta ao quesito 32º; na metodologia seguida, os factos constantes da base instrutória (que não o antigo questionário) não se confundem com os quesitos ou questões de facto a apresentar aos peritos no âmbito do exame pericial; aos quesitos constantes da base instrutória responde o Tribunal, por via do julgamento da matéria de facto; às questões de facto a apresentar aos Peritos, respondem estes; ficaram a subsistir as questões de facto já antes oficiosamente enunciadas; o que foi indeferido foram as questões propostas pelo recorrente em serventia ao quesito.
O que poderia ser de apelação autónoma transitou.
Não sendo em causa por aqui assente que advirá censura de uma omissão de pronúncia quanto ao que ficou ou não ficou provado.
Devendo ainda assinalar-se, aqui, e também ao que infra se aborda, que “o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão” (Alberto dos Reis, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58); também que os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos, com função instrumental em relação à matéria do litígio; assim como que "A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não julgou uma questão que devia apreciar; não basta que não tenha considerado um argumento ou um elemento (nomeadamente probatório) que o recorrente entenda ser relevante." (cfr. Ac. do STJ, de 09-04-2019, proc. nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1).
E na intrínseca valia do assim ficou, ou não, provado regista-se, como assinala a recorrida, larga demissão de cumprimento dos ónus processuais consignados no art. 640º do CPC.
De todo o modo, a matéria fixada é a suficiente.
Atendendo à delimitação de conhecimento que o processo já sofreu.
E vendo até que no que particulariza um dos feixes de causa/pretensão - no tocante à desvalorização do prédio -, sequer para a recorrente determinou qualquer decaimento (julgou o tribunal “a quo” que o “dano de desvalorização do prédio alegado nenhuma relação tem com o interesse contratual positivo”, abstraindo a solução alcançada dessa controvérsia, que, como ao adiante resultará, também não tem de ser retomada), vedando que impugne o que lhe respeita.
Vejamos.
Conclusões XXVI e ss..
A acção foi julgada procedente [parcialmente procedente, afirmamos nós; reflectido até no estatuído quanto a custas], “condenando-se o réu, Município a:
1. Pagar à autora pela privação do uso do bem desde o ano de 1994, o valor global de € 75.900, acrescido de mais € 275 mensais enquanto durar a ocupação do mesmo;
2. Pagar à autora o valor de € 179.567,24 pelo dano de perda de chance.”.
Resulta do decidido por este TCAN, em 27/05/2011, que é em sede de responsabilidade pré-contratual que há-de ser dada resposta às pretensões trazidas a juízo.
Recordam-se os extractos para agora mais impressivos:
«(…)
II. A autora da acção comum formulou ao TAF três pedidos:
A) Que condene o réu a desocupar o seu prédio rústico, e a restituir-lho no estado em que estava antes de ter sido ocupado pela rua nele construída;
B) Que condene o réu a pagar-lhe uma sanção compulsória de 5.000,00€ por cada mês ou fracção mensal de atraso no cumprimento da ordem de restituição;
C) Que condene o réu a indemnizá-la pela desvalorização do prédio, e perda da oportunidade de negociar o mesmo, em quantia que cifra em 570.000,00€, quantia esta acrescida de 5.000,00€ por cada ano ou fracção anual da sua ocupação desde 1994 até efectiva e definitiva desocupação.
(…)
O TAF, no saneador, declarou-se materialmente incompetente para apreciar os pedidos deduzidos sob as alíneas A) e B), e quanto a eles absolveu o réu da instância. Relativamente ao pedido C), julgou procedente a prescrição do direito de indemnização que foi deduzido pela autora, e absolveu o réu do pedido.
A autora, agora como recorrente, apenas vem discordar desta última decisão, sobre a questão da prescrição do seu direito a obter uma indemnização do réu, pelo que as demais decisões transitaram em julgado.
(…)
III. A sentença recorrida entendeu que a autora, para além de reivindicar o terreno que considera indevidamente ocupado pelo réu, formula contra ele pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil extracontratual [483º do CC] cujo prazo prescricional é de três anos [498º do CC] e é aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos aqui em causa [5º nº1 do DL 48051 de 21.11.1967]. E entendeu, ainda, que consubstanciando-se a conduta ilícita e culposa na ocupação do terreno, ocorrida em 1994, deverá ser contado a partir dessa data, e mesmo sem o conhecimento da extensão integral dos danos, o prazo de prescrição do direito de indemnização que reclama. Assim, à data da citação do réu, em 29.07.2008, há muito estaria prescrito o direito de indemnização por ela exercido [323º nº1 do CC].
Esta, enquanto recorrente, qualifica este julgamento de errado, por entender que o tribunal a quo restringiu o âmbito da sua causa de pedir, reduzindo-a ao instituto da responsabilidade civil extracontratual [483º do CC], sendo certo que imputou ao réu, também, responsabilidade pré-contratual [227º CC], o que, em seu entender, fará toda a diferença na apreciação da prescrição do seu direito a ser indemnizada. E além disso, acrescenta, mesmo a responsabilização extracontratual do réu, tout court, não poderá estar prescrita, porquanto nos encontramos no âmbito de uma violação duradoura, ou continuada, do seu direito de propriedade.
E cremos que a recorrente tem substancialmente razão.
Efectivamente, a causa de pedir desta acção é complexa. Será redutor ver nela, apenas, a ocupação indevida, ilícita e culposa, do terreno da autora pelo município réu, que em parte dele, sem prévia autorização, ou aquisição consensual ou forçada, construiu uma rua. Essa conduta alegadamente ilícita e culposa, ocorrida em finais do ano de 1994, em vez de ter espoletado a reacção reivindicativa e indemnizatória da autora, acabou por ser por ela ultrapassada face à possibilidade de negociação que o município réu lhe abriu: a permuta do seu terreno, ocupado pela rua, por 4 lotes em loteamento que se adivinhava emergente de plano de pormenor em gestação para essa zona.
A partir da aceitação do estudo e concretização desta permuta, aceitação essa que resulta bem patente da actuação da autora, tem início um procedimento administrativo complexo visando a realização legal e legítima desse prometido contrato de permuta do terreno por lotes. Procedimento que se vem arrastando, segundo a autora, pelo menos desde 1996.

Faz sentido, assim, que a autora invoque como causa de pedir, além de factualidade atinente à responsabilidade civil extracontratual do réu, factualidade atinente à sua responsabilidade pré-contratual, pois que, alegadamente, tem vindo a protelar, de forma injustificada, a celebração da escritura de permuta, o que lhe gera prejuízos.
Na verdade, este último instituto jurídico visa precisamente as situações de negociações abertas, e, nelas, visa proteger a confiança depositada por cada uma das partes na boa fé da outra, e bem assim as recíprocas expectativas que se vão criando durante as negociações, quanto à sua criteriosa condução, à futura celebração do negócio ou à sua validade e eficácia. E, como salienta avisada doutrina, um dos grupos básicos de factualidade constitutiva de responsabilidade pré-contratual é, precisamente, a ausência de conclusão de um contrato cujas negociações se iniciaram, mormente por ruptura destas [ver Mário Júlio de Almeida Costa, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 116, nº3708 [páginas 81 a 90], nº 3709 [páginas 101 a 105], nº3710 [páginas 146 a 152], nº3711 [páginas 172 a 179], nº3712 [páginas 204 a 210], nº3713 [páginas 251 a 256] e nº3714 [páginas 276 a 278], e, sempre, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, Almedina, 5ª edição, páginas 258 a 262].
Será errado, portanto, reduzir a causa de pedir à ocupação do terreno, situada em 1994, e a partir daí contar o prazo de prescrição, de três anos, pois isso é esquecer a possibilidade de negociação que foi aberta pelo município réu, visando colmatar, ao que tudo indica, uma ocupação indevida, e que se transformou num iter negotii cheio de escolhos, de grande complexidade e duração.
Tendo sido invocada responsabilidade pré-contratual, e sendo o respectivo prazo de prescrição igualmente de três anos [227º nº2 do CC], temos por certo que apenas se teria verificado a prescrição do direito da autora se esse prazo estivesse concluído à data da citação do réu. E a verdade é que para a sua contagem não dispomos do necessário termo a quo, porque nem o contrato foi celebrado, nem a desistência do mesmo assumida, nem se verificou qualquer ruptura expressa das respectivas negociações. Parece, digamos, que a autora se cansou de tanto esperar, e que, sobretudo a partir da deliberação da Assembleia Municipal de 29.04.2004, e posterior perda de interesse da promotora imobiliária, foi cristalizando a ideia de que as negociações iniciadas não levariam a lado nenhum, e mais valia agir judicialmente.
A verdade é que era ao município réu que incumbiria alegar e provar [342º nº2 CC] esse termo a quo de contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização enquanto emergente de responsabilidade pré-contratual. E não o fez, porque nem sequer consta da matéria de facto pacificamente dada como provada na sentença recorrida.
Saber se todos, ou alguns, dos prejuízos invocados pela autora, são ressarcíveis ao abrigo da responsabilização pré-contratual do réu, integra já o mérito da acção, que não o da prescrição aqui em causa, e deverá ser apreciado apenas na decisão final. Não deixaremos de salientar, porém, mesmo nesta sede vestibular, que se é verdade que durante uma fase negociatória não surgirá, em princípio, a absoluta obrigação de celebração do contrato, por haver sempre a possibilidade de ruptura das negociações, certo é também que tal ruptura poderá actualizar, no presente caso, e agora ao abrigo de uma nova fonte de responsabilidade, um conjunto de danos que emergiam da ocupação do terreno.
Resta dizer que, se exclusivamente baseada em responsabilidade civil extracontratual do réu,
tout court [2º nº1 e 5º nº1 do DL nº48051 de 21.11.67], certamente que o direito da autora estaria prescrito. E neste sentido assiste razão à sentença recorrida, porque, embora a ocupação seja facto que se prolonga no tempo, e portanto um facto duradouro, não deixa de se concretizar numa actuação localizada no espaço e tempo a partir da qual, se conhecida pelo interessado, deverá ser contado o prazo de prescrição [ver, entre vários outros, AC do STA de 24.04.2002, Rº47368; e AC do STA de 03.02.2004, Rº2032/03]. De resto, como se diz na sentença recorrida, os prazos de prescrição são ditados por razões objectivas de segurança jurídica, sem atenção à negligência ou inércia do titular do direito. Contar o prazo só a partir da cessação do facto gerador do dano seria permitir, muitas vezes, que se definisse o direito muito tarde, quando a lei quis torná-lo certo em curto prazo, tanto que dispensou até o conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Todavia, como a responsabilização do município réu, na versão da autora, também se baseará em responsabilidade pré-contratual, é certo, assim o cremos, que em face dos dados factuais disponíveis o seu direito a ser indemnizada não se mostra prescrito.
(…)».
Não se pode perder de vista o assim decidido.
«Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.» - Teixeira de Sousa, “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, págs. 401/2).
Naturalmente que a autoridade de julgado do citado aresto de 27/05/2011 agora se impõe e condiciona, determinando que, ainda que perante causa de pedir suscetível de preencher quadros normativos distintos, agora nos confinemos ao julgamento do litígio sob prisma de uma responsabilidade pré-contratual.
Vejamos o que foi fundamentação do tribunal “a quo” na decisão agora recorrida, que depois de num primeiro momento enquadrar estar-se perante um caso de responsabilidade pré-contratual, ponderou que:
«(…)
o primeiro dano indemnizável correspondente ao interesse contratual negativo ou interesse de confiança, corresponde à manutenção da ocupação ilegítima pelo Município, sem oposição e sem exigência de qualquer contraprestação, porque foi confiando desde 1994 na conclusão do acordo com o Município que permitira que fosse ressarcida dessa lesão.
Assim, esse dano, correspondente ao interesse contratual negativo ou interesse de confiança, é ressarcível pela via da indemnização pela privação da coisa.
(…)
Assim, os danos resultantes da invasão pelo Município de 403 m2 de terreno da autora sem a sua oposição correspondem aos danos resultantes do interesse contratual negativo, ou seja, só aconteceram porque a autora confiou na conclusão do acordo, razão pela qual foi permitindo ao Município ocupar parte do seu terreno, sem a sua oposição, nos termos previstos pelo artigo 564.º do CC.
Verificando-se uma lacuna de natureza patrimonial, correspondente à fatia de poderes de que o proprietário ficou privado, é com naturalidade que deve ser encarada a atribuição de uma compensação monetária, face à constatação de que o simples reconhecimento da ilegitimidade da privação e a condenação na restituição do bem são insuficientes para repor a situação do lesado no estado em que se encontraria caso não tivesse existido tal privação.
Dito de outro modo, se a privação do uso do bem origina a perda das utilidades que o mesmo era suscetível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, conclusão a que já chegamos por se tratar de uma usurpação de um terreno que, entretanto, foi afeto ao interesse público, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
Sobre o dano de privação de uso podemos distinguir três teses: i) para uns, o dano da mera privação do uso não é indemnizável; para que a privação seja ressarcível, terá de fazer-se prova do dano concreto e efetivo, isto é, da existência de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem [Acórdãos do STJ de 05.07.2007 (07B2138), de 05.07.2007 (07B2111)]; ii) para outros, a simples privação do uso, só por si, constitui um dano indemnizável, mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou destino que seria dado ao bem [Acórdãos do STJ de 29.11.2005, de 28.09.2006, de 05.07.2007 (07B1849), de 04.10.2007 (07B3012]; iv) Por fim, se, por um lado, afirma que não basta a simples privação do uso do bem, também não exige a prova de danos concretos e efetivos; será essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização [Acórdãos do STJ de 09.12.2008, de 05.02.2009, de 26.05.2009 e de 02.06.2009 (estes três últimos referentes a imóveis)].
O Tribunal entende que, de acordo com o artigo 1305.º, do C.C., que reconhece ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respetivo já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade.
Como já explicitamos, em virtude da afetação da obra ao interesse da coletividade, não se se coloca a possibilidade de restituição do terreno ao seu originário proprietário, e não se podendo averiguar o valor exato dos danos, porque não pode deixar de se satisfazer o direito do lesado à indemnização, o tribunal julgará equitativamente, nos termos do nº. 3 do artigo 566.º, igualmente do C.C..
Deste modo, se a lesada não provar os factos essenciais conducentes à averiguação do valor exato dos danos, sujeita-se a receber uma indemnização cujo valor não corresponda ao real valor dos danos que sofreu.
Dito isto, e estando provado apenas que o valor do prédio da autora, à época de 1994, era de € 430.000,00, com 2.349 m2 (Facto Provado 3.), e que depois da "invasão" ilícita do réu Município a autora ficou com dois prédios divididos pela Rua (...), com 1732 m2 e 214 m2 (Facto Provado 4.), ficando sem 403 m2 (Factos Provados 2. e 4.).
Assim,
desde 1994 até à data passaram 23 anos de ocupação ilícita, fixando o Tribunal, por recurso à equidade, fixa o valor mensal de € 275 pela privação do uso do bem, no valor de € 3.300 anuais, num total de € 75.900, nos termos consagrados pelos artigos 566.º/3 e 567.º/1 do CC.
Sublinha o Tribunal o facto de o arbitramento desta indemnização não transmitir a propriedade dos 403 m2 da autora para o réu Município, pelo que ainda pode recorrer o réu ao instituto da expropriação ou da aquisição privada.
(…)».
Assinala o recorrente não existir dever de indemnizar por não existirem danos para o lesado.
O tribunal “a quo” alinhou com o que podemos designar de tese mais ampla.
Não é o nosso entendimento.
No dano de privação do uso sempre temos tido “perspectiva que, p. ex., tem expressão no Ac. deste TCAN, de 22-09-2017, proc. n.º 00106/15.1BEVIS, onde se observa que «O direito não tutela propriamente bens, mas interesses (hominis causa omne ius constitutum est, segundo Modestino) e o interesse, grosso modo, é a reacção ou posição da pessoa perante o bem, o dano - “a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa material ou incorpórea” (Antunes Varela, "Das Obrigações", 5.ª edição, 1.º, 558) - não é a afectação material pura e simplesmente, mas aquela que priva o homem de uma utilidade.» (cfr. Ac. deste TCAN, de 15-02-2019, proc. n.º 02485/08.8BEPRT).
Como se escreve em Ac. do STJ, de 24-10-2019, proc. n.º 246/15.7T8PVZ.P1.S1, «o lesado terá direito a indemnização desde que alegue e que prove que “a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização” [26]. O dano, “traduzido na privação do uso de um bem, [estará demonstrado desde que] o lesado concretize e fundamente, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade de utilização».
Assim, logo por aqui, o decidido a este nível não poderá manter-se, sendo de revogar a condenação do réu a “Pagar à autora pela privação do uso do bem desde o ano de 1994, o valor global de € 75.900, acrescido de mais € 275 mensais enquanto durar a ocupação do mesmo”.
Para além de tal condenação, o tribunal “a quo” condenou também o réu a “Pagar à autora o valor de 179.567,24 pelo dano de perda de chance”, depois de ver no caso uma promessa inválida (em que “a desvinculação da promessa, por parte do réu Município é lícita, por inexistência de vinculatividade, uma vez que feita por titular de órgão apenas parcialmente competente”), mas ainda assim propícia a uma tutela de confiança que poderia alicerçar responsabilidade, fundamentando nos seguintes termos:
«(...)
O não cumprimento de uma promessa inválida avaliar-se-á de acordo com a violação do princípio da confiança.
Portanto, pode, também, ser objeto de indemnização, por culpa in contrahendo, os danos integrantes do interesse contratual positivo, quando no âmbito das negociações contratuais as partes tenham chegado a acordo, apenas faltando a formalização do contrato.
Foi o que aqui sucedeu.
Na realidade, desde que o réu remeteu à autora, por escrito, para sua apreciação, o projeto de loteamento [Loteamento das Quintelas], que integrava os seus terrenos, os do próprio réu e o dos herdeiros de M.F, em setembro de 2000 (Facto Provado 15.), e depois de ter aprovado, em sessão de Câmara de 26 de fevereiro de 2001, esse mesmo Loteamento, atribuindo à autora 4 lotes (Facto Provado 18.) foi tal proposta aceite por A. , SA (Facto Provado 16.).
Neste caso, é de entender que existe um verdadeiro dever de conclusão, cuja violação implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve – lucro cessante.
E que danos foram legados pela autora?
Alega ter tido um prejuízo de € 300.000 com a desvalorização do prédio e € 200.000 com a perda de oportunidade de negócio.
O dano de desvalorização do prédio alegado nenhuma relação tem com o interesse contratual positivo, ou seja, a desvalorização do prédio nenhuma relação tem com a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, com o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não teve lugar.
O dano de desvalorização do prédio está intimamente relacionado com a prática de um ato ilícito e com o direito a uma indemnização pela prática desse ato ilícito.
Todavia, o Tribunal já decidiu que os factos alegados relacionados com os pedidos indemnizatórios por responsabilidade civil extracontratual se encontram prescritos, razão pela qual o Tribunal não apreciará este pedido.
DANO COM A PERDA DE OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO
Alega, ainda, a autora ter tido um prejuízo quantificado em € 200.000 com a perda de oportunidade de negócio, uma vez que em 1999 recebeu uma proposta da sociedade B. para aquisição dos lotes que foram atribuídos à autora no âmbito do acordo firmado para compensar a ocupação ilícita do Município de 403 m2 do seu terreno, no valor de € 598.557,47 [cento e vinte mil contos].
Neste caso, já estamos no domínio do dever de indemnizar pelo interesse contratual positivo que na presente sentença já explicitamos suficientemente.
É que a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato, traduziu-se num prejuízo, o de ter perdido a chance de celebrar contrato de compra e venda com a B..
Em primeiro lugar, será necessário atestar a existência de chances e o prejuízo é o que resulta da impossibilidade de elas [chances] voltarem a existir, ou seja, o comportamento desvalioso por parte do lesante terá que ter resultado na perda irreversível dessas chances que a autora detinha.
De seguida, será necessário averiguar se as possibilidades perdidas gozavam de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido para que a sua perda possa ser considerada relevante a nível ressarcitório. Esta seriedade reflete-se numa característica decisiva do dano de perda de chance: a sua certeza. É necessário que tenha existido uma possibilidade concreta de se obter uma vantagem, tratando-se de um dano intermédio correspondentes às chances perdidas e não ao dano final.
O dano de perda de chance distingue-se do dano final que é um dano incerto, já que ninguém está em condições de assegurar se a autora o teria sofrido. Porém, para que se possa reconhecer a autonomia do dano de perda de chance é necessário que se possam afirmar as chances como uma entidade economicamente avaliável, enquanto perda patrimonial.
É certo que um dos maiores obstáculos à aplicação da teoria do dano de perda de chance tem a ver com as dificuldades de avaliar o valor económico das chances perdidas, pois só desse modo se pode proceder à sua indemnização.
Por isso se pode concluir que o dano da perda de chance que se indemniza não é o dano final, mas o dano constituído pela perda de oportunidade, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.
Em suma, há que proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance.
Portanto, indo ao caso concreto, dir-se-ia que importará avaliar a probabilidade da repercussão negativa da conduta do réu, Município, ao não cumprir a promessa feita à autora, violando o princípio da confiança nela gerada, por um lado, e, por outro, também haverá que apreciar a existência de uma possibilidade relevante e substancial de A. , SA ter obtido um benefício concreto, não fosse a conduta do réu.
No caso concreto, já vimos que em 1999 o Presidente do Município fez um acordo verbal com a autora que passava pela permuta de terrenos e aprovação de um loteamento – Loteamento das Quintelas – atribuindo, por deliberação de Câmara em 26 de fevereiro de 2001, a A. , SA 4 lotes (Factos Provados 9., 10., 11., 12.,15., 16. e 18.) correspondendo a 4.512 m2 de área de construção acima do solo e 1.632 m2 abaixo do solo (Factos Provados 19. e 21.) e que nada se concretizou. Também vimos que não se concretizou porque tal acordo carecia de uma prévia desafetação dos terrenos do município do seu domínio público para o privado e isso não aconteceu (Factos Provados 29. e 32).
Está provado que 14 de dezembro de 1999 a sociedade B., Lda fez uma proposta de aquisição do terreno (lotes) que ficaria para a autora após a permuta de terrenos acordada com o Município, oferecendo € 598.557,47 mal esse negócio ficasse formalizado (Facto Provado 13.).
Durval Ferreira [in Dano de Perda de Chance. Responsabilidade Civil, Vida Económica, 2016, pp. 179 e segs], defende que será razoável e equitativo estabelecer a obrigação de indemnizar se se puder assumiu uma conexão entre o dano e a verificação concreta da repercussão negativa na esfera jurídica do lesado, pelo comportamento do lesante, num grau de probabilidade situado no patamar máximo entre os 80% e os 85% e um patamar mínimo situado entre os 15% e os 20%.
Ora, a carta enviada à autora pelo potencial comprador não é um contrato-promessa, é uma mera intenção de aquisição, ainda sem conhecer as precisas condições do Loteamento. A carta de intenção de aquisição é de 14 de dezembro de 1999, ou seja, foi feita com um mero acordo verbal do Presidente do Município à autora da solução que iria permitir ressarci-la da ocupação ilegítima pelo Município de parte do seu terreno (Factos Provados 9., 10. 11. e 13), já que os termos concretos da aprovação do Loteamento apenas ocorreu em 26 de fevereiro de 2001 (Facto Provado 19.).
Tal significa que a mera intenção aquisitiva manifestada em dezembro de 1999 não colocava o potencial comprador na posição de ter de respeitar a oferta feita por si, ou seja, após o conhecimento concreto dos termos do Loteamento, em 2001, não sabe o Tribunal se a sua proposta se manteria nos mesmos termos. Sublinhamos que a B. estaria disposta a celebrar contrato-promessa "… logo que seja formalizada a V/ permuta com a Câmara Municipal…", isto é apenas quando tudo fosse formalizado (Facto Provado 13.).
Tal significa que, analisando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de junho de 2015 [neste Aresto refere-se que não sendo possível, por existência de dúvidas, assumir um grau concreto de probabilidade da lesão motivada pelo ato ilícito, a perda de chance deve fixar-se em 50%], e, analisando em concreto a situação dos autos, o Município ao não cumprir a promessa causou impacto negativo na esfera jurídica da lesada. Com que impacto? O que a autora tinha era apenas uma carta de intenção de aquisição por parte da B., na condição do negócio com o Município se formalizar (Facto Provado 13.), designadamente a permuta de terrenos, pelo que o grau de probabilidade desse comportamento ter sido o motivador da sua lesão, dir-se-á que não pode ser superior a 30%, na medida em que a manutenção da proposta de compra pela B. dependeria do desenrolar do processo negocial com o réu que impunha aprovações em dois órgãos: Câmara Municipal e Assembleia Municipal.
Ora, o valor final da repercussão negativa – ou seja o dano final – do comportamento do Município seria de € 598.557,47 [correspondente à proposta recebida para vender o terreno nas condições negociadas e prometidas pelo réu], dado que foi o valor que supostamente a autora deixou de receber por não ter sido cumprida a promessa administrativa, mas, sendo o grau de causalidade probabilística encontrado de 30%, então o dano de perda de chance corresponderá ao valor de € 179.567,24.
(…)».
Na decisão recorrida assume-se um “dever de indemnizar pelo interesse contratual positivo”; por outras palavras, que deverá levar em conta a situação em que o credor prejudicado estaria caso o contrato tivesse sido cumprido, com os proveitos que a parte lesada conseguiria se o negócio aprazado tivesse chegado a bom porto.
Possamos ter as maiores reservas quanto a, no caso, poder caber um “dever de indemnizar pelo interesse contratual positivo”, mas também elas residindo em zona de intersecção de razões de motivação intimamente conexas à vinculação de enquadramento jurídico (responsabilidade pré-contratual) no modo como já antes foi analisada e definida, afigura-se-nos de frágil passo que essas reservas agora se possam opor.
Todavia, e mesmo assim.
Importa observar que “Vem sendo reiteradamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que a classificação “danos emergentes” versus “lucros cessantes” não se confunde com a classificação “danos por interesse contratual positivo” versus “danos por interesse contratual negativo”, uma vez que tanto a indemnização por interesse contratual positivo como a indemnização por interesse contratual negativo podem incluir lucros cessantes, ainda que de índole distinta. (…) Na indemnização por interesse contratual positivo os lucros cessantes correspondem aos lucros que o lesado teria recebido se, tendo o contrato sido celebrado, viesse a ser pontualmente cumprido; já na indemnização por interesse contratual negativo correspondem às oportunidades de lucro que o lesado perdeu por ter celebrado o contrato e que teria tido se não o tivesse celebrado.” (cfr. Ac. do STJ, de 20/12/2017, proc. 1299/11.2TBPVZ.P1.S1).
O tribunal “a quo” introduz, no caso, que haverá um dano por perda da chance, conciliação que se poderá afigurar duvidosa, pois, doutrinal e jurisprudencialmente, se tem enquadrado os casos de perda da chance na categoria dos danos emergentes.
De qualquer forma, “a perda da chance – ou da oportunidade por si só, pelo menos na maior parte das situações, está associada a algo mais, que não a mera oportunidade perdida[8]. [bold nosso]
Da posição indicada resulta claramente um elemento fundamental para a situação dos autos – mesmo quando se defende a indemnização por um dano de perda de chance, não se pode deixar de olhar para a opção do legislador ao estabelecer a regra do art.º 563.º CC, que delimita a responsabilidade, estabelece fronteiras, limites normativos ao domínio do indemnizável (“esta delimitação da responsabilidade, o circunscrevê-la aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, não é casual e corresponde a vários escopos de política legislativa. Corresponde, desde logo, a uma determinada ponderação entre os valores da segurança e da iniciativa, mormente a iniciativa económica numa determinada sociedade. O autor de um facto ilícito, mesmo da violação de um contrato, não pode ficar exposto à indemnização de danos eventuais, de toda uma cadeia de danos puramente hipotéticos, cadeia essa sem fim aparente (…). É claro que também estão presentes outras considerações, designadamente quanto aos fins da própria responsabilidade civil. No nosso sistema, a responsabilidade civil não visa, ou, pelo menos, não visa primordialmente uma função punitiva. O que está em jogo é colocar o lesado na situação em que ele (provavelmente) se encontraria se não fosse a lesão. Como o art.º 562.º estabelece: «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». O mesmo principio vale, entre nós no contrato (…) ”)”. (Ac. do STJ, de 26-03-2019, proc. n.º 877/18.3YRLSB.S1).
Tal como o reconhecimento de um lucro cessante, como dano futuro, não se contenta com uma mera hipótese de aquisição do ganho, tendo que existir uma probabilidade quase em termos de certeza de que essa aquisição ocorreria” [bold nosso], já que a sua certeza nunca pode ser absoluta, sendo, no entanto, necessário atentar na «evolução normal» (e, portanto provável) dos acontecimentos (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 4ª ed., 2017, Vol. I, págs. 327/8).
Ora, confronta no caso que:
13. Em 14 de dezembro de 1999 é subscrito documento pela B., , LDA, dirigida a A. & Companhia, Lda, ali constando:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, junto a 21 de julho de 2008 aos autos)
O que, neste feixe de relação, se situa ainda em sede pré-negocial, de uma intenção que não corresponde a um firme pacto, projectado como intermediado em futuro contrato-promessa.
Num momento ainda longe de terminar o conjunto de procedimentos necessários à objectivação da forma de “ressarcir” a autora, na contrapartida do loteamento.
E supondo-se apenas “as informações obtidas junto da Câmara Municipal sobre a capacidade construtiva”, sem que se saibam quais, e sem qualquer garantia de manutenção de interesse perante a evolução da configuração que viesse a verter.
Manifestamente insuficiente para ter como seguro a existência do suposto dano.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, julgando, no que ainda subsista para conhecimento, improcedente a acção com a absolvição do réu dos pedidos.
Custas: pela recorrida.

Porto, 31 de Janeiro de 2020.

Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho