Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00707/08.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IVA.
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL.
ARTIGO 19º Nº 3 DO CIVA.
Sumário:I) O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada.
II) Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
III) Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em facturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transacção, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.
IV) Tendo presente o teor do RIT, pode dizer-se que a actuação da AT tem suporte bastante no que concerne à ilação assumida de que as operações (tituladas pelas facturas) são simuladas o que fez cessar a presunção de veracidade das operações e lançamentos da contabilidade da impugnante, o que significa que a Administração Fiscal cumpriu o ónus que sobre si impendia - a existência dos pressupostos da liquidação adicional, o que significa que importa avançar para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo que é inequívoco que cabe ao contribuinte evidenciar tal realidade.
V) Deste modo, perante os indícios trazidos pela administração tributária incumbia à ora recorrida a demonstração da veracidade das transacções, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que estabeleceu com o emitente das facturas, quando se iniciou, como, onde, como eram feitos cada um dos contactos, como era estabelecido o preço, como eram feitas as entregas e os pagamentos e quaisquer outras particularidades da relação que apenas quem nela esteve pode descrever, sem olvidar, neste caso, o processo a montante, e que determinou a alegada necessidade de contratar com os emitentes das facturas.
VI) Assim sendo, e estando em causa a aplicação dos arts. 75º nº 2 da LGT e do art. 19º nº 3 do Código do IVA, havendo motivos suficientes, como se afirmou na decisão recorrida, para a AT desconsiderar as facturas emitidas por aqueles fornecedores, atento as circunstâncias apuradas, já que as razões que sustentam as correcções permitem formular aquele juízo de prognose póstuma quanto às operações consideradas sem a necessária aderência à realidade­, é manifesto que a ora Recorrida não fez prova da veracidade das transacções em causa, de modo que, só podemos apontar e aceitar o procedimento de considerar o IVA indevidamente deduzido pela impugnante nos termos do nº 3 do artigo 19º do Código do IVA, por a elas não corresponderem transacções reais, o que deu origem às liquidações impugnadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13-06-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida pela sociedade “S... - Sociedade de Construções, Lda.”, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de IVA, referente aos anos de 2003 e 2004 e respectivos juros compensatórios, no valor global de 98.549,68 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 183-194), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A. A douta decisão recorrida, que anulou os actos tributários impugnados, por considerar que a “Impugnante provou a efectivação de um conjunto de serviços titulados pelas facturas e que foram levados a efeito pelas empresas emitentes”, padece de erro de julgamento.
B. Os dados colhidos pela Administração Tributária (plasmados no relatório de inspecção e nos respectivos anexos) foram de molde a fundamentar de facto e autorizar a conclusão retirada pela Administração Tributária, no sentido de que a utilização de facturas em que constam como emitentes “C... Construção Civil, Lda.” e “J...Unipessoal, Lda.”, não correspondem a transacções reais, antes, sim, que
C. as operações referidas nessas facturas são simuladas, tendo a Administração Tributária feito prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da Administração Tributária assentado na consideração de que as facturas não correspondem a transacções reais, na existência de “indícios sólidos e consistentes de que as operações referidas nas facturas são simuladas, indícios que se baseiam nos factos devidamente identificados no P.R. (projecto de relatório), cessando assim a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, (cf. o artigo 75° da L.G.T), passando a competir ao contribuinte, o ónus de provar que as operações se realizaram.
D. A análise do relatório de inspecção e elementos anexos, demonstra que a administração tributária emanou declaração formal fundamentadora do seu juízo quanto à existência de deduções de IVA indevidas, bem como enunciou os elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas (fundamentação material ou substancial).
E. Em face dos factos apurados e transpostos para o relatório pela inspecção tributária, não pode senão concluir-se, tal como ali se concluiu, estarmos na presença de operações simuladas, não sendo a prova testemunhal produzida pela impugnante bastante para, em contraposição com aqueles factos, neutralizar os indícios sérios que estiveram na base da formação da convicção de que aquelas transações são fictícias.
F. A atentar-se à prova testemunhal apresentada pela impugnante, nota-se que a mesma não é, manifestamente, suficientemente consistente para legitimar a sua pretensão.
G. Em sentido contrário ao da inconsistência da prova testemunhal assim produzida, do próprio probatório dado como assente retiram-se os indícios coligidos pela AT que permitem aferir da falsidade das facturas, e os concretos moldes em que os emitentes e utilizador actuaram.
H. À impugnante, que se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA - cabia provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito, conforme jurisprudência citada a que acresce o acórdão do pleno do STA de 07.05.2003, no recurso 01026/02, o que não logrou efectuar.
I. A douta sentença recorrida violou o disposto nos art. 19º do CIVA e 75º da LGT.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.”

A recorrida não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 204 a 207 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar a pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IVA com referência ao disposto no artigo 19º do CIVA.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Resulta do Relatório da acção inspectiva que em relação à C...:
1.º - A ora Impugnante contabilizou nos exercícios de 2003 e 2004 várias facturas emitidas pela C....
2.º - Facturas que foram contabilizadas como custo dos exercícios de 2003 e 2004 e influenciaram o resultado apurado para efeitos de IRC.
3.º - O IVA foi deduzido nas respectivas declarações periódicas que foram enviadas para os Serviços do IVA.
4.º - Todas as facturas e recibos tinham aposto um carimbo da C... com rubricas ilegíveis diferentes e caligrafia diferente entre si.
5.º - Aquelas rubricas não correspondiam à do sócio da C..., conhecida da administração fiscal.
6.° - A caligrafia constante das facturas era diferente da que constava em outros utilizadores das mesmas facturas daquela empresa.
7.º - Os cheques emitidos para pagamento das facturas não permitiram apurar de forma clara os beneficiários desses mesmos cheques.
8.º - A Impugnante não tinha contratos que comprovassem a realização dos serviços prestados pela C....
9.º - As facturas tinham sido imprimidas na Tipografia Gráfica do S….
10.º - A requisição das facturas foi feita pelo sócio gerente de outra empresa, que igualmente utilizava facturas da C....
11.º - Entre Novembro de 2001 e Outubro de 2004 a C... requisitou em cinco tipografias dezoito livros de facturas no total de 900 facturas.
12.º - O seu sócio gerente J… declarou à administração tributária não ter sido o responsável pela requisição e pela emissão dessas facturas.
13.º - A C... estava já indiciada pela administração tributária como emitente de facturas falsas.
14.º - Numa acção de fiscalização que lhe foi efectuada pelos serviços de inspecção tributária não exibiu os elementos da sua escrita, outros documentos, livros de facturas e livros de recibos.
15.º - Em meados de 2000, a empresa abandonou as instalações que ocupava num Centro Comercial de Valongo.
16.º - Toda a documentação que ali se encontrava foi levada.
17.º - A partir dessa data, a C... deixou de enviar as declarações de IVA e de IRC.
18.º - O seu sócio gerente era igualmente sócio da Construções…, Ld.a.
19.º - Esta firma foi igualmente indiciada pela administração tributária como emitente de facturas falsas nos anos de 2001 e 2004.
20.º - A C... não tinha capacidade humana e material para a realização dos trabalhos que foram facturados por diversas empresas.
21.º - Esse valor atingiu em 2004 2.595.333,00 euros.
22.° - As facturas eram emitidas sem qualquer ordem sequencial e algumas tinham datas anteriores á sua impressão.
23.º - O sócio gerente da C... declarou à administração tributária que só começou a prestar trabalhos pela mesma a partir de meados de 2000.
24.º - Declarou que as facturas emitidas a partir de 2001 não correspondiam a trabalhos prestados pela sua empresa.
25.º - Disse igualmente que nunca tinha prestado trabalhos para subempreiteiros, mas apenas para os donos das obras.
26.º - Não teve pessoal inscrito em seu nome em 2004 na Segurança Social.
27.º - Nunca utilizou facturas da Gráfica do S….
Em relação à J...Unipessoal, Ld.a, apuraram os Serviços de Inspecção Tributária que:
28.º - Esta sociedade nunca procedeu à entrega da declaração modelo 22, das declarações periódicas de IVA e das declarações anuais.
29.º - A sede declarada desta empresa corresponde a uma habitação em estado de abandono.
30.º - O seu Representante Legal era conhecido em Fafe pela alcunha de «o facturas» por estar sempre associado à venda de facturas falsas e por andar sempre com um livro de facturas debaixo do braço.
31.º - Apresentou as declarações para a Segurança Social de Janeiro a Abril de 2002 onde declarou remunerações a três trabalhadores.
32.º - Os serviços de inspecção tributária concluíram que a sociedade em causa não tinha uma estrutura empresarial, material e humana que lhe permitisse efectuar as obras contabilizadas pela Impugnante.
33.º - As facturas foram emitidas em diversas tipografias sem observância de qualquer ordem numérica havendo casos de duplicação.
34.º - Em contacto telefónico com os serviços de inspecção tributária, o seu Representante Legal assumiu a falsidade de parte das facturas.
35.º - Era conhecida como sua actividade a venda de automóveis.
36.º - Nunca tinha trabalhado na indústria da construção civil.
37.º - Alguns dos contribuintes que utilizaram as facturas que ele vendia regularizaram a sua situação perante a administração fiscal.
38.º - O motivo que originou a acção de inspecção à ora Impugnante ficou a dever-se ao facto de o sujeito passivo ter declarado no anexo “P” aquisições à C... Construção Civil, Ld.a, nos anos de 2003 e 2004, no montante global de 376.738,51 euros (IVA incluído), firma que se encontra indiciada como emitente de facturas falsas, bem como a empresa J...- Unipessoal, Ld.a.
39.º - A Ordem de Serviço foi de âmbito parcial, para IVA e IRC.
40.º - Com incidência temporal nos exercícios de 2003 e 2004.
41.º - Encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal do Imposto sobre o Valor Acrescentado, desde 01.01.2005, pela actividade de Construção de Edifícios, com o CAE:45211, e com início de actividade em 03.01.2001.
42.º - Encontra-se enquadrada para efeitos de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, no regime geral por opção, pelo Serviço de Finanças de Baião.
43.º - Procedeu à entrega das declarações de rendimentos de IRC e declarações periódicas de IVA e Declaração Anual, não se encontrando em situação de falta declarativa.
44.º - São seus sócios gerentes J…, NIF 1…e M…a, NIF 1….
45.º - Embora se encontre colectado pela actividade de construção de edifícios, a actividade efectivamente exercida é de prestação de serviços (mão-de-obra) sem incorporação de materiais.
46.º - A quando da inspecção tributária exibiu os livros selados e os respectivos registos auxiliares informatizados e documentos de suporte dos anos objecto de fiscalização.
47.º - Os Serviços de Inspecção Tributária procederam à comparação entre os valores registados e os valores declarados, quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRC, tendo verificado que os valores registados, correspondem aos declarados, para efeitos de IRC e IVA, excepto o valor do IVA Dedutível mencionado no campo 24 - IVA Dedutível Outros Bens e Serviços da declaração periódica do 4° trimestre de 2004, já que foi declarado o valor de 6.954,52 euros, e o valor registado na contabilidade conforme extracto da conta 2432331 é de 6.550,65 euros, o que levou a uma dedução indevida de IVA.
48.º - Das declarações apresentadas para efeitos de IRC, modelos 22 e respectivas declarações anuais de informação contabilística, concluíram os Serviços de Inspecção Tributária que os mesmos revelavam:
- Rentabilidades fiscais baixas, atendendo à actividade exercida;
- Elevado peso da mão-de-obra, relativamente aos serviços prestados facturados, que correspondem à produção do período.
O que indicia empolamento de subcontratos - cfr. teor de fls. 18 e 19 do Relatório de Inspecção Tributária apenso aos autos.
49.º - Em 22.10.2007 foi enviada por carta registada n.°RM039757330PT através do oficio n.°81 169/0505 de 2007.10.22, a notificação do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para o exercício do direito de audição no prazo de 10 dias, nos termos dos artigos 60º da Lei Geral Tributária e 60º do RCPIT.
50.º - Em 05.11.2007 deu entrada na Direcção de Finanças o direito de audição, assinado pelo advogado Dr. Nuno Sá Costa - cfr. doc. de fls. 63 a 70 do P.A. apenso aos autos.
51.º - Em 23.04.2008 a ora Impugnante apresentou Reclamação Graciosa.
52.º - Em 28.10.2008 foi proferido despacho de indeferimento da referida Reclamação Graciosa.
53.º - Do qual foi a Impugnante notificada em 30.10.2008 - cfr. doc. de fls. 115 a 117 do PA apenso aos autos - cfr. doc. de fls. 114 do P.A. apenso aos autos.
54.º - A Impugnante tinha cerca de 20 funcionários - cfr. prova testemunhal.
55.º - Nas obras da ora Impugnante estiveram trabalhadores da C... e da empresa J…, Unipessoal, Ld.a - cfr. prova testemunhal.
56.º - Os pagamentos eram feitos em dinheiro - cfr. prova testemunhal.
B - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
3.2 DE DIREITO
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, tendo presente que a decisão recorrida considerou procedente a presente impugnação, determinando a anulação das liquidações impugnadas.
Para o efeito, a decisão recorrida aponta, além do mais, que:
“…
A sociedade impugnante demonstrou a materialidade das operações comerciais que tinha contabilizado.
Assim, porque nos termos da lei só confere direito à dedução o IVA mencionado nas facturas passadas nos termos legais, desde que os serviços facturadas tenham sido efectivamente prestados, tem de se reconhecer e aceitar que os valores das facturas podem ser aceites como custos por as operações facturadas serem suportadas pela realidade.
Em suma, resulta do art.23° do CIRC que os custos para serem fiscalmente relevantes têm de ser comprovados devidamente e demonstrada a sua indispensabilidade para a realização dos ganhos sujeitos a imposto e/ou manutenção da fonte produtora.
In casu, a Administração Tributária perante os indícios concretos e ponderosos que detectou na acção de fiscalização considerou não relevar fiscalmente os custos constantes das facturas que descriminou, bem como a dedução do IVA respectivo, por considerar que as facturas que titulavam esses custos não correspondiam a reais e efectivos serviços prestados á Impugnante.
Perante esta situação e face ao disposto no art.74° da LGT estava a AF legitimada a corrigir a matéria tributável, desconsiderando os custos constantes dessas facturas.
Sucede que, a ora Impugnante provou a efectivação de um conjunto de serviços titulados pelas facturas e que foram levados a efeito pelas empresas emitentes.
Pelo que, procede a presente Impugnação. …”

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a douta decisão recorrida, que anulou os actos tributários impugnados, por considerar que a “Impugnante provou a efectivação de um conjunto de serviços titulados pelas facturas e que foram levados a efeito pelas empresas emitentes”, padece de erro de julgamento, pois que os dados colhidos pela Administração Tributária (plasmados no relatório de inspecção e nos respectivos anexos) foram de molde a fundamentar de facto e autorizar a conclusão retirada pela Administração Tributária, no sentido de que a utilização de facturas em que constam como emitentes “C... Construção Civil, Lda.” e “J...Unipessoal, Lda.”, não correspondem a transacções reais, antes, sim, que as operações referidas nessas facturas são simuladas, tendo a Administração Tributária feito prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da Administração Tributária assentado na consideração de que as facturas não correspondem a transacções reais, na existência de “indícios sólidos e consistentes de que as operações referidas nas facturas são simuladas, indícios que se baseiam nos factos devidamente identificados no P.R. (projecto de relatório), cessando assim a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, (cf. o artigo 75° da L.G.T), passando a competir ao contribuinte, o ónus de provar que as operações se realizaram.
A análise do relatório de inspecção e elementos anexos, demonstra que a administração tributária emanou declaração formal fundamentadora do seu juízo quanto à existência de deduções de IVA indevidas, bem como enunciou os elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas (fundamentação material ou substancial) e em face dos factos apurados e transpostos para o relatório pela inspecção tributária, não pode senão concluir-se, tal como ali se concluiu, estarmos na presença de operações simuladas, não sendo a prova testemunhal produzida pela impugnante bastante para, em contraposição com aqueles factos, neutralizar os indícios sérios que estiveram na base da formação da convicção de que aquelas transacções são fictícias.
A atentar-se à prova testemunhal apresentada pela impugnante, nota-se que a mesma não é, manifestamente, suficientemente consistente para legitimar a sua pretensão e em sentido contrário ao da inconsistência da prova testemunhal assim produzida, do próprio probatório dado como assente retiram-se os indícios coligidos pela AT que permitem aferir da falsidade das facturas, e os concretos moldes em que os emitentes e utilizador actuaram, sendo que à impugnante, que se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA - cabia provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito, conforme jurisprudência citada a que acresce o acórdão do pleno do STA de 07.05.2003, no recurso 01026/02, o que não logrou efectuar.

Que dizer?
Neste domínio, cabe referir que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.

E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.

Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.

Ora, como se refere, no Ac. deste Tribunal de 31-01-2014, Proc. nº 01380/05.7BEBRG, www.dgsi.pt, onde se esmiuçaram alguns dos elementos já apontados, referindo-se que “… Como ponto de partida da nossa análise, adiantamos desde já que, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da fatura a transmitir os bens ou a prestar os serviços.

O que constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses bens e serviços. É o que resulta do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos…».

Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.

Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.

Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.

Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.

E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente. …

Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor). …

É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.

Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.

A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.

Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».

O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.

E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil. …”.

Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

Quanto ao primeiro elemento acima apontado, tendo presente o teor do RIT, pode dizer-se que a actuação da AT tem suporte bastante no que concerne à ilação assumida de que as operações (tituladas pelas facturas) são simuladas o que fez cessar a presunção de veracidade das operações e lançamentos da contabilidade da impugnante, o que significa que a Administração Fiscal cumpriu o ónus que sobre si impendia - a existência dos pressupostos da liquidação adicional, referindo a decisão recorrida que
In casu, a Administração Tributária perante os indícios concretos e ponderosos que detectou na acção de fiscalização considerou não relevar fiscalmente os custos constantes das facturas que descriminou, bem como a dedução do IVA respectivo, por considerar que as facturas que titulavam esses custos não correspondiam a reais e efectivos serviços prestados á Impugnante. Perante esta situação e face ao disposto no art.74° da LGT estava a AF legitimada a corrigir a matéria tributável, desconsiderando os custos constantes dessas facturas. …”.

Nesta sequência, importa avançar para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo que é inequívoco que cabe ao contribuinte evidenciar tal realidade.
Sendo assim, importa notar que não cabe aqui fazer apelo ao art. 100º nº 1 do CPPT, o que dispõe que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
Com efeito, competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação.
Neste ponto, diga-se que o ónus consagrado no art. 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.
Por outro lado, não obstante a posição assumida pela Impugnante, reclamando a efectiva realização de todas as transacções referenciadas nas facturas postas em crise pela AF, constata-se que nenhuma dessa relevante factualidade foi demonstrada pela prova produzida no âmbito deste processo de impugnação judicial.
Pois bem, recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às faturas, a saber: - que fornecimentos se haviam efectivado com as sociedades emitentes e não com qualquer outra entidade fornecedora; quais as quantidades precisas dos referidos fornecimentos, preços praticados que estariam em causa em cada uma das facturas.
Lendo e relendo a matéria de facto apurada nos autos, não existe qualquer matéria que permita, sequer, apontar algum elemento capaz de contribuir para eventualmente viabilizar a pretensão da Recorrida, até porque as facturas que são questionadas não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos serviços a prestar e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes, situação que permitiria ainda completar o circuito com os elementos relativos ao pagamento dos serviços em apreço.
Pois bem, sobre toda esta realidade, o probatório apenas contempla os seguintes elementos:
“54.º - A Impugnante tinha cerca de 20 funcionários - cfr. prova testemunhal.
55.º - Nas obras da ora Impugnante estiveram trabalhadores da C... e da empresa J…, Unipessoal, Ld.a - cfr. prova testemunhal.
56.º - Os pagamentos eram feitos em dinheiro - cfr. prova testemunhal.”
Com este pano de fundo, referindo a decisão recorrida que a “Impugnante provou a efectivação de um conjunto de serviços titulados pelas facturas e que foram levados a efeito pelas empresas emitentes”, não se vislumbra suporte para tão decisiva afirmação.
Desde logo, recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às facturas, a saber: - que as prestações de serviços se haviam efectivado com a sociedade emitente, e não com qualquer outra entidade prestadora de serviços; - quais as quantidades precisas das prestações de serviços, local, natureza, preços praticados nas prestações de serviços que estariam em causa em cada uma das facturas.
Ora, os elementos acima assinalados não permitem formular qualquer conclusão no sentido apontado, pois que, não existe qualquer situação devidamente caracterizada no sentido do acima exposto quanto à necessidade de evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos serviços a prestar e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes, situação que permitiria ainda completar o circuito com os elementos relativos ao pagamento dos serviços em apreço.
Neste ponto, não se olvida que, a dado passo, na decisão recorrida, é apontado que “Os depoimentos foram honestos e precisos. A testemunha M… foi capaz de nomear as obras em que trabalhou a primeira testemunha, A…. Algumas testemunhas nomearam os funcionários das sociedades emitentes que trabalharam nas obras. Demonstraram ter conhecimento das obras executadas e do tipo de subempreitada que estava a cargo da Impugnante e, por esta, subcontratada, em parte, com as sociedades emitentes das facturas. Pelo que, ficou demonstrada a realidade das operações consubstanciadas nas facturas. …”.

Ora, perante depoimentos aparentemente tão sumarentos, a análise descritiva do Tribunal acaba por se revelar algo vaga, ao pretender como que abranger a situação em apreço de uma forma global, o que redundou na afirmação apenas dos factos acima assinalados, o que é manifestamente insuficiente para o fim considerado, ou seja, considerar que a Impugnante provou a materialidade das operações em causa.
Assim, tal realidade não tem qualquer substrato factual que suporte tal afirmação, sendo ainda de notar que os valores envolvidos implicam uma estrutura empresarial que não foi detectada, nem explicada, estando os meios de pagamento alinhados com um procedimento característico que se colhe do relatório de inspecção, situação que levanta ainda mais questões em função dos valores envolvidos.
Deste modo, perante os indícios trazidos pela administração tributária incumbia à ora recorrida a demonstração da veracidade das transacções, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que estabeleceu com o emitente das facturas, quando se iniciou, como, onde, como eram feitos cada um dos contactos, como era estabelecido o preço, como eram feitas as entregas e os pagamentos e quaisquer outras particularidades da relação que apenas quem nela esteve pode descrever, sem olvidar, neste caso, o processo a montante, e que determinou a alegada necessidade de contratar com os emitentes das facturas.
Assim sendo, e estando em causa a aplicação dos arts. 75º nº 2 da LGT e do art. 19º nº 3 do Código do IVA, havendo motivos suficientes, como se afirmou na decisão recorrida, para a AT desconsiderar as facturas emitidas por aqueles fornecedores, atento as circunstâncias apuradas, já que as razões que sustentam as correcções permitem formular aquele juízo de prognose póstuma quanto às operações consideradas sem a necessária aderência à realidade­, é manifesto que a ora Recorrida não fez prova da veracidade das transacções em causa, de modo que, só podemos apontar e aceitar o procedimento de considerar o IVA indevidamente deduzido pela impugnante nos termos do nº 3 do artigo 19º do Código do IVA, por a elas não corresponderem transacções reais, o que deu origem às liquidações impugnadas, o que significa que a sentença recorrida não pode manter-se, impondo-se a sua revogação.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente Fazenda Pública, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se totalmente improcedente a impugnação judicial.
Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Setembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves