Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00117/11.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:FACTURAS FALSAS
IVA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto;
2. A AT só cumpre o ónus que lhe compete se recolher elementos factuais que pela sua objectividade, solidez e consistência consubstanciem claros e convincentes indícios de que as facturas desconsideradas para efeitos de dedutibilidade não titulam reais e efectivas operações.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

D..., S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, todas referenciadas ao ano de 2005, perfazendo o montante de 28.694,03€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

I. O Tribunal «a quo» deu como não provados factos essenciais, quando na verdade os mesmos se encontram provados quer pelos documentos juntos aos autos, quer pela prova testemunhal produzida em sede de inquirição, quer por força das normas legais.

II. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de inquirição, conjugados com a prova documental carreada para os autos de reclamação graciosa e objeto de remissão na petição da impugnação judicial e juntos a esta, deveria o Tribunal ter dado como provados os factos alegados na petição inicial constantes dos artigos 10, 11, 28, 31, 32, 33, 34, 38, 44, 48, 49, 52, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69, 70, 71 e 72, concretamente:

· A Recorrente solicitou a inquirição de uma testemunha em sede de Reclamação Graciosa e em sede de Recurso hierárquico – ponto 10 da PI

· Que não foi ouvida em nenhum dos momentos – ponto 11 da PI

· Os serviços constantes das faturas emitidas pelo fornecedor A… Construções, Lda, com o NIPC 505 235 710 correspondem a serviços reais, - ponto 28 da PI

· Todos os pagamentos foram efetuados pela Recorrente a A..., Construções, Lda – ponto 31 da PI

· Os serviços prestados pelaA... Construções, Lda estão devidamente documentados com faturas e autos de medição (conforme resulta dos docs 13 a 26 juntos com a Reclamação Graciosa e a que remete a PI da impugnação) – ponto 32 da PI

· Por outro lado, os pagamentos foram feitos em seu nome – ponto 33 da PI

· Além disso existem os recibos comprovativos desses pagamentos – ponto 34 da PI

· Os documentos supra mencionados fazem parte da contabilidade da Recorrente, com o valor probatório que dai decorre – ponto 38 da PI

· Em termos formais, as faturas que a Recorrente rececionou cumpriam os requisitos do CIVA - ponto 44 da PI

· ARecorrente não divulgava nem era obrigada a divulgar aos clientes todos os empreiteiros que utilizava nos serviços que prestava – ponto 48 da PI

· A Recorrente não teve acesso às informações eventualmente disponibilizadas pelos clientes à AT, - ponto 49 da PI

· E não teve em nenhum momento forma de verificar a veracidade da informação e defender-se perante eventuais informações erradas; - ponto 49 da PI

· Relativamente ao cliente “Construtora S... – Obra Tribunal de Famalicão”, o fornecedor em causa não aparece na lista de entidades subcontratadas. Foram identificados por este cliente apenas dois subcontratados. Só nesta obra, a D... contratou seis subempreiteiros, entre os quais o A... Construções, Lda, o que prova que a informação fornecida pelos clientes em questão não merece credibilidade pois é manifestamente incompleta - ponto 52 da PI

· Nos restantes clientes é referido que o fornecedor A... Construções, Lda “não faz parte da relação de empresas em obra subcontratadas pela D...” e que “da listagem relação de empresas em obra, identificam-se várias entidades subcontratadas pela D...” – ponto 53 da PI

· O relatório omite, no entanto, quem serão essas “várias entidades” que afirmaram que o fornecedor A... Construções, Lda não faz parte das empresas subcontratadas pela D... e quantas entidades terão sido identificadas – ponto 54 da PI

· A Recorrente desconhece em absoluto a informação prestada pelos seus clientes à AT. Não sabe que entidades foram identificadas, quantas entidades foram identificadas, não podendo desta forma exercer de forma justa e equilibrada a sua defesa – ponto 55 da PI

· A D... não é legalmente obrigada a discriminar na sua faturação todos os serviços que subcontratou – ponto 60 da PI

· E as faturas emitidas pela D... cumprem todos os requisitos do CIVA – ponto 61 da PI

· Com efeito o descritivo das faturas rececionadas pela D... e das faturas por esta emitidas aos clientes cumpre as regras do CIVA - ponto 62 da PI

· É prática corrente de todas as empresas de construção não discriminarem os subempreiteiros que contratam nas faturas a clientes finais – ponto 63 da PI

· A Recorrente coloca nas suas faturas a descrição dos seus serviços, não incluindo todos os serviços subcontratados para a realização das suas obras. – ponto 64 da PI

· E fá-lo com suficiente grau de concretização, em cumprimento da lei” – ponto 65 da PI

· Não faria sentido que a D... tivesse que incluir na sua faturação o descritivo de “montagem e desmontagem de andaimes” ou de “fornecimento e aplicação e estruturas de madeira”, por subempreiteiros, sendo que os seus serviços consistiam no fornecimento e na aplicação de tetos e divisórias – ponto 66 da PI

· Quanto às discrepâncias entre as faturações detetadas pela inspeção: em algumas das obras analisadas (concretamente a “Obra – M…– Fórum Coimbra” e “VGA – V… Braga”), a inspeção verificou que uma fatura foi emitida pelo fornecedor em 07-11-2005, tendo o contrato sido assinado a 01-12-2005 - ponto 68 da PI

· e que outra fatura foi emitida pelo fornecedor a 10-11-2005, tendo a última fatura referente a essa obra sido emitida pela D... a 30-09-2005 – ponto 69 da PI

· Nenhuma dessas situações permite concluir pela existência de faturação falsa! – ponto 70 da PI

· No primeiro caso, é muito comum que uma obra seja iniciada, nomeadamente quanto aos trabalhos preparatórios, sem que formalmente tenha sido assinado o contrato escrito – ponto 71 da PI
· A discrepância temporal entre o início da obra e a assinatura do contrato é reduzida e pouco significativa – ponto 72

III. Dito erro resulta do facto de o tribunal «a quo» não ter valorado os depoimentos prestados pelas testemunhas da Recorrente, nem considerado os documentos juntos aos autos, nem o art.º 75.ºLGT

IV. A decisão enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto na medida em que o tribunal não valorizou devidamente a prova documental junta aos autos pela Recorrente, desvalorizou a prova testemunhal, e inflaciou o valor dos factos e dos juízos de valor constantes do relatório da inspeção.

V. E fez ainda errada aplicação das regras do ónus da prova, porquanto, antes de se poder onerar a recorrente com a prova de que as faturas em causa correspondiam a transações efetivas, era à administração tributária que cabia demonstrar que tais faturas diziam respeito a operações simuladas, ou que se verificava qualquer outra situação que pudesse fundar legalmente o recurso às correções técnicas, necessidade essa de prova que decorre da lei e está de acordo com a regra geral de repartição do ónus da prova e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes.

VI. A AT não verificou facto algum suscetível de por si ou acompanhados de outros elementos da escrita da Recorrente fazer cessar a presunção de verdade de que goza a escrita da Recorrente que se diz correta e formalmente organizada.

VII. Não logrou assim a Administração Tributária cumprir com o ónus de provar os pressupostos de facto que a legitimassem a corrigir o IVA desses exercícios, pelo que a sua atuação deve ter-se por ilegal.

VIII. Por outro lado, a douta decisão incorreu também em erro de julgamento porque deu como provados os factos constantes do ponto 1. C e D, dos factos provados factos esses que não ficaram cabalmente demonstrados nos autos, nem através de prova testemunhal, nem ainda através de prova documental.

IX. O princípio do inquisitório impõe à Administração Tributária um dever de descoberta da verdade material – pelo que deveria a AT ter ordenado todas as diligências adequadas e úteis para a descoberta da verdade,

X. A douta sentença recorrida não aprecia a violação do referido princípio em sede de reclamação, face à justificação constante da reclamação sobre a não audição da testemunha.

XI. Não se podendo concluir pela inadmissibilidade da audição de testemunhas em sede de reclamação pelo facto de terem sido ouvidas testemunhas a pedido da AT em sede de inspeção

XII. Pelo que a douta sentença recorrida comete um erro de direito ao entender que não terá havido violação do princípio do inquisitório e da verdade material.

XIII. Assim, a sentença padece de erro de julgamento tanto no âmbito da valoração da prova produzida como na aplicação do direito.

Pelo exposto deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida. Decidindo nesta conformidade será feita:
JUSTIÇA!».


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), importa indagar (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento na valoração da prova e na aplicação do direito aos factos e (ii) se a falta de audição de testemunhas indicadas em impugnação administrativa constitui violação dos princípios do inquisitório e da verdade material.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

A) Pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Braga, foi realizada à Impugnante uma ação inspetiva relativa ao exercício de 2005 – conforme “Relatório” a folhas 38 a 64 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) Na sequência da ação inspetiva a que se alude em A), foi remetido à Impugnante “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, para, querendo, “exercer o direito de audição” – conforme documentos a folhas 2 a 35 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) Do “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária” a que se alude em B) consta:

“(…) Identificados os clientes, seleccionamos algumas das obras e solicitamos via notificação, aos empreiteiros “Construtora S…”, “S…”, “So…”, “N…”, “D… Portugal” e “Q…”, o seguinte:
--uma relação com a identificação dos subempreiteiros contratados e que trabalharam para a “D... (comunicação prévia a que se refere o nº 4 do artº 14 do D. Lei 273/2003 de 29-10);
--a identificação das entidades subcontratadas pela D...;
--a identificação dos trabalhadores relacionados com a D... e/ou entidades por si subcontratadas.
Na resposta, de acordo com os elementos remetidos por cada uma das entidades registamos o seguinte:
(…)
Elementos enviados pelas entidades antes identificadas – Conclusão
-- Face ao descrito nenhuma das entidades identificou o Subempreiteiro “A... Construções, Lda”, nem qualquer trabalhador. Várias empresas enviaram a listagem das empresas em obra e nenhuma dela faz referência ao contribuinte antes identificado.
(…)”;
D) Em 06 de outubro de 2008, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Braga, “Relatório de Inspeção Tributária” relativamente à Impugnante, no qual é referido:
«(…)
I – Conclusões da acção de inspecção
De acordo com o evidenciado no ponto III, propomos as seguintes correcções:
IVA – Imposto em falta
Ano de 2005
Correcções Aritméticas
25 890,86€

III – Descrição dos factos e fundamentações das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Conforme referido no ponto anterior, foram detectadas irregularidades, dando origem às seguintes correcções.
a) Facturas relativas a subcontratos que não correspondem a operações reais – Custos e deduções de IVA indevidos.
O contribuinte em análise utilizou facturas emitidas por A... Construções, Lda documentando serviços prestados inexistentes, pelo que foram efectuadas deduções indevidas de IVA (…)
a.1) Elementos/Informações remetidos/as pela Direção de Finanças do Porto
- Conforme referido no ponto anterior a presente acção deveu-se a uma informação remetida pela Direcção de Finanças do Porto, resultante de uma acção inspectiva efectuada ao Sujeito passivo A... Construções Lda, onde foi concluído que a entidade antes referida, deixou de exercer de facto qualquer actividade, tendo-se limitado à emissão de documentos relativamente aos quais não estão subjacentes efectivas prestações de serviços, sendo o contribuinte D... SA um dos utilizadores de facturas.
- Empresa que até 29-12-2004 tinha como sócio gerente o Sr A..., data em que a sociedade foi alienada a J…, passando este a ser o sócio gerente da empresa. O responsável pela contabilidade da empresa passou a ser o Sr M…, e que em 13-09-2005 o mesmo solicitou o pedido de renúncia da sua qualidade de Técnico Oficial de Contas.
- Esclarecimentos prestados por A…
Foram detectados cheques para pagamentos de facturas “emitidas”, por A... Construções, Lda que foram levantados por A…, tendo este declarado que apenas procedeu ao levantamento do dinheiro a pedido do Sr D…, que lhe solicitou tal favor por não ter conta bancária na instituição bancária do BCP (Cheques do BCP).
O Sr Ad..., referiu ainda que o Sr D..., durante aproximadamente um ano o procurava para proceder ao levantamento de cheques em nome de A... Construções Lda, apresentando-os com a assinatura de A… e devidamente carimbados. Desconhece as entidades que emitiram os cheques.
- Informação do Centro Regional de Segurança Social
Regista-se que a partir de 31-12-2004 apenas se identifica o sócio gerente “J…”.
- Declarações prestadas pelo sócio gerente até 2004 – A….
Conheceu o actual sócio (SR D…) gerente da empresa, numa altura em que ponderava cessar a actividade e dissolver a sociedade da qual era sócio gerente, situação que se revelava difícil devido às dívidas fiscais existentes, foi surpreendido com um anuncio num jornal, no qual alguém pretendia adquirir, uma sociedade independentemente da sua situação, tendo assim a oportunidade de alienar as quotas, que em conjunto com a sua esposa detinha na sociedade. Confrontado com o nome Ad..., informou que não tem qualquer relação com tal pessoa, embora reconheça que o conhece de vista, uma vez que o mesmo reside no Marco.
- Do conjunto de facturas detectadas, verifica-se que existem facturas impressas em tipografia e processadas por computador. As processadas por computador destinaram-se unicamente à D.... Quanto às impressas em tipografia, verifica-se que existem facturas de várias tipografias em simultâneo e que não existe sequência nas datas/numeração das facturas.
a.2) Análise dos factos na empresa D...
- Na contabilidade da empresa encontram-se registadas e contabilizadas facturas “emitidas”, por A... Construções Lda NIPC 5…, com fortes indícios de não traduzirem operações reais e que se descrevem como se segue:
Registo
Fact
Data
Base Trib.
IVA Ded.
Total Fact
Serviço
252 Nov
322
07-10-2005
18 250,00€
3 832,50€
22 082,50€
Aplicação de placas de gesso em tectos e paredes divisórias conf. Auto anexo
253 Nov
325
28-10-2005
17 770,00€
3 731,70€
21 501,70€
Mont, Desm. Pranchas e estruturas, forn. De estr. Em alumínio e ferro cf auto
254 Nov 326
11-10-2005
19 325,00€ 4 058,25€ 23 383,25€ Forn. De Barrotes e tabiques de madeira e sua aplicação cf auto.
255 Nov
329
25-11-2005
17 480,00€
3 670,80€
21 150,80€
Serv Prest c/aplicação e placas de gesso em tectos e paredes cf auto
35 Dez
333
16-12-2005
19 650,00€
4 126,50€
23 776,50€
Montagem e desm. De pranchas e estruturas c/forn estrut. Alumínio e ferro
36 Dez 335 30-12-2005 17 370,00€
3 647,70€
21 017,70€ Forn. De Barrotes e tabiques de madeira e sua aplicação cf auto.
Total109.845,00€23.067,45€132.912,45€
Para pagamento das facturas supra identificadas, foram emitidos cheques nominativos, em nome da sociedade. De acordo com a cópia dos cheques (por nós solicitadas) autenticada os mesmos foram endossados (carimbados e com assinatura de “A…”, assinatura esta que à vista, diverge da assinatura efectuada no auto de declarações) e levantados por Ad... identificado pelo BI 8… (cheques que se arquivam no processo individual da empresa), e que se descrevem:
Nº Cheque
Data emissão
Data Levantamento
Valor
3602638203 – BPI
12-01-2006
12-01-2006
22 082,50€
4899560246 – BES
07-02-2006
07-02-2006
21 501,70€
8100218821 – BPI
19-01-2006
19-01-2006
23 383,25€
8200218961 – BES
22-02-2006
24-02-2006
21 150,80€
9699560273 – BPI
14-02-2006
15-02-2006
23 776,50€
2799560313 – BPI
15-03-2006
16-03-2006
21 017,70€
Total
132 912,45€
Do quadro supra verificamos que os cheques foram levantados, no próprio dia da emissão, no dia seguinte ou passados dois dias. Ainda, conforme já referido, os cheques foram levantados por Ad..., que de acordo com o cadastro existente na DGCI, nada tem a ver com a sociedade emitente das facturas.
De acordo com o descritivo, as facturas antes identificadas correspondem a serviços prestados (…), em conformidade com auto anexo.
(…)
- Relativamente às obras referidas, solicitamos ao contribuinte a identificação do cliente (empreiteiro geral da obra ou não) (…)
- Identificados os clientes, seleccionamos algumas das obras e solicitamos via notificação, aos empreiteiros “Construtora S…”, “S…”, “So…”, “N…”, “D… Portugal” e “Q…”, o seguinte:
--uma relação com a identificação dos subempreiteiros contratados e que trabalharam para a “D... (comunicação prévia a que se refere o nº 4 do artº 14 do D. Lei 273/2003 de 29-10);
--a identificação das entidades subcontratadas pela D...;
--a identificação dos trabalhadores relacionados com a D... e/ou entidades por si subcontratadas.
Na resposta, de acordo com os elementos remetidos por cada uma das entidades registamos o seguinte:
(…)
Elementos enviados pelas entidades antes identificadas – Conclusão
-- Face ao descrito nenhuma das entidades identificou o Subempreiteiro “A... Construções, Lda”, nem qualquer trabalhador. Várias empresas enviaram a listagem das empresas em obra e nenhuma dela faz referência ao contribuinte antes identificado.
- Facturação emitida referente às seguintes obras versus descrição autos de medição das facturas de A... Construções, Lda:
(…)
Obra – M…– Fórum de Coimbra;
(…)
Comparando os autos de medição anexos às facturas com as fichas de obra verificamos que existe divergência na descrição dos serviços a efectuar/efectuados e a montagem e desmontagem não consta da ficha de obra, nem da facturação processada em 2006.
Considerando o teor do auto medição referente à factura nº 333 de A..., conjugado com o contrato de empreitada, verificamos que o serviço teria de ser iniciado a 12-12-2005 e concluído a 16-12-2005, ou seja a montagem e desmontagem dos andaimes teria de ser efectuada no máximo naquele período, enquanto que a facturação da D... para o seu cliente apenas foi efectuada no final do mês de Janeiro de 2006 (fact nº 600043), factura esta que indica que os serviços prestados foram concluídos em 31-01-2006. Face a esta situação conclui-se que a desmontagem dos andaimes ocorreu antes de efectuado o serviço a que refere o contrato celebrado entre D... E M…, o que não tem fundamento.
Obra SPRU Campanha – N…
(…)
Os autos de medição referente à factura 326 de A... & (…) referem que os trabalhos na obra SPRU Campanha foram de “fornecimento e aplicação de estruturas em madeira – 9 500,00€”, o que diverge dos serviços indicados na ficha de obra, no contrato de empreitada e nas facturas emitidas.
Q…u­– Obra Quinta das Oliveiras
(…) o auto de medição relativo à factura 335 de A... & (…) que refere montagem e desmontagem de andaimes – 9 750€ e estrutura de reforço para paredes, nada tem a ver com o evidenciado na ficha de obra e na facturação emitida.
VGA – V… Braga
A ultima factura emitida em 2005 referente a esta obra data de 30-09-2005 e refere-se a serviços de divisória, forro, tectos falsos, revestimentos, recaídas e sancas, enquanto que o auto de medição da factura nº 326 de 10-11-2005 de A… & (…) refere serviços de aplicação de estruturas em madeira – 3300€ e 422,3 m2 de tectos BA13. Comparando a facturação com os subcontratos verificamos a divergência de datas, e que os subcontratos não convergem com os serviços facturados.
- Outras obras – Facturação da D... versus subcontratos e Ficha de Obra (de 19-09-05)
Obra Cinemas da C…– Cliente VGA
Da análise às facturas emitidas a partir de Outubro, para obra em referência verificamos que a ficha de obra evidencia serviços de “forro de parede e tectos falsos”, que os serviços facturados consistiram em serviços de “forro, tectos falsos, emassamento de paredes”, enquanto que o auto de medição referente à factura 325 de A… & (…) refere Montagem e Desmontagem de Andaimes – 7 770€. Comparando o serviço e ficha de obra com o subcontrato verificamos que este não se enquadra naqueles.
- Identificação dos trabalhadores afectos ao subempreiteiro A... (…), por parte da D....
Através de notificação (data de 10-07-2008) solicitamos ao contribuinte que nos identificasse os trabalhadores em obra (obras supra identificadas) por conta do subempreiteiro em análise. Na sequência da notificação o contribuinte responde que no ano de 2005 não dispunha de tratamento individualizado de obras, pelo que não dispõe da informação solicitada.
a.3) Conclusão
Atendendo ao referido nas alíneas anteriores, nomeadamente:
-- Elementos da DDF do Porto;
-- Não identificação do subempreiteiro na relação de empresas em obra por parte dos empreiteiros gerais, bem como a não identificação de qualquer trabalhador;
-- Inexistência de relação entre vários serviços “subcontratados” e a facturação dos serviços prestados.
-- Não identificação do pessoal em obra pertença de A... Construções Lda, por parte da empresa subcontratante (D...), alegando esta não possuir registo individualizado de obras.
Não restam dúvidas de que as facturas de A... Construções Lda, não documentam transacções reais, por isso a dedução do IVA e o custo são indevidos.
(…)
IX – Direito de audição – Fundamentação
O contribuinte foi notificado nos termos do artº 60º da LGT e do RCPIT através do ofício nº 503.10047 de 18-09-2008 para o exercício do direito de audição. De acordo com o site dos CTT “Pesquisa de Objectos” a notificação foi entregue em 22-09-2008.
Decorrido o prazo evidenciado na notificação, o direito de audição não foi exercido pelo contribuinte. Assim as correcções evidenciadas no projecto de relatório mantêm-se neste relatório final.
(…)» - conforme documento a folhas 38 a 64 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) A Impugnante foi notificada do relatório a que se alude em D) – conforme documentos a folhas 36 e 37 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) A Administração Fiscal efetuou, em nome da Impugnante, as liquidações adicionais de IVA n.os 08353395, 08353396, 08353397, 08353399, 08353401, 08353402, 08353404 e de juros compensatórios n.os 08353398, 08353400, 08353403 e 08353405, todas do ano de 2005, no valor global de 28.694,03 euros – conforme documentos identificados sob os n.os 2 a 12 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) Em 28 de abril de 2009, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Vila Verde, “Reclamação Graciosa” contra as liquidações a que se alude em F) – conforme folhas 1 a 100 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) À “Reclamação Graciosa” a que se alude em G) foi atribuído o n.º 0469200904000501 – conforme folhas 1 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) Em 18 de janeiro de 2010, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Vila Verde, no âmbito da “Reclamação Graciosa” a que se alude em G), documento destinado a “exercer direito de audição face à proposta de decisão da reclamação graciosa apresentada” – conforme documento a folhas 114 e 115 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) A “Reclamação Graciosa” a que se alude em G) foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Braga, de 22 de janeiro de 2010 – conforme folhas 116 e 117 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) Em 08 de março de 2010, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Vila Verde, “Recurso Hierárquico” contra o despacho a que se alude em H ) – conforme folhas 2 a 18 da certidão do processo de “Recurso Hierárquico” constante do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
L) Ao “Recurso Hierárquico” a que se alude em K), foi atribuído o n.º 2010/0219 – conforme certidão do processo de “Recurso Hierárquico” constante do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
M) Em 05 de agosto de 2010, foi elaborada informação pela Divisão de Administração II, da Direção de Serviços do IVA, no âmbito do “Recurso Hierárquico” a que se alude em I), na qual se refere:
“(…)
4.2 Apreciação do Recurso Hierárquico
(…)
19. Quanto à prova testemunhal que apresentou, a mesma não poderá ser considerada, uma vez que, nos termos da al. e) do art.º 69º do CPPT, são regras fundamentais procedimento gracioso a limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham.
(…)
4.3 Direito de Audição
Verifica-se que à recorrente já lhe foi facultado o direito de participação na formação da decisão sobre o processo em curso.
Assim, tendo em consideração as instruções sobre o direito de audição, veiculadas através Circular n.º 13 de 1999-07-08 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, somos de parecer que é de dispensar a audiência prévia ao contribuinte nos termos da alínea a) do ponto 3 daquela circular.
5 – CONCLUSÃO
Tendo em consideração o exposto (…) somos de parecer que o Recurso Hierárquico em apreço deve ser indeferido totalmente, com dispensa de notificação ao recorrente do direito de audição prévia conforme ponto 4.3. (…)” – conforme folhas 20 a 27 da certidão do processo de “Recurso Hierárquico” constante do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) Em 06 de agosto de 2010, foi exarado despacho pelo Subdiretor-Geral da Direção de Serviços do IVA, sobre a informação a que se alude em J), com o seguinte teor: “Concordo. Indefiro” – conforme folhas 20 da certidão do processo de “Recurso Hierárquico” constante do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) A Impugnante foi notificada do teor da informação e despacho a que se alude, respetivamente, em J) e K) – conforme documentos a folhas 29 a 31 da certidão do processo de “Recurso Hierárquico” constante do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) A notificação a que se alude em L) foi recebida em 20 de setembro de 2010 – conforme “aviso de receção” a folhas 31 da certidão do processo de “Recurso Hierárquico” constante do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) No exercício da sua atividade, a impugnante recorre com frequência aos serviços de subempreiteiros;
R) Em alguns casos, o recurso pela Impugnante aos serviços de subempreiteiros não foi reduzido a contrato escrito;
S) Em algumas obras em que teve intervenção, a Impugnante contratou subempreiteiros sem comunicar tal facto aos “donos de obra”;
T) Em algumas obras em que teve intervenção, a Impugnante iniciou os trabalhos antes da celebração de contrato escrito;
U) A D... interveio na obra “Tribunal de Famalicão” através dos seus trabalhadores e através de subempreiteiros que contratou;
V) A petição da presente impugnação foi expedida, sob registo postal, em 20 de dezembro de 2010 e recebida no Serviço de Finanças de Vila Verde em 21 de dezembro de 2010 – conforme carimbo aposto a folhas 2 e documentos a folhas 30 e 31, todas do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido».

E mais se deixou consignado na sentença:

«III.2.FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos, com relevo para a decisão da causa, que houvessem de ser provados.
*
III.3.MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados e, ainda, quanto às alíneas Q) a T) dos factos provados, com base no depoimento da testemunha M…, trabalhador da Impugnante, o qual se revelou conhecedor dos procedimentos levados a cabo pela mesma no âmbito do exercício da sua atividade.
Quanto à alínea U) dos factos provados, formou-se a convicção do Tribunal com base no depoimento da referida testemunha M… e da testemunha J…, que no ano de 2005 era trabalhador da “Construtora S...”, dona da obra do “Tribunal de Famalicão”.
Apesar de a referida testemunha M… ter afirmado que os serviços constantes das faturas foram prestados e que a Impugnante recorria aos serviços da “A... Construções Lda.” em casos esporádicos, “em que era necessário fazer um reforço”, nesta parte, o respetivo depoimento não foi valorado pelo Tribunal, tendo-se mostrado vago e inseguro – conforme se depreende da utilização de expressões como «a “A... Construções Lda.” interveio na obra do “Fórum Coimbra” “salvo erro”», e «julgo que a “A... Construções Lda.” interveio na obra da Covilhã» – tendo a mesma testemunha começado por afirmar que não se lembrava das obras em concreto nas quais a citada sociedade interveio e tendo-se limitado a aludir ao procedimento geral de contratação de subempreiteiros por parte da Impugnante, sem, contudo, fornecer elementos precisos com a certeza e a segurança exigíveis, quanto à prestação de serviços por parte da “A... Construções Lda.”».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente invoca erro na apreciação da prova e que não foram levados ao probatório factos essenciais cuja prova foi feita nos autos, quer através de documentos, quer através do depoimento das testemunhas inquiridas que a sentença não relevou.

Logo se vê que a Recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto, nomeadamente, no que respeita à prova testemunhal.

Todavia, desde já importa assinalar que parte da matéria que a Recorrente pretende ver levada ao probatório, não contém qualquer factualidade material, mas unicamente a formulação de juízos de valor a extrair de factos concretos: «os serviços constantes das facturas emitidas pelo fornecedor A..., Lda., com o NIPC 5…, correspondem a serviços reais»; «as facturas dos fornecedores agora referidas correspondem a serviços efectivamente prestados e não são “falsas” pelo simples facto da sua data ser anterior à data da assinatura formal do contrato…»; ou, matéria de direito, como ressalta dos seguintes pontos, que não apelam à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real: «a Recorrente …não era obrigada a divulgar aos clientes todos os empreiteiros que utilizava nos serviços que prestava»; «em termos formais, as facturas recebidas pela Recorrente cumpriam os requisitos do CIVA…»; «a D... não é legalmente obrigada a discriminar na sua facturação todos os serviços que subcontratou»; «as facturas da D..., S.A., cumprem todos os requisitos, quer do CIVA, quer dos ofícios circulados mencionados na decisão que pôs termo ao recurso hierárquico»; ou asserções da própria Recorrente «só nesta obra, a D... contratou seis subempreiteiros entre os quais a A... Construções, Lda., o que prova que a informação fornecida pelos clientes em questão à AT não merece credibilidade pois é manifestamente incompleta».

