Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00054/11.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
GERÊNCIA DE FACTO.
CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) Feita a reapreciação da prova testemunhal produzida, não podemos deixar de concordar com a valoração probatória dos factos provados e não provados feita na sentença recorrida, sendo de sublinhar que, como se disse, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
III) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
IV) O probatório comporta um conjunto de elementos que permitem apreender que o ora Recorrente praticou actos em representação da sociedade originária devedora, na medida em que, deparamos com uma conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente pagando os seus créditos fiscais, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrente na vida da sociedade, sendo que as acções acima apontadas reforçam a ideia do empenho e interesse do Recorrente na actividade da sociedade, matéria que manifestamente se afasta do alegado alheamento em relação a tal matéria, pois que não faz sentido que alguém que, afinal, era apenas um mero trabalhador, acabe a liquidar dívidas da sociedade, de modo que, os elementos presentes nos autos são claramente suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
V) O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente, o que significa que incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos concretos de que assim foi, como nem sequer apresentou quaisquer meios de prova capazes de ilidir tal presunção de culpa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
R…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 29-01-2014, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “D…, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de IVA de 2002, no valor total de € 8.503,82.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 298-301), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1.º - A decisão proferida sobre matéria de facto é incorrecta no que concerne aos seus pontos 1.º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7.º e 8.º dos factos considerados não provados e com efectiva relevância para a apreciação da matéria em apreço;
Em boa verdade,
2.º - Devia ter sido dado como provado que o ora recorrente não exerceu, de facto, as funções de gerente, mas apenas de trabalhador subordinado dessa empresa, de acordo com o depoimento prestado pela testemunha M….
Assim,
3.º - Não se deve concluir pela culpa funcional e responsabilidade do recorrente pelas dívidas fiscais da sociedade D…, Lda.;
4.º Sendo, deste modo, ilididos os requisitos de que depende a reversão, não podendo esta operar e afastando-se, nos termos do art.º 24.º da LGT a contrario, a responsabilidade do recorrente pelas dívidas fiscais em causa.
5.º - Assim não entendendo, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, o disposto nos arts.º 23.º e 24.º da LGT.
Termos em que,
E nos mais de Direito,
Concedendo-se provimento ao presente recurso,
Revogando a douta sentença em recurso e, consequentemente,
Substituindo-a por outra que julgue procedente a oposição à
execução deduzida pelo ora recorrente,
V. Excelências farão a habitual
JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto e ainda em saber se o ora Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceu a dívida exequenda que subsiste nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento da mesma, sem olvidar a matéria da culpa do Oponente na insuficiência do património societário para fazer face à dívida tributária descrita nos autos.



3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental e testemunhal, existentes nos autos.
1.º - Pelo serviço de finanças de Valongo 1, foi instaurado o processo de execução fiscal n.°1899200101006150 e apensos, contra a sociedade D…, Lda., NIPC: 5…, por dívidas de IVA referentes ao segundo trimestre de 2002, no valor global de € 8.503,82.
2.º - Contra o ora oponente foi operada a reversão de nove processos de execução fiscal, por dívidas da sociedade comercial/devedora originária.
3.º - Quatro desses processos de execução fiscal foram extintos por pagamento em reversão - processos de execução fiscal n.°1899200701034863, n.°1899200601015273, n.°1899200201014650 e n.°1899200401013882 - cf. teor da informação do serviço de finanças de Valongo 1, a fls.18 verso dos presentes autos.
4.º - Mantendo-se ativos os processos de execução fiscal n.°1899200901006690, n.°1899200201514440, n.°1 899200801016644, n.°1899200101006150 e n.°1899200901043340 - cf. docs. de fls.28 a 33 dos autos.
5.º - Em Julho de 2010, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1899200801016644 e apensos, foi efetuada a venda de uma fração autónoma da propriedade do ora oponente - cf. doc. de fls. 38 dos autos.
6.º - Não tendo o oponente adotado qualquer meio de reação processual.
7.º - O ora oponente figura na competente Conservatória do Registo Comercial como sócio-gerente da referida sociedade - cf. doc. de fls.39 a 40 dos autos.
8.º - M… no ano de 2000 exerceu as funções administrativas da sociedade executada - cf. depoimento da testemunha M….
Não se provaram os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1.º - Que o oponente não é responsável pelo débito exequendo, nem a título subsidiário.
2.° - Que não obstante figurar na competente Conservatória do Registo Comercial como sócio-gerente da primitiva executada, o oponente, desde o início da vida ativa da referida sociedade, apenas exerceu as funções de um normal trabalhador, com subordinação jurídica e horário de trabalho, jamais tendo praticado atos próprios da gerência da primitiva executada “D…, Lda.”.
3.° - Que o oponente jamais praticou qualquer ato correspondente à função de gerência ou participou na definição das linhas estratégicas e das opções económicas e financeiras da referida sociedade, nunca participou em qualquer reunião de gerência ou, sequer, foi ouvido sob as decisões aí tomadas.
4.° - Que o oponente não assinou em representação da sociedade executada, qualquer documento que pudesse responsabilizar ou vincular a dita sociedade em qualquer ato e contrato, nem sequer documentos internos da mesma, não intervindo na assinatura de quaisquer documentos contabilísticos e outros, bem como cheques, letras de câmbio ou outros meios de pagamento.
5.° - Que o oponente desconhecia e desconhece, a real e efetiva situação económico-financeira da primitiva executada “D…, Lda.”.
6.º - Que desde o final do ano de 2000, ano em que os seus pais abandonaram por completo a gerência da referida sociedade e por se tratar de uma empresa familiar, a mesma ficou sob a liderança exclusiva da sua irmã, M…, a única gerente de facto a partir de então.
7.º - Que foi essa quem sempre assumiu perante terceiros, e para todos os fins, as funções inerentes ao cargo.
8.° - Desde o ano de 2000, a referida M… sempre foi, e se assumiu, como a dona do respetivo património, recebendo os respetivos lucros, contratando funcionários, pagando os correspondentes encargos, etc.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a apreciação das questões em apreço.
Motivação:
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74° e 76° n.1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 362° e seguintes do Código Civil (CC)) e, no depoimento da testemunha ouvida perante este Tribunal, M….
Sendo factos alegados pelo oponente recaía sobre ele o respetivo ónus da prova (art. 74°, n.° 1, da LGT).
Quanto ao não exercício da gerência de facto da sociedade executada por parte do oponente, alega o mesmo, factos suscetíveis de sobre eles ser produzida prova, o que não resulta demonstrado nos autos.
O oponente alega que, apesar de figurar na competente Conservatória do Registo Comercial como sócio-gerente da referida sociedade, quem geria de facto a sociedade D…, Lda., era a sua irmã, M….
Sucede, que não fez prova do que afirmou.
Desde logo, começa por dizer-se que, sendo o oponente, de acordo com o que alega um mero trabalhador da sociedade executada, os seus recibos de vencimentos e os cheques correspondentes aos seus salários, deveriam conter a assinatura da pessoa que exercia de facto a gerência da sociedade executada, podendo o oponente ter junto aos autos tais elementos de prova para comprovar a sua tese.
O oponente não juntou aos autos qualquer elemento de prova documental para prova do que alega.
Sucede que, conforme resulta dos factos provados, contra o oponente foram revertidos nove processos de execução fiscal, por dívidas da sociedade devedora, tendo o oponente procedido ao pagamento de quatro desses processos.
Acresce que, conforme também foi considerado provado por este Tribunal, foi efetuada em Julho de 2010 a venda de uma fração autónoma da propriedade do oponente, no âmbito do processo de execução fiscal n.°1899200801016644 e apensos, não tendo este adotado nenhum meio de reação processual.
Ora, não parece credível a este Tribunal, o pagamento de alguns processos de execução em que ocorreu reversão contra si, não sendo este responsável pelas dívidas da sociedade, nem a ausência de reação à venda de uma propriedade sua no âmbito do referido processo de execução fiscal, relacionado com dívidas da sociedade executada.
Esta conduta é própria de um gerente, que age em nome e interesse da sociedade executada, pagando os seus créditos fiscais.
Resulta dos factos provados que, nos períodos a que se reportam o terminus do prazo legal de pagamento das dívidas em causa, quem exercia a gerência dos destinos da sociedade executada, era o ora oponente, tendo em conta que se tratava de um sócio com funções de gerência e, não existe prova de ter renunciado a tal cargo.
O depoimento da testemunha M…, que disse a este Tribunal ter trabalhado para a sociedade executada, na qualidade de vidraceiro, a partir do ano de 2000 e, cerca de dois anos, não acrescentou nada de relevante aos elementos de prova existentes nos presentes autos, que permitam alterar a convicção do mesmo e revelou-se algo inconsistente, com várias deficiências de conhecimento.
Questionado sobre a forma como lhe era efetuado o pagamento do seu vencimento, afirmou que era pago pela M… em dinheiro, embora exibisse um recibo de vencimento, em que constava ter sido o pagamento do vencimento efetuado através de cheque. Recibo de vencimento do qual não constava qualquer assinatura. Afirmando a testemunha que os recibos de vencimento não eram assinados.
A testemunha, disse a este Tribunal que o R… trabalhava consigo essencialmente nos trabalhos exteriores.
Do seu depoimento resultou que apenas tinha conhecimento da parte produtiva da sociedade executada, desconhecendo os demais aspetos organizativos da mesma.
Afirmou a este Tribunal não ter conhecimento de aspetos essenciais, tais como, quem assinava os documentos respeitantes à sociedade executada, quem movimentava as suas contas e quem procedia aos pagamentos devidos pela referida sociedade ao Estado.
O seu depoimento revelou várias deficiências de conhecimento.
Resulta do depoimento da testemunha que a sociedade executada é uma sociedade familiar, que para além do oponente é constituída pela irmã do oponente, M… e seu pai D….
O depoimento da testemunha foi no sentido de que era a M… quem distribuía o trabalho, procedia aos pagamentos dos salários dos empregados e, tinha a seu cargo as tarefas do escritório.
Sucede que, a tarefa de distribuir e organizar o trabalho da sociedade e proceder aos pagamentos dos ordenados dos funcionários, eventualmente dos fornecedores, é apenas uma das competentes da atividade da sociedade.
Que nem carece de ser desempenhada pela gerência, pois faz parte das tarefas normais do escritório de qualquer sociedade.
O oponente figurava como gerente da sociedade executada originária, pelo que, poderia ter junto a este processo elementos de prova documental para prova do alegado.
De salientar que a testemunha informou o Tribunal do conhecimento do oponente no ramo da atividade da sociedade, conhecimento esse que já lhe havia sido transmitido pelo seu pai.
A executada é uma empresa vidreira, com trabalhos ligados à construção civil.
Ora, diz-nos a experiência de vida que esse trabalho e a gestão dessa atividade seria essencialmente da responsabilidade dos homens que executam e melhor conhecem e dominam esse setor de atividade.
Pelo que o oponente enquanto gerente da sociedade executada não logrou fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não são da sua responsabilidade, e, assim, não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.”
«»
3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto e ainda em saber se o ora Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceu a dívida exequenda que subsiste nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento da mesma, sem olvidar a matéria da culpa do Oponente na insuficiência do património societário para fazer face à dívida tributária descrita nos autos.
Com efeito, o Recorrente começa por dizer que a decisão proferida sobre matéria de facto é incorrecta no que concerne aos seus pontos 1.º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7.º e 8.º dos factos considerados não provados e com efectiva relevância para a apreciação da matéria em apreço, pois que, em boa verdade, devia ter sido dado como provado que o ora recorrente não exerceu, de facto, as funções de gerente, mas apenas de trabalhador subordinado dessa empresa, de acordo com o depoimento prestado pela testemunha M….
Neste domínio, constituindo tal erro de julgamento aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regula esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

Neste ponto, o Tribunal recorrido ponderou que:
“…
Motivação:
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74° e 76° n.1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 362° e seguintes do Código Civil (CC)) e, no depoimento da testemunha ouvida perante este Tribunal, M….
Sendo factos alegados pelo oponente recaía sobre ele o respetivo ónus da prova (art. 74°, n. ° 1, da LGT).
Quanto ao não exercício da gerência de facto da sociedade executada por parte do oponente, alega o mesmo, factos suscetíveis de sobre eles ser produzida prova, o que não resulta demonstrado nos autos.
O oponente alega que, apesar de figurar na competente Conservatória do Registo Comercial como sócio-gerente da referida sociedade, quem geria de facto a sociedade D…, Lda., era a sua irmã, M….
Sucede, que não fez prova do que afirmou.
Desde logo, começa por dizer-se que, sendo o oponente, de acordo com o que alega um mero trabalhador da sociedade executada, os seus recibos de vencimentos e os cheques correspondentes aos seus salários, deveriam conter a assinatura da pessoa que exercia de facto a gerência da sociedade executada, podendo o oponente ter junto aos autos tais elementos de prova para comprovar a sua tese.
O oponente não juntou aos autos qualquer elemento de prova documental para prova do que alega.
Sucede que, conforme resulta dos factos provados, contra o oponente foram revertidos nove processos de execução fiscal, por dívidas da sociedade devedora, tendo o oponente procedido ao pagamento de quatro desses processos.
Acresce que, conforme também foi considerado provado por este Tribunal, foi efetuada em Julho de 2010 a venda de uma fração autónoma da propriedade do oponente, no âmbito do processo de execução fiscal n.°1899200801016644 e apensos, não tendo este adotado nenhum meio de reação processual.
Ora, não parece credível a este Tribunal, o pagamento de alguns processos de execução em que ocorreu reversão contra si, não sendo este responsável pelas dívidas da sociedade, nem a ausência de reação à venda de uma propriedade sua no âmbito do referido processo de execução fiscal, relacionado com dívidas da sociedade executada.
Esta conduta é própria de um gerente, que age em nome e interesse da sociedade executada, pagando os seus créditos fiscais.
Resulta dos factos provados que, nos períodos a que se reportam o terminus do prazo legal de pagamento das dívidas em causa, quem exercia a gerência dos destinos da sociedade executada, era o ora oponente, tendo em conta que se tratava de um sócio com funções de gerência e, não existe prova de ter renunciado a tal cargo.
O depoimento da testemunha M…, que disse a este Tribunal ter trabalhado para a sociedade executada, na qualidade de vidraceiro, a partir do ano de 2000 e, cerca de dois anos, não acrescentou nada de relevante aos elementos de prova existentes nos presentes autos, que permitam alterar a convicção do mesmo e revelou-se algo inconsistente, com várias deficiências de conhecimento.
Questionado sobre a forma como lhe era efetuado o pagamento do seu vencimento, afirmou que era pago pela M… em dinheiro, embora exibisse um recibo de vencimento, em que constava ter sido o pagamento do vencimento efetuado através de cheque. Recibo de vencimento do qual não constava qualquer assinatura. Afirmando a testemunha que os recibos de vencimento não eram assinados.
A testemunha, disse a este Tribunal que o R… trabalhava consigo essencialmente nos trabalhos exteriores.
Do seu depoimento resultou que apenas tinha conhecimento da parte produtiva da sociedade executada, desconhecendo os demais aspetos organizativos da mesma.
Afirmou a este Tribunal não ter conhecimento de aspetos essenciais, tais como, quem assinava os documentos respeitantes à sociedade executada, quem movimentava as suas contas e quem procedia aos pagamentos devidos pela referida sociedade ao Estado.
O seu depoimento revelou várias deficiências de conhecimento.
Resulta do depoimento da testemunha que a sociedade executada é uma sociedade familiar, que para além do oponente é constituída pela irmã do oponente, M… e seu pai D….
O depoimento da testemunha foi no sentido de que era a M… quem distribuía o trabalho, procedia aos pagamentos dos salários dos empregados e, tinha a seu cargo as tarefas do escritório.
Sucede que, a tarefa de distribuir e organizar o trabalho da sociedade e proceder aos pagamentos dos ordenados dos funcionários, eventualmente dos fornecedores, é apenas uma das componentes da atividade da sociedade.
Que nem carece de ser desempenhada pela gerência, pois faz parte das tarefas normais do escritório de qualquer sociedade.
O oponente figurava como gerente da sociedade executada originária, pelo que, poderia ter junto a este processo elementos de prova documental para prova do alegado.
De salientar que a testemunha informou o Tribunal do conhecimento do oponente no ramo da atividade da sociedade, conhecimento esse que já lhe havia sido transmitido pelo seu pai.
A executada é uma empresa vidreira, com trabalhos ligados à construção civil.
Ora, diz-nos a experiência de vida que esse trabalho e a gestão dessa atividade seria essencialmente da responsabilidade dos homens que executam e melhor conhecem e dominam esse setor de atividade.
Pelo que o oponente enquanto gerente da sociedade executada não logrou fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não são da sua responsabilidade, e, assim, não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.”

Com este pano de fundo, temos que o Recorrente indicou os factos que deveriam ser considerados provados, procedendo à transcrição do depoimento que, no seu entendimento, evidencia o erro do tribunal a quo na apreciação e valoração da prova.
Nesta sequência, procedeu-se à reapreciação da prova testemunhal produzida nos autos, através da audição do registo magnético do depoimento da testemunha inquirida nos autos.
A testemunha M…, que diga-se apenas surge na data de inquirição de testemunhas, na medida em que a testemunha arrolada estaria impedida de comparecer em Tribunal, declarou ter trabalhado cerca de 4 anos para sociedade devedora originária, com início em 1999/2000, procurando depois ao longo de todo o depoimento estabelecer uma constante ligação entre a figura de M… e todo o enquadramento da actividade da sociedade devedora originária, em termos que, sem mais, não podem ter a leitura proposta pelo Recorrente.

Com efeito, todo esse controlo, toda essa actividade, embora não possa deixar de se notar que no depoimento em apreço nem sequer é muito clara a descrição da forma como a testemunha recebia o seu vencimento, se em dinheiro, se em cheque, é sempre imputada à referida M….

Ora, embora não se perfilhe apreciações em função do género, não pode deixar de notar-se que estamos perante uma empresa familiar em que o pai surge como a pessoa especialmente habilitada para o negócio em causa, sendo que o Oponente quando se pretende assumir como um normal trabalhador, está a dizer que estava em condições de participar na actividade da empresa através do domínio daquilo que constitui o objecto da empresa.

Nestas condições, mesmo descontando alguns aspectos conclusivos vertidos em sede de motivação, tem de considerar-se pertinente o exposto pelo Tribunal recorrido quando refere que sendo o oponente, de acordo com o que alega um mero trabalhador da sociedade executada, os seus recibos de vencimentos e os cheques correspondentes aos seus salários, deveriam conter a assinatura da pessoa que exercia de facto a gerência da sociedade executada, podendo o oponente ter junto aos autos tais elementos de prova para comprovar a sua tese” e “o oponente não juntou aos autos qualquer elemento de prova documental para prova do que alega” e ainda que “o depoimento da testemunha M…, que disse a este Tribunal ter trabalhado para a sociedade executada, na qualidade de vidraceiro, a partir do ano de 2000 e, cerca de dois anos, não acrescentou nada de relevante aos elementos de prova existentes nos presentes autos, que permitam alterar a convicção do mesmo e revelou-se algo inconsistente, com várias deficiências de conhecimento”, pois que, “questionado sobre a forma como lhe era efetuado o pagamento do seu vencimento, afirmou que era pago pela M… em dinheiro, embora exibisse um recibo de vencimento, em que constava ter sido o pagamento do vencimento efetuado através de cheque. Recibo de vencimento do qual não constava qualquer assinatura.”
Por outro lado, como também se refere na motivação acima descrita, “sucede que, a tarefa de distribuir e organizar o trabalho da sociedade e proceder aos pagamentos dos ordenados dos funcionários, eventualmente dos fornecedores, é apenas uma das componentes da atividade da sociedade, que nem carece de ser desempenhada pela gerência, pois faz parte das tarefas normais do escritório de qualquer sociedade.”, sendo que “o oponente figurava como gerente da sociedade executada originária, pelo que, poderia ter junto a este processo elementos de prova documental para prova do alegado.”
Deste modo, feita a reapreciação da prova testemunhal produzida (sendo que os depoimentos são livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do artigo 396º do Código Civil), não podemos deixar de concordar com a valoração probatória dos factos provados e não provados feita na sentença recorrida, sendo de sublinhar que, como se disse, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Neste caso, o depoimento em apreço não é capaz, só por si, de permitir ao Tribunal uma leitura diferente da realidade em apreço, além de que não seria difícil ao Recorrente juntar aos elementos alguns elementos da prova aparentemente abundante que existiria de uma situação que a testemunha foi repetindo ao longo do seu depoimento, por forma a afastar aquilo que se afigura como uma mera declaração repetitiva, sem a necessária consistência para conferir outra credibilidade ao depoimento descrito.
E sendo assim, é de concluir que o tribunal de 1ª instância não incorreu em qualquer erro na apreciação e valoração da prova produzida nos autos quando, nos termos que vimos de referir, não deu como provados os factos pretendidos pelo recorrente, improcedendo, consequentemente, o alegado erro de julgamento de facto.


Avançando, cumpre notar que na sentença recorrida, foi entendido que:
“…
Do despacho de reversão proferido no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, resulta que a Fazenda Pública fez incidir a dívida fiscal sobre o oponente, com fundamento no art.24°, n.° 1, alínea b), da LGT, onde se prescreve que a sua responsabilidade subsidiária só existe, pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
As dívidas tributárias em execução tiveram o termo do seu prazo de pagamento no período de exercício de cargo de gerente pelo oponente.
Ora, dos factos provados resulta que o oponente foi nomeado sócio gerente da sociedade executada na escritura pública de constituição da sociedade, cargo a que não renunciou.
Do depoimento da testemunha, conforme se deixou expresso na motivação da matéria de facto, para a qual se remete, nada resulta, que, faça o Tribunal considerar que o oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade
O facto de ser a sua irmã a proceder aos pagamentos dos ordenados dos funcionários e realizar todo o trabalho de escritório, não impede que o oponente tenha exercido a gerência da sociedade executada.
O oponente não ilidiu a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda.
Perante os argumentos apresentados nos presentes autos, não foi apresentado qualquer argumento comprovativo da ausência de culpa do oponente no pagamento da dívida de IVA, assim como na insuficiência do património.
No conspecto do douto petitório, não se mostra estabelecido o nexo de causalidade entre a insuficiência do património e a atuação concreta do oponente, no desenvolvimento de todos os esforços para evitar a situação de insuficiência patrimonial a que chegou a sociedade.
Na qualidade de sócio gerente da sociedade executada, competia ao oponente, praticar todos os atos a que, legalmente, se encontrava adstrito, o que inclui as obrigações de entrega das declarações fiscais e o pagamento dos tributos correspondentes, de entre outras.
A atuação do oponente é passível de censura, porquanto nas circunstâncias em concreto, podia e devia ter agido de modo diverso, atuando como gerente prudente e competente, enfim, como um “bónus pater famílias”.
O exercício efetivo da gerência de qualquer sociedade caracteriza-se pelo poder de gerir, de dirigir e orientar com autoridade todo o corpo técnico e produtivo, bem como a atividade da sociedade na prossecução do seu objeto social, vinculando a sociedade perante terceiro.
Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros, já nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho — Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2. Edição, Coimbra, 1969, pág.139.
Ora, os factos provados são suficientes para que se possa afirmar o efetivo exercício da gerência por parte do oponente.
Acresce que, a lei não exige para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas da sociedade, que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas em que se desenvolve a atividade da sociedade.
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a aceitar como atos de gerência a prática de atos de disposição ou de administração de acordo com o objeto da sociedade, em nome e em representação desta.
São gerentes de facto, quem exterioriza a vontade da sociedade, em nome e em representação desta, quem pratica atos que produzem efeitos na esfera jurídica da sociedade, quem vincula a sociedade em atos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade, cf. art.260°, n.°2, do CSC.
Resulta dos factos provados que o oponente viu contra si operar a reversão de nove processos de execução fiscal, por dívidas da sociedade devedora, tendo procedido ao pagamento de quatro desses processos.
Acresce que, conforme também se considerou provado, o oponente viu efetuada a venda de uma fração autónoma de sua propriedade no âmbito de um dos processos de execução fiscal em causa, não tendo reagido.
Ora, esta conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente pagando os seus créditos fiscais.
Tendo em conta todos os factos considerados provados e os não provados, a juntar ao facto de o oponente ter sido nomeado sócio gerente da sociedade executada e a tal cargo não ter renunciado, não restam ao Tribunal dúvidas que o oponente no referido período exerceu as funções para as quais se encontrava legalmente habilitado, tanto mais que era conhecedor da arte a que se dedicava a sociedade, condição fundamentar para poder gerir a mesma.
De salientar que, conforme se disse, incumbia ao oponente o ónus da prova, nomeadamente relativamente à questão da presunção da culpa, devendo o mesma ter demonstrado que a insuficiência do património da empresa para satisfazer os créditos fiscais não resultaram de qualquer culpa sua.
Da prova efetuada não resultou o afastamento da sua responsabilidade.
Pelo que, não pode o oponente deixar de ser responsável pelas dívidas fiscais e, enquanto tal, parte legítima para a execução. …”.

Nas alegações, o Recorrente insiste que não se deve concluir pela culpa funcional e responsabilidade do recorrente pelas dívidas fiscais da sociedade D…, Lda., sendo, deste modo, ilididos os requisitos de que depende a reversão, não podendo esta operar e afastando-se, nos termos do art.º 24.º da LGT a contrario, a responsabilidade do recorrente pelas dívidas fiscais em causa.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo a dívida exequenda proveniente de IVA de 2002, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

A partir daqui, considerando a realidade vertida no probatório, é ponto assente que o ora Recorrente figura na competente Conservatória do Registo Comercial como sócio-gerente da referida sociedade

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no artº.64, do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.
Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade.
Com efeito, é sabido que pelo serviço de finanças de Valongo 1, foi instaurado o processo de execução fiscal n.°1899200101006150 e apensos, contra a sociedade D…, Lda., NIPC: 5…, por dívidas de IVA referentes ao segundo trimestre de 2002, no valor global de € 8.503,82, sendo que contra o ora oponente foi operada a reversão de nove processos de execução fiscal, por dívidas da sociedade comercial/devedora originária.
Pois bem, quatro desses processos de execução fiscal foram extintos por pagamento em reversão - processos de execução fiscal n.°1899200701034863, n.°1899200601015273, n.°1899200201014650 e n.°1899200401013882 - cf. teor da informação do serviço de finanças de Valongo 1, a fls.18 verso dos presentes autos, mantendo-se ativos os processos de execução fiscal n.°1899200901006690, n.°1899200201514440, n.°1 899200801016644, n.°1899200101006150 e n.°1899200901043340 - cf. docs. de fls.28 a 33 dos autos.
Além disso, em Julho de 2010, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1899200801016644 e apensos, foi efetuada a venda de uma fração autónoma da propriedade do ora oponente, não tendo o oponente adotado qualquer meio de reação processual.
Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos que permitem apreender que o ora Recorrente praticou actos em representação da sociedade originária devedora, na medida em que, como bem refere a decisão recorrida, deparamos com uma conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente pagando os seus créditos fiscais, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrente na vida da sociedade, sendo que as acções acima apontadas reforçam a ideia do empenho e interesse do Recorrente na actividade da sociedade, matéria que manifestamente se afasta do alegado alheamento em relação a tal matéria.
Com efeito, não faz sentido que alguém que, afinal, era apenas um mero trabalhador, acabe a liquidar dívidas da sociedade, aparecendo a presente oposição como uma forma, não de renegar a sua ligação à sociedade, mas de dizer como que “já paguei a minha parte”.
Assim, os elementos presentes nos autos são claramente suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, pelo que a decisão recorrida não merece censura neste domínio.
Depois, quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, impõe-se todavia esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos concretos de que assim foi, como nem sequer apresentou quaisquer meios de prova capazes de ilidir tal presunção de culpa.
Na alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Mas não isso que se verificou no caso dos autos.
Com efeito, o ora Recorrente limitou-se a apontar que “não se verifica em relação ao opoente a necessária culpa funcional pela não cumprimento das obrigações fiscais da primitiva executada no período fiscal a que respeita a dívida exequenda” na medida em que desconhecia a situação económico-financeira da sociedade, referindo ainda que “ao opoente não poderá ser imputada qualquer culpa na dívida criada, na medida em que da sua parte não se verificam os pressupostos qualificadores daquele termo enquanto omissão reprovável de um dever legal de diligência”.
Ora, esta matéria eminentemente conclusiva carecia da alegação de factos concretos capazes de a evidenciar, sendo que na falta dessa alegação e bem assim da apresentação de quaisquer meios de prova capazes de ilidir tal presunção de culpa, a pretensão do Recorrente está também condenada ao naufrágio nesta sede, pois que, cabia ao ora Recorrente alegar toda a realidade que envolveu a actividade da devedora originária e que desembocou na tal falta de meios financeiros por forma a permitir um juízo sobre a conduta do ora Recorrente neste processo e, nesta medida, afastar a presunção acima apontada, situação que o probatório não contempla para permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrente não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda.
Com efeito, trata-se de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves