Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00917/13.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E POR NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO. CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO.
Sumário:
I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
III) O planeamento fiscal ilegítimo “consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo”, sendo que é a este tipo de situações que irá ser aplicada a CGAA e, consequentemente serão desconsiderados os efeitos fiscais do acto ou negócio jurídico lícito praticado pelo contribuinte que desencadeou na obtenção de vantagens fiscais.
IV) O art. 38º nº 2 da LGT é complementado pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso, apontando-se os seguintes elementos: meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatário.
V) Se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.
VI) Não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais.
VII) Quanto ao art. 73º nº 10 do CIRC, esta cláusula subsiste na ordem jurídica para combater as situações de evasão fiscal no âmbito de operações ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, o que vem a acontecer sempre que um sujeito passivo de IRC se serve de uma fusão, cisão ou de uma das outras operações previstas no regime com o único propósito ou com o propósito preponderante de retirar os benefícios que daí decorrem.
VIII) A natureza dita “intermédia” da cláusula do artigo 73º nº 10 do Código do IRC deve-se à semelhança da sua estrutura com a de uma cláusula geral anti-abuso. Não obstante esta compartilhar a característica de uma cláusula específica, cingindo-se a um determinado regime específico previsto na lei (o regime da neutralidade fiscal), a sua aplicação implica, por parte da AT, um exercício analítico contextual dos contornos das operações, de forma a determinar se estão preenchidos os pressupostos necessários ao estabelecimento da presunção de abuso ali contida. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:KMGP
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 25-01-2018, que julgou procedente a pretensão deduzida por KMGP na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de IRS e juros compensatórios do exercício de 2009, no valor de 30.022,11 €.
Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 366 a 370) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1 - Nos presentes autos está em causa a liquidação de IRS e juros compensatórios, do ano de 2009, efetuada em resultado da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, bem como da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas (CIRS), com os fundamentos, de facto e de direito, explicitados no Relatório de Inspeção Tributária;
2 - No entanto, o Mm.° Juiz do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da liquidação em análise, com fundamento no facto de não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula antiabuso, tal como foi aplicada pela Administração tributária;
3 - Com todo o respeito pela douta decisão, que é muito, entende esta RFP que sendo a sentença proferida pelo Mm.° Juiz do Tribunal a quo completamente omissa relativamente à apreciação da validade da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do CIRS, colocada em causa, estamos perante uma situação de omissão de pronúncia, que ocorre quando o tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, e que determina a nulidade da sentença proferida, nos termos do art.° 615°, n.° 1, al. d) do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca no presente recurso;
4 - Entende esta RFP, ainda, que existiu erro na interpretação efetuada pelo Mm.° Juiz, na análise efetuada ao art.° 38°, n.° 2 da Lei Geral Tributária, e que conduziu à decisão por tal procedência;
5 - A procedência da impugnação fundou-se no facto de não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula antiabuso por, no entender do Mm.° Juiz do Tribunal a quo, "da prova aqui efetuada, tornou-se patente que a constituição da SGPS aqui em causa teve objetivos lícitos (...) Acresce que dos autos, não resultou que a SGPS (...) e atento os pressupostos de aplicação da cláusula anti-abuso referidos na doutrina enunciada, podemos concluir que inexiste aqui o elemento «meio»";
6 - No entanto, e tendo em vista a aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, e da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do CIRS, não foi relevada qualquer consideração de que a constituição da SGPS se consubstanciasse num negócio elaboradamente artificioso e pelo qual se pretendesse ocultar outro ou outros negócios ou atos jurídicos efetivamente pretendidos, ou que esta constituição tivesse em vista objetivos não lícitos;
7 - Efetivamente, e muito resumidamente, poderemos dizer que a AT entendeu que as operações descritas no sobredito enquadramento, nomeadamente a transformação da forma societária das cinco sociedades, de sociedades por quotas em sociedades anónimas, e a sua posterior transmissão, através de uma permuta de participações sociais, visaram essencialmente evitar que as mais-valias realizadas pela impugnante, ora recorrida, na transmissão dessas participações fossem efetivamente tributadas em sede de IRS;
8 - Pois, com estas transformações societárias procurou-se a não tributação destas transmissões, por força do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 10° do CIRS, que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, isenção esta que não era aplicável às mais-valias realizadas na transmissão de quotas;
9 - Entendeu-se que foi igualmente com esse intuito, que a ora recorrida optou por transmitir as participações nas cinco sociedades acima identificadas via o aumento do capital da adquirente, a PSGPS, SA, realizando-o mediante entrada em espécie dessas ações, o que permitiu caracterizar essa operação com uma permuta de partes sociais abrangida pelo regime de neutralidade fiscal e assim de excluir de tributação as mais-valias realizadas na transmissão das sociedades cujas ações não tinham sido detidas há mais de 12 meses;
10 - E assim sendo, a AT, na convicção de que as operações realizadas, no seu conjunto, são abusivas, recorreu a duas normas antiabuso que lhe permitiram contrariar os efeitos fiscais normais da transformação da forma societária e a subsequente permuta das partes sociais realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, desconsiderando, para efeitos fiscais, a referida transformação da forma jurídica das sociedades, ao abrigo do disposto no art.° 38°, n.° 2 da LGT, e, ao abrigo da norma antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, a AT afastou os efeitos do diferimento de tributação previsto para as operações de permuta de partes sociais realizadas sob o regime de neutralidade fiscal, estabelecido nos artigos 73° e seguintes do CIRC;
11 - Atenta a factualidade apurada, não poderia ser retirada outra conclusão, senão a de que as operações desenvolvidas de alteração da natureza jurídica das sociedades, seguidas das transmissões de todas as participações sociais para a sociedade PSGPS, SA, foram manifestamente artificiais e abusivas, permitindo obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei, é, no entanto, desconforme com o seu espírito, e visando, primordialmente, a obtenção duma mais-valia não sujeita a tributação;
12 - Nestes termos, será de concluir que a atuação da AT foi conforme à lei, justificando-se, assim, a manutenção da liquidação efetuada em resultado da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso (n.° 2 art.° 38.° da LGT), bem como da aplicação da medida antiabuso (n.° 10 do art.° 73.° do CIRC) cujos factos apurados se encontram expostos no relatório da ação inspetiva;
Nestes termos e com o douto suprimento de V." Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença recorrida declarada nula, ou revogada, assim se fazendo JUSTIÇA”
*
A recorrida KMGP apresentou contra-alegações (cfr. fls. 373 a 425), nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
a) No caso sub judice, apesar de ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, não é possível proceder à requerida reapreciação, uma vez que a recorrente, nas conclusões do recurso, não especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que foram mal interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação a esses pontos, uma decisão diferente da que foi tomada, nem indicou onde se localizam, nessa gravação o início e o termo de cada um dos depoimentos a reapreciar e que, em seu entender, impunham a alteração da referida decisão.
b) Tratando-se de gravação digital, a Recorrente não estava impossibilitada de fazer uma identificação precisa e separada dos depoimentos e de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2 do art. 585º-B.
c) Não o tendo feito, nem procedido à respectiva transcrição, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com esse fundamento, deve ser rejeitada de imediato.
d) Acresce: contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão. De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (cfr. artº 653, nº 2, do CPC).
e) Nessa perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
f) A decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida deve, assim, manter-se inalterada, tal como foi decidida pela 1ª instância.
g) Cabe à AT, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou por métodos indiciários e presuntivos.
h) A denominada "step transaction doctrine", teoria construída nos ordenamentos anglo-saxónicos e em que a Autoridade Tributária e Aduaneira alicerça a sua argumentação, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo.
i) Neste quadro, é manifesto que a transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda de acções não se afigura como o alegado epicentro de um puzzle elisivo.
j) Verifica-se, sub judice, um planeamento e uma estrutura de actos e negócios jurídicos, tanto relacionados com a reorganização empresarial como com o investimento que a motiva, que têm uma evidente justificação económica.
k) Por conseguinte, aquela transformação e venda não se assumem como actos e negócios "centrais" de um estrutura de actos e negócios jurídicos "essencial ou principalmente dirigidos" à obtenção de uma vantagem fiscal.
l) “A interpretação da norma constante do art° 38º, n° 2, da L.G.Tributária, deve ser operada em conformidade com a Constituição, sob pena de declaração da inconstitucionalidade da mesma, nomeadamente devido à violação do disposto no art°.103, da Constituição da República, o que passando muito embora pelo respeito pela liberdade de opção quanto às formas de gestão empresariais visando obter todas as vantagens fiscais possíveis, assim devendo ser restringidas as limitações públicas a tal liberdade de opção empresarial, não deve ser entendida como um direito absoluto, mas apenas aceitável no plano de razoabilidade com base num relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à óbvia constatação da existência de direitos conflituantes (cfr.art°.18, n°.2, da Constituição da República). Um dos limites à liberdade de gestão empresarial, é o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.art°.103, n°.1, da Constituição da República), estabelecendo a lei, para tanto, mecanismos de planeamento fiscal, ao mesmo tempo que visa prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais por razões de justiça social nessa medida se justificando a adopção de decisões de limitação legítima de direitos, liberdades e garantias em confronto. XVIII) Sendo certo que a liberdade de gestão fiscal tem a sua expressão nas liberdades de iniciativa económica e de empresa, contempladas nos art°s. 61, 80, al. c), e 86, da Constituição da República, também o é que a legitimação da liberdade das empresas, guiando-se pelo planeamento fiscal, passa, nomeadamente, pela escolha da forma e organização da empresa (v.g. empresa individual/empresa societária, estabelecimento estável/sociedade afiliada), do financiamento (v.g. autofinanciamento, heterofinanciamento, recurso a suprimentos), do local da sede da empresa, afiliadas e estabelecimentos estáveis, da política de gestão de défices e da política de reintegrações e amortizações. Todavia, a liberdade de gestão fiscal das empresas, vista pelo lado do Estado, concretiza-se no princípio da neutralidade fiscal, o qual tem clara expressão no art°.81, al. f), da Constituição (após a revisão efectuada pela Lei Constitucional 1/2005, de 12/8), norma em que se estabelece como incumbência prioritária do Estado, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolista e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral. Assim, não estando, nem podendo estar em causa a liberdade de escolha do contribuinte na conformação dos seus negócios, ou, dito de outro modo, não estando em causa o exercício da sua autonomia privada, o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal…” – Ac. do TCAS de 15.2.2011, Processo n.º 04255/10.
m) Não se tendo demonstrado a verificação cumulativa de todos os requisitos exigidos para aplicação da cláusula geral antiabuso, particularmente dos elementos meio, intelectual e normativo, não há lugar à aplicação da estatuição da norma, conducente à ineficácia dos negócios jurídicos no âmbito tributário, contrariamente à pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira.
n) Finalmente importa referir que as partes, dentro dos limites da lei, têm a liberdade de celebração dos contratos, a faculdade de fixar o conteúdo dos mesmos, a possibilidade de celebrar contratos típicos ou atípicos, de reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (artigo 405º do C. Civil). O desenvolvimento económico, as inovações técnicas e tecnológicas e a necessária ligação entre o direito e a realidade vivida, têm feito aparecer com acelerada frequência novos negócios jurídicos, com regulamentação própria e específica.
o) A AT não fundamenta o conceito abstracto de razões económicas válidas nem teve em conta a estrutura da sociedade PSGPS, S.A. que não se subsume a deter as participações sociais das cinco sociedades referidas mas antes sendo uma estrutura empresarial complexa.
p) No caso concreto, houve permuta de participações sociais em várias empresas por novas participações sociais numa SGPS, acções essas que foram emitidas por via de um aumento de capital social realizados por entrada em espécie daquelas participações sociais que foram avaliadas por um revisor oficial de contas e de acordo com os capitais próprios das sociedades, sendo que o sujeito passivo e os restantes sócios não receberam qualquer importância monetária pela aquisição das acções no seio da PSGPS S.A.
q) A AT não esclarece quais são os actos jurídicos ou negócios que considerou ineficaz.
r) Conclui-se que o que visou a AT foi, sem qualquer fundamento e sem conseguir perceber, ou fingindo não perceber, aplicar uma norma anti abuso sem que se encontrassem preenchidos os seus requisitos, nomeadamente, os meios fraudulentos e artificiosos e a evasão fiscal.
Termos em que se requer a V.ªs Ex.ªs que se dignem negar provimento ao recurso da Fazenda Pública, com as legais consequências.”
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso (cfr. fls.442 e 443).
*
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação da CGAA, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, bem como da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas (CIRS) enquanto suporte de liquidação impugnada.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A - Na sequência da apresentação da declaração de IRS referente ao ano de 2009, a Impugnante recebeu um ofício dos serviços da AT, datado de 26.07.2012, do qual se retira que […] no decurso do exercício fiscal de 2009 foram alienados valores mobiliários, conforme por vós comunicado na declaração modelo 4 (aquisição e/ou alienação de valores mobiliários) e não constando da declaração modelo 3 por vós submetida o(s) anexo(s) relativo(s) à manifestação dessas alienações ficam notificados, nos termos do art.º 57 º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo D. L. n. º 442-A/88, de 30 de Novembro e revisto pelo D.L. n.º 198/2001 de 3 de Julho, para no prazo de oito dias a contar da notificação apresentar as declarações de substituição modelo 3, e respectivos anexos [... ]"
(cf. docs. a fls. 29 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
B - Na sequência da notificação referida na alínea anterior, a Impugnante apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da AT para cujo conteúdo aqui se remete (cf. docs. a fls. 32 a 44 do PA).
C - Por ordem de serviço, datada de 19.07.2012 foi determinada pelos serviços da AT a realização de uma inspeção interna por referência ao IRS do ano de 2009 da ora Impugnante (cf. does. a fls. 1 a 4 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
D - Em informação dos serviços da AT, datada de 12.02.2013, conclui-se que:
[]
No exercício do direito de audição o representante do sujeito passivo não trouxe, nesta fase, nenhum elemento suscetível de alterar a posição da Administração Fiscal, pelo que se mantém a proposta inicial.
Assim, de tudo o que acima foi relatado e porque estamos perante uma atuação que permitiu aos sujeitos passivos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas praticar atos obtendo uma vantagem fiscal (não tributada de mais valias obtidas) que não seria alcançada sem a utilização desse meio, bem como, as operações de transferência de partes sociais para outra sociedade, não tendo por objetivo razões económicas válidas, tais como a racionalização ou reestruturação das atividades, propomos a aplicação das cláusulas antiabuso constante do nº 2 do art.º 38° da LGT e do nº 10 do art.º 73° do CIRC (por remissão da al. b) do n.º 9 do art.º 10 do CIRS)
[... ]"
(cf. doc. a fls. 210 a 230 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E - Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Diretor de Finanças de Coimbra, datado de 13.02.2012 (cf. doe. a fls. 210 a 230 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F - Em 01.10.2013 foi elaborado o «Projecto de Correcções (Art.ºs 60° da LGT e 60° do RCPIT)» do qual se retira que:
“[…]
No âmbito do presente procedimento de inspeção e, por cumprimento do despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (em substituição legal do director-geral) de 2013-09-20, proferido no procedimento próprio desencadeado nos termos do art.º 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que autoriza a aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA) constante do n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (LGT), resultaram correções meramente aritméticas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), na esfera do sujeitos passivo KMGP, NIF 2…74., no período de tributação de 2009, no montante de € 26.453,51. Estas correções encontram-se descritas no ponto III do presente projeto de relatório.
Da análise efetuada, foram apurados negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
Da autorização para aplicação da norma antiabuso, a que se refere o n.º 7 do art.º 63º. do CPPT, resulta a desconsideração, para efeitos fiscais, da transformação de várias sociedades por quotas em sociedades anónimas, bem como, das operações de transferência de partes sociais para outra sociedade, e a consequente tributação do ganho (mais-valias) obtido pelos sujeitos passivos com a alienação de quotas e ações (detidas por período inferior a 12 meses), uma vez que estes ganhos se encontram sujeitos a IRS e dele não isentos. O ganho obtido é considerado rendimento a enquadrar na categoria G, de IRS (Incrementos Patrimoniais), de acordo com a al. b), n.º 1 do art.º 10.º do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (doravante CIRS).
Estas transmissões de partes sociais detidas pelo sujeito passivo nas várias sociedades e, a consequente mais-valia obtida com esse negócio jurídico, deveria ter sido declarada no Anexo G - Incrementos Patrimoniais da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS no ano de 2009.
A mais-valia, apurada nos termos da alínea a) do n.º 4 do art. 10.º do CIRS, ascende a € 264.535,11, sendo tributada à taxa especial de 10%, prevista no n.º 4 do art. 72.º do diploma citado, resultando um imposto a pagar de € 26.453,51, como se demonstra de seguida:
[. ..]"
(cf. doc. a fls. 7 a 86 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G - No documento referido na alínea anterior foi aposto em 07.10.2013, despacho de concordância por parte do Sr. Chefe de Divisão (cf. doc. a fls. 4 a 23 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
H - Por ofício expedido sob registo e enviado pelos serviços da Impugnada do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à ora Impugnante, tendo esta sido convidada para «exercer o direito de audição» (cf. docs. a fls. 88 a v. 88 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
I - Na sequência da exposição escrita referida na alínea anterior, a Impugnante, através do seu Advogado, apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Impugnada na qual invocou vir exercer o seu «direito de audição» (cf. doc. a fls. 90 a 113 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
J - Em documento intitulado «Relatório/Conclusões (Art.º 620 do RCPIT)», datado de 29.10.2013, extrai-se que:
[ ..]
I. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO
No âmbito do presente procedimento de inspeção e, por cumprimento do despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (em substituição legal do director-geral) de 2013-09-20, proferido no procedimento próprio desencadeado nos termos do art.º 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que autoriza a aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA) constante do n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (LGT), resultaram correções meramente aritméticas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), na esfera do sujeitos passivo KMGP, NIF 2…74., no período de tributação de 2009, no montante de €26.453,51. Estas correções encontram-se descritas no ponto III do presente projeto de relatório.
Da análise efetuada, foram apurados negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso prevista no n.º 2 do art:º 38.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
Da autorização para aplicação da norma antiabuso, a que se refere o n.º 7 do art. 63.º do CPPT, resulta a desconsideração, para efeitos fiscais, da transformação de várias sociedades por quotas em sociedades anónimas, bem como, das operações de transferência de partes sociais para outra sociedade, e a consequente tributação do ganho (mais-valias) obtido pelos sujeitos passivos com a alienação de quotas e ações (detidas por período inferior a 12 meses), uma vez que estes ganhos se encontram sujeitos a IRS e dele não isentos. O ganho obtido é considerado rendimento a enquadrar na categoria G, de IRS (Incrementas Patrimoniais), de acordo com a al. b). n.º 1 do art. 10.º do Código do Imposto sobre o rendimentos das pessoas singulares (doravante CIRS).
Estas transmissões de partes sociais detidas pelo sujeito passivo nas várias sociedades e, a consequente mais-valia obtida com esse negócio jurídico, deveria ter sido declarada no Anexo G - Incrementos Patrimoniais da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS no ano de 2009.
A mais-valia, apurada nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 10.º do CIRS, ascende a € 264.535,11, sendo tributada à taxa especial de 10%, prevista no n.º 4 do art.º 72.º do diploma citado, resultando um imposto a pagar de € 26.453,51, como se demonstra de seguida:
[. . ]
II. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA TRIBUTÁVEL
A autorização superior para aplicação da CGAA, de acordo com o disposto no n.º 7 do art.º 63.0 do CPPT, através do despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (em substituição legal do director-geral) de 2013-09-20, consta da Informação n.º 178/2013, de 2013-07-30, da Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária - DSPCIT.
Esta informação teve por base o projeto de decisão elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra, no âmbito de procedimento próprio previsto no art.º 63.º do CPPT, em que se verificaram estar reunidos os pressupostos para aplicação da CGAA consagrada no n.º 2 do art.º 38.º da LGT. O teor deste projeto de decisão foi comunicado ao sujeito passivo através do ofício n.º 15666, de 2012-12-07 para efeitos de audição prévia, e que a seguir se inscreve e resume:
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O sujeito passivo acima identificado declarou no modelo 4, prevista no art.º 138° do CIRS, operações de alienação de participações sociais de cinco empresas (CC - ECCOP, S.A. (NIF 5…20), ZC, SA (NIF 5…23), PAI, S.A. (NIF 5…32), CPI S.A. (NIF 5…23) e MCI, S.A. (NIF 5…40)), à empresa PSGPS, S.A., NIF 5…46.
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3. Estas operações de alienação, de partes sociais embora comunicadas na Modelo 4 - aquisição e/ou alienação de valores mobiliários, prevista no artigo 138.º do CIRS, não constam da declaração de rendimentos - Modelo 3, prevista no artigo 57° do CIRS (Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), porquanto não foram entregues os anexos G - Mais-valias e outros incrementos patrimoniais e G1 - Mais-valias não tributadas.
4. O sujeito passivo foi notificado, pelo ofício 9784 de 2012/07/26 para proceder à substituição da declaração modelo 3, de forma a incluir as alienações das partes sociais (anexo 1).
5. Em resposta a esta notificação o sujeito passivo vem alegar que a transmissão destas ações concretizam "uma entrada em espécie no seio da sociedade PSGPS, S.A, configurando a figura de permuta de partes sociais art.º 73° do CIRC, à qual a Administração Fiscal reconhece neutralidade fiscal nos termos do art. 77° do CIRC, aplicável ao caso concreto nos termos do disposto no art. 10° n.º 8 e seguintes do CIRS" (anexo 2)
II. ANÁLISE DA SITUAÇÃO
A totalidade das participações sociais transmitidas por KGP foram adquiridas pela empresa PSGPS, SA, NIF 5…46.
Esta empresa foi constituída sob forma de sociedade anónima a em 22 de outubro de 2008, sendo o seu objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas. O seu capital social ascende a € 50.000,00, dividido em 50.000 ações com o valor nominal de 1€, pertencentes a:
a) 49.845 ações a MP (99,7% do capital social);
b) 50 ações a MASG;
c) 50 ações a KMGP;
d) 50 Ações a PAGP;
e) 5 ações a AJFL.
Conforme podemos constatar a quase totalidade do capital social da " PSGPS, S.A” é detido pelos sujeitos passivos, JP e pelos seus familiares (esposa e filhas) que transmitiram as participações sociais que detinham noutras sociedades também controladas pela família.
Considerando os factos atrás reproduzidos importa agora analisar a situação relativa a cada uma das participações sociais transmitidas:
1. PARTES SOCIAIS TRANSMITIDAS EM 05-06-2009
1.1 ZC, SA
- em 10/09/2003, JMP, KGP e PGP outorgaram escritura pública onde constituíram uma sociedade comercial por quotas denominada ZC, LDA com o capital social total de € 25.000,00 representado por três quotas uma de valor nominal € 15.000,00 pertencente a JP e outras duas com o valor nominal de € 5.000,00 pertencentes, cada uma delas, a KP e PP.
- em 20/01/2009 realizou-se uma Assembleia-Geral onde foi deliberado, para o que aqui nos interessa, um aumento de capital de 25.000,00, sendo uma quota de 24.800,00 subscrita pelo sócio JP e outras duas de 100,00 por cada um dos novos sócios MAG e pela empresa PSGPS, SA. Reunidos os requisitos mínimos, designadamente o n.º mínimo de acionistas (cinco), previsto no art.º 273° do Código das Sociedades Comerciais e o valor nominal mínimo do capital de 50.000,00 previsto no art.º 276 º do mesmo código, foi na mesma data (20/01) a sociedade transformada de quotas para anónima, passando o seu capital, no mesmo valor de € 50 000,00, a ser representado por 50 000 ações, com o valor nominal de um euro.
- Em 05/06/2009, o sujeito passivo KGP transmitiu a totalidade das suas ações (5000 ações), representativas de 10% do capital social da ZC, SA, à empresa PSGPS, SA, sendo as mesmas valorizadas por 268.434,30 (com base no valor do capital próprio em 31-12-2008);
1.2. CC - ECCOP, SA
- em 29/07/1983, os sujeitos passivos JMP e MASG outorgaram escritura pública onde constituíram uma sociedade comercial por quotas denominada CC - ECCOP, LDA com o capital social total de € 99.759,58 representado por duas quotas de valor nominal unitário de € 49.879,79 ficando a gerência ficado a cargo de JP.
- em 27/10/1998 ocorreu o aumento de capital social da para € 299.278,74 subscrito em dinheiro por ambos os sócios, JP com € 149.639,37 e Ma Arminda Gonçalves com € 49.879,79.
- em 26/10/2004 foi efetuado um novo aumento de capital para 600.000,00 realizado por incorporação de reservas em proporção e reforço das respetivas quotas;
- em 20/01/2009 realizou-se uma Assembleia-Geral onde foi deliberado, para o que aqui nos interessa, um aumento de capital de 300,00, com a subscrição de 3 novas quotas com o valor unitário de 100,00, por KMGP, PAGP e pela empresa PSGPS, SA. Reunidos os requisitos mínimos, designadamente o n.º mínimo de acionistas (cinco), previsto no art.º 273 º do Código das Sociedades Comerciais foi na mesma data (20/01), a sociedade transformada de quotas para anónima, passando o seu capital, no mesmo valor de 600 300,00, a ser representado por 600 300 ações, com o valor nominal de um euro.
- Em 05/06/2009, foram transmitidas as 100 ações da CC - ECCOP SA, à empresa PSGPS, SA, pelo preço total de € 854,27 (com base no valor do capital próprio da empresa em 31-12-2008).
Em resumo, após uma série de operações, nomeadamente: a transformação, em 20 de janeiro de 2009, do tipo societário de quotas para anónima das empresas CC e ZC, foi em 05/06/2009 deliberado aumentar o capital social da empresa PSGPS, SA, no montante de 8.414.098,00 (conforme ata n.º 3 da PSGPS - anexo 2), subscrito pelos acionistas mediante a transferência para a sociedade de participações sociais que detêm nessas sociedades.
O sujeito passivo, KGP subscreveu este aumento de capital recebendo 269.288 ações com o valor nominal de um 1,00, cada e transmitindo para a empresa PSGPS, SA, as partes sociais que detinham noutras sociedades, com um valor global de 269.288,00 (valor do capital próprio de cada uma das sociedades em 31-12-2008) de acordo com o quadro abaixo:
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2. PARTES SOCIAIS TRANSMITIDAS EM 15-06-2009
2.1. MCI, SA
- em 15/09/2005, JMP, AB outorgaram escritura pública onde, constituíram uma sociedade comercial por quotas denominada MI, LDA com o capital social total de 5.000,00 representado por duas quotas de igual valor nominal, cada uma delas de 2.500,00.
- em 29/10/2007 ocorreu o aumento de capital social para 100.000,00, subscrito em dinheiro e suprimentos por ambos os sócios, ficando cada um dos sócios com uma participação na sociedade de 50.000,00.
- em 05/06/2009 realizou-se uma Assembleia-Geral onde foi deliberado, autorizar a subscrição de três novas quotas por três novos sócios com o inerente aumento de capital social. Estas três novas quotas foram subscritas por KMGP e PAGP (filhas de JP) de valor unitário 100,00 e por LB (filho do outro sócio originário) com uma quota de 200,00. Reunidos os requisitos mínimos, designadamente o n.º mínimo de acionistas (cinco), previsto no art.º 273 º do Código das Sociedades Comerciais foi na mesma data (05/06), a sociedade transformada de quotas para anónima, passando o seu capital, no mesmo valor de 100 400,00, a ser representado por 100 400 ações, com o valor nominal de cinco euros.
- Em 15/06/2009, KGP transmitiu as 20 ações que detinha, na MCI, à empresa PSGPS, SA, pelo preço total de € 231,53 (com base no valor do capital próprio em 31-12-2008).
2.2. PAI, SA
- em 01/04/1991, JMP, AB e JR outorgaram escritura pública onde constituíram uma sociedade comercial por quotas denominada PAI, LDA com o capital social total de 199.530,00 representado por três quotas de igual valor nominal, cada uma delas de 66.510,00.
- em 14/12/2006 foi dividida a quota do sócio JR, ficando cada um dos outros dois sócios com uma quota igual de valor nominal de 99.765,00.
- em 05/06/2009 realizou-se uma Assembleia-Geral onde foi deliberado, autorizar a subscrição de três novas quotas por três novos sócios com o inerente aumento de capital social. Estas três novas quotas foram subscritas por KMGP e PAGP (filhas de JP) de valor unitário 100,00 e por SB (filho do outro sócio originário) com uma quota de 200, 00. Reunidos os requisitos mínimos, designadamente o n.º mínimo de acionistas (cinco), previsto no art.º 273º do Código das Sociedades Comerciais foi na mesma data (05/06), a sociedade transformada de quotas para anónima, passando o seu capital, no mesmo valor de € 199 930,00, a ser representado por 39 986 ações, com o valor nominal de cinco euros.
- Em 15/06/2009, KGP transmitiu as 20 ações que detinha, PAI, SA, à empresa PSGPS, SA, pelo preço total de 315,01 (com base no valor do capital próprio em 31-12-2008).
2.3. CPI, SA
- em 15/03/2005, JMP, AB e JF outorgaram escritura pública onde constituíram uma sociedade comercial por quotas denominada CPI, LDA com o capital social total de 15.000,00 representado por três quotas de igual valor nominal, cada uma delas de 5.000,00.
- em 01/02/2006 foi dividida a quota do sócio JF, ficando cada um dos outros dois sócios com uma quota igual de valor nominal de 7.500,00
- em 29/10/2007 ocorreu o aumento de capital social para 150.000,00, subscrito em dinheiro e suprimentos por ambos os sócios, ficando cada um dos sócios com uma participação na sociedade de 75.000,00.
- em 05/06/2009 realizou-se uma Assembleia-Geral onde foi deliberado, autorizar a subscrição de três novas quotas por três novos sócios com o inerente aumento de capital social. Estas três novas quotas foram subscritas por KMGP e PAGP (filhas de JP) de valor unitário 100,00 e por LB (filho do outro sócio originário) com uma quota de 2,00,00. Reunidos os requisitos mínimos, designadamente o n.º mínimo de acionistas (cinco), previsto no art.º 273 º do Código das Sociedades Comerciais foi na mesma data (05106), a sociedade transformada de quotas para anónima, passando o seu capital, no mesmo valor de 150 400, 00, a ser representado por 30 080 ações, com o valor nominal de cinco euros.
- Em 15/06/2009, KGP transmitiu as 20 ações que detinha na CPI, SA, foram transmitidas à empresa PSGPS, SA, pelo preço total de 100,00 (com base no valor do capital próprio em 31-12-2008).
Em resumo após a transformação, em 5 de junho de 2009, do tipo societário de quotas para anónimas das empresas MCI, PAI E CPI, que vieram a ser alienadas 10 dias depois, em 15-06-2009 foi deliberado aumentar o capital social da empresa PSGPS, SA, no montante de 506.415,00 (conforme ata n.º 4 - anexo 2), subscrito pelos acionistas mediante a transferência para a sociedade de participações sociais que detêm nessas sociedades. O sujeito passivo, KGP subscreveu este aumento de capital recebendo 646 ações com o valor nominal de um 1,00, cada, transmitindo para a empresa PSGPS, SA. as partes sociais que detinha noutras sociedades, com um valor global de € 646 (valor do capital próprio de cada uma das sociedades em 31-12-2008) de acordo com o quadro abaixo:
III. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS - APLICAÇÃO DE NORMAS ANTI-ABUSO
[…]
III. 1. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO (art. 38º n.º 2 da Lei Geral Tributária)
Como foi referido, em junho de 2009 (dias 5 e 15) as participações sociais transmitidas são relativas a empresas que foram transformadas em sociedades anónimas no decorrer do ano de 2009 (três delas 10 dias antes da sua posterior alienação).
Conforme dispõe o artigo 273 º do Código das Sociedades Comerciais constatamos que para que tal transformação pudesse ocorrer era necessário o n. o mínimo de 5 acionistas, pelo que para colmatar este requisito na data da transformação das sociedades ocorreram aumentos de capital com entrada de novos sócios, entre os quais se inclui o sujeito passivo KP, sendo que todos eles possuem relações de parentesco com os sócios originários.
Nos termos do art.º 132 º do Código das sociedades comerciais foram elaborados os relatórios justificativos da transformação do tipo societário de quotas para anónima.
Relativamente à CC e à ZC referem os respetivos relatórios: "( ... ) a adopção da forma legal Sociedade anónima proposta é mais consistente com os objectivos da sociedade e a que melhora se adapta à estrutura de uma empresa dinâmica e em desenvolvimento, através da concentração dos poderes de gestão no órgão de administração, onde possam ter assento profissionais independentes do corpo acionista. Adicionalmente a captação dos recursos necessários ao desenvolvimento dos projectos futuros da sociedade poderá implicar a abertura do capital da empresa a terceiros e a consequente mobilidade de capitais, operações que se processam de uma forma mais simples e célere numa sociedade anónima. " Com a alteração do modelo societário não se verificaram os motivos da transformação alegados no relatório, nomeadamente, no que à gestão e detentores de capital diz respeito, pois a gestão não é independente dos detentores do capital, sendo que os membros do conselho de administração são os acionistas e o capital social encontra-se distribuído unicamente por JP, sua esposa e filhas.
Relativamente à CPI, MCI e PAI referem os respetivos relatórios: "Com efeito, o recurso ao mercado financeiro encontra, por tradição, maior receptividade na figura das sociedades anónimas. Acresce, ainda, que a mobilidade do capital representado por acções traz oportunidades de acesso ao mercado de capitais que não se enquadra legalmente nas sociedades por quotas. " Com a alteração do modelo societário não se verificaram os motivos da transformação alegados no relatório, dado que da análise das demonstrações financeiras dos anos de 2008 a 2010, das respetivas empresas não se verificam alterações significativas, nomeadamente no que aos empréstimos bancários diz respeito.
As sociedades por quotas caracterizam-se pela sua simplicidade de forma e das obrigações em geral, quer internas, quer perante terceiros. De facto, as sociedades anónimas gozam de uma estrutura mais complexa e dispendiosa. A título meramente exemplificativo, refere-se o facto de estas sociedades serem obrigadas, nos termos do art.º 278º do CSC, a ter um órgão de fiscalização (conselho fiscal, fiscal único ou revisor oficial de contas). Para além disso as sociedades anónimas caracterizam-se geralmente, pela grande dispersão do capital, contudo, nas situações em análise acontece exatamente o contrário verificando-se uma concentração do capital na pessoa de JP e seus familiares (esposa e filhas). Do exposto não se deslumbram razões económicas para a transformação ocorrida em todas estas sociedades, nem se verificam os motivos invocados para a transformação que constam dos relatórios a que alude o artigo 132 º do Código das Sociedades Comerciais.
Todas as participações sociais foram transmitidas no mês de junho à Empresa PSGPS, SA constituída pouco tempo antes, em 28 de outubro de 2008, sendo o acionista maioritário JMP com uma participação social que representa 99,7% do capital social, sendo que os titulares das restantes ações são a sua esposa, filhas (PP e KP) e FL (apenas com 5 ações das 50.000 que correspondem ao capital social). Com a alteração do modelo societário destas cinco empresas, não se verificou qualquer alteração no funcionamento das mesmas já que a gestão não é independente dos detentores do capital, as decisões fundamentais para o futuro das empresas continuam "à mercê" dos sócios maioritários, contudo, com esta alteração societária procurou-se a não tributação destas transmissões, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.0 do Código do IRS, que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
Do exposto conclui-se que se encontram reunidas as condições para a aplicação da Cláusula Geral Antiabuso consagrada no art.º 38º da LGT e cujo procedimento próprio se encontra estabelecido no art.º 63º do CPPT. Na sua redação, o n.º 2 do art.º 38 da LGT estabelece que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas".
Na verdade, caso a alienação das partes sociais detidas pelos sujeitos passivos não tivesse sido concretizada sem o recurso à transformação prévia da natureza jurídica das sociedades, a mais-valia obtida com a transmissão seria objeto de tributação, em sede de IRS, tal como consagrado na alínea b) do n.º 1 do art:º 10 do CIRS. Neste sentido, a Administração Fiscal pretende considerar ineficaz, no âmbito tributário, o ato jurídico que consistiu na transformação do tipo societário, uma vez ter sido praticado com abuso das formas jurídicas e ter tido como objetivo principal a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem a utilização desses meios.
Concluindo, verificamos que através de um conjunto de operações e atos jurídicos que conduziram à alteração do tipo societário os rendimentos obtidos nestas alienações foram excluídos de tributação, o que não aconteceria se as sociedades mantivessem o tipo societário por quotas.
III. 2. CLÁUSULA ANTI-ABUSO INSERTA NO ARTIGO 73° n.º 10 do CÓDIGO DO IRC
Algumas das participações sociais transmitidas, não foram, contudo, detidas pelo sujeito passivo por um período superior a 12 meses, a saber:
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Dado que estas ações não foram detidas por um período superior a 12 meses, estariam sujeitas a tributação em IRS em sede de mais-valias realizadas, nos termos da a) do n.º 1 do art.º 9 do Código do IRS (CIRS) que dispõe que constituem incrementas patrimoniais (categoria G) "as mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte". Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do art.º 10 do diploma citado estabelece que "constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais ( ... )".
O sujeito passivo não considerou a transmissão destas ações enquadradas no normativo acima citado dado que as mesmas revestem "uma entrada em espécie no seio da sociedade PSGPS, S.A, configurando a figura de permuta de partes sociais art.º 73° do CIRC, à qual é reconhecida neutralidade fiscal nos termos do art.º 77° do CIRC, aplicável ao caso concreto nos termos do disposto no art.º 10° n.º 8 e seguintes do CIRS, conforme resposta à notificação em anexo 1.
Conforme já foi referido a sociedade PSGPS, S.A, foi constituída em outubro de 2008, pouco tempo antes de se verificar este conjunto de transmissões, que ocorreram em junho de 2009, sendo a totalidade das ações detidas por JP, esposa e filhas. Estes transmitem as partes sociais que detém em várias empresas também por si controladas. Com estas transmissões verifica-se um aumento do capital social da empresa PSGPS, S.A, de € 50 000,00 para € 8 970 513,00 realizado integralmente em espécie, com a entrega das referidas participações sociais que foram valorizadas com base no valor do capital próprio de cada uma delas à data de 31-12-2008.
Estas operações de transferência de partes sociais para outra sociedade, todas elas (sociedades adquiridas e adquirente) controladas por JP e família, não tiveram por objetivo razões económicas válidas, tais como a racionalização ou reestruturação das atividades, tanto mais que não se verificaram alterações no funcionamento das mesmas. No entanto, com a criação desta sociedade gestora de participações sociais (PSGPS, S.A), poucos meses antes, de se verificar esta transmissão de partes sociais, procurou-se a não tributação, por força do n.º 8 do artigo 10.º do Código do IRS, que dispõe que "no caso de se verificar uma permuta de partes sociais nas condições mencionadas no n.º 5 do artigo 73.º e no n.º 2 do artigo 77.º do Código do IRC, a atribuição, em resultado dessa permuta, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas, ( ... ).
Do exposto, conclui-se que se encontram reunidas as condições para a aplicação da Cláusula Antiabuso consagrada nº 10 do artigo 730 do CIRC (por remissão da al. b) do n.º 9 do artigo 10° do CIRS) que afasta a aplicação do regime especial da neutralidade fiscal, dispondo: "0 regime especial estabelecido não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que nela participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto. "
A medida antiabuso prevista no n.º 10 do artigo 73° do CIRC não está sujeita ao procedimento a que se refere o art.º 630 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (Informação Vinculativa de IRC - Processo 289012007, sancionado por despacho, de 2012.03.13), isto é, não é necessário desconsiderarem-se os efeitos da operação, mas apenas retirar os benefícios previstos no regime especial.
Concluindo, com a criação de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais para a qual foram transmitidas a totalidade das participações sociais detidas em outras cinco empresas, com um subsequente aumento de capital da empresa adquirente, subscrito pelos sujeitos passivos (JP, MA e filhas), procurou-se configurar esta operação como uma permuta de partes sociais abrangida pelo regime da neutralidade fiscal, ficando as mais-valias obtidas nestas transmissões excluídas de tributação. "
Após apreciação da matéria alegada pelos sujeitos passivos em sede do exercício do direito de audição, e da sua integração na informação, cujo ponto se transcreve de seguida, procedeu-se ao seu envio, assim como de todos os elementos relevantes recolhidos no âmbito do procedimento de inspeção, ao Gabinete do Director-geral da AT para, nos termos do n.º 7 do art. 63.º do CPPT, se obter autorização superior para a aplicação da CGAA consagrada no n.º 2 do art.º 38.º da LGT.
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V. DIREITO DE AUDIÇÃO
Pelo ofício n.º 15 666 de 07/12/2012, foi o sujeito passivo notificado para, no prazo de 30 dias, exercer o Direito de Audição de conformidade com o art. 63, nºs 4 e 5 do CPTT.
Na sequência desta notificação, a advogada do sujeito passivo (Dr. MAS), mandatada pela procuração forense que juntou, veio exercer o direito de audição, ao qual foi atribuído o registo de entrada n.º 663 de 10/01/2013.
Nos pontos seguintes transcreveremos o essencial e de relevante das alegações do contribuinte e faremos as considerações sobre cada um dos pontos contestados.
1. INTRODUÇÃO - Nos pontos 2 e 3 é feita uma análise do n.º 2 do art.º 38 da LGT e no ponto 4 refere-se: "que não basta o abuso de formas jurídicas mas também o uso de meios artificiosos ou fraudulentos, que numa leitura atenta do projeto não se conseguem alcançar, nem sequer estão elencados. "
(cf. doc. fls. 114 a 197 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K - No documento referido na alínea anterior foi aposto em 31.10.2007, pela Sra. Diretora de Finanças-Adjunta de Coimbra, o seguinte despacho: "Concordo e determino os valores para efeitos de tributação" (cf. doc. fls. 114 a 197 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
L - Por ofícios expedidos sob registo e enviados pelos serviços da Impugnada do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado (cf. docs. a fls. 198 a 200 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
M - A Impugnante recebeu a nota de notificação referente à liquidação de IRS do ano de 2009, com o valor a pagar de € 30 022,11 (cf. doe. a fls. 74 dos autos e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
N - A Impugnante recebeu a nota referente à compensação e juros compensatórios por referência ao IRS de 2009 (cf. doe. a fls. 75 dos autos e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
O - A petição inicial do presente meio processual foi remetida pelo Advogado da Impugnante para este Tribunal por correio registado expedido em 13.12.2013 (cf. fls. 1 a 76 dos autos).
P - A transformação em ações teve como objetivo motivar os potenciais investidores.
Q - O grupo tem relações comerciais quer no mercado interno, quer no mercado externo e, neste último, em Angola.
R - A estrutura do grupo permite compensar dificuldades financeiras das várias e de cada uma das empresas do grupo.
S - A PSGPS é detentora de outra sociedade para além das supra invocadas (cf. docs. a fls. 153 a 174 dos autos, que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
*
Factos Provados: os supra enunciados.
Factos não provados: não ficou demonstrado o alegado pela Impugnante no artigo 55.0 da p.i.
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Factos parcialmente provados: os invocados no art.º 45.° (alínea «Q» da factualidade), art.º 53.° da p.i (alínea «P» dos factos provados), 56.° (alínea «R» da factualidade) e 105.° (alínea «5»), todos da p.i.
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Convicção - A convicção do Tribunal quanto aos factos provados assentou na prova documental junta aos autos, nesta se incluído a inserta no PA (Processo Administrativo).
No que se refere ao alegado pela Impugnante no art.º 55.° da p.i. os factos aí descritos não ficaram demonstrados, uma vez que as testemunhas ouvidas sobre esta matéria apenas referiram que o facto de se ter constituído o grupo, tinha por objetivo obter uma maior facilidade de acesso ao crédito e não que se tivesse imposto aquela lógica de grupo como condição de acesso ao apoio bancário. Assim, tais factos foram enunciados pela lª e 2.a testemunhas ouvidas que acompanharam a transformação social da PSGPS, S.A, quer aquando da concentração das empresas que a compõem, quer ainda, antes, quando tal intenção foi demonstrada e que foi vertida na exposição a que se alude no relatório a fls. 124 do PA.
Para fundamentar a sua convicção, quanto aos demais factos alegados nas alíneas «Q», «P», «R» e «5» da factualidade assente, o Tribunal valorou como verdadeiros e isentos, os depoimentos das testemunhas ouvidas, em especial da lª testemunha, que trabalho enquanto consultor do grupo a que se alude nos presentes autos e que acompanhou a sua criação e as razões que estiveram na sua génese. Também, em sentido idêntico depôs a segunda testemunha ouvida, embora esta não tivesse demonstrado um conhecimento tão direto dos factos aqui em questão.
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente refere que nos presentes autos está em causa a liquidação de IRS e juros compensatórios, do ano de 2009, efetuada em resultado da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, bem como da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas (CIRS), com os fundamentos, de facto e de direito, explicitados no Relatório de Inspeção Tributária, sendo que o Mm.° Juiz do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da liquidação em análise, com fundamento no facto de não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula antiabuso, tal como foi aplicada pela Administração tributária, verificando-se, no entanto, que a sentença proferida é completamente omissa relativamente à apreciação da validade da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do CIRS, colocada em causa, estamos perante uma situação de omissão de pronúncia, que ocorre quando o tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, e que determina a nulidade da sentença proferida, nos termos do art.° 615°, n.° 1, al. d) do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca no presente recurso.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Nesta medida, é manifesto que a Recorrente não tem qualquer razão nesta sede, dado que, a sentença contemplou expressamente no probatório a matéria acima descrita, apontando, além do mais, que “… Na situação aqui em causa, foi invocada a realização de uma operação de concentração de diversas empresas, numa sociedade gestora de participações sociais, e tal sucedeu com a prévia transformação de várias sociedades por quotas em sociedades anónimas, seguida das operações de transferência de partes sociais para a sociedade gestora. Ora, na visão da AT tais operações teriam tido como fito beneficiar do regime então contido no n.º 8 do art.º 10.º do CIRS que, à data, consagrava um regime em que a permuta de partes sociais, dentro de certos circunstancialismos, dava lugar à não tributação da respetiva operação (tal como é, aliás, explicado no relatório final de inspeção).
Porém, da prova aqui efetuada, tornou-se patente que a constituição da SGPS aqui em causa teve objetivos lícitos, como permitir a atração de novos investidores e uma melhor partilha de recursos financeiros. Acresce que dos autos, não resultou que a constituição da SGPS se consubstanciasse num negócio elaboradamente artificioso e pelo qual se pretendesse ocultar outro ou outros negócios ou atos jurídicos efetivamente pretendidos. Ora, dito de outra forma e atento os pressupostos de aplicação da cláusula anti-abuso referidos na doutrina enunciada, podemos concluir que inexiste aqui o elemento «meio».
Por outro lado, no que se refere ao elemento «intelectual», igualmente fica por demonstrar que existisse uma intencionalidade de fuga ao imposto devido. De facto, não há indícios factuais suficientes que possam alicerçar sequer uma base minimamente sólida para que se possa sustentar tal imputada intenção à Impugnante. Por isso, não se preenche o requisito ou elemento «intelectual» no caso em apreço…”, o que equivale a dizer que o Tribunal a quo ponderou os dois tipos de operações em causa, de modo que, a situação descrita pela Recorrente apenas poderá relevar ao nível do erro de julgamento mas é insusceptível de suportar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Ainda nesta sede, cabe averiguar da questão da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto suscitada pelo Ministério Público, referindo, em termos essenciais, que o Tribunal a quo não identifica quais os documentos em que se baseou nem discrimina ou especifica o teor de cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas para se poder concluir pela sua credibilidade e isenção, não procedendo a qualquer exame crítico dos elementos de prova - documental e testemunhal - inviabilizando deste modo, a percepção dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir como decidiu.
Quanto a este segundo elemento, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 06-05-2015, Proc. nº 1340/14, www.dgsi.pt -, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
A razão da exigência de indicação da matéria de facto não provada, além da provada, que não aparece no então art. 659º nº 2 do C. Proc. Civil, está em que, no contencioso tributário, não há lugar à decisão da matéria de facto, por meio de acórdão ou despacho, próprios e autónomos, como acontece no processo civil - art. 653º nº 2 -, em que se exige a indicação dos “factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados”, sendo que no contencioso tributário, é na própria sentença que se opera tal julgamento.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontada, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que, é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, tendo-se consignado, além do mais, que “Factos Provados: os supra enunciados.
Factos não provados: não ficou demonstrado o alegado pela Impugnante no artigo 55.º da p.i.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
Factos parcialmente provados: os invocados no art.º 45.º (alínea «Q» da factualidade), art.º 53.º da p.i (alínea «P» dos factos provados), 56.º (alínea «R» da factualidade) e 105.º (alínea «S»), todos da p.i.
Convicção – A convicção do Tribunal quanto aos factos provados assentou na prova documental junta aos autos, nesta se incluído a inserta no PA (Processo Administrativo).
No que se refere ao alegado pela Impugnante no art.º 55.º da p.i.os factos aí descritos não ficaram demonstrados, uma vez que as testemunhas ouvidas sobre esta matéria apenas referiram que o facto de se ter constituído o grupo, tinha por objetivo obter uma maior facilidade de acesso ao crédito e não que se tivesse imposto aquela lógica de grupo como condição de acesso ao apoio bancário. Assim, tais factos foram enunciados pela 1.ª e 2.ª testemunhas ouvidas que acompanharam a transformação social da PSGPS, S.A, quer aquando da concentração das empresas que a compõem, quer ainda, antes, quando tal intenção foi demonstrada e que foi vertida na exposição a que se alude no relatório a fls. 124 do PA.
Para fundamentar a sua convicção, quanto aos demais factos alegados nas alíneas «Q», «P», «R» e «S» da factualidade assente, o Tribunal valorou como verdadeiros e isentos, os depoimentos das testemunhas ouvidas, em especial da 1.ª testemunha, que trabalho enquanto consultor do grupo a que se alude nos presentes autos e que acompanhou a sua criação e as razões que estiveram na sua génese. Também, em sentido idêntico depôs a segunda testemunha ouvida, embora esta não tivesse demonstrado um conhecimento tão direto dos factos aqui em questão. …”.
Presente o exposto, e considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa (sendo indicados especificamente os documentos em apreço no que concerne aos factos A a O e S, não se vislumbrando qualquer relevo ao exposto pelo Ministério Público quanto a este ponto, verificando-se que ainda que apenas foram ouvidas duas testemunhas identificadas na respectiva Acta de Inquirição, o que retira força ao exposto, dado que, é perfeitamente apreensível quem é a testemunha em apreço, existindo todos os elementos para a valorização dos respectivos depoimentos), procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, de modo que, resulta manifesto que a decisão recorrida não merece, nos seus exactos contornos, a censura que o Ministério Público lhe dirige.
A Recorrente refere depois que a procedência da impugnação fundou-se no facto de não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula antiabuso por, no entender do Mm.° Juiz do Tribunal a quo, "da prova aqui efetuada, tornou-se patente que a constituição da SGPS aqui em causa teve objetivos lícitos (...) Acresce que dos autos, não resultou que a SGPS (...) e atento os pressupostos de aplicação da cláusula anti-abuso referidos na doutrina enunciada, podemos concluir que inexiste aqui o elemento «meio»”, além de que tendo em vista a aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, e da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do CIRS, não foi relevada qualquer consideração de que a constituição da SGPS se consubstanciasse num negócio elaboradamente artificioso e pelo qual se pretendesse ocultar outro ou outros negócios ou atos jurídicos efetivamente pretendidos, ou que esta constituição tivesse em vista objetivos não lícitos.
Ora, a AT entendeu que as operações descritas no sobredito enquadramento, nomeadamente a transformação da forma societária das cinco sociedades, de sociedades por quotas em sociedades anónimas, e a sua posterior transmissão, através de uma permuta de participações sociais, visaram essencialmente evitar que as mais-valias realizadas pela impugnante, ora recorrida, na transmissão dessas participações fossem efetivamente tributadas em sede de IRS, pois, com estas transformações societárias procurou-se a não tributação destas transmissões, por força do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 10° do CIRS, que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, isenção esta que não era aplicável às mais-valias realizadas na transmissão de quotas e entendeu-se que foi igualmente com esse intuito, que a ora recorrida optou por transmitir as participações nas cinco sociedades acima identificadas via o aumento do capital da adquirente, a PSGPS, S.A, realizando-o mediante entrada em espécie dessas ações, o que permitiu caracterizar essa operação com uma permuta de partes sociais abrangida pelo regime de neutralidade fiscal e assim de excluir de tributação as mais-valias realizadas na transmissão das sociedades cujas ações não tinham sido detidas há mais de 12 meses.
E assim sendo, a AT, na convicção de que as operações realizadas, no seu conjunto, são abusivas, recorreu a duas normas antiabuso que lhe permitiram contrariar os efeitos fiscais normais da transformação da forma societária e a subsequente permuta das partes sociais realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, desconsiderando, para efeitos fiscais, a referida transformação da forma jurídica das sociedades, ao abrigo do disposto no art.° 38°, n.° 2 da LGT, e, ao abrigo da norma antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, a AT afastou os efeitos do diferimento de tributação previsto para as operações de permuta de partes sociais realizadas sob o regime de neutralidade fiscal, estabelecido nos artigos 73° e seguintes do CIRC, de modo que, atenta a factualidade apurada, não poderia ser retirada outra conclusão, senão a de que as operações desenvolvidas de alteração da natureza jurídica das sociedades, seguidas das transmissões de todas as participações sociais para a sociedade PSGPS, S.A, foram manifestamente artificiais e abusivas, permitindo obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei, é, no entanto, desconforme com o seu espírito, e visando, primordialmente, a obtenção duma mais-valia não sujeita a tributação, pelo que, será de concluir que a atuação da AT foi conforme à lei, justificando-se, assim, a manutenção da liquidação efetuada em resultado da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso (n.° 2 art.° 38.° da LGT), bem como da aplicação da medida antiabuso (n.° 10 do art.° 73.° do CIRC) cujos factos apurados se encontram expostos no relatório da ação inspetiva.
Que dizer?
Como é sabido, o art. 38º nº 2 da LGT estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual “são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.
Com referência à norma agora apontada, importa discutir o que poderá ser entendido como sendo um “meio artificioso ou fraudulento” ou um “abuso de formas jurídicas”, na medida em que se tratam de conceitos indeterminados, nem sempre fáceis de enquadrar num cenário de planeamento fiscal, sendo que neste domínio a jurisprudência comunitária já se pronunciou sobre o conceito de meio artificioso ou fraudulento aquando da decisão do caso Cadbury-Schweppes (Processo C-196/04 de 12/09/2006) n.ºs 67-68), verificando-se que na asserção do TJCE, o conceito de meios artificiosos ou fraudulentos que nos é dado pelo legislador português traduz-se no uso de “expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação do Estado-membro em causa”.
Avançando, e tendo presente o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches, diga-se que o planeamento fiscal legítimo “consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 21).
Por seu lado, o planeamento fiscal ilegítimo “consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo”.
Pois bem, é às situações que configuram planeamento fiscal ilícito ou extra legem que irá ser aplicada a CGAA e, consequentemente serão desconsiderados os efeitos fiscais do acto ou negócio jurídico lícito praticado pelo contribuinte que desencadeou na obtenção de vantagens fiscais.
Em termos de enquadramento, podemos ainda dizer que a norma acima apontada é complementada pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso, apontando-se os seguintes elementos:
- o elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida - acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos, sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal;
- o elemento resultado, que tem a ver com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente;
- o elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam»;
- o elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela»;
- e, por fim, o elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).
Pois bem, quanto ao elemento resultado, temos de conceder que analisando de uma forma isolada e objectiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das acções (actos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (actos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objecto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, o que significa que nenhuma dúvida quanto à existência deste elemento, pois a Recorrida obteve uma vantagem fiscal com a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.
No entanto, e quanto ao elemento intelectual, considerando que a Recorrente nem sequer se esforçou em colocar em crise a factualidade apurada nos autos (limitando-se a remeter para o RIT), cabe notar que este elemento se refere ao segmento da norma que aponta para a prática de actos ou a celebração de negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagem fiscal, sendo que as referências a este respeito no acto tributário em sindicância cingem-se à falta de correspondência da operação de transformação com a sua “verdadeira substância económica”, não espelhando aquela os objectivos invocados em ordem à sua realização, ou seja, o que se pretendeu foi essencialmente evitar que as mais-valias realizadas pela impugnante, ora recorrida, na transmissão dessas participações fossem efetivamente tributadas em sede de IRS.
Pois bem, no que respeita à validação, à luz de razões de ordem económica e financeira, da opção pela transformação societária, transparece, à luz da factualidade provada, a existência de um “fim comercial legítimo (“bona fide commercial purpose)”, de “uma razão empresarial legítima e não uma mera intenção de redução indevida do imposto a pagar” [as expressões são de SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2ª edição, 2002, pp. 119 e 123, respectivamente].
Efectivamente, como se apurou para os autos, subjacente à opção pela modificação da estrutura das sociedades em causa para sociedades anónimas estiveram considerações relacionadas o objectivo de motivar os potenciais investidores (alínea P) do probatório), não podendo olvidar-se que relativamente à CC e à ZC referem os respetivos relatórios: "( ... ) a adopção da forma legal Sociedade anónima proposta é mais consistente com os objectivos da sociedade e a que melhora se adapta à estrutura de uma empresa dinâmica e em desenvolvimento, através da concentração dos poderes de gestão no órgão de administração, onde possam ter assento profissionais independentes do corpo acionista. Adicionalmente a captação dos recursos necessários ao desenvolvimento dos projectos futuros da sociedade poderá implicar a abertura do capital da empresa a terceiros e a consequente mobilidade de capitais, operações que se processam de uma forma mais simples e célere numa sociedade anónima. " e no que concerne à CPI, MCI e PAI referem os respetivos relatórios: "Com efeito, o recurso ao mercado financeiro encontra, por tradição, maior receptividade na figura das sociedades anónimas. Acresce, ainda, que a mobilidade do capital representado por acções traz oportunidades de acesso ao mercado de capitais que não se enquadra legalmente nas sociedades por quotas. " Com a alteração do modelo societário não se verificaram os motivos da transformação alegados no relatório, dado que da análise das demonstrações financeiras dos anos de 2008 a 2010, das respetivas empresas não se verificam alterações significativas, nomeadamente no que aos empréstimos bancários diz respeito.
Assim, a AT, ao desconsiderar as operações em causa, não só falhou em demonstrar que a operação era unicamente dirigida pela motivação fiscal (como pretende), mas ainda que era essencial ou principalmente preordenada à obtenção de vantagem na tributação da operação de alienação, pois que nem sequer operou o “balanceamento” ou ponderação requisitados pelas normas dos artigos 38.º, n.º 2 da LGT e 63.º, n.º 9, al. b) do CPPT. A avaliação da preponderância da motivação fiscal em detrimento da não fiscal impunha, na verdade, a consideração de uma e outra, e a sua omissão inviabiliza, assim, a afirmação da prevalência da motivação de pendor fiscal.
Como se compreenderá, assente o que ficou exposto sobre a motivação não fiscal subjacente à operação de transformação, e que em concreto essa motivação não fiscal respeita justamente às vantagens inerentes à captação de recursos necessários ao desenvolvimento da actividade das agora sociedades anónimas, sendo que, face aos dados de facto que se colhem do probatório, não é possível afirmar a existência de incongruência ou desfuncionalização da operação em face dos resultados visados, revelando-se aquelas, ao invés, idóneas à consecução destes, o que coloca em crise a ideia de que a transformação da sociedade se reconduz a uma “tax driven operation” e de que a mesma foi anormalmente adoptada, em vista da obtenção da vantagem fiscal.
No que diz respeito ao elemento normativo, ganha acuidade o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sustenta que:
“(...) teremos de concluir que não podemos ter um recurso administrativo ao instituto da fraude à lei nos múltiplos sectores em que o legislador, por incúria ou falta de coragem política, deixou que se multiplicassem as situações, mesmo quando anti-sistemáticas, de não tributação de certos tipos de negócios jurídicos (...).
Consideremos, por exemplo, o que sucede com as tributações das mais-valias: se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais.
A operação em si mesma - a sociedade que se transformou em sociedade anónima tem o seu capital em poucas mãos e não vai recorrer ao mercado de capitais -, poderia ser catalogada entre as que têm uma mera motivação fiscal e, por isso, desconsiderada, mas para tal seria necessário que houvesse da parte do legislador uma intenção clara de tributar qualquer tipo de mais-valias tal como se pode discernir no texto normativo a respeito dos rendimentos de capital.” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 182).
Tal remete para uma resenha da evolução legislativa nesta matéria, onde é sabido que na redacção inicial do CIRS, previa-se já a tributação em IRS das mais-valias obtidas com a «alienação onerosa de partes sociais» (artigo 10.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), mas excluíam-se as mais-valias provenientes da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 24 meses» (artigo 10.º, n.º 2, alínea c)), limite temporal este que tinha como objectivo evidente afastar a exclusão da tributação relativamente a mais-valias que, no conceito então vigente, eram consideradas especulativas, sendo que esta regulamentação era completada com a que constava do EBF, na redacção inicial, dada pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, em que se estabelecia no seu art. 35.º, sob a epígrafe Transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas o seguinte: “Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem.”.
Esta norma, que tinha em vista o regime transitório, era completada com uma norma idêntica de aplicação permanente, que constava do artigo 18.º, n.º 5, alínea a), do EBF e estas duas normas evidenciam a enorme dimensão da preocupação legislativa em incentivar a transformação de sociedades por quotas em anónimas, que vai ao ponto de afastar a tributação em sede de mais-valias mesmo em situações em que o sujeito passivo detém as novas acções resultantes da transformação por um período muito curto, inclusivamente em situações em que a venda das novas acções é feita imediatamente a seguir à transformação, pois é precisamente a situações de detenção das novas acções por curtíssimo prazo que se aplicam as normas referidas.
Com a Lei n.º 30-B/92, de 28 de Dezembro, esta alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º passou a excluir da tributação as «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», aumentando, assim, o âmbito da não tributação da alienação de acções, ou, doutra perspectiva, a restrição do conceito de mais-valias especulativas.
A Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, reafirmou a vigência deste regime, eliminando a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, mas transpondo a sua redacção para a nova alínea b).
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, eliminou a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções, mas limitou a exclusão às acções adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo expressamente o regime anterior para as acções adquiridas antes dessa data (artigo 4.º, n.º 5, do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000).
Este novo regime não chegou a ser aplicado, pois a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabeleceu, no n.º 9 do seu artigo 147.º, que nos anos de 2001 e 2002 seria aplicável regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, depois, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, reintroduziu o regime de não tributação das mais-valias derivadas da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», ao dar uma nova redacção à alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.
Esta redacção manteve-se até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se:
Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%.
Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data.
Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109- B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos.
Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas.
O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer:
O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante.
Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado.
O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos.
Do ponto de vista sistemático, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76- A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»).
Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei:
Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”.
Neste contexto, volta a destacar-se o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sublinha que se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.
Naturalmente, tal realidade tem de ter consequências, não podendo aceitar-se a aplicação da cláusula geral antiabuso numa situação que contende com aquilo que foi o desígnio legislativo, a não ser que o mesmo seja comprometido como no caso em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável, o que não sucede no caso presente.
Assim, tem de entender-se, para além do que já ficou exposto, que foi satisfeito com as operações de transformação das sociedades por quotas em sociedades por acções o interesse que, na perspectiva legislativa, é o principal a atender, superior ao da própria tributação, o que equivale a dizer que a Recorrida actuou em perfeita sintonia com tal desígnio, verificando-se que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo, inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento.
Consequentemente, tal como decidido, não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais, o que quer dizer que o acto tributário em sindicância padece efectivamente de vício de violação de lei, na forma de erro sobre os pressupostos, o que é de molde a impor a respectiva anulação.
E quanto ao mais?
O art. 73º nº 10 do CIRC aponta que "O regime especial estabelecido não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto."
Tal como resulta claro do conteúdo da norma, esta cláusula subsiste na ordem jurídica para combater as situações de evasão fiscal no âmbito de operações ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, o que vem a acontecer sempre que um sujeito passivo de IRC se serve de uma fusão, cisão ou de uma das outras operações previstas no regime com o único propósito ou com o propósito preponderante de retirar os benefícios que daí decorrem.
A natureza dita “intermédia” da cláusula do artigo 73º nº 10 do Código do IRC deve-se à semelhança da sua estrutura com a de uma cláusula geral anti-abuso. Não obstante esta compartilhar a característica de uma cláusula específica, cingindo-se a um determinado regime específico previsto na lei (o regime da neutralidade fiscal), a sua aplicação implica, por parte da AT, um exercício analítico contextual dos contornos das operações, de forma a determinar se estão preenchidos os pressupostos necessários ao estabelecimento da presunção de abuso ali contida.
Como já ficou enunciado, no âmbito dos presentes autos, deparamos com uma permuta de participações sociais em várias empresas por novas participações sociais numa SGPS, acções essas que foram emitidas por via de um aumento de capital social realizados por entrada em espécie daquelas participações sociais que foram avaliadas por um revisor oficial de contas e de acordo com os capitais próprios das sociedades, sendo que o sujeito passivo e os restantes sócios não receberam qualquer importância monetária pela aquisição das acções no seio da PSGPS, S.A.
Neste domínio, o probatório informa que a A PSGPS é detentora de outra sociedade para além das supra invocadas, sendo que a estrutura do grupo permite compensar dificuldades financeiras das várias e de cada uma das empresas do grupo, além de que o grupo tem relações comerciais quer no mercado interno, quer no mercado externo e, neste último, em Angola.
Com este pano de fundo, cremos que ganha acuidade o exposto pela Recorrida quando refere que a AT não fundamenta o conceito abstracto de razões económicas válidas nem teve em conta a estrutura da sociedade PSGPS, S.A. que não se subsume a deter as participações sociais das cinco sociedades referidas mas antes sendo uma estrutura empresarial complexa, sendo que no caso concreto, houve permuta de participações sociais em várias empresas por novas participações sociais numa SGPS, acções essas que foram emitidas por via de um aumento de capital social realizados por entrada em espécie daquelas participações sociais que foram avaliadas por um revisor oficial de contas e de acordo com os capitais próprios das sociedades, sendo que o sujeito passivo e os restantes sócios não receberam qualquer importância monetária pela aquisição das acções no seio da PSGPS, S.A.
Nesta medida, e mais uma vez, a afirmação linear da AT, ou melhor, a sua convicção de que as operações realizadas, no seu conjunto, são abusivas está claramente posta em crise, fazendo mais sentido a posição da Recorrida quando estabelece a conexão entre o facto de a maioria do capital da SGPS ser da família do sujeito passivo e o objectivo de criar um Grupo económico em que a SGPS era a detentora do capital das sociedades participadas, mas onde os sócios das participadas adquiriam as mesmas participações no seio da SGPS, ou seja, existem razões económicas quer para a transformação quer para a entrada das participações no capital da SGPS.
Nesta sequência, tal como refere a Recorrida, citando o Prof. Saldanha Sanches
"Ora, é justamente essa possibilidade de transacção sem liquidez - que são as que mais frequentemente são realizadas em sede de reestruturação - que toma mais problemática a tributação destas operações. E isto acontece quer a reestruturação tenha lugar dentro de um grupo de sociedades, quer a expansão ou retracção seja feita entre sociedades que se encontram à normal distância do mercado; em muitos casos, a operação só vai ser feita porque não constitui um investimento no sentido de exigir a mobilização de recursos financeiros, ainda que estejam em causa valores muito elevados.
Assim, se esta operação for acompanhada de um imposto a pagar (e já veremos quais os impostos que poderão resulta destas operações), na maior parte dos casos ela não irá ser feita. A reestruturação tem vantagens porque vai (no futuro) aumentar a eficiência económica da estrutura empresarial, mas teriam de ser vantagens muito elevadas - e bem certas - para compensarem a existência do imposto. Existindo imposto, em vez da operação que iria optimizar a organização das empresas, vai procurar-se uma qualquer outra forma, ainda que menos eficiente, para compensar a desvantagem organizativa existente: as duas empresas, em vez de se fundirem (pagando elevados impostos por uma reestruturação que se destina a aumentar os lucros no futuro, mas que, em si mesma considera, não produz qualquer lucro), vão fazer um acordo de cooperação ou um consórcio. A ausência de neutralidade fiscal do sistema faz com que se procurem soluções que proporcionem alguma das vantagens da actuação em conjunto, sem que haja o custo fiscal da fusão.
Temos aqui, por isso, um caso de excesso burden: o imposto vai retirar o incentivo que as partes têm para realizar a transacção, uma vez que o montante do imposto é mais elevado que o benefício líquido que as partes retirariam (aumento da eficiência económica) da sua realização. Nem o Estado vai cobrar o imposto, nem as partes vão obter a vantagem económica que pretendiam.
Como todos os intervenientes ficam a perder no caso de operações de reestruturação que deixem de se realizar por motivos fiscais, a solução habitual do ordenamento jurídico é a não tributação destas operações, ou seja, a sua neutralidade fiscal - uma não tributação que nem sequer implica uma perda de receitas fiscais, uma vez que se trata de um imposto que, como se disse, na maioria dos casos, não seria cobrado, porque a operação não teria lugar. …”.
Deste modo, temos de concluir novamente que a AT introduziu no procedimento uma norma anti abuso sem que se encontrassem preenchidos os requisitos para o efeito, por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais, mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Outubro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos