Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01252/12.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:INIDONEIDADE PROCESSUAL.
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL.
RECEPÇÃO DEFINITIVA DA OBRA E CANCELAMENTO DE GARANTIA.
ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITOS OU INTERESSES LEGÍTIMOS.
ACÇÃO PARA RESTABELECIMENTO DOS DIREITOS OU INTERESSES POSTOS EM CAUSA POR UM ACTO ADMINISTRATIVO ILEGAL.
Sumário:I) - A inidoneidade processual é excepção dilatória insuprível.
II) - Pretendendo a autora a recepção definitiva da obra e cancelamento de garantia, o que a Administração expressamente não acolheu, a acção não é de simples apreciação, nem tão pouco de restabelecimento de direitos ou interesses.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:DST... – Imobiliária, SA,
Recorrido 1:Município de Braga
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção para reconhecimento de direito ou de interesse legalmente protegido (LPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo
DST... – Imobiliária, SA, id. nos autos, inconformada com decisão do TAF de Braga que, em acção administrativa comum sob a forma ordinária absolveu da instância o réu Município de Braga, dela recorre.
O recorrente formula as seguintes conclusões:
A. Ao não se pronunciar acerca do deferimento tácito da pretensão, com especial preponderância e relevância para o sentido da decisão em crise, argumento este alegado, pugnado e fundamentado pela recorrente quer no petitório inicial, quer na réplica, enfema a decisão em crise de nulidade, conforme dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 140.º do CPTA.
B. Prescrevendo o n.º 1 do artigo 58.º CPTA que “a impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo”, a convolação da presente acção comum em acção administrativa especial não seria inútil, como referido pela decisão do Tribunal a quo, outrossim, impunha-se.
C. Ao alegar, fundamentar e pugnar a Recorrente, que com a presente acção se pretende o reconhecimento de um direito e interesse na sua esfera jurídica, nos termos e ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, e ao alegar, fundamentar e pugnar que sempre sería aplicável, in casu, o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, nomeadamente a condenação da Administração à adopção das condutas necessários ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, sempre a acção administrativa comum será o meio processual adequado.
Acresce ao exposto que,
D. Apesar de não ter sido alvo de apreciação do Tribunal a quo, ocorreu e formou-se um deferimento tácito, nos termos e ao abrigo dos artigos 67.º do Decreto-lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, e 61.º do Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, porquanto, resulta dos autos e da matéria de facto dada como assente que, apesar de a recorrente ter requerido a realização da vistoria para recepção definitiva por requerimento de 27/12/2007 (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial) e entregue, após solicitação da entidade Recorrida, a devida declaração de conformidade das infraestruturas emitida por entidade inscrita na A... em 12/06/2008 (cfr. documento n.º 6 junto com o petitório inicial), a requerida vistoria realizou-se apenas em 23/10/2008 (cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial), ou seja, muito após os 22 dias de prazo determinado pelo artigo 217.º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aplicável por remissão expressa do artigo 227.º de igual diploma legal e artigo 87.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), a impor decisão diversa da alvitrada.
Caso assim não se entenda,
E. O acto que o Tribunal a quo considera que deveria ser impugnado, sofre de diversos vícios que originam a sua nulidade, nomedamente por ofenderem o conteúdo essencial de direitos fundamentais – cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, porquanto, a não recepção definitiva e o consequente não levantamento da respectiva garantia bancária viola, de modo crasso e grave quer o princípio da legalidade (artigos 3.º do CPA e 266.º da CRP), quer o princípio da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (artigos 4.º do CPA e 266.º, n.º 1, da CRP), justiça (artigos 6.º do CPA e 266.º da CRP), boa-fé (artigos 6.º-A do CPA e 266.º da CRP) e do acesso à justiça (artigos 12.º do CPA e 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), não se compadecendo, de facto, com o princípio da proporcionalidade a manutenção ab eternum a garantia bancária em causa que, como a própria entidade Recorrida quantificou, se traduz em € 475,00.
Contra-alegou o recorrido, pugnando pela manutenção do decidido.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, nenhuma pronúncia ofereceu.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos:
Considerou o tribunal a quo como provados os seguintes factos, que agora também se tomam em consideração:
1. A ora Autora é uma sociedade comercial, que se dedica a operações sobre imóveis.
2. No seguimento da emissão do Alvará de Loteamento n.º 3…/2002, bem como dos despachos de 2001/04/05 e 2002/03/25, os quais aprovaram o loteamento e os respectivos projectos definitivos das obras de urbanização, a aqui Autora, conforme n.º 3 do aludido Alvará, prestou a garantia bancária n.º 125-02-…40106, emitida pelo Banco Comercial Português em 11/04/2002, no valor total de € 432.974,97, a favor do Réu (cfr. documento n.º 3 que a final vai junto).
3. Tal garantia destinava-se, pois, a garantir a boa execução da Obra de Infraestruturas referente ao Loteamento denominado “Centro de Negócios Empresariais de Ad...”, sito no Parque Industrial de Ad... – Braga.
4. Do auto de recepção provisória elaborado em 06/04/2004 resulta que a entidade Ré procedeu "ao exame de todos os trabalhos destas obras, tendo-se verificado que foram executados em condições satisfatórias, razão porque a consideram em condições de ser recebida provisoriamente”.
5. Por requerimento de 27/12/2007, a Autora solicitou realização da vistoria final às obras de urbanização, com vista à sua Recepção Definitiva e cancelamento da respectiva garantia bancária.
6. Para tanto e após solicitação do Réu, apresentou declaração de conformidade das infraestruturas emitida por entidade inscrita na A....
7. Por ofício n.º S/12637/DADT/2008, de 29/10/2008, o Réu notificou a Autora que "não é possível a recepção definitiva das obras de urbanização..." porquanto, alegadamente e conforme auto de vistoria entretanto realizado, "os espaços verdes não se encontram tratados de forma a poderem ser recebidos definitivamente".
8. Não se conformando com tal, por requerimento de 04/11/2008, a Autora apresenta uma exposição, na qual informa o Réu que "em relação ao ponto 2.1., foi cumprido o estipulado no projecto de paisagismo relativo aos espaços verdes cedidos ao município, tendo sido considerados no momento da Recepção Provisória em boas condições de execução, pelo que foi emitido o competente Auto de Recepção Provisória".
9. Mais informou que "a autarquia tinha tomado posse definitivamente desses espaços verdes, cedidos, com base no alvará n.º 33/2002 (…) e que o prazo da garantia destina-se "a garantir a boa execução das obras e da qualidade dos materiais empregues. Assim, não pode a esta empresa ser exigido que proceda à manutenção e limpeza de espaços verdes que não são da sua propriedade, e menos ainda estão na sua posse" solicitando a realização do Auto de Recepção Definitivo e cancelamento da respectiva garantia bancária.
10. Em resposta, por ofício n.º S/13505/DADT/2008, de 19/11/2008, o Réu mantém a sua posição, alegando agora "o alvará de loteamento n.º 33/2002 foi emitido ao abrigo do D.L. 448/91, pelo que a recepção e garantia das obras de urbanização, são redigidas por este Decreto-lei, nomeadamente o artigo 50."
11. Não concordando mais uma vez com o sentido de tal parecer, por requerimento datado de 26/11/2008, a Autora expõe que "... de acordo com o ponto 2.3 do Alvará de Loteamento n.º 33/2002 [por lapso foi escrito 2008], as parcelas para arruamentos, baias de estacionamento, passeios, zonas verdes e de utilização colectiva foram automaticamente integradas no domínio público. De acordo com o estipulado pelo artº 50 do D.L. 448/91 é da responsabilidade do loteador a garantia das obras de urbanização. Ora o conceito de garantia, tal como é vulgarmente aceite, não engloba a manutenção corrente dos equipamentos, mas sim a ausência de defeitos ou vícios de construção e a qualidade dos materiais empregues. Estando as zonas verdes, à data da recepção provisória, em condições, não nos podem imputar responsabilidades pela sua deterioração por falta de manutenção, pois ela não se enquadra no âmbito da garantia. A responsabilidade do loteador pelas deficiências está claramente expressa no artº 205 do D.L. 235/86 e dela não faz parte a responsabilidade pela manutenção", requerendo, novamente, a realização da Recepção Definitiva e cancelamento da respectiva garantia bancária.
12. Por ofício n.º NOT/239/DADT/2009, de 18/03/2009 (documento n.º 11), a entidade Ré notificou a Autora para proceder ao tratamento dos espaços verdes, juntando informação dos Serviços Jurídicos.
13. Por essa ocasião a A. requereu, mais uma e outra vez, a Recepção Definitiva e cancelamento da correlativa garantia bancária, sem êxito.
14. Passado mais de um ano e sem qualquer resposta ao aludido requerimento, por ofício n.º S/4814/DADT/2010 de 21/05/2010, veio a entidade Ré a notificar a Autora para proceder ao tratamento dos espaços verdes.
15. O que mereceu a resposta por parte da Autora por requerimento de 26/05/2010 nos seguintes termos: "Assim, dado o lapso de tempo decorrido e o silêncio dos V/serviços, acreditamos que nos foi reconhecida razão nos n/argumentos, pelo que, e até porque se encontram preenchidos os requisitos para o deferimento tácito, solicitamos a imediata recepção definitiva do loteamento e o cancelamento da respectiva garantia bancária”.
16. A entidade Ré, por sua vez, por ofício n.º S/7676/DADT/2010 de 17/08/2010, notifica esta para efectuar o tratamento das zonas verdes de acordo com o prescrito no alvará de loteamento.
17. Posteriormente, por ofício n.º S/9808/DADT/2010 de 21/10/2010 e nos termos do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo, o R. notificou a Autora para se pronunciar sobre a promoção da realização dos trabalhos de correcção, de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 105.º do RJUE, a expensas do loteador.
18. Em 03/11/2010, a Autora apresenta a sua pronúncia - documento n.º 17 -, na qual sucintamente alega o seguinte:
"O Município continua sem dar resposta ao n/ofício 034/AP/2009 de 31/03/2009, preferindo ignorar os n/argumentos nele vertidos.
Não encontramos na legislação aplicável, quer no RJUE, quer no RMU em vigor nesse prezado município, nada que indique ser da responsabilidade do loteador a manutenção dos espaços verdes, ou de quaisquer outras infra-estruturas, desde a recepção provisória até à recepção definitiva (...)".
19. Por ofício n.º S/182/DADT/2011, de 07/01/2011, a entidade Ré volta a enviar a informação prestada pelos serviços jurídicos, com despacho no sentido de que "Esta DSJC nada mais tem a acrescentar ao já informado por estes serviços em 19.2.2009 (...)".
20. Por carta de 07/04/2011, a Autora notifica a entidade Ré que dispõem do prazo de 15 dias para efectuarem o auto de recepção definitiva, com o consequente cancelamento da garantia bancária associada.
21. Em resposta, por ofício n.º S/4161/DADT/2011, de 03/05/2011, a entidade Ré notifica a Autora que vai proceder à execução/correcção do tratamento da zona verde, juntando informação dos serviços, na qual se conclui que "a caução deverá ser resgatada e que as obras em falta deverão ser executadas pelos serviços da Câmara, de acordo com o n.º 3 do artigo 105 do RJUE e cobradas coercivamente através do resgate da caução".
22. Por ofício n.º S/6652/DADT/2011 de 20/07/2011, o R. notificou a Autora para proceder ao pagamento de € 475,00 relativos aos trabalhos executados.
23. Por carta de 28/07/2011, a Autora informa a entidade Ré que "tais trabalhos - de manutenção - nunca poderão ser entendidos como integrante do conceito de «boa execução»", e conclui declinando "qualquer responsabilidade no pagamento dos trabalhos executados - e bem - pelos Serviços Camarários deste Município, bem como ver-nos-emos obrigados a declinar qualquer responsabilidade no pagamento de trabalhos que se prendam com a mera manutenção de espaços cedidos ao domínio público".
24. Por fim, por ofício n.º S/8035/DADT/2011 de 05/09/2011, a entidade Ré envia nova informação à Autora, na qual se conclui novamente que "Deverá proceder-se ao resgate da caução existente para execução/correcção do tratamento das zonas verdes do loteamento”.
*
O direito
Delimitado pelas conclusões, o recurso convoca a nulidade da sentença, e, rejeitando que caiba a absolvição da instância, apela a uma decisão de fundo favorável.
Vejamos melhor como.
Em primeira linha, no que vem em A. das conclusões de recurso, sustenta a recorrente que, por se não ter pronunciado sobre alegado deferimento tácito, “enferma a decisão em crise de nulidade, conforme dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 140.º do CPTA”.
Esta é nulidade que, na enumeração de CASTRO MENDES (Direito Processual Civil, II vol., págs. 793 a 811), se reconduz a um vício de conteúdo, um vício que enferma a própria decisão judicial em si.
Que, no caso, não cabe.
Não há lugar à nulidade prevista no art. 668º/1/d) do CPC, se a decisão da questão de que se não conhece ficou prejudicada pela solução dada a outra (art. 660º/ 2 CPC.).
Ora, tendo o tribunal concluído pela absolvição da instância, dessa forma se abstendo de decidir o pedido (art.º 288º, nº 1, do CPC/actual art.º 278º, nº 1, do CPC), é de íntegra lógica que sobre os fundamentos em que ele ancorava não poderia emitir pronúncia.
Assim, a invocada nulidade não é pecha que se possa assacar à decisão.
Posto isto.
Façamos uma pequena síntese das subsequentes conclusões do recurso:
- no que vem em B., defende a recorrente a convolação, invocando estar sempre em tempo a acção perante desvalor de nulidade do acto;
- (mas) no que vem em C. já se atém na defesa de que a acção comum é, efectivamente, o meio processual adequado;
- em D. convoca fundamento que respeita ao fundo da causa, alicerçando (esse) direito num suposto deferimento tácito;
- em E. desenvolve sustento para a arvorada nulidade do acto dita em B..
Havia a recorrente peticionado na acção, que o réu (ora recorrido) fosse condenado (sic):
a) a reconhecer a recepção definitiva da obra em apreço e, consequentemente, cancelar a respectiva garantia bancária prestada pela Autora;
b) a pagar à Autora a quantia de € 1.045,50 (mil, quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de comissões pagas à entidade bancária emissora da garantia, bem como das quantias a pagar até efectivo e integral cancelamento daquela;
c) a pagar à Autora a quantia de € 13.683,12 (treze mil, seiscentos e oitenta e três euros e doze cêntimos), nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 213.º do RJEOP, aplicável ao caso sub judice por remissão do n.º 3 do artigo 87.º do RJUE, acrescida de juros vincendos sobre o valor actual da garantia bancária a calcular desde a data de apresentação da presente acção até efectivo e integral cancelamento daquela e, ainda custas, procuradoria e demais encargos legais.
Atentemos no que foi o essencial de discurso fundamentador da decisão em crise:
Vem agora a Autora pretender que este tribunal condene o Réu a receber definitivamente a obra em questão, o que implica um juízo de legalidade sobre o acto notificado à A., pelo ofício n.º S/12637/DADT/2008, de 29/10/2008, segundo o qual tal recepção definitiva não seria possível, aí se justificando a motivação subjacente a tal entendimento (subsequentemente reforçado, na sequência de ulteriores missivas da parte da A.).
Em bom rigor, estamos perante um pedido de condenação do Réu à prática do acto devido, sendo os demais pedidos susceptíveis de cumulação com aquele, o principal.
Isto posto, convém atentar no seguinte:
Nos termos do art.º 38º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado” dispondo o n.º 2 que “sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável”.
Assim, na situação em apreço, em relação ao requerimento apresentado pela Autora, foi praticado um acto e ficou definida a sua situação jurídico relacional com o Município Réu, no que ao assunto em questão respeita. O que a Autora agora vem pedir é que o tribunal redefina tal situação.
Tal seria possível caso tal apreciação da legalidade do acto que lhe negou a pretensão fosse meramente incidental e não fosse o objecto central da pretensão da Autora.
No entanto, não é isso que se passa. A Autora, efectivamente, pretende obter o efeito que resultaria da impugnação do acto em questão, notificado à A., pelo ofício n.º S/12637/DADT/2008, de 29/10/2008, acima referido, pelo que nunca o conhecimento da ilegalidade do acto se poderia considerar, tão-somente, “a título incidental” (cfr. M. Aroso de Almeida / C. Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 2007, p. 226-230).
Existe, por isso, erro na forma do processo, impondo-se a convolação da presente acção administrativa na forma comum em acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos.
No entanto, tal convolação mostrar-se-ia um acto processual manifestamente inútil, uma vez que a acção administrativa especial deve ser intentada no prazo de três meses após a notificação (ou conhecimento do mesmo, nos termos das alíneas do nº 3 do art.º 59º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) do acto em crise – cfr. nº 2 do art. 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Ora:
Tendo em conta que apenas é sindicada a suposta desconformidade do acto em crise com o disposto na lei (violação de lei, na forma de erro nos pressupostos do acto), não estando em causa um caso de nulidade (cfr. art.º 133º do Código do Procedimento Administrativo), teremos de nos reconduzir à mera anulabilidade, nos termos do disposto no art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo que nos diz que:
“São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”
Teremos, por isso, de atentar no que nos diz, não o n.º1, mas sim o n.º 2 do art.º 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em relação ao prazo de impugnação de actos anuláveis:
(…)
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
(…)
Conforme se retira dos factos provados, acima, o(s) acto(s) em crise, foi notificado à Autora pelo ofício n.º S/12637/DADT/2008, de 29/10/2008, que foi objecto de resposta daquela, datada de 04.11.2008.
Por sua vez, a p.i. que deu origem à presente acção só foi remetida a este T.A.F. em 12.07.2012 (excedido, portanto, o prazo de três meses legalmente previsto, nos termos supra).
Conclui-se, assim, pela existência de um acto que, pelo decurso do tempo, se consolidou na esfera jurídica da Autora, apenas podendo o mesmo ser conhecido incidentalmente. O que, equacionando o pedido deduzido, não é, manifestamente, o caso.
Isto posto:
Verifica-se a existência da excepção dilatória inominada, prevista no nº 2 do art.º 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumprindo absolver o Réu da instância, em consequência.
No que a decisão recorrida assumiu, o dissídio respeita a situação em que intervém a prática de acto administrativo, que se traduz numa conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produz efeitos jurídicos num caso concreto – cfr. art.º 120º do CPA (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, I, pag.76/77; Marcelo Caetano, Manual, 9.ª edição, I, pág. 410).
Constitui sua ideia força: com o que vem em pretensão judiciária de condenação à recepção definitiva (com que os outros pedidos cumulados estarão em dependência), em acção comum, a autora recolhe em efeito o que resultaria da anulação do acto (já) inimpugnável, acto esse identificado onde se viu de pretérito negação à pretensão de recepção definitiva (ofício n.º S/12637/DADT/2008, de 29/10/2008).
E, convocando o art.º 38º, nº 2, do CPTA - sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável -, a afirmação de inominada excepção dilatória.
Melhor ou pior que tenha sido este julgamento, as razões de discordância que a recorrente agora oferece, e que balizam a nossa pronúncia, não têm êxito.
Primo [B. e E. das conclusões de recurso], quanto à pugnada convolação, alicerçada em contraditar a afirmação de estar já ultrapassado prazo de anulação, conquanto, defende a recorrente, perante um acto nulo, a todo o tempo impugnável, este é ataque que sofre de vício lógico no raciocínio.
Pois que a norma não autoriza a extracção da suposta diferenciação.
O que pretende (dando amparo de sistematização à diferenciação entre o que pode ser objecto de uma acção administrativa especial e o que pode ser litigado em acção comum), é evitar que o direito definido por via de acto administrativo consolidado [“O art. 38º/2 do CPTA impede a interposição de acção administrativa comum que vise destruir os efeitos de acto jurídico já consolidado na ordem jurídica.” – Ac. do TCAS, de 12-11-2009, proc. nº 04765/09 (cfr. tb., Acs. do TCAS, de 23-04-2009, proc. nº 03135/07, e de 29-01-2009, proc. nº 02720/07).] possa ser colocado em causa por enviesada via, em que apesar de não ser delineada acção com objecto (tipico) da acção administrativa especial, as pretensões a juízo lhe equivalham em efeitos.
E, então, só com sentido na pressuposição de actos anuláveis, pois que dos nulos não há consolidação; não há que preservar de quaisquer conflitos com os efeitos de caso decidido.
Não está em causa na tutela da norma distinta questão, de erro na forma do processo; esse resolve-se pela simples identificação de adequação ao pedido, independente da gravidade da invalidade; anulável ou nulo, se estamos perante acto de auctoritas, então procede-se à correcção de termos, vulgo convolação, reservando-se a questão da tempestividade ditada pelo vício a um outro patamar ontológico (mesmo que contemporâneo juízo de intempestividade até possa ditar a inviabilidade desse passo).
Assim, em boa verdade, aquando de um problema de inidoneidade processual (no estrito sentido como que o estamos a encarar, pois que, não raras vezes, também assim é apelidado o erro na forma de processo), nunca cabe falar em convolação.[A inidoneidade do meio processual resulta em excepção dilatória que conduz à absolvição da instância – cfr., entre outros, Acs. do STA, de 11-04-2002, proc. nº 048282; de 19-04-2005, proc. nº 0253/04; de 09-11-2012, proc. nº 0738/12. No dizer do Ac. do TCAS, de 29-01-2004, proc. nº 06942/03, «estando em causa a falta de um pressuposto processual insanável e não um problema relativo à ordenação formal dos actos processuais, nem o art. 265º, nos 1 e 2, nem o art. 265º-A, ambos do C.P. Civil, poderiam constituír fundamento para o juiz convidar o recorrente a corrigir a petição inicial (cfr. Pedro Madeira de Brito: “O Novo Princípio da Adequação Formal”, in “Aspectos de Novo Processo Civil”, 1997, pags. 38 e 40).».]
Secundo [C. das conclusões de recurso], a defesa que a recorrente faz de afirmação da acção comum como meio processual adequado ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, ou conforme o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, também não frutifica.
«O reconhecimento de direitos ou interesses legítimos (e de qualidades ou de preenchimento de condições), previsto nas alíneas a) e b), corresponde tipicamente a uma acção de simples apreciação, destinando-se a obter uma sentença que torne certo o direito ou interesse que está em causa» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, revista, pág. 205), o que, manifestamente não é o caso.
Também «uma acção dirigida ao próprio restabelecimento dos direitos ou interesses postos em causa por um acto administrativo ilegal, que, embora também siga os termos da acção administrativa comum (cfr. artigo 37.º, n.º 2, alínea d)), como se dirige à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, pressupõe necessariamente a prévia anulação desse acto, como resulta do n.º 2 do artigo 38º» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, revista, pág. 230).
Tertio [D. das conclusões de recurso], perante inultrapassada absolvição da instância, queda qualquer pronúncia de fundo.
Não deve, não pode, ser emitida pronúncia sobre o sustentado deferimento tácito.
*
Termos em que, na improcedência do recurso, se mantém a estatuição dada em primeira instância.
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Custas nesta instância: pela recorrente.
Porto, 29 de Maio de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Antero Salvador