Não encerrando os pontos descritos da matéria impugnada quaisquer factos materiais, os mesmos não podiam ser levados ao probatório, como aliás se retira do disposto no n.º4 do art.º646.º, do CPC aplicável.
Quanto à restante matéria impugnada, vejamos se os depoimentos prestados, conjugados entre si e com a prova documental produzida, impunham decisão de facto diversa da recorrida.

Ouvidos os depoimentos e analisada a documentação constante dos autos e do apenso instrutor, não se apura matéria de facto discordante da que foi levada ao probatório, nomeadamente não se podendo concluir, como pretende a Recorrente, pelos depoimentos hesitantes, vagos e inseguros das testemunhas M…, director de obra da impugnante e J…, que então trabalhava para a Construtora S..., “dono da obra” designada “Tribunal de Famalicão” que «só nesta obra, a D... contratou seis subempreiteiros entre os quais a A... Construções, Lda….». Com efeito, M…, quando lhe é referido o nome A..., limita-se a dizer que “recorda do nome”, “já é um bocadinho difícil lembrar se prestou serviços naquelas obras [Cinema C…, S…, Pedras Rubras, Metro da Trindade e do Marquês…]”. Às tantas, só depois de a Ilustre Mandatária da impugnante lhe referir expressamente a existência de facturas passadas pela A... à D... e referenciadas àquelas várias obras e directamente o questionar “se os serviços foram prestados” acaba por dizer “foram”, em tom titubeante e nada convincente e depois de antes, no depoimento, ter dito que não se recordava.

J…, o que de pertinente refere com assertividade é que na designada “obra do tribunal de Famalicão” haviam mais de dois empreiteiros a trabalhar para a D.... Perguntado sobre a “V…”, refere que “era muita gente”; questionado de novo pela Ilustre Mandatária da impugnante, contraditoriamente refere “penso que sim”.

Não obstante não se apurar matéria factual discordante com a que foi levada ao probatório da sentença, ao abrigo do disposto no art.º712.º, n.º1, alínea a), do CPC e por se julgar pertinente à boa decisão da causa, aditam-se ao probatório os seguintes factos, provados como se indica:

X) O valor dos trabalhos facturados pelos subempreiteiros era diluído no preço final facturado pela D... aos seus clientes (depoimentos de M… e J…, referindo o primeiro, de modo convincente até pela razão de ciência que lhe assiste, que ao cliente é feita uma factura que não reflecte a discriminação dos trabalhos subcontratados; já o segundo refere, em depoimento convincente nessa parte, que o valor da subempreitada era “diluído” no preço);

Z) Nas facturas emitidas aos clientes, a impugnante D... fazia constar a descrição dos seus serviços, sem detalhar os trabalhos subcontratados, compreendidos estes na obra geral que lhe era adjudicada (idem).

Tudo visto e pelas indicadas razões, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto, sem prejuízo dos pontos aditados ao probatório.
*
Isso dito, passemos à questão seguinte que importa conhecer, ou seja, indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Administração tributária cumpriu o ónus da prova que lhe competia “in casu”.

A Recorrente põe em causa a base substancial legitimadora da actuação da Administração fiscal sustentando que não foi recolhida factualidade suficiente e bastante à demonstração de que as facturas, cujo IVA nelas mencionado foi desconsiderado fiscalmente, não correspondam a operações reais.

Comecemos por ver as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis no âmbito das correcções em causa.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração fiscal fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 30/09/2014 (processo nº 00544/06.0 BEPNF).

Ou seja, a Administração fiscal não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova aplicável às correcções em causa e considerando os factos apurados em sede inspectiva (que outros não podem ser relevados), vejamos se resulta dos factos relatados que a Administração fiscal fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas cujo IVA nelas mencionado foi desconsiderado fiscalmente não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a Impugnante D... e a sociedade emitente “A... Construções, Lda.”.

Em caso afirmativo e só nesse, importará indagar se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, as operações reflectidas nas facturas desconsideradas são reais, ou seja, que os concretos sujeitos passivos realizaram efectivamente as operações económicas mencionadas naquelas facturas.

Já se vê que a sentença recorrida considerou que a Administração fiscal tinha cumprido o ónus de prova que a lei lhe impõe neste caso. Vejamos o que nela se deixou consignado a propósito:

«…vejamos, então, se no caso em apreço a Administração Tributária fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitirem a conclusão de que as faturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a reais operações, para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas.
Conforme se extrai do “relatório de inspeção” a que se alude em D) do probatório, a Administração Tributária concluiu que as faturas utilizadas pela Impugnante, emitidas pela sociedade “A... Construções, Lda.”, não correspondem a prestações de serviços efetivas.
Para tal, baseou-se a Administração Tributária nos seguintes indícios:
(i) Elementos fornecidos pela Direção de Finanças do Porto, mais concretamente:
- Informação de que no âmbito de uma ação inspetiva efetuada à sociedade “A... Construções Lda.”, foi concluído que a mesma deixara de exercer de facto qualquer atividade, tendo-se limitado à emissão de documentos relativamente aos quais não estão subjacentes efetivas prestações de serviços, sendo a Impugnante um dos utilizadores de faturas;
- Informação de que até 29 de dezembro de 2004, a “A... Construções Lda.” tinha como sócio-gerente A..., data em que a sociedade foi alienada a J..., passando este a ser o sócio-gerente da empresa;
- Informação de que foram detetados cheques para pagamentos de faturas emitidas pela “A... Construções, Lda”, que foram levantados por Ad..., tendo este declarado que apenas procedeu ao levantamento do dinheiro a pedido do Sr. D…, que lhe solicitou tal favor por não ter conta bancária na instituição bancária do BCP, tendo, ainda, referido que o Sr. D…, durante aproximadamente um ano, o procurou para proceder ao levantamento de cheques em nome da “A... Construções Lda.”, apresentando-os com a assinatura de A... e devidamente carimbados, desconhecendo, porém, as entidades que emitiram os cheques;
- Informação que de acordo com o Centro Regional de Segurança Social, a partir de 31 de dezembro de 2004 apenas se identifica o sócio-gerente J…;
- Informação de que o sócio-gerente até 2004, A... , prestou declarações no sentido de que conheceu o atual sócio-gerente da empresa (Sr. D…), numa altura em que ponderava cessar a atividade e dissolver a sociedade da qual era sócio-gerente, situação que se revelava difícil devido às dívidas fiscais existentes, quando foi surpreendido com um anúncio num jornal, no qual alguém pretendia adquirir uma sociedade independentemente da sua situação, tendo assim a oportunidade de alienar as quotas, que em conjunto com a sua esposa detinha na sociedade;
- Informação que do conjunto de faturas detetadas, verifica-se que existem faturas impressas em tipografia e processadas por computador, sendo que as processadas por computador destinaram-se unicamente à D..., verificando-se, quanto às impressas em tipografia, que existem faturas de várias tipografias em simultâneo e que não existe sequência nas datas/numeração das mesmas.
(ii) Verificação de que para pagamento das faturas detetadas foram emitidos cheques nominativos em nome da sociedade, sendo que, de acordo com a cópia dos aludidos cheques (arquivados no processo individual da empresa), os mesmos foram endossados (carimbados e com assinatura de “A...”, assinatura esta que à vista diverge da assinatura efetuada no auto de declarações) e levantados por Ad...;
(iii) Não identificação do subempreiteiro na relação de empresas em obra por parte dos empreiteiros gerais, bem como a não identificação de qualquer trabalhador; (iv) Inexistência de relação entre vários serviços “subcontratados” e a faturação dos serviços prestados; (v) Não identificação do pessoal em obra pertença da “A... Construções Lda.”, por parte da D..., tendo esta alegado não possuir registo individualizado de obras.
Os indícios acabados de enumerar, conjugados entre si, constituem indícios minimamente consistentes de que os serviços mencionados nas faturas em causa não correspondem a reais prestações de serviços.
Podemos, pois, concluir pela existência de indícios sérios de que as faturas em causa não titulam verdadeiras prestações de serviços.
Na verdade, afigura-se-nos que estes factos indiciários, recolhidos pela Administração Tributária e por esta mobilizados para o cumprimento do dever de fundamentação material dos atos impugnados – sobretudo quando conjugados uns com os outros – permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, as conclusões a que chegou e nas quais assenta a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante e proceder à liquidação em discussão, no sentido de que tais faturas titulam operações que não consubstanciam efetivas transações realizadas pelas entidades emitentes».

A Recorrente considera errado este entendimento da sentença que concluiu pela existência de indícios sérios de que as facturas em causa não correspondem a operações reais, sufragando a posição da Administração fiscal, sustentando que não há factualidade material que apoie tal afirmação conclusiva.

E julgamos que lhe assiste razão, avançamos já. Com efeito, analisemos o que de relevante se relata de banda do emitente, “A... Construções, Lda.”:

“Deixou de exercer de facto qualquer actividade….”, “tendo-se limitado à emissão de documentos relativamente aos quais não estão subjacentes efetivas prestações de serviços, sendo a Impugnante um dos utilizadores de faturas…” – Tratam-se de factos conclusivos e generalizações não suportados em qualquer factualidade material reportada, ou não, à concreta relação entre a impugnante e a emitente, não se podendo descartar a hipótese, aliás recorrente, de a mesma empresa a par de serviços efectivos se dedicar à emissão de facturação falsa; “…cheques para pagamentos de faturas emitidas pela “A... Construções, Lda”, que foram levantados por Ad..., tendo este declarado que apenas procedeu ao levantamento do dinheiro a pedido do Sr. D..., que lhe solicitou tal favor por não ter conta bancária na instituição bancária do BCP, tendo, ainda, referido que o Sr. D..., durante aproximadamente um ano, o procurou para proceder ao levantamento de cheques em nome da “A... Construções Lda.”, apresentando-os com a assinatura de A... e devidamente carimbados, desconhecendo, porém, as entidades que emitiram os cheques” – Está bem de ver que daqui nada se pode retirar de seguro quanto à indiciação de facturação falsa, até porque e, na relação com a impugnante, convém lembrar que está demonstrado que esta emitiu cheques em nome da “A... Construções Lda.”, que é a sociedade emitente e por valor correspondente ao das facturas que aquela lhe passou, sendo possível a conciliação dos pagamentos efectuados por cheque com os valores facturados, não se detectando incongruência de datas entre facturação e pagamento, tendo ainda o emitente passado recibo correspondente aos valores facturados [vd. segmento do relatório transcrito no probatório (“a.2 – Análise de factos da empresa D...”)]; “Informação que de acordo com o Centro Regional de Segurança Social, a partir de 31 de dezembro de 2004 apenas se identifica o sócio-gerente J...s” – Este facto em si mesmo não é indicador da prática de facturação falsa podendo constituir, isso sim, um indicador de que se está perante subcontratações generalizadas do emitente, com envolvimento praticamente nulo de meios humanos ou operacionais próprios ou, então, de fluxos reais e financeiros à margem da contabilidade, disto mesmo sendo indicador a circunstância de os cheques da impugnante passados em nome da “A... Construções Lda.”, supostamente nunca terem dado entrada na sociedade emitente. De facto, está bem de ver, se uma empresa não regista proveitos, congruentemente não há-de ter ao seu serviço pessoal inscrito na segurança social, recorrendo antes a formas marginais de contratação de meios.

Já de banda da impugnante, beneficiária das facturas emitidas, analisemos o que de relevante se colheu:

“Não identificação do subempreiteiro na relação de empresas em obra por parte dos empreiteiros gerais, bem como a não identificação de qualquer trabalhador” – Deste facto nada se pode concluir de relevante pois que consta do probatório, não impugnado, que «Em algumas obras em que teve intervenção, a Impugnante contratou subempreiteiros sem comunicar tal facto aos “donos de obra”»; que «No exercício da sua atividade, a impugnante recorre com frequência aos serviços de subempreiteiros»; e que, «Em alguns casos, o recurso pela Impugnante aos serviços de subempreiteiros não foi reduzido a contrato escrito», o que no contexto da mobilidade de meios humanos com que opera, ou operava em 2005, o sector da construção torna credível a dificuldade, por parte da impugnante, na identificação de quem trabalhou nas obras ao serviço das empresas por si subcontratadas; “Inexistência de relação entre vários serviços “subcontratados” e a faturação dos serviços prestados” – Resulta do aditado probatório por um lado, que “Nas facturas emitidas aos clientes, a impugnante D... fazia constar a descrição dos seus serviços, sem detalhar os trabalhos subcontratados, compreendidos estes na obra geral que lhe era adjudicada” e, por outro, que “O valor dos trabalhos facturados pelos subempreiteiros era diluído no preço final facturado pela D... aos seus clientes”, o que retira ao facto relatado credibilidade como indicador de facturação falsa. Quanto à relatada divergência entre serviços facturados pela impugnante a clientes nas várias obras e os autos de medição a que estão referenciadas as facturas emitidas pela “A... Construções, Lda.” à impugnante e reportadas àquelas mesmas obras, não detectamos, no contexto da factualidade aditada ao probatório, incongruência entre o que consta, por exemplo, da facturação da obra “Cinemas C…” ao cliente [“f…, tectos falsos, emassamento de paredes”] e o que consta da factura n.º325 da “A... Construções, Lda.” a ela referenciada e suportada em auto de medição: “montagem e desmontagem de andaimes”cf. fls.50 a 54 do apenso administrativo; No que respeita à obra “M…– Fórum de Coimbra”, refere a Administração fiscal que o serviço facturado pela A... de “montagem e desmontagem de andaimes” teria de ser iniciado em 12/12/2005 e terminado em 16/12/2005, enquanto que a facturação da obra indica que os trabalhos foram concluídos em 31/01/2006, não fazendo sentido que a desmontagem dos andaimes tenha ocorrido antes de completado o serviço. Também quanto a esta relatada factualidade, não alcançamos qualquer contradição insanável: afinal de contas, não podem haver trabalhos cuja finalização prescinda ou até mesmo aconselhe a desmontagem prévia dos andaimes? O que era mister apurar era se os trabalhos em causa, até se completarem, não prescindiam daquelas estruturas móveis, não podiam prosseguir depois de desmontados os andaimes e nada disto vem esclarecido.

Como se vê, os elementos recolhidos pela Administração fiscal revelam-se em concreto escassos, frágeis e pouco consistentes – sobretudo não perdendo de vista que o emitente era uma sociedade com existência jurídica e NIF atribuído (cf. fls.74 do apenso), o que retira a quem com ela contrata a imediata percepção de que não opera legalmente e que nenhuma averiguação foi feita com vista ao apuramento de eventuais custos duplicados contabilizados pela impugnante com referência às mesmas obras (os facturados por este emitente e eventualmente por outros sujeitos passivos) – o que significa que só com os elementos apurados e relatados, ela não estava habilitada a concluir como concluiu, pela falsidade das facturas cujo IVA nelas mencionado corrigiu e liquidou adicionalmente à impugnante.

Aqui chegados, e recuperando tudo aquilo deixámos dito, é altura de concluirmos que, em nosso entendimento, no caso vertente não se verifica a existência de indícios sérios de que as facturas emitidas pela sociedade “A... Construções, Lda.” não correspondam a operações reais. Não estamos, pelas razões atrás expostas, perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que o apontado emitente não tenha prestado à impugnante os serviços nelas descritos, pressuposto necessário à dedução do imposto – cf. art.º20.º, n.º1, do Código do IVA: «Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações…».

Os elementos nos quais a Administração fiscal se apoiou para fundamentar a desconsideração de tais facturas são manifestamente insuficientes e inconsistentes.

Fundamentando-se as liquidações adicionais de IVA na desconsideração dos valores facturados à impugnante pela empresa “A... Construções, Lda.” era à Administração fiscal que cabia provar a verificação dos pressupostos legais legitimadores da sua actuação. No caso, a Administração fiscal não demonstrou que as facturas emitidas por aquela sociedade à impugnante não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas).

De resto, só se esta prova fosse feita é que passava a recair sobre a impugnante – como se disse – o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as facturas titulavam efectivamente reais operações.

Nessa linha de entendimento, há que concluir, dando razão à impugnante, ora Recorrente, de que as liquidações de IVA sindicadas são ilegais, devendo, por conseguinte, ser anuladas, tendo incorrido em erro de julgamento a sentença que diferentemente o entendeu.
A anulação das liquidações de imposto determina inexoravelmente a anulação da liquidação de juros compensatórios, pois que, não sendo devido o imposto, não podem ser exigidos os juros que se destinavam a compensar o atraso na liquidação do IRC – cf. art.º35.º, n.º1, da Lei Geral Tributária.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular as liquidações impugnadas.
Custas a cargo da Recorrida em 1.ª instância.
Porto, 30 de Abril de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro