Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00877/12.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Esperança Mealha
Descritores:JUBILAÇÃO; REDUÇÃO REMUNERATÓRIA
Sumário:Não incorre em erro sobre os pressupostos de direito o despacho da CGA que reconheceu o direito à aposentação/jubilação de juiz, abrangido pela regra transitória do artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011, e que sobre a remuneração base considerada no cálculo da pensão fez incidir a redução remuneratória imposta pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, igual à vigente para os magistrados no ativo.
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:JLS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF de Braga que julgou procedente a ação administrativa especial intentada por JLS contra a Recorrente e, em consequência, anulou o despacho de 15.02.2012 na parte em que fixou o montante da pensão de aposentação do autor para o ano de 2012 e condenou o réu na prática do ato administrativo legalmente devido em substituição do ato anulado, fixando a pensão do autor em valor igual à remuneração mensal ilíquida auferida em 31/12/2010.

A Recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos que delimitam o objeto do recurso:

1.ª A CGA não pode conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, de acordo com a qual a pensão do A. deverá ser de valor igual à remuneração mensal ilíquida auferida em 2010-12-31.

2.ª Em face no mecanismo de indexação das pensões dos magistrados jubilados à remuneração dos magistrados da mesma categoria e escalão no ativo, carece de sentido a discussão sobre se a pensão do recorrido foi calculada com base na remuneração auferida em 2010-12-31 ou com base na auferida em 2012-02-07.

3.ª A aplicação da redução de 0,10000 à remuneração €6.129,97 – auferida pelo recorrido, numa e noutra data –, visa precisamente essa equiparação, por indexação, das pensões dos magistrados jubilados à remuneração dos magistrados no ativo. Que sofreram aquela redução. Sendo, aliás, por esse motivo, que as pensões dos magistrados jubilados não são afetadas pela Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

4.ª Como se sabe, por orientação do Governo – fundada no entendimento de que, encontrando-se os magistrados jubilados equiparados aos magistrados no ativo, ficando sujeitos às medidas de contenção orçamental definidas para estes, a aplicação de uma medida dirigidas aos pensionistas constituiria uma dupla penalização – a CGA deixou de deduzir a contestada CES às pensões dos magistrados jubilados.

5.ª Pelo que a questão cinge-se em saber se é ou não é aplicável ao cálculo da pensão do recorrido a redução salarial estabelecida no art.º 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, para os juízes no ativo. Em síntese: se é verdadeiramente aplicável o regime de indexação.

6.ª A decisão recorrida contraria frontalmente o entendimento sobre o mecanismo de indexação sucessivamente propugnado pelo STA, o qual sempre defendeu que “I - Com a entrada em vigor da Lei n. 2/90 de 20/1, que veio instituir o novo "Sistema Retributivo dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público", - e designadamente por força do seu art. 3 - a pensão de aposentação dos magistrados judiciais jubilados, passou a ser fixada e sucessiva e automaticamente atualizada de forma idêntica e em inteira correspondência com as remunerações dos magistrados no ativo de categoria e escalão equivalentes àqueles em que se verificou a jubilação. (cfr. entre muitos outros, os Ac. do STA n.º 030509, de 09-06-92, em que foi Relator Ferreira de Almeida, n.º 030406, de 14-07-92, em que foi Relator Oliveira e Castro e n.º 030650, de 24-11-92, em que foi Relator Ferreira de Almeida, todos disponíveis na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt)

7.ª Uma vez que foi por força dessa jurisprudência que a CGA passou a aplicar o mecanismo da indexação das pensões às remunerações ilíquidas dos magistrados no ativo, tal como era à data reclamado pelos magistrados jubilados, conferindo às suas pensões a “...correspondência...” com as remunerações auferidas pelos magistrados no ativo, parece-nos irrelevante a discussão sobre se a Lei do OE/2010 contém ou não norma que expressamente determine a redução das pensões dos magistrados jubilados.

8.ª De outra forma, não se compreenderia a “...inteira correspondência...” decretada pelo STA. Essa é, aliás, essa a própria essência da indexação. A pensão do jubilado é igual à remuneração do magistrado no ativo, por se considerar que o jubilado, de alguma forma, continua a ter uma ligação ao serviço (o que justificará a situação, ímpar, da percepção pelos jubilados de um abono do mesmo valor do atribuído pelo Ministério da Justiça aos magistrados no ativo).

9.ª Do ponto de vista da conformidade das reduções operadas com fundamento na Lei n.º 55-A/2010 com as disposições insertas na CRP, o contexto de sustentabilidade económica e financeira – que o Acórdão recorrido não deixa de referir, ainda que por remissão – sempre determinaria, em nossa opinião, o afastamento de qualquer juízo de inconstitucionalidade.

10.ª Senão veja-se o Acórdão n.º 613/2011, do Tribunal Constitucional, publicado em 2012-01-25 na 2.ª Série do Diário da República, nos processos n.ºs 188/11 e 189/11 – parcialmente transcrito supra em Alegações – em que também vinham invocadas normas estatutárias para defender um juízo de inconstitucionalidade, naquele caso dos artigos das normas constantes dos artigos 19.º, n.º 9, alíneas h), i), q) e t) e n.º 11, 22.º, n.º 1, parte final da alínea b), 30.º, 40.º, 42.º e 95.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (OE/2011).

11.ª Quanto à violação dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade, defende a CGA que o melhor entendimento corresponderá, não aos votos de vencido no âmbito do proc.º n.º 396/2011, de 21 de Setembro, do Tribunal Constitucional, que o Acórdão recorrido considerou ser de aderir, mas sim à decisão vertida naquele processo, que afastou o juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas vertidas nos art.ºs 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro

12.ª De referir, ainda, que não atualizar as pensões de que beneficiam os magistrados jubilados ao novo valor remuneratório decorrente da Lei n.º 55-A/2010 implicaria que magistrados jubilados com a mesma categoria e escalão passassem a ser, não 11% mas 21% superiores às remunerações dos magistrados no ativo, sendo que a diferença para os magistrados jubilados, de acordo com o novo regime (Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, que deu nova redação aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, em matéria de aposentação, reforma e jubilação), seria igualmente de 21% e não de 11%, como resulta da Lei e terá sido intenção do legislador.

13.ª Pelo que deve ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o presente a ação

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O Recorrido contra-alegou, nos seguintes termos:

1 – O douto acórdão recorrido, cuja fundamentação se dá como reproduzida, é absolutamente correto quanto ao inequívoco alcance garantístico do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, de que decorre a inaplicabilidade ao Autor das normas posteriores a 31-12-2010 sobre o cálculo de pensões.

2 – A interpretação daquela norma defendida pela Ré é incompaginável com o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), pois está-se perante uma norma que visava exclusivamente assegurar aos destinatários a não aplicação de normas posteriores sobre o cálculo de pensões.

3 – Por isso, aquele artigo 7.º, n.º 1, na interpretação defendida pela Ré no sentido de possibilitar a aplicação ao Autor das normas sobre cálculo de pensões de jubilação ou aposentação que não estavam em vigor em 31-12-2010, seria materialmente inconstitucional por violação daquele artigo 2.º na vertente de proteção da confiança.

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O Ministério Público não emitiu parecer.
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2. Factos

A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos:
A) O Autor é subscritor da Caixa Geral de Aposentações com o nº 506694/00 desde 9-8-1973.
B) Em 28-2-2010, o Autor tinha 36 anos, 6 meses e 22 dias de tempo de serviço para efeitos de aposentação.
C) O Autor exerceu funções como Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo até 7-3-2012.
D) O Autor nasceu em 29-12-1948.
E) Em 15-2-2012, o Autor tinha 38 anos e 6 meses de serviço efetivo.
F) Em 31-12-2010, o Autor auferia a remuneração mensal ilíquida de €6.129,97.
G) Na remuneração referida em F) o Autor descontava 10% para a Caixa Geral de Aposentações.
H) Em 7-2-2012, o Autor requereu ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais aposentação/jubilação, nos termos dos artigos 64º e 67º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, referindo expressamente que se encontrava na situação prevista no artigo 7º da Lei nº 9/2011, de 12 de Abril e requerendo que lhe fosse aplicado o regime legal que lhe seria aplicável em 31-12-2010.
I) Em 17-2-2012, o Autor foi notificado, através do ofício da Caixa Geral de Aposentações, I.P., datado de 15-2-2012, com a referência EAC232JS.506694/00, de que lhe foi reconhecido o direito à aposentação e o valor da pensão para o ano de 2012 era de €5.516,97, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
J) O Autor passou a receber a pensão abonada pelo Réu em 1-4-2012.
K) Em 31-10-2010, o Autor tinha mais de 60 anos e 36 anos de tempo de serviço apurado para aposentação.
L) O Réu calculou a pensão do Autor com base na remuneração mensal de €5.516,97, que o Autor auferia em 7-2-2012, data em que requereu a aposentação/jubilação.

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Por se mostrar documentado nos autos e relevante para a decisão, adita-se o seguinte facto:

M) O ofício referido na alínea I) tem o seguinte teor (doc. fls. 35 dos autos):

“Informo V. Exa. que nos termos do artigo 97.º do Estatuto da Aposentação (...) foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2012-02-15 da Direção da CGA (...), tendo sido considerada a sua situação existente em 2012-02-15 nos termos do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação. O valor da pensão para o ano de 2012 é de €5.516,97 com base nos seguintes elementos:

Tempo efetivo: 38a 08m

Tempo considerado: 36a 00m

Tempo total: 38a 08m

Remuneração base: €6 129,97 Outras remunerações base: €0,00

Remuneração total: €5.516,97 (1) Outras rem art. 47.º n.º 1 al. b): €0,00

Percentagem de Bonificação: 0,65%

(1) Na remuneração considerada foi aplicado o fator de redução de 0,10000.

O pagamento da pensão constitui encargo do serviço do ativo até ao último dia do mês em que for publicado no Diário da República passando a ser responsabilidade desta Caixa a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação.

OBSERVAÇÕES:

A pensão foi fixada com base na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo requerente como sendo aquela em que pretende aposentar-se (alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º do Estatuto da Aposentação (...)).
A pensão foi calculada com base na remuneração de magistrado da mesma categoria e escalão no ativo, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da lei n.º 2/90, de 20 de janeiro.”

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3. Direito

Emerge dos factos provados nos autos (e não contestados no presente recurso) que o Autor, aqui Recorrido, requereu a sua aposentação/jubilação em 07.02.2012, nos termos dos artigos 64.º e 67.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, referindo expressamente que se encontrava na situação prevista no artigo 7.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril (diploma que, além do mais, alterou o Estatuto dos Magistrados Judiciais) e requerendo que lhe fosse aplicado o regime legal que lhe seria aplicável em 31.12.2010, data em que auferia a remuneração ilíquida de €6.129,97, correspondente à categoria de juiz conselheiro. Por despacho de 15.02.2012, a Recorrente reconheceu-lhe o direito à aposentação, fixando o valor da pensão para o ano de 2012 em €5.516,97, tendo para o efeito tomado em consideração uma “remuneração base” no valor de €6.129,97 e uma “remuneração total” no valor de €5.516,97, por aplicação do “factor de redução de 0,10000”.

O acórdão recorrido anulou o referido despacho de 15.02.2012 na parte em que fixou o montante da pensão de aposentação do autor para o ano de 2012 e condenou a Ré/Recorrente nos pedidos.

A Recorrente alega que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, em síntese, por considerar que ao cálculo da pensão do Recorrido é aplicável a redução salarial estabelecida no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, uma vez que as remunerações dos juízes jubilados estão indexadas às remunerações dos juízes no ativo.

O Recorrido contrapõe que o entendimento do acórdão recorrido é absolutamente correto quanto ao inequívoco alcance garantístico do artigo 7.º/1, da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, de que decorre a inaplicabilidade ao Autor das normas posteriores a 31.12.2010 sobre o cálculo de pensões. Mais invoca que a interpretação daquele artigo 7.º/1, defendida pela Recorrente, no sentido de possibilitar a aplicação ao Autor das normas sobre cálculo de pensões de jubilação ou aposentação que não estavam em vigor em 31.12.2010, seria materialmente inconstitucional por violação daquele artigo 2.º na vertente de proteção da confiança.

Pelas razões a seguir indicadas, assiste razão à Recorrente, não podendo manter-se o acórdão recorrido.

O artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011 veio estabelecer um regime transitório relativo à jubilação, segundo o qual “[O]s magistrados judiciais ou do Ministério Público subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de Dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010 independentemente do momento em que o requeiram.” Estabelece esta norma transitória que os juízes e os magistrados do Ministério Público, que sejam subscritores da CGA e que até 31.12.2010 completem 36 anos de serviço e 60 de idade, podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, “nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010 independentemente do momento em que o requeiram”.

No caso em apreço, não há dúvida que o Recorrido reunia as condições para lhe ser aplicada tal norma transitória, quando, em 07.02.2012, requereu a sua aposentação/jubilação. O que significa, nomeadamente, que no cálculo da sua pensão devia ser levada em conta a “remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010”.

Ora, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, o despacho da CGA que reconheceu ao Recorrido o direito à aposentação teve em consideração o valor dessa remuneração à data de 31.12.2010, tendo apontado como “remuneração base” o valor de €6.129,97. Mas – como expressamente consta do mesmo despacho –, sobre tal remuneração base aplicou o “fator de redução de 0,10000”, assim chegando a uma “remuneração total” de €5.516,97, que foi fixada como valor da pensão para o ano de 2012. Ou seja, o despacho impugnado cumpriu o disposto no artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011, na medida em que tomou em consideração a remuneração base de um juiz conselheiro à data de 31.12.2010 (e que se mantém ainda hoje, não fora a redução remuneratória que foi entretanto imposta a título transitório); mas sobre tal remuneração base fez incidir a redução remuneratória imposta pela Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro).

Como é sabido, as sucessivas Leis do Orçamento do Estado para os anos de 2011, 2012 e 2013 (Leis n.ºs 55-A/2010, 64-B/2011 e 66-B/2012, cujas normas pertinentes foram objeto de fiscalização abstrata da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 396/2011, 353/12 e 187/13) impuseram a redução das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública e, em geral, dos servidores do Estado, incluindo dos juízes, no montante, no caso, de 10% sobre o valor total das remunerações superiores a €4.165. Depois, pela Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, foram estabelecidos os “mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão”, mantendo-se as referidas reduções remuneratórias para o ano 2014, mas prevendo a sua reversão em 20% a partir de 1 de janeiro de 2015. Finalmente, a Lei n.º 159-A/2015 de 30 de dezembro, veio determinar a “extinção da redução remuneratória na Administração Pública”, prevendo a sua progressiva eliminação ao longo do ano de 2016, com reversões trimestrais (artigo 2.º da Lei n.º 159-A/2015).

Assim, caso a referida redução remuneratória venha a ser integralmente revertida, como previsto, a pensão do Recorrido recuperará o valor que inicialmente lhe seria devido, correspondente à remuneração de um juiz no ativo, com categoria equivalente, sem qualquer redução remuneratória, no caso, a remuneração de juiz conselheiro, que o despacho impugnado, que reconheceu a aposentação/jubilação, teve em consideração como “remuneração base” a ter em atenção no cálculo da pensão.

Assim, o despacho impugnado não assenta na interpretação do artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011 que o Recorrido reputa inconstitucional (por violação do princípio da confiança), pois não aplicou à situação “normas posteriores a 31.12.2010 sobre o cálculo de pensões”.

Note-se que o despacho impugnado decidiu a aposentação/jubilação do Recorrido à luz dos critério transitoriamente fixados naquela norma do artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011 que, designadamente, estabelecia regras mais favoráveis quanto à idade e tempo de serviço necessários para a aposentação/jubilação (como resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 45/XI, que esteve na origem da Lei n.º 9/2011, as alterações às regras estatutárias sobre reforma, aposentação e jubilação dos magistrados, visavam “clarificar os fundamentos e as condições de reforma”, “adaptando-os à evolução do Estatuto da Aposentação para a generalidade dos subscritores da função pública, sem prejuízo das especificidades que justificam um tratamento próprio”, o que foi concretizado, nomeadamente, através do aumento da idade de aposentação/jubilação – cfr. Anexo II, a que se refere o artigo 67.º/1 do EMJ, introduzido pela citada Lei n.º 9/2011).

Além disso, quanto ao modo de cálculo da pensão, o despacho impugnado assenta nas regras constantes do Estatuto dos Magistrados Judiciais que, no essencial, determinam que a pensão dos juízes jubilados seja calculada tomando por referência a remuneração dos juízes no ativo.

Cumpre lembrar que o estatuto de jubilado surge como um estatuto especial, integrado por um conjunto de direitos e deveres, que são diferenciados dos que emergem da simples aposentação. Assim, os magistrados jubilados, além do mais, continuam “vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal ou serviço de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem assistir de trajo profissional às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal ou serviço, tomando lugar à direita dos magistrados em serviço ativo” (artigo 67.º/2 do EMJ ex vi artigo 57.º do ETAF/2004). A par da consagração de requisitos “mais apertados” para o acesso à jubilação, o legislador estabeleceu um regime próprio para o cálculo da respetiva pensão, nos termos do qual há uma “verdadeira indexação de remunerações” entre os magistrados no ativo e os magistrados jubilados. No artigo 68.º/4 do EMJ (na redação dada pela Lei n.º 143/99, em vigor em 31.12.2010) estabelecia-se que as “pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente atualizadas e na mesma proporção em função d aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação”; posteriormente, no artigo 67.º/6 do EMJ, na redação que foi conferida pela Lei n.º 9/2011, estabelece-se que a pensão dos magistrados judiciais jubilados é “calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no ativo de categoria idêntica”.

Apesar da diferente redação das citadas normas, que veio a ser conferida pela Lei n.º 9/2011, o regime previsto no EMJ para o cálculo da pensão do juiz jubilado não sofre alterações substantivas desde a Lei n.º 143/99, antes se constatando que, desde então, essa pensão tem estado indexada à remuneração do juiz no ativo, de categoria e escalão correspondente àqueles em que se verifica a jubilação.

Isso mesmo foi sublinhado no Acórdão do STA, de 24.09.2015, P. 0577/15, assim resumido: “Resulta dos elementos de interpretação histórico, teleológico e sistemático a que alude o art. 9° do CC a intenção de no art. 68º nº4 do EMJ na redação dada pela Lei 143/99 de 3/12 e em vigor em 31/12/010 se pretender aplicar o novo sistema retributivo que se implementou aos magistrados no ativo aos magistrados jubilados fazendo uma verdadeira indexação de remunerações.” Neste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – proferido em recurso de revista, em que estava em causa “saber se o art.º 68.º/4 do EMJ, na redação que tinha à data que da publicação da LOE/2011, autorizava a CGA a reduzir as pensões dos Magistrados Jubilados sempre que, por força de lei, as remunerações dos Magistrados no ativo também fossem reduzidas” – lê-se, além do mais o seguinte:
“O EMJ (Aprovado pela Lei 25/85, de 30/07.), logo na sua redação inicial, fixou o regime da jubilação e os direitos e obrigações dos Magistrados jubilados nos quais não se incluía o direito a verem atualizadas as suas pensões sempre que fossem as atualizadas as remunerações dos Magistrados no ativo, direito que só lhes foi reconhecido pela Lei 143/99, de 31/08, que, dando nova redação ao art.º 68.º/4 daquele Estatuto, veio estatuir que “as pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente atualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.”
O que quer dizer que até à publicação da Lei 143/99, isto é, durante cerca de 14 anos, as pensões dos jubilados se foram continuamente degradando, se comparadas com as remunerações dos Magistrados no ativo, degradação essa que o legislador daquele diploma quis estancar estabelecendo uma regra por via da qual sempre que os Magistrados no ativo vissem as suas remunerações ser aumentadas igual atualização seria aplicada aos Magistrados jubilados.
É, pois, manifestamente evidente, que a razão de ser dessa alteração legislativa foi, única e exclusivamente, a de corrigir a situação em que se encontravam os Magistrados jubilados e, por via dessa correção, estancar a degradação da sua situação económica através da equiparação das pensões às remunerações colocando os jubilados numa situação de paridade com os Magistrados no ativo. É, assim, destituído de fundamento o argumento que perpassa, ainda que de forma subtil e não inteiramente assumida, de que o legislador do diploma 143/99 quis garantir que, no futuro, os Magistrados jubilados nunca poderiam ver a sua pensão diminuída e, dessa forma, colocá-los numa situação privilegiada em relação aos ativos.
Foi essa a finalidade da Lei 143/99 e é essa finalidade que o Recorrente se recusa a aceitar vendo na nova redação do art.º 68.º/4 a concretização de uma intenção que o legislador nunca teve nem jamais expressou: a de colocar os Magistrados jubilados numa situação de privilégio em relação aos ativos e de, por essa razão, só consentir as atualizações das suas pensões quando delas pudesse resultar a melhoria da sua situação económica e de a recusar quando a mesma lhes trouxesse prejuízo.
Porque assim é, de nada vale esgrimir o argumento retirado da letra da lei – que só fala em atualização por via do aumento da pensão – uma vez que, em 1999, era impossível antever a necessidade de futuras reduções da massa salarial dos servidores do Estado e, portanto, antever a diminuição dos valores das remunerações e pensões pagas a esses servidores por causa da difícil situação económica e financeira do país. Foi essa natural incapacidade de prever o futuro e a visão optimista deste que levou o legislador a falar unicamente em «aumento das remunerações» quando pretendeu colocar os jubilados numa situação de paridade com os ativos e quando, tendo vista estancar a degradação das pensões daqueles, falou em atualização por via do «aumento das remunerações».
Ademais, não se pode falar em aplicação retroativa da nova redação do art.º 67.º/6 e 7 do EMJ ao caso sub judice uma vez que o disposto no seu art.º 68.º/4, na redação que ora importa, era omisso no tocante às consequências que poderiam advir para os Magistrados jubilados de uma redução das remunerações dos Magistrados no ativo, omissão essa que, atento histórico dessa norma e as finalidades que a sua nova redação visaram atingir, só pode ser interpretada na forma adoptada no Tribunal recorrido.
De resto, a aceitarmos a tese do Recorrente chegaríamos à conclusão de que os Magistrados jubilados seriam, a par dos portugueses com pensões mais baixas, os únicos a escapar aos sacrifícios que atingiram os portugueses nos anos de 2011 a 2014. O que, é mais do que certo, não foi querido pelo legislador.
O que nos força a considerar que, quando no art.º 68.º/4 do EMJ se alude apenas a atualização por via do aumento das pensões, isso se ficou a dever ao facto de, até então, nunca ter havido reduções de remunerações e de ser totalmente imprevisível que tal pudesse vir a acontecer. E, porque assim é, a atualização de que fala esse dispositivo tem de incluir também a possibilidade de redução das pensões.
Nesta conformidade, e como doutamente se decidiu no Acórdão recorrido, a interpretação que melhor se adequa ao que se estatui no art.º 68.º/4 do EMJ, na redação que lhe foi dada pela Lei 143/99, é aquela que permitiu a prática do ato impugnado.”
Veja-se, no mesmo sentido, ainda que tratando questão não exatamente idêntica, o Acórdão do STA, de 01.10.2015, P. 0317/15, onde se conclui o seguinte, precisamente acerca do alcance da norma do artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011: “Ora, do art. 7º da Lei n.º 9/2011 extrai-se que as pensões dos magistrados aí visados seriam calculadas sem interferência das reduções remuneratórias trazidas pela LOE para 2011 – e continuadas em leis orçamentais seguintes e na Lei n.º 75/2014, de 12/9. E, «a contrario», extrai-se também que os magistrados que se jubilassem ou aposentassem depois de 31/12/2010 sem, nessa data, reunirem as condições previstas no preceito corriam o risco de verem as suas pensões calculadas a partir das reduções remuneratórias entretanto introduzidas no sistema retributivo.
Sendo assim, o sobredito art. 7º veio reger o cálculo de certas pensões, diferenciando os magistrados a que se aplicava dos que só depois obtivessem as condições de jubilação (ou de aposentação). Mas tal norma não dizia que as pensões dos primeiros ficariam a coberto das reduções remuneratórias previstas no art. 68º, n.º 2, da LOE para 2011 – ou nos arts. 80º, n.º 2, 115º, n.º 2, 114º, n.º 2, e 118º, n.º 2, das LOE para, respectivamente, 2012, 2013, 2014 e 2015. É que uma coisa era o cálculo da pensão e outra, bem diferente, a redução remuneratória que transitoriamente incidisse sobre o seu pagamento. ”

Na linha do entendimento vertido nestes arestos do Supremo Tribunal Administrativo, dir-se-á mutatis mutandis que a interpretação do disposto no artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011, subscrita no acórdão aqui recorrido, levaria a excluir da referida redução remuneratória os magistrados que tivessem requerido a aposentação/jubilação ao abrigo desse regime transitório, o que criaria uma situação de desigualdade injustificada, designadamente em relação aos magistrados que permanecessem no ativo e a cujas remunerações as pensões daqueles estão indexadas. E, como já referido, o despacho impugnado não assenta na interpretação do artigo 7.º/1 da Lei n.º 9/2011 que o Recorrido reputa inconstitucional, pois as sucessivas normas das citadas Leis do Orçamento do Estado que impuseram reduções remuneratórias (e, concretamente, as constantes da Lei n.º , aqui em causa) não interferiram no modo de cálculo das pensões, mas antes reduziram os valores a pagar nesses anos e, concretamente, no ano de 2012 em que o Recorrido passou à situação de aposentado/jubilado. Nas palavras do Acórdão do STA de 01.10.2015, P. 0317/15, as normas que impuseram a redução remuneratória reduziram o valor da pensão, mas não a recalcularam.

Portanto, a pensão do Recorrido foi calculada em conformidade com as regras aplicáveis (o que é patente na referência feita no despacho impugnado à remuneração base considerada para esse efeito) e depois sujeita à redução remuneratória imposta pela Lei do Orçamento do Estado para esse ano, por via da indexação do valor da pensão à remuneração no ativo. Lembre-se, ainda, que é precisamente esta indexação que levou a excluir as pensões dos magistrados jubilados da contribuição extraordinária de solidariedade (CES), antes lhes sendo aplicável uma redução remuneratória igual à vigente para os magistrados no ativo.

Por tudo o que acima foi referido, conclui-se que o despacho impugnado não padece da ilegalidade que lhe vem imputada (vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito), devendo o recurso ser julgado procedente, revogado o acórdão recorrido e julgada improcedente a ação.

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4. Decisão

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar a ação improcedente.

Custas pelo Recorrido.

Porto, 21.04.2016
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia