Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03286/11.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:IEFP; APOIO REEMBOLSÁVEL E NÃO REEMBOLSÁVEL; MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:1 – Confrontado o Tribunal Central Administrativo com uma objetiva insuficiente seleção de factos relevantes pelo tribunal de 1ª Instância, verificando-se a necessidade de ser ampliada a matéria de facto por forma a permitir a correta aplicação do direito, o Tribunal de Recurso poderá determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que neste se apreciem os factos que tendo sido oportunamente alegados, se mostrem potencialmente relevantes para a decisão final a proferir.

2 – Verificada a insuficiente fixação da matéria de facto por parte do tribunal de 1ª Instância, em qualquer caso, a decisão só deverá ser anulada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes, pois que se os mesmos estiverem disponíveis o TCA deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações consideradas oportunas.

3 - Em qualquer caso, ocorrerá vício de insuficiência da decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, mormente quando da factualidade vertida na decisão se verificar faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro relativamente à matéria controvertida. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Instituto de Emprego e Formação Profissional
Recorrido 1:M.e D
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
M. e D., no seguimento da Ação Administrativa Especial que intentaram contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional IP, tendente à anulação do despacho de 24-06-2011 do Diretor do Centro da (...)/(...) que determinou a conversão do apoio não reembolsável em reembolsável e o vencimento imediato da importância em divida (39.749,18€), no âmbito do Programa Iniciativas Locais de Emprego, inconformados com o Acórdão proferido em 25 de fevereiro de 2014, através do qual foi julgada “improcedente a presente Ação”, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Formularam os aqui Recorrentes M. e D., nas suas alegações de recurso, apresentadas em 10/04/2014, as seguintes conclusões:
“1- Os cidadãos merecem que, pelo menos, seja garantido o que a Constituição, no seu artigo 20°, lhes afiança corresponder a um direito fundamental: o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
2- É deveras gritante a forma ligeira e completamente alheada da situação fáctica concreta e individual, com que o acórdão em crise decidiu a pretensão trazida a juízo pelos AA., os quais confiada e pacientemente aguardavam pela sua prolação, na inocente convicção de que tal demora refletiria a profundidade da análise que essa prolação implicava.
3- Os factos que servem de fundamento à decisão do julgador, para além de constituir a imprescindível base de decisão de direito, são o ponto de partida para o controlo a efetuar pelas instâncias superiores sobre a decisão da primeira instância relativa à matéria de facto, pois esse Venerando Tribunal pode conhecer e julgar os factos através de uma reponderação ou reexame da decisão (arts. 662° nº 1 do CPC), pode ordenar a produção de novos meios de prova (art. 662 nº 2 b) CPC), ou pode usar de poderes de rescisão ou cassatórios, anulando a decisão da primeira instância por deficiência, obscuridade ou contradição desta decisão, por se considerar indispensável a ampliação dessa matéria de facto (art, 662 n" 2 c) CPC), o que, cremos, se imporá.
4 - Como consta dos autos, o ato impugnado - despacho da Sra. Diretora do Centro de Emprego de 24/06/2011 - que determinou a resolução do contrato de concessão de incentivos (adiante designado por CCIF) celebrado com os AA, em 28/12/2004, na sequência de projeto apresentado em 15/12/2003, foi tomado com base na informação de que existia uma situação de incumprimento injustificado por parte dos proponentes, ora autores.
5 - Os AA., ora recorrentes, na ação que intentaram impugnando aquele ato, acusam-no, entre outros vícios, de erro nos pressupostos de facto, o que é dizer que impugnam que o seu comportamento na execução do projeto configure uma situação de incumprimento, e muito menos incumprimento total ou injustificado.
6- Estando em causa o cumprimento ou não, do indicado CCIF referente a projeto de Iniciativa local de emprego, importava saber que empregos gerou o projeto, em que número e durante quanto tempo, a fim de se poder extrair qualquer conclusão acerca do cumprimento do mesmo. Mais importava apurar, em sede de instrução, durante quanto tempo o projeto foi executado, se os proponentes contribuíram com dinheiro próprio para a sua efetivação, que trabalho desenvolveram, que postura tiveram perante o mesmo, que impacto a empresa por si criada teve, como foi administrada, como foi publicitada, como evoluiu a sua faturação, e por fim, como cessou. Isto, na senda do apuramento da «verdade» material a que alude o artigo 90° do CPTA, que dispõe: «No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade.»
7- O que não ocorreu, pois nada desses pontos da matéria de facto constam da matéria provada. E não é por falta de alegação, nem de meios de prova.
8- O tribunal recorrido, na decisão sobre a matéria de facto - que se impugna veementemente - dá como provado apenas 11 factos, nove dos quais correspondem «ipsis verbis» aos 9 primeiros artigos da contestação do réu (!), dos quais não foram sequer expurgadas conclusões deles constantes, que exorbitam manifestamente a matéria de facto.
9- Impugna-se a decisão de matéria de facto, que o tribunal recorrido tenta justificar no princípio da livre apreciação da prova e nas regras da experiência comum, porque não colhem os seus parcos fundamentos e porque é manifestamente insuficiente.
10 - Salvo o devido respeito, não só essa frase não chega como fundamentação da sentença, como a observância pelo tribunal «a quo» da livre apreciação da prova a que apela na justificação da decisão, não pode postergar os outros importantes princípios da investigação ou do inquisitório (art. 6° e 411° do CPC/2013), da aquisição processual (413° do CPC/2013), da universalidade dos meios de prova, os quais todos cooperam no contencioso, seja judicial, seja administrativo, como ocorreu in casu.
11 - Acresce que nos termos do n° 5 do artigo 607º do CPC/2013 a livre apreciação da prova não se estende a factos provados por documentos, que, no caso, são muitos os que constam dos autos com relevo para a boa decisão da causa, mas que o tribunal «a quo» ignorou.
12- Mais, o PA não tem valor probatório superior a quaisquer outros documentos ou a outros meios de prova legalmente admissíveis no processo judicial, o mesmo não faz fé em juízo, pelo que valem todas as regras decorrentes dos artigos 341º ss do Código Civil.
13- Atentos os amplos poderes inquisitórios que tem o Julgador, ele não se pode contentar com o que consta do PA (na versão trazida na contestação) quando existem muitos outros documentos e meios de prova ao seu dispor que visam contraditar os fundamentos ou pressupostos factuais nos quais se fundou o ato administrativo impugnado, pelo que a prova a produzir não pode, de forma alguma, ficar limitada ou condicionada pela existência do PA, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes (artigo 4º do CPC/2013).
14 - Acresce que não se conhece a análise crítica da prova feita pelo Julgador, ignora-se os motivos pelos quais se formou a sua convicção, para além da evidente adesão ao alegado pelo R. na contestação.
15 - Sobre isto nada ficou dito, sendo certo que toda a matéria alegada na p.i. e controvertida era relevante para uma decisão correta e ponderada da causa, de acordo com as várias soluções jurídicas que poderiam ser encontradas.
16 - O tribunal afirma no ponto 8. da matéria assente, existir situação de incumprimento injustificado? (fá-lo porque o ponto 6° da contestação o afirmava?!) Como é manifesto não se encontram provados quaisquer factos de onde se possa extrair essa conclusão. Sendo certo que o afirmado trata-se de uma conclusão do Réu. Ora, que se sabia, a matéria assente deve-se restringir a factos. As conclusões, extrai-as depois o tribunal na análise da matéria de facto.
17 - O tribunal afirma no ponto 3. da matéria assente que «após várias análises à execução do projeto verificou-se...» (fá-lo porque o ponto 3° da contestação o afirmava?!).
Salvo o devido respeito, o afirmado trata-se de uma conclusão do Réu. Como se acaba de afirmar, a matéria assente deve-se restringir a factos. As conclusões extrai-as, depois, o tribunal na análise da matéria de facto.
18- Afirma o tribunal no ponto 4 da matéria assente que os autores não lograram, no ano de 2009 manter os postos de trabalho. Mais uma vez, trata-se de uma conclusão, pelo que, tal como as outras, não deve integrar a matéria provada.
19- Dá o tribunal no ponto 7, como matéria assente não ter o promotor, na resposta de 11-02-2010 "trazido factos novos que pudessem alterar aquela intenção de resolução".
20- Mais uma conclusão extraída pelo Réu no item 5° da contestação, pelo que, tal como as outras, não deve integrar a matéria provada.
21- Afirma também no ponto 10 da matéria assente que os AA. não apresentaram reclamação, tal como alegado pelo Réu no item 8° da contestação, mas erradamente, porquanto os AA. usaram do exercício do direito de audiência prévia quando forma notificados da proposta de decisão, tal como consta do PA., na sequência da notificação que lhes foi feita e referida em 6 da matéria assente, onde contraditaram esse projeto de decisão.
22- Termina o acórdão com a afirmação de que «não se deram como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.» - o que se impugna e já se demonstrou não ser verdade, pois toda a factualidade alegada pelos AA. na petição foi impugnada na contestação apresentada pelo Réu, em que expressamente nos itens 11° e 12° declara que "devem ter-se por contraditados todos os factos alegados pelo Autor que estejam em desconformidade com o constante no presente articulado JJ e que "cumpre realçar a versão correta dos factos, ainda que seja diferente à expendida pelo A.
23- É, pois manifesto que não pode manter-se a decisão de facto proferida.
24- Há evidente erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, por força da incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 90º do CPTA, 266º n° 2 da CRP e ainda os artigos 5°,100°,101° n° 3 do CPA.
25- Mais, é clara e evidente a insuficiência da matéria de facto provada, perante a miríade de matéria controvertida existente nos autos, e que supra se transcreveu, da qual os AA. tinham-se proposto fazer a prova, arrolando testemunhas e juntando documentos.
26- O acórdão recorrido, louvando-se apenas na alegação do réu e seguindo o entendimento por este defendido, limitou-se a dar como provados os factos invocados pela administração, fazendo tábua rasa do alegado pelos AA. e por toda a documentação por estes junta.
27- Assiste aos AA. o direito a produzir prova. a provar como foi e em gue circunstancialismo tudo ocorreu, afim de depois, o tribunal na posse de todos os elementos, e fazendo a análise crítica da prova, ponderadamente, decidir.
28 - O tribunal recorrido entendeu, porém, gue "inexistern factos controvertidos necessitados de prova", entendimento que reiterou na parte final da decisão sobre a matéria de facto, que se vem de impugnar.
29 -0ra, isso não é verdade. Existem factos controvertidos necessitados de prova), pelo que estamos perante um erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, por força da incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 90° do CPTA, e uma decisão em gritante violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, vertido no artigo 7° do CPTA bem como do princípio pro actione e do disposto no artigo 90° n° 1 do CPTA, aplicável nos autos.
30 - Os AA. haviam alegado factos, que se propunham provar, pois o ónus da prova compete ao devedor, conforme o ónus probatório que sobre eles impendia, nos termos do artigo 342° do Código Civil que o acórdão violou.
31 - O juiz administrativo tem atualmente poderes de controle e de instrução do processo de que se não pode demitir, mesmo no âmbito de uma ação administrativa especial. Veja-se que o nº 2 do artigo 90° acima referido, expressamente remete «quanto aos mais» para «o aplicável na lei processual civil no que se refere à produção de prova», sendo que apenas pode recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário.
32 - Ocorre que, no caso, eram necessários os diferentes meios de prova sugeridos para o apuramento da matéria de facto relevante para as diferentes e possíveis soluções de direito, matéria essa que, atentas as posições expressas pelas partes, era maioritariamente controvertida.
33- Por isso, deveria o tribunal recorrido ter proferido, em obediência ao previsto na lei adjetiva (cfr. artigo 511 ° n" 1 do CPC/2007 e 596° do CPC/2013 aplicável «ex vi» dos artigos 87° n" I aí c) e 90° do CPTA), despacho saneador com elaboração de seleção de matéria assente e base instrutória. Não o tendo feito, violou os citados normativos.
34- Mais, deveria o tribunal recorrido ter iniciado a competente fase de instrução do processo quanto à matéria controvertida (base instrutória), instrução essa a que estava obrigado pelos indicados artigos 87° nº 1 c), 90° nº's 1 e 2 e 91° nº 1 do CPTA, para depois, e só então, concluir com a decisão sobre a matéria de direito, nos termos do disposto nos artigos 91° e 94° nº 2 do CPTA. Tal qual o disposto no art. 607° n.º 3 do CPC, aplicável por força do disposto no art. 1 ° do CPTA. Tal não aconteceu, mas impunha-se que assim tivesse ocorrido.
35 - Ao invés, o tribunal "antecipou" o julgamento e proferiu despacho de sentido oposto, sem fazer a condensação do processo e fixação da base instrutória e sem determinar a produção de prova. Trata-se de despacho que não forma caso julgado, de que resulta diminuição das garantias das partes, e que, por isso, pode ser sindicado pelo tribunal de recurso, tal como entendeu o recentíssimo acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 14/03/2014, no processo nº 02699/09.3BRPRT no site da dgsi.pt.
36 - Concluímos pois in casu que, uma vez que não houve acordo entre as partes quanto à dispensa de produção de prova, que toda a factualidade alegada pelos AA. na petição foi impugnada na contestação apresentada pelo Réu, sendo inequívoca a existência de matéria controvertida (e muita), o tribunal não poderia ter concluído, como concluiu "inexistem factos controvertidos necessitados de prova".
37 - Consequentemente não poderia ter omitido ou "passado por cima" de importantes fases processuais - de condensação, de instrução e de prova _ fazendo o julgamento sem as mesmas, assim fazendo precludir o direitos de ação dos AA., a quem não lhe foi dado provar a matéria alegada, conforme se propunham.
38- Existiu, por parte do tribunal recorrido uma manifesta e intolerável omissão de fases processuais relevantíssimas para os AA., e sem as quais estes veem o seu direito de acção completamente denegado, o que configura uma nulidade insanável.
39- Louvando a retórica argumentativa do mesmo, e uma vez que trata de situação absolutamente similar à dos presentes autos, transcrevemos a brilhante fundamentação do citado aresto do Tribunal Central Administrativo, cujo teor «data venia» acima transcrito ora damos integralmente reproduzido, em sede de conclusões, pela sua acutilância e pertinência.
40- Impõe-se, no âmbito dos poderes que, como tribunal superior incumbem a esse Tribunal Central, a anulação do julgamento realizado.
41-Sem prescindir, e por extrema cautela de patrocínio, sempre se dirá que padece ainda o acórdão recorrido, para além do invocado erro de julgamento, de incorreta interpretação e aplicação dos normativos em que se estriba.
42- Quanto a omissão de audição prévia, trata-se de vício que não invocado, porque não ocorreu, tendo os AA. exercido tal direito, pelo que mal andou o tribunal conhecendo questão que não lhe tinha sido colocada, mais uma nulidade.
43-Quanto ao vício de falta de fundamentação, como é bom de ver, no caso, de tal maneira o ato é falho de fundamentação que nem sequer o tribunal consegue, no controle que lhe é pedido fazer dessa decisão, concretizar minimamente os respetivos (omissos) fundamentos. E não há um único parágrafo do acórdão recorrido em que se refiram os concretos fundamentos de facto do despacho impugnado para justificar o mesmo, a sua adequação, proporcionalidade e conformidade com os normativos aplicáveis.
44 - O tribunal limita-se a reproduzir o que diz o acto: - como há violação da alínea x do contrato, há incumprimento injustificado, como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo, que não é (vide ponto 8 da matéria assente). E quando se pretende referir a factos concretos, não consegue afirmar mais do que «os factos constatados pelo R. que estribam o despacho impugnado ... » (último § fls. 428).
Mas quais? Se é assim tão fácil seguir o raciocínio de quem tomou a decisão, porque teve o tribunal dificuldade em os enunciar?
45- A decisão recorrida não explica minimamente porque motivo o Réu considera haver incumprimento por parte dos AA., quando, pelo menos desde Dezembro de 2005 até Dezembro de 2008 o contrato foi rigorosamente cumprido. Assim como não fundamenta porque considera o alegado incumprimento injustificado, o que é dizer, haver culpa por parte dos AA. no incumprimento
46- Ora, como é evidente, a relevância dessa fundamentação é enorme, porquanto o tratamento que o incumprimento tem é completamente diverso consoante o mesmo é justificado ou injustificado (sendo que só o incumprimento injustificado implica o reembolso imediato da totalidade das verbas concedidas (29.2), já que em caso de incumprimento justificado, deve o IEPF atender à regra da proporcionalidade, no cálculo da reposição dos apoios, isto é, tomar em linha de conta quer o número de postos de trabalho não preenchidos, que a duração efetiva dos mesmos, relativamente ao projecto inicialmente aprovado (29.3) - Vide Regulamento do PEOE junto aos autos com a p.i. como doc. nº 15.).
47-Atento o conteúdo do acto, que extingue um beneficio e impõe sério encargo, trata-se de um dos casos em que a lei obriga expressamente a ser fundamentado, conforme previsão da aI. a) do n° 1 do artigo 124° do CPA, normativo que o acórdão em crise viola, ao assim não considerar.
48- Mal andou o acórdão recorrido, pois que é patente a falta de fundamentação da decisão, que a lei especialmente impunha, o que determina inevitavelmente, nos termos do disposto no artigo 135° do CP A, a anulação do ato recorrido.
49- Também não andou bem o acórdão recorrido no que tange à interpretação e aplicação dos normativos invocados na petição. Desde logo, nem sequer considerou o que havia sido invocado no item 77° e sego da petição quanto a não ter sido dado cumprimento ao que expressamente determinava, in casu, o artigo 6° do DL 437/78 de 28 de Dezembro, no que há omissão de pronúncia.
50 - Dispõe o artigo 6° do DL 437178 de 28 de Dezembro) que «será declarado o vencimento imediato da dívida e obtida a cobrança coerciva da mesma, de acordo com o disposto neste diploma, se não for encontrada uma solução alternativa que assegure o nível de emprego.»
51 - Ora, essa solução foi pedida pelos AA. ao Centro de Emprego na reunião havida, e a que os factos assentes fazem referência, porém o Réu, através daquele seu Serviço, não buscou encontrá-la. Aliás, o Centro de Emprego nem sequer deu resposta à carta dos AA.
52 - Por isso, não podia, sem mais, ser declarada a resolução do contrato e declarados em dívida os montantes financiados, como foi, pelo Réu, que foi intempestiva, pelo que, tal como alegaram os AA., não tendo o acto impugnado observado o disposto no n° I do artigo 6° do DL n? 437/78 de 28/12, para o qual remete o n° 3 do artigo 25° da Portaria n° 196-A/2001 de 10 de Março, padece de vício de violação da lei.
53 - Acresce que estamos perante um contrato e não perante um acto unilateral e autoritário, pois tal como decorre do artigo 25° da Portaria n° 196/ A/200 I, o que configura a relação jurídica existente entre as partes é o vínculo contratual estabelecido através do CCIF, pelo que viola o aresto, também este normativo.
54 - Depois, e quanto aos demais vícios, a análise que faz por recurso a acórdãos que cita, nada tem a ver com a situação em causa nos autos, pois que tais acórdãos em que se estriba se referem a situações de facto completamente distintas (referem-se a situações em que os proponentes nem sequer puseram em prática o projeto ou não cumpriram o prazo previsto para o concluir), pelo que não pode ser feito o paralelismo a que na fundamentação do acórdão se apela.
55 - Note-se que, se tivesse havido fase de instrução, facilmente poderia o tribunal recorrido ter constatado essa ausência de paralelismo, pois os AA. não só executaram a totalidade do projeto, como o fizeram durante 6 anos.
56 - O tribunal omitiu-se dessa tarefa, como vimos supra, limitando-se, por isso, de forma «redonda» a concluir, na fundamentação de direito, depois de transcrever normas e o manual de procedimento: «É portanto inequívoco que tem fundamento legal a obrigação de restituir o montante recebido.» Mas não explica porquê e em que medida os factos provados (porque não os deu como provado) se enquadram neste ou naquele normativo. Não consegue explicar porque não tem um único facto que lho permita fazer.
57- Tal como invocáramos na petição, existe erro nos pressupostos de facto da decisão, bem como e sem prescindir, manifesta desproporção na medida tomada.
Ora, não tendo o tribunal permitido produzir prova acerca desses pressupostos, não podia, de forma alguma, sindicá-los, pelo que a conclusão retirada acerca do incumprimento injustificado cai pela base.
Termos em que deve ser revogada a decisão sobre a matéria de/ato, nos termos supra e sempre concedido provimento do recurso, por ser de Lei e de Justiça.”

O aqui Recorrido/IEFP veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 2 de junho de 2014, nas quais concluiu:
“1ª Os factos são claros e a lei não pode deixar de confirmar a interpretação e aplicação da lei efetuada pelo douto acórdão e, consequentemente, dar razão ao Recorrido;
2ª Por outro lado, importa referir que, o ora Recorrido atuou sempre segundo o princípio da legalidade decorrente do artigo 3.º do CPA, nomeadamente fazendo cumprir o regime decorrente da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março de 2001, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 255/2002, de 12 de Março de 2002, do próprio “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros” (CCIF), assim como do regime decorrente do Decreto – Lei n.º 437/78, de 28 de Dezembro de 1978;
3ª O n.º 4.º da Portaria, define e estabelece as normas da criação líquida de postos de trabalho e o n.º 5.º determina que o nível de emprego deve ser mantido pelo prazo mínimo de quatro anos. A alínea e) do n.º 1 da cláusula 9.ª do CCIF, materializa estas disposições, ao nível contratual;
4ª Assim, de forma clara e inequívoca, a Portaria define como objetivo primordial a criação de postos de trabalho e a sua manutenção. É nesse sentido que são concedidos os apoios. Incumprir neste âmbito, é desvirtuar a essência do próprio PEOE e retirar o mérito dos apoios concedidos, pela extinção do seu próprio objeto, isto é dos postos de trabalho;
5ª Por conseguinte, não tendo os Recorrentes cumprido com as obrigações que resultavam quer da legislação aplicável quer do contrato, ou seja, a manutenção dos postos de trabalho pelo prazo previsto nos dois normativos, tal facto configura um INCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO das obrigações que de forma livre se comprometeu a cumprir, não existindo a figura do incumprimento justificado;
6ª E, do n.º 2 do n.º 25.º da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março de 2001, que passamos a transcrever, também neste caso para elucidação definitiva do Tribunal, resulta que:
“3. Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto – Lei n.º 437/78, de 28 de Dezembro de 1978.”;
7ª O Recorrido atuou sempre no rigoroso cumprimento da Lei, e dos mais basilares princípios da boa-fé, da colaboração e respeito, nomeadamente, acatando os normativos legais e regulamentares que regem o Programa;
8ª Tem pois razão o acórdão recorrido, que apenas fez a correta e justa aplicação da lei;
9ª No âmbito das suas competências de acompanhamento e fiscalização, o Recorrido identificou falhas e deficiências no projeto, pelo que não cabia ao IEFP, I.P. outra alternativa que não a decisão de resolução do respetivo Contrato, adstrito que está ao respeito pelo princípio da legalidade;
10ª Não tem natureza contratual a relação jurídica estabelecida entre o IEFP, I.P. e os beneficiários destes apoios, as condições de concessão dos mesmos, os termos da efetivação do seu pagamento bem como as sanções pelo incumprimento dessas condições não decorrem de um acordo de vontades, encontram-se sim fixadas normativamente;
11ª Logo, o Recorrido ao praticar o ato ora impugnado apenas se limitou a aplicar os poderes vinculados que resultam dos normativos citados;
12ª Na verdade, a criação líquida de postos de trabalho é, em primeira instância, o grande objetivo do PEOE, em todas as suas vertentes, conforme se pode ler no preâmbulo da Portaria 196-A/2001, de 10 de Março:
“Com o diploma em apreço pretende-se dar continuidade e contribuir para a concretização, no domínio dos incentivos ao emprego, do esforço inaugurado com o Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril (…)” e, mais adiante, “ (…) com este sistema de incentivos intenta-se, desde já, estimular e tornar mais fácil o acesso ao emprego por parte daqueles que, dada a sua situação de desvantagem relativa, têm mais problemas para aceder ao mercado de trabalho: jovens à procura do primeiro emprego, desempregados de longa duração, pessoas com deficiência e pessoas em situação de desvantagem social (…). Desta forma, e a fim de estimular o emprego dos que encontram maiores dificuldades de inserção socioprofissional, institui-se um regime centrado na concessão de apoios técnicos e financeiros dirigidos exclusivamente a auxiliar a criação de postos de trabalho para estas categorias de pessoas, seja sob a forma de apoios à sua contratação, seja sob a forma de apoios à criação do seu próprio emprego”;
13ª Assim, da leitura quer do preâmbulo da lei quer do corpo dos artigos da Portaria 196-A/2001, de 10 de Março, resulta que os factos registados, neste caso, são avessos à manutenção dos incentivos concedidos dando lugar ao seu reembolso;
14ª Pelo que o Recorrido atuou no estrito respeito e cumprimento do princípio da legalidade decorrente do artigo 3.º do CPA;
15ª Exatamente porque o Recorrido atuou no escrupuloso cumprimento do princípio da legalidade, é que os atos praticados neste domínio são denominados de atos vinculados da Administração, ou seja, que não permitem outra tomada de decisão;
16ª Não restando ao Recorrido outra solução, sob pena de cometer grave ilegalidade que não fosse a decisão aqui em causa;
17ª Efetivamente, qualquer uma das normas ínsitas no diploma supra referidos, revela a sua natureza pública e os poderes estritamente vinculados por parte da Administração, ora Recorrido, nas suas relações com os particulares;
18ª Assim não violando, antes cumprindo e fazendo cumprir, os princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, a cujo respeito se encontra submetido, nos termos dos artigos 5.º, 6.º e 6.º-A do CPA, constitucionalmente consagrados;
19ª Ora, sendo certo que o ato recorrido exerceu poderes estritamente vinculados, sendo as sanções pelo não acatamento das condições impostas fixadas normativamente, imediatamente se poderá concluir que a decisão tomada, foi a única legalmente possível;
20ª Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que tendo a Administração de agir, vinculadamente, é o rigor da observância dos pressupostos legais que interessa à validade do ato e não os fundamentos concretos que tenha adotado (Neste sentido veja-se o Acórdão do STA de 29-04-98 proc. 035534);
21ª Os Recorrentes poderão não se conformar com a decisão tomada, não poderão é, face aos documentos constantes do processo administrativo, alegar desconhecer as razões que conduziram o Recorrido a decidir a revogação do ato de financiamento do apoio concedido e ordenar a devolução do apoio;
22ª Neste sentido, o acórdão além de ter feito uma correta interpretação das normas legais em causa, não se encontra ferido das nulidades invocadas pelos Recorrentes;
23ª Pelo que, salvo melhor entendimento, devem improceder todas as conclusões dos Recorrentes, devendo ser confirmada a decisão recorrida e negando-se provimento ao recurso.
(...)
NESTES TERMOS,
- Deve o recurso ser julgado improcedente com as legais consequências;
- Deve ser negado provimento ao recurso interposto, em toda a matéria alegada, obtendo-se confirmação da douta sentença recorrida;
(...)
Decidindo, pois, o Douto Tribunal, no sentido ora exposto, consolidará a verdade dos factos, consagrará o sentido correto do direito e fará a costumada JUSTIÇA!”

Em 24 de abril de 2014 é proferido despacho de admissão do Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 1 de setembro de 2014, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, designadamente verificando primariamente as suscitadas insuficiências da matéria de facto fixada, o que se terá repercutido no sentido da decisão proferida, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada:
“1. A 20 de Dezembro de 2004 foi aprovada no Centro de Emprego da (...)/(...) uma candidatura ao Programa de Estímulo à Oferta de Emprego na modalidade de Iniciativas Locais de Emprego, para a criação duma empresa na área de atividades conexas à informática - cfr. fls. 1 a 33 do PA apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
2. A 21 de Dezembro de 2004, foi assinado o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, e das obrigações cometidas ao promotor destacam-se na Cláusula 9.ª:
"1. a) Executar integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos e prazos fixados em sede de candidatura ( ... );
b) Apresentar ao Centro de Emprego competente, no prazo máximo de 60 dias úteis, contados a partir do termo do prazo para a execução integral do projeto, os documentos necessários (...)
c) Satisfazer as condições pós-projeto legalmente previstas;
d) (...)
e) Não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos, contados a partir da data do pagamento do apoio à criação dos postos de trabalho, e substituir qualquer trabalhador vinculado ao SEGUNDO OUTORGANTE por contrato de trabalho sem termo por outro, nas mesmas condições, no prazo de 45 dias úteis, quando se verifique, por qualquer motivo a cessação do contrato de trabalho;
2. b) Comunicar ao PRIMEIRO qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos às condições de acesso que permitiram a aprovação da candidatura, bem como a sua realização - cfr. fls, 238 a 252 do P.A. apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
3. Após várias análises à execução do projeto verificou-se que a autorização de pagamento do último posto de trabalho criado e objeto de apoio ocorreu em 30.11.2005 - cfr. fls. 453 a 460 do P.A. apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
4. Os AA., no ano de 2009, não lograram manter os postos de trabalho cujo número haviam proposto no projeto apresentado, tendo reunido com a Diretora do Centro de Emprego de (...), em 13.02.2009, que lhes sugeriu que formalizassem por escrito que haviam transmitido naquela reunião.
5. O que fizeram em 06.03.2009 nos termos do documento n° 14 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. Em 25 de Janeiro de 2010, por oficio n° 30 1 IDN-EPV/2010, o Centro de Emprego informou, nos termos e para os efeitos do art.° 100 do CPA que era intenção proceder à resolução do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros anexando para o efeito a informação 10135/DN-EPV/2009, de 24-11-2004, devido à não manutenção dos postos de trabalho, para o qual tinha obtido apoio - Cfr. fls. 537 e 538 do P.A. apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
7. Em 11-02-2010 o promotor respondeu por escrito ao Centro de Emprego, não tendo trazido factos novos que pudessem alterar aquela intenção de resolução.
8. Dada a situação de incumprimento injustificado, através da Informação n.º 1587/DN-EPV, de 15 de Junho de 2011, foi proposto a resolução do contrato de incentivos e consequentemente a conversão do subsídio não reembolsável em reembolsável, o vencimento imediato da dívida e a instauração do processo de cobrança coerciva - cfr. fls. 618 a 625 do P.A. apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
9. Sobre a mesma foi exarado em 24 de Junho de 2011 o seguinte despacho da Diretora do Centro de Emprego "Concordo. (...) determino a resolução do CCIF. Promova-se a notificação à entidade." - cfr. fls. 625 do PA apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
10. Os AA. não apresentaram Reclamação.
11. Aquele despacho e respetivo conteúdo e fundamentos foram alvo de notificação ao A. em 24-06-2011 através do oficio n° 22711DN-EPV/2011 - cfr. fls, 579 do P.A. apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

IV – Do Direito
Analisemos pois o recurso interposto.
Foi originariamente peticionado pelos Autores a anulação do despacho de 24.06.2011 do Diretor do Centro de Emprego de (...)/(...) que determinou a conversão do apoio não reembolsável em reembolsável e o vencimento imediato da importância em divida (39.749,18€), no âmbito do Programa Iniciativas Locais de Emprego.

Correspondentemente, decidiu o tribunal a quo julgar a Ação improcedente.

O despacho objeto de impugnação resultou de uma primeira notificação no sentido de que era intenção proceder-se à resolução do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, tendo vindo a ser proferido despacho definitivo em 24 de Junho de 2011 determinando a resolução do CCIF (Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros).

Sumariamente, e no que aqui releva, discorreu-se na decisão recorrida:
“(...) Nos presentes autos é pedida a anulação do despacho da Diretora do Centro de Emprego de (...)/(...), notificado ao Autor em 24 de Junho de 2011, e que determinou a conversão do apoio não reembolsável em reembolsável e o vencimento imediato da importância em dívida (no montante de €39.749,18), no âmbito do Programa Iniciativas Locais de Emprego.
Entendem os AA. que o despacho em questão interpreta mal as disposições do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros (CCIF) celebrado e da Portaria 196- A12001, mais incorrendo nos vícios de falta de fundamentação e atentando contra os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, proteção dos direitos e deveres dos cidadãos, da igualdade e da proporcionalidade, boa fé, Justiça e imparcialidade, colaboração com os particulares, participação e desburocratização. Portanto:
O que está aqui em causa é saber se o Réu (R.) atuou em violação da lei, de alguma forma, ao proferir a decisão que aqui vem sindicada. Em especial, discute-se se fundamentou devidamente, nos termos em que lho exige o art." 124° e 125° do Código de Procedimento Administrativo, se violou o desiderato da Portaria n° 196-A/2001, de 10.03 e se observou os deveres que lhe impõe o art." 3° daquele Código de Procedimento Administrativo.
As AA. entendem, ainda, que foi preterida a observância dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, proteção dos direitos e deveres dos cidadãos, da igualdade e da proporcionalidade, boa fé, justiça e imparcialidade, colaboração com os particulares, participação e desburocratização.
Conforme explicaremos infra não lhes assiste razão.
Quanto à alegada falta de audiência prévia, por não ter sido notificado para exercer o direito de audição previsto no art° 100° do CPA.
(...)
Do que podemos apurar dos autos, parece-nos ter sido respeitado, no seu âmago, o desiderato da consagração legal do direito de audiência prévia.
De qualquer forma, ainda que se entendesse ter sido preterida tal formalidade, é cada vez mais corrente o entendimento de que a preterição de formalidades apenas poderá redundar na anulabilidade do ato quando não seja suscetível de ser degradada (cfr. neste sentido Rui Machete em cuja relevância processual dos vícios procedimentais no novo paradigma da justiça administrativa" in: separata da "Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território", editada pela Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, 2006, n. 013, págs. 30 e seg.''). Tratar-se-á da assunção de princípio segundo o qual utile per inutile non vitiatur, o que ocorrerá, fundamentalmente, quando se possa concluir que o exercício do direito de audiência alegadamente preterido em nada alteraria a decisão em questão, conforme sucederia nos presentes autos, uma vez que os argumentos que pudessem ser trazido à colação não lograriam alterar o sentido da decisão, atentas as conclusões a que as inspetoras haviam chegado, no seguimento de deslocação/inspeção do local em questão (e que haviam transmitido superiormente), condicionando inelutavelmente o desfecho de todo o procedimento, de cariz praticamente vinculado.
(...)
Quanto à fundamentação, esta não merece reparos, conforme veremos infra.
Note-se que esta (a fundamentação) é um dever genérico da Administração, na sua atuação. O art. 124º do Código do Procedimento Administrativo, na esteira do n.º 3 do art. 2680 da Constituição da República Portuguesa, consagra um dever geral de fundamentação dos atos administrativos, dever que o art, 1250 do Código do Procedimento Administrativo concretiza.
(...)
A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo do acto. Traduz-se isto em dizer que o particular deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do "itinerário cognoscitivo e valorativo" seguido para a tomada de decisão. Só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão: só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso. Pretende-se, pois, que fique ciente do modo e das razões por que se decidiu num ou noutro sentido.
Neste caso, tal desiderato foi plenamente conseguido. A jurisprudência tem entendido que tal assim é ainda que por remissão para informação que igualmente seja remetida destinatários do ato em crise (o Supremo Tribunal Administrativo tem considerado válida esta forma de fundamentação - cfr., por exemplo, o acórdão n° 064/03, de 15.01.2004).
Tanto assim foi que as AA. lograram, nos respetivos articulados, aduzir argumentos (independentemente da sua validade) pretendendo rebater os fundamentos usados para sustentar a posição tomada na decisão em crise.
Quanto à alegada violação de lei, mormente na forma de erro nos seus pressupostos:
Na dogmática jurídico-administrativa, define-se vício de violação de lei como sendo o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis ou, dito de outra forma, o vício que afeta o ato praticado em desconformidade com os requisitos legais vinculados respeitantes aos respetivos pressupostos ou objeto (cfr. neste sentido o Prof. Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, III vol., pp. 303 e o Dr. Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pp. 559 e segs).
(...)
Tal vício produz-se, normalmente, no exercício de poderes vinculados, mas também pode ocorrer no exercício de poderes discricionários, quando, designadamente, sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, maxime os princípios constitucionais, da imparcialidade, da igualdade, da justiça, etc,"
Analisando a teleologia da Portaria nº 196-A/2001, mormente por recurso à simples leitura do seu preâmbulo, conclui-se que tal diploma pretende, fundamentalmente, de acordo com o seu preâmbulo e o art." 9°: " ... criação de novas entidades, independentemente da respetiva forma jurídica e que originem a criação líquida de postos de trabalho, contribuindo para a dinamização das economias locais, mediante a realização de investimentos de pequena dimensão. "
Diz o art.º 4°, nº1, desta Portaria nº 196-A/2001, de 10.03 que " ... para efeitos do disposto no presente diploma, apenas serão apoiados os projetos que assegurem a criação líquida de postos de trabalho .. mais precisando, no seu nº" 2, que" ... se considera criação liquida de postos de trabalho, para efeitos do presente diploma, o aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados, mediante a celebração de contrato de trabalho sem termo, à entidade empregadora, em resultado, designadamente, de um novo projeto de investimento "
Por sua vez, prescreve o art.º 5° da mesma Portaria:
"Manutenção do nível de emprego
Os promotores, sem prejuízo das obrigações específicas que venham a ser estabelecidas através do contrato de concessão de incentivos .. obrigam-se a manter o nível de emprego atingido por via do apoio concedido pelo prazo mínimo de quatro anos contados a partir da data da concessão dos apoios.
Diz o art." 13° desta Portaria que:
i - Os apoios previstos nos termos dos nos 10. o e ii. o serão atribuídos aos projectos de iniciativas locais de emprego em que:
a) Pelo menos metade dos respetivos promotores, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do n.º 2. - têm de se encontrar numa das situações previstas nos nºs 6.º e 7.º;
b) A respetiva execução não pode ter sido iniciada, à data de apresentação da candidatura, há mais de 60 dias úteis nem encontrar-se integralmente concluída à mesma data;
As entidades a constituir não podem ter dimensão superior a 20 trabalhadores;
Os postos de trabalho a criar têm de ser obrigatoriamente preenchidos por trabalhadores que se encontrem numa das situações previstas nos nºs 6.º e 7.º do presente diploma, mediante a celebração de contratos de trabalho sem termo, que assegurem o respetivo emprego a tempo inteiro;
(...)
Igualmente, do CCIF assinado pelos Autores, constam obrigações, bem explicitadas, sobretudo na cláusula 93, n" 1, nas suas várias alíneas.
Segundo, o art.º 11°, nº 5, da Portaria acima referida:
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte. a não execução do projeto nos termos constantes do contrato de concessão de incentivos e no prazo previsto no n.º 3 do n.º 13.º é fundamento bastante para a respetiva resolução unilateral, com a consequente restituição dos apoios atribui dos pelo IEFP.
Ora, foi com os Autores que fora celebrado o CCIF, tendo sido estes que se comprometeram com o R. a cumprir os objetivos imperativos de acordo com a Portaria n° 1 96-A/2001, de 10.03.
No fundo, o ato sindicado vem na sequência da atividade de controlo, levada a cabo pelos serviços do R. e que funciona a posteriori e nos moldes acima, visando garantir a conformidade com os objetivos contratual e legalmente estipulados.
(...)
Da leitura do preâmbulo da lei, do corpo dos artigos acima citados, da Portaria nº 196-A/2001, bem como do próprio clausulado do CCIF resulta que os factos constatados pelo R. e que estribam o despacho impugnado serão avessos à manutenção dos incentivos concedidos dando lugar ao seu reembolso, nos termos do nº 3 do art.° 25º da Portaria.
O art° 26°, n.º 3 da Portaria na 196-Al2001, de 10 de Março, com as alterações introduzidas pela Portaria na 255/2002, de 12 de Março, que se passa a transcrever, estabelece o seguinte: "(... ) Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei na 437/78, de 28 de Dezembro. (...)"
Isto resulta, aliás, do clausulado do Contrato de Concessão de Incentivos, mais concretamente do ponto 3 da Cláusula 13°, onde se diz que: "(...) No caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de incentivos, da Portaria na 196-A/2001, de 10 de Março (...) será resolvido este contrato (...) declarado o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas (...)"
(...)
É portanto inequívoco que tem fundamento legal a obrigação de restituir o montante recebido.
Verificado pelo Réu o incumprimento das prerrogativas constantes dos artigos constantes da portaria acima referidos e do clausulado contratual, poderá rescindir o mesmo. É uma faculdade sua. Neste caso, atenta a irregularidade observada, o R. dispunha de fundamentos para tal rescisão, não sendo viável a pretensão dos AA. no sentido de o R. estar adstrito a algum dever de proporcionalidade, optando por uma das soluções previstas nas cláusulas 11 e 12 do CCIF.
Tal pressuporia uma opção do Réu nesse sentido, decorrente, por exemplo, de uma eventual alteração das prerrogativas do contrato por motivos alheios à vontade das partes (carácter justificado referido, a contrario, no art. o 13° do CCIF). Neste caso, tal não sucedeu. Houve um incumprimento contratual que teve" nos termos da cláusula 1ª do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, como consequência o exercício do direito à resolução do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros celebrado com o Autor.
Há que ter em atenção que a concessão de incentivos financeiros pressupõe uma relação de confiança e de total transparência, cabendo a quem subscreve o CCIF pautar o seu comportamento pelas cláusulas que o norteiam. Assim não sucedendo, a resolução é mera consequência (quase) si logística, como aconteceu no caso em apreço.
Verificados os requisitos (falta deles) de que a lei faz depender a resolução do contrato, a atuação do R. é basicamente vinculada. É, portanto, legal, proporcional (é a lei que determina as opções) e justa.
Improcedem assim as alegadas violações aos princípios da boa-fé, proporcionalidade e justiça.
(...)
Não estamos, pois, in casu, na presença de contrato administrativo, pois não existiu acordo de vontades gerador de efeitos jurídicos, mas um ato unilateral e autoritário (ato administrativo sujeito a encargo), o que exclui a possibilidade de qualificação do "contrato de concessão de incentivos" como um contrato administrativo, nos termos definidos pelo art° 1780 do Código do Procedimento Administrativo.
(...)
Assim sendo, improcedem os argumentos esgrimidos pelos AA. e, consequentemente, a presente ação, cumprindo absolver o R. dos pedidos contra si formulados.”

Vejamos:
Vem desde logo suscitada no Recurso a insuficiência da matéria de facto fixada.
Entendem os Recorrentes que “o tribunal «a quo» não atentou minimamente nos factos alegados pelos AA. ou pela Ré. O tribunal não deu, nem deixou de dar, como provada a matéria fáctica em causa nos autos e que era controvertida. Apesar de haver matéria factual alegada pelos AA, cuja prova poderia importar, não foi realizada audiência de inquirição de testemunhas, tendo sido omitidas as fases da condensação e da instrução do processo. “

Mais referem os Recorrentes, que “foram completamente ignorados documentos julgados importantes pelo tribunal para a análise da matéria de facto”.

E prosseguem os Recorrentes, afirmando que “o Julgador proferiu despacho em 09/10/2012, ordenando a notificação dos AA, para juntarem aos autos específicos e determinados documentos, a saber: «cópia do contrato de trabalho e respetivos aditamentos celebrados pela sociedade "M., Informática, Lda.", e, bem assim, o registo de todos os descontos efetuados para a Segurança Social relativo a tais contratos», o que bem se compreende, pois estando em causa o cumprimento ou não de contrato de concessão de incentivos financeiros referente a projeto de iniciativa local de emprego, importava saber que empregos gerou o projeto, em que número e durante quanto tempo, a fim de se poder extrair qualquer conclusão acerca do cumprimento do mesmo.
Ora, tais documentos foram juntos aos autos com o requerimento de 16/11/2012, (...) a comunicação à Segurança Social de admissão de novo trabalhador, referente a M., 1° posto de trabalho criado, (...), o documento emitido pela Segurança Social, com os respetivos descontos feitos pela M., Lda, (...), o contrato de trabalho celebrado em 27/12/2004 com H., posto de trabalho criado e respetiva comunicação à Segurança Social e (...) o documento emitido pela Segurança Social, com os respetivos descontos feitos pela M., Lda, (...), o contrato de trabalho celebrado em 01/08/2006 com A., que veio substituir aquele, no 2° posto de trabalho criado e respetiva comunicação à segurança social, (...), o documento emitido pela Segurança Social, com os respetivos descontos feitos pela M., Lda, (,,,), o contrato de trabalho celebrado em 15 de Novembro de 2005 com D., 3° posto de trabalho criado (...), o documento emitido pela Segurança Social, com os respetivos descontos feitos pela M., Lda.
Os mesmos não mereceram impugnação por parte da Ré, mas o acórdão não lhes faz a mínima referência!”

Se é certo que por estarmos em presença de uma Ação Administrativa Especial e a prova a fazer é predominantemente documental, entendemos não ser evidente que se impusesse necessariamente a inquirição das testemunhas arroladas.

Em qualquer caso, o referido facto não obstaria, antes obrigaria, a que a prova documental disponibilizada pelas partes fosse escalpelizada e analisada pelo tribunal, nem que fosse para a desconsiderar, não sendo, no entanto, admissível que a mesma tivesse sido simplesmente ignorada, mormente aquela que foi apresentada pelos aqui Recorrentes e que não obstante não ter sido impugnada, não foi sequer referida pelo Tribunal a quo na decisão proferida.

Para além do referido, a matéria de facto fixada pelo tribunal, mostra-se ainda manifestamente insuficiente e em muitos casos conclusiva.

Admite-se que o discurso de direito fundamentador da Decisão recorrida se mostra conforme com aquele que tem sido adotado pela jurisprudência administrativa dos nossos tribunais superiores em processos de natureza análoga.

O que está aqui em causa, em qualquer caso, é desconhecer-se se a factualidade em que assente a matéria de direito se mostra suficientemente demonstrada.

Como se afirmou no Acórdão deste TCAN nº 00944/04.0BEPRT, da 2ª Secção, de 30-04-2013, citando A. Abrantes Geraldes a propósito do recurso de revista e do referido artigo 729º, nº 3 do CPC (Atual Artº 682º) – in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª edição, revista e atualizada, Almedina, pag, 457, “Verificada a necessidade de ser ampliada a matéria de facto por forma a permitir a correta aplicação do direito, o Supremo determina a remessa dos autos à Relação para que nesta (ou, por determinação desta, na 1ª instância), se apreciem os factos que tendo sido oportunamente alegados, não foram objeto de decisão positiva ou negativa.
(…)”.

Atento a teor do novo Artº 682º, nº3 do CPC, e admitindo que a matéria de facto necessita de ser ampliada e modificada, há aqui que ponderar o disposto no artigo 662º do CPC, respeitante à modificabilidade pela Relação (e, portanto, pelo TCAN) da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, caso se verifiquem condições para essa efetivação.

Com efeito, quando se revele indispensável a ampliação da matéria de facto, o TCA pode determinar tal ampliação, bastando que o Tribunal ad quem se confronte com uma objetiva falta de seleção de factos relevantes.

Porém, esta anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes, pois que se os mesmos estiverem disponíveis o TCA deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações consideradas oportunas.

Citando novamente Abrantes Geraldes, na obra referida, pág. 334, é de todo inadmissível que a Relação anule a decisão da matéria de facto por alegada omissão do juiz de 1ª instância no que concerne à enunciação dos factos que determinados documentos revelem. Uma tal atuação acaba por renegar a natureza de verdadeiro tribunal de instância, que também é, com poderes agora reforçados no que respeita à delimitação dos factos que se devem considerar provados ou não provados com vista ao seu posterior enquadramento jurídico.
(...)
Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia”.

Em bom rigor, e sem prejuízo do que se discorrerá infra em concreto, sempre se dirá desde já e como enquadramento da referida questão, que ocorre o vício de insuficiência da decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.

Como se afirmou no acórdão deste STJ de 25-03-1998, BMJ 475.º/502, quando, após o julgamento, os factos colhidos não consentem, quer na sua objetividade, quer na sua subjetividade, dar o ilícito como provado; ou ainda, na formulação do acórdão do mesmo Tribunal de 20-12-2006, no Proc. 3379/06 - 3.ª, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura.

Como afirmou in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, Ana Luísa da Silva Geraldes “Uma das funções mais nobres dos Tribunais da Relação consiste na reapreciação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, quando impugnada, em sede de recurso, porquanto, afinal, é da fixação dessa matéria que depende a aplicação do direito determinante do mérito da causa e do resultado da ação.”

Aqui chegados, há uma questão incontornável e que se prende com o facto de, se é certo que acompanhamos o discurso fundamentador da decisão de 1ª instância, no que concerne ao direito, no entanto, o direito aplicado resulta da matéria de facto dada como provada, sendo que não é possível afirmar categoricamente que a mesma se mostre exata, na medida em que é, por um lado, conclusiva, nalguns dos seus escassos factos selecionados (11), tendo, por outro lado, ignorado documentos invocados e apresentados pelos aqui Recorrentes, os quais, poderiam potencialmente influir, ou pelo menos condicionar, o sentido da decisão proferida.

Efetivamente, estando em causa o cumprimento do indicado CCIF - Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros - referente a projeto de Iniciativa local de emprego, importava saber que empregos foram gerados pelo projeto, em que número e durante quanto tempo, de modo a que se pudesse concluir se se terá verificado o alegado incumprimento, enquanto pressuposto da decisão proferida.

Se é certo que a prova atendível se mostra predominantemente documental, não poderá, no entanto, ser ignorado o teor do Artº 90° do CPTA, que refere lapidarmente que «No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade.»

Se é verdade que o tribunal não tem a obrigação de “mergulhar” nas 600 páginas do PA, competindo às partes aludir aos documentos ínsitos do mesmo, que relevem para a boa decisão da causa, o tribunal, no entanto, não pode é singelamente ignorar a prova apresentada.

Tendo os Recorrentes apresentado em 4 de dezembro de 2012, um conjunto documentos, aliás, requeridos pelo próprio Tribunal, alegadamente demonstrativos do por si alegado, não pode efetivamente este limitar-se a ignorá-los, sem que justifique ou fundamente a sua opção.

Na realidade, os Recorrentes apresentaram em 4 de dezembro de 2012, em cumprimento de Despacho proferido no Tribunal de 1ª Instância, em 4 de outubro de 2012, os documentos constantes da seguinte descrição, constante do próprio Requerimento:
Doc. 1- Comunicação da entidade empregadora de admissão de novo trabalhador, referente a M., 1º posto de trabalho criado.
Doc. 2 - Comprovativo emitido pela Segurança Social, dos descontos feitos pela M., Lda., para o trabalhador M., entre 10/02/2004 e 31/12/2009, ou seja, durante 70 meses e 18 dias.
Doc. 3 - Cópia do contrato de trabalho celebrado em 27/12/2004 com H., 2º posto de trabalho criado, da respetiva comunicação à Segurança Social.
Doc, 4 - Comprovativo emitido pela Segurança Social, dos descontos feitos pela M., Lda., para o trabalhador H. entre 27/12/2004 e 30/04/2006, ou seja, durante 16 meses e 5 dias.
Doc. 5 - Cópia do contrato de trabalho celebrado em 01/08/2006 com A., que veio substitui aquele, no posto de trabalho criado e da respetiva comunicação à Segurança Social.
Doc. 6 - Comprovativo emitido pela Segurança Social, dos descontos feitos pela M., Lda., para o trabalhador A., entre 01/08/2006 e 31/12/2008, ou seja, durante 30 meses, o que totaliza, quanto a este posto de trabalho. 46 meses e 5 dias de descontos.
Doc. 7- Cópia do contrato de trabalho celebrado em 15 de Novembro de 2005 com D., 3° posto de trabalho criado.
Doc. 8 - Comprovativo emitido pela Segurança Social, dos descontos feitos pela M., Lda., para o trabalhador D. entre 15/11/2005 e 31/12/2008, ou seja, durante 37 meses e 15 dias.”

Está bem de ver que a referida documentação não poderia ser singelamente ignorada pelo tribunal, uma vez que, como se disse, no mínimo, poderia condicionar o sentido da decisão a proferir.

Para além do referido, a factualidade dada como provada evidencia ainda uma não admissível conclusividade, resultante de ter, em boa medida, aderido acriticamente aos factos invocados pelo IEFP IP, sendo que a invocada justificação assente no princípio da livre apreciação da prova e nas regras da experiencia comum, mostra-se insuficiente.

Acresce que nos termos do n° 5 do artigo 607º do CPC, a livre apreciação da prova não é extensível à prova que deva ser feita por via documental, sendo que, se é certo que o PA é um essencial e relevante elemento de prova, não é, no entanto, necessariamente o único.

Paradigmático do afirmado, é o segmento inicial do facto provado 8, no qual se refere conclusivamente que “Dada a situação de incumprimento injustificado...”, não sendo suposto que a matéria dada como provada possa qualificar comportamentos.

Por outro lado, mas no mesmo sentido conclusivo, refere-se no facto provado 3 que “Após várias análises à execução do projeto verificou-se que ...”, o que se não mostra admissível, pois que ao tribunal cabe tirar as ilações de direito dos factos fixados, no momento próprio, e não desde logo tecer considerações nos próprios factos.

Refere-se, por outro lado, no facto provado 4 que os Autores “no ano de 2009, não lograram manter os postos de trabalho...”, o que mais uma vez contém uma componente conclusiva, insuscetível de integrar a matéria dada como provada.

Já no facto provado 7, diz-se que “(...) o promotor respondeu por escrito ao Centro de Emprego, não tendo trazido factos novos que pudessem alterar aquela intenção de resolução”, conceito que, mais uma vez, se revela abusivamente conclusivo.

Entende-se assim, verificar-se erro de julgamento de facto, pois como sumariado no Acórdão deste TCAN nº 02699/09.3BEPRT de 14-03-2014 “O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa considerando, mormente, toda a realidade factual relevante para apreciação de todos os fundamentos de ilegalidade invocados, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.
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Efetivamente, são manifestas as insuficiências da matéria de facto dada como provada, atentos, designadamente os documentos juntos em tempo pelos Recorrentes que não foram considerados pelo tribunal a quo.

Reitera-se pois que estando na presente Ação em causa prova predominantemente documental, não se entende como necessariamente censurável o facto de não ter sido realizada produção de prova testemunhal, desde que devidamente justificada tal opção, o que não invalida que devam ser considerados, ainda que criticamente, os documentos em tempo apresentados pelos aqui Recorrentes,

A consideração por parte do Tribunal dos documentos apresentados pelos Recorrentes mostra-se essencial, atento até o facto destes entenderem que os mesmos ilidem o entendimento do Recorrido, o que não significa que o tribunal tenha de dar o seu conteúdo como provado, o que é diverso.

Com efeito, o tribunal só pode desconsiderar a prova feita, designadamente documental, quando a considerar irrelevante, sendo que essa desnecessidade não se presume, devendo ser, se for caso disso, justificada.

Em face de tudo quanto precedentemente se expendeu. proceder-se-á à revogação da sentença proferida em 1ª instância, mais se determinando a baixa dos Autos a esse tribunal, pela necessidade de proceder à fixação da matéria de facto, extirpando da mesma a factualidade conclusiva ínsita na mesma, mais devendo ser ponderada a necessidade de inclusão na mesma dos factos descritos nos documentos apresentados pelos Recorrentes, decidindo-se de direito em conformidade com a factualidade entretanto fixada.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a Sentença Recorrida, determinando-se a baixa dos Autos ao Tribunal a quo, por forma a fixar a matéria de facto dada como provada, de acordo com o descrito, mais se decidindo de direito em conformidade, se a tal nada mais obstar.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 30 de abril de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa