Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00825/05.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:PERFEIÇÃO DA NOTIFICAÇÃO
Sumário:1. No âmbito restrito das pessoas colectivas, por força do preceituado no art.º 41.º do CPPT, as respectivas notificações terão, por princípio, e salvo casos de impossibilidade material, de ser levadas a efeito, ainda que por carta registada com aviso de recepção, na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes;
2. Não se provando que a notificação tenha sido levada a efeito numa daquelas pessoas, ela não se poderá ter por perfeita e, por consequência, será incapaz de produzir os seus normais efeitos, designadamente o de despoletar o decorrer do prazo para apresentação da impugnação judicial.
3. A presumida perfeição da notificação (art.º39.º, n.º3, do CPPT) mostra-se prejudicada se a sociedade impugnante não reconhece a assinatura aposta no talão de A/R como sendo a de um seu representante legal ou empregado e não constar dos autos qualquer documento postal em que tenha sido anotado pelo distribuidor postal o documento de identificação oficial de quem assinou o aviso de recepção, como exigido pelo n.º4 daquele art.º39.º, do CPPT, formalidade ditada por razões de segurança probatória.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

J…, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que rejeitou por extemporânea a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1996, no valor de 7.617,57Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.200).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:


1. A douta decisão de facto, ora impugnada, padece dos vícios de defeito e excesso de decisão, porquanto o tribunal recorrido não deu como provados factos que deveria julgar provados e deu como provados outros que devia julgar não provados.
2. Assim, o tribunal recorrido deveria dar como provados, dado o seu manifesto interesse para a decisão do mérito da oposição, os factos de 1 a 8 do ponto I. A. desta peça, e julgar não provado o facto 2 da douta decisão de facto (referido em I. das presentes alegações).
3. Em consequência, deve a douta decisão da matéria de facto ser revogada e, consequentemente, julgar-se provados os factos de 1 a 8 do ponto I. A. desta peça, e julgar-se não provado o facto 2 da douta decisão de facto (referido em I. das presentes alegações).
4. Até à data em que fora confrontada com a ordem de penhora de bens, a aqui impugnante não fora notificada, informada, ou interpelada para qualquer processo de liquidação da acima referida dívida, nem tão-pouco para proceder ao seu pagamento e/ou reclamar ou impugnar judicialmente.
5. Do processo de execução fiscal, entretanto consultado no Serviço de Finanças de Amares, consta um aviso de recepção, datado de 01.10.2001, dirigido à aqui impugnante, donde consta manuscrito o nome “J...”.
6. A suposta carta jamais foi recebida por qualquer dos legais representantes da aqui impugnante, nem sequer por algum funcionário ou auxiliar.
7. Dúvidas não há de que a referida assinatura e caligrafia empregue não pertencem aos legais representantes da aqui impugnante, muito menos ao legal representante J..., tal como se conclui notoriamente pela assinatura reproduzida na escritura de constituição da sociedade.
8. A Administração Fiscal não provou ter notificado regularmente a ora impugnante para qualquer processo de liquidação da acima referida dívida, nem tão-pouco para proceder ao seu pagamento e/ou reclamar ou impugnar judicialmente.
9. Do aviso de recepção não consta qualquer certificação quanto à identidade ou qualidade do suposto “J...”. Não consta do aviso de recepção, alegadamente referente à dita carta, qualquer anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
10. Estatui o nº4 do art. 39º do CPPT que “O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.”
11. Do regime estatuído nos arts. 35º a 43º do CPPT resulta que as notificações de pessoas colectivas serão efectuadas por citação ou notificação na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem. Subsidiariamente, não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva.
12. A perfeição da notificação exige que o aviso de recepção seja assinado por representante legal da pessoa colectiva ou funcionário, só se podendo presumir a entrega da carta ao destinatário se o aviso de recepção for assinado, e certificado pelo distribuidor do serviço postal por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
13. Ora, no caso em apreço, a identidade e qualidade de quem assinou o aviso de recepção não foram certificadas e muito menos anotado no aviso de recepção o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
14. Por conseguinte, jamais o tribunal recorrido poderia concluir, como concluiu, que a impugnante foi regularmente notificada da liquidação impugnada.
15. Em suma, estão preenchidos os pressupostos da falta ou irregularidade de notificação: a. a carta em causa não foi entregue à recorrente; b. por motivo que não lhe é imputável.
16. No Douto Acórdão do STA, de 21.02.1990, proferido no recurso nº5281, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15.10.1992, pág. 54, foi decidido que: “O ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Administração Fiscal”. (cfr. DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 1999, pág. 267, nota de rodapé (86).
17. A aqui impugnante não teve qualquer oportunidade ou possibilidade de se defender daquela liquidação oficiosa de IRC relativa ao ano de 1996, nem antes, nem depois da liquidação.
18. Por falta de notificação legal, a aqui impugnante não deduziu qualquer reclamação e/ou impugnação judicial que, doutra forma, se houvesse sido notificada de tal acto de liquidação oficiosa, apresentaria.
19. Até à presente data, a aqui impugnante não fora notificada e/ou citada de qualquer processo executivo.
20. Por falta de notificação do acto de liquidação oficiosa de IRC e, ainda, por falta de citação do processo de execução fiscal, a aqui impugnante ficou impedida de se defender, impugnar, deduzir oposição e/ou contestar a dívida de IRC que lhe é imputada.
21. Com data de 2.01.2002, a aqui impugnante apresentou no 1º Serviço de Finanças de Braga a declaração modelo 22 e declaração anual, ambas de IRC referentes ao exercício de 1996, tendo sido apurado um prejuízo fiscal de 2.329.320$00.
22. Com data de 17.01.2002 foi passada pelo Serviço de Finanças de Amares à aqui impugnante uma certidão, nos termos da qual se declara que em seu nome não constam quaisquer dívidas de contribuições e impostos, nesta data, por esta Repartição de Finanças e que a impugnante tem a sua situação tributária regularizada.
23. Face ao exposto, nada fazia prever à aqui impugnante que estivesse em curso um qualquer procedimento tributário, muito menos houvesse já liquidação oficiosa de IRC referente a 1996.
24. Assim sendo, não pode à aqui impugnante ser imputada qualquer culpa ou juízo de censurabilidade, nem sequer cerceada a confiança depositada pela impugnante nas informações prestadas pelo respectivo serviço de finanças da área do seu domicílio fiscal, sob pena de se violar o disposto no art. 2º da Constituição da República Portuguesa.
25. Acresce que, não obstante a apresentação da acima referida declaração anual, até à presente data, a aqui impugnante não fora notificada de que a mesma tivesse sido objecto de tratamento, como seria e é de elementar justiça.
26. A adm. fiscal não relevou os elementos contabilísticos apresentados na acima referida declaração modelo 22 de IRC, dando origem a uma situação de grave injustiça fiscal.
27. A declaração modelo 22, apresentada dentro do prazo de reclamação graciosa, deveria ter sido convolada em reclamação graciosa da liquidação, o que constitui, salvo melhor opinião, um poder-dever do serviço de finanças competente.
28. A aqui impugnante jamais fora notificada para exercer o direito de audiência prévia ao acto de liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 1996.
29. Durante o procedimento tributário que terminou com a decisão de liquidação ora impugnada não foram observados pela administração tributária, entre outros, os princípios da participação (art.60º, nº1, al. a e d) da LGT, art. 267º, nº5 CRP, art. 8º do CPA), da justiça e da imparcialidade (art. 55º da LGT, art. 266º, nº2 da CRP), do ónus probatório (art.74º da LGT), da fundamentação de facto e de direito (art. 77º da LGT, art. 268º, nº3 da CRP), e da faculdade de revisão da matéria colectável (art.91º da LGT, art. 54º do CIRC).
30. A Administração tributária não concedeu à ora impugnante a faculdade irrenunciável de audição antes da liquidação e antes da decisão de aplicação de métodos indirectos.
31. A Administração tributária não se preocupou em alcançar a verdade material e a justiça tributária que a situação dos autos exigia, partindo de imediato para o recurso a métodos indirectos, quando uma simples inspecção directa aos elementos contabilísticos da ora impugnante era suficiente para determinar e quantificar a matéria tributável e chegar a um resultado muito diferente daquele que obteve pela aplicação dos referidos métodos.
32. Os métodos indirectos são subsidiários, funcionam como última ratio, quando a administração tributária alcança a certeza de impossibilidade de quantificação da matéria colectável pelo recurso aos métodos directos.
33. No caso dos autos, a administração tributária lançou primeiramente mão dos métodos indirectos, bem sabendo que o recurso aos métodos directos era suficiente para atingir a almejada quantificação da matéria colectável.

34. Fazendo-o, a administração tributária alterou as regras respeitantes á distribuição do ónus probatório, fazendo recair sobre a ora requerente a prova de factos cujo ónus impende sobre a administração fiscal.
35. O método indirecto aplicado é injusto, cego, discricionário e penalizador.
36. A Administração tributária não ouviu a ora impugnante antes da liquidação e, consequentemente, negou-lhe o direito fundamental e inalienável de requerer a revisão da matéria tributável.
37. A não observância daquelas exigências e princípios do procedimento tributário constituem vícios de procedimento, ofensivos do conteúdo essencial dos direitos fundamentais de participação, audiência de interessado, de contraditório e defesa, e consequentemente, conduzem à nulidade insanável da decisão ora impugnada.
38. Acresce que, a decisão ora impugnada prima pela absoluta falta de fundamentação de facto e de direito, clara, precisa, perceptível, rigorosa e completa.
39. A falta ou vício de fundamentação legalmente exigida importa necessariamente a anulação da decisão proferida.
40. A falta de efectiva notificação do acto de liquidação oficiosa e de citação da execução fiscal, de que resultou ter ficado a impugnante prejudicada e privada do seu direito de defesa, designadamente do direito de invocar a nulidade do acto de liquidação oficiosa por omissão da audiência prévia dos interessados, constitui preterição de formalidades essenciais, o que conduz à nulidade insanável do procedimento tributário e do processo judicial de execução.
41. Em consequência, a aqui impugnante requer, pelas razões acima aduzidas, a nulidade da decisão impugnada e pede que o procedimento tributário regresse à fase anterior ao acto de liquidação oficiosa para cumprimento do imperativo de audiência prévia.

TERMOS EM QUE, E SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VªS EXªs, DEVE O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, CONSEQUENTEMENTE:
1. REVOGAR-SE NOS TERMOS PETICIONADOS A DOUTA DECISÃO DE FACTO;
2. REVOGAR-SE NOS TERMOS PETICIONADOS A DOUTA DECISÃO DE DIREITO E, CONSEQUENTEMENTE, JULGAR-SE PROVADA E PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO DEDUZIDA PELA ORA RECORRENTE (DECLARANDO-SE A NULIDADE DA DECISÃO IMPUGNADA).
FAZENDO-SE A COSTUMADA E SÃ JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo pela manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, são estas as questões centrais que importa resolver: (i) se a Recorrente se pode considerar regularmente notificada da liquidação impugnada; (ii) se ocorrem na liquidação impugnada vícios que a inquinam de nulidade absoluta.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:

«Matéria de facto provada:
1- Para notificação da liquidação impugnada, relativa a IRC de 2006, foi enviada para o domicílio fiscal da impugnante carta registada com A/R.
2- A referida carta foi recepcionada no dia 01-10-2001, tendo no respectivo A/R sido aposto o nome “J...”.
3- A petição inicial deu entrada no dia 03-06-2005.

*
Matéria de facto não provada:
Inexiste.
*
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada assenta nos documentos juntos aos autos.
Inexiste qualquer matéria dada como não provada, por nada mais que não seja
incompatível com os factos dados como provados ter sido alegado com interesse para a decisão da causa».


4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente impugna a matéria de facto constante do ponto 2 do probatório na parte em que refere ter a carta referida no ponto 1 sido recepcionada ou entregue à Recorrente.

E pretende ver seleccionados para o probatório como factos provados os referidos nos números 1 a 8 do ponto I do corpo alegatório e que são:
1. A carta para notificação da aqui impugnante da liquidação oficiosa de IRC de 1996 jamais foi recebida por qualquer dos legais representantes da aqui impugnante, nem sequer por algum funcionário ou auxiliar.
2. A impugnante desconhece a quem pertence a “assinatura” manuscrita “J...”.
3. A referida assinatura e caligrafia empregue não pertencem aos legais representantes da aqui impugnante, muito menos ao legal representante J..., tal como se conclui notoriamente pela assinatura reproduzida na escritura de constituição da sociedade. (Cfr. doc. nº1, junto com a impugnação judicial).
4. Jamais a impugnante poderia imaginar ou prever que, à revelia do seu conhecimento, corresse contra si procedimento tributário tendente à cobrança de uma dívida de IRC do ano de 1996.
5. Com data de 2.01.2002, a aqui impugnante apresentou no 1º Serviço de Finanças de Braga a declaração modelo 22 e declaração anual, ambas de IRC referentes ao exercício de 1996. (Cfr. docs. nºs2 e 3, juntos com a impugnação).
6. Nos termos da declaração modelo 22, referente ao período de 01.01.1996 a 31.12.1996, foi apurado um prejuízo fiscal de 2.329.320$00. Cfr. doc. nº2 (junto com a impugnação).
7. Com data de 17.01.2002 foi passada pelo Serviço de Finanças de Amares à aqui impugnante uma certidão, nos termos da qual se declara que em seu nome não constam quaisquer dívidas de contribuições e impostos, nesta data, por esta Repartição de Finanças e que a impugnante tem a sua situação tributária regularizada. (Cfr. doc. nº4, junto com a impugnação).
8. Por falta de notificação do acto de liquidação oficiosa de IRC e, ainda, por falta de citação do processo de execução fiscal, a aqui impugnante ficou impedida de se defender, impugnar, deduzir oposição e/ou contestar a dívida de IRC que lhe é imputada.

Quanto ao ponto 2 do probatório, que a Recorrente pretende ver alterado, não lhe assiste razão porque o que ali se diz é que a carta referida no ponto 1 [Para notificação da liquidação impugnada, relativa a IRC de 2006, foi enviada para o domicílio fiscal da impugnante carta registada com A/R] foi recepcionada no dia 01/10/2001; não, que tenha sido recepcionada ou entregue à impugnante/Recorrente, pelo que improcede este segmento da impugnação de facto.

Quanto à matéria que a Recorrente pretende ver seleccionada no probatório, a dos pontos 4 a 8 das alegações não contém matéria factual relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (art.º511.º, n.º1, do CPC/61 e 596.º do actual CPC).

Quanto à matéria factual constante dos pontos 1 e 2 das alegações, não há instrumentos de prova que a suportem, nada se podendo extrair de útil da prova documental indicada pela Recorrente (docs. 1, 2, 3 e 4 juntos com a p.i.), os quais se tratam da certidão da escritura de constituição da sociedade impugnante, declarações fiscais e certidão emitida pelo S.F. de situação fiscal regularizada da impugnante.

Quanto ao ponto 3, o cotejo das assinaturas apostas na escritura de constituição da sociedade impugnante e nas suas declarações fiscais (docs. 1, 2 e 3 juntos com a p.i.), com a que consta do talão de aviso de recepção referente à notificação referida em 1 do probatório e constante de fls.80, aponta, indicia, de facto, uma notória falta de coincidência ou sobreposição.

No entanto, é do conhecimento geral e da normalidade da vida que frequentemente os gestores reservam a assinatura de nome completo e coincidente com a que consta do seu doc. de identificação para os documentos de maior importância em que intervêm (caso das escrituras e declarações fiscais) e reservam uma rubrica, em regra, apenas composta por um dos nome e o sobrenome (quando não apenas um rabisco) para o expediente diário e corrente, não podendo por conseguinte o tribunal assentar que a assinatura aposta no talão de aviso de recepção não pertença a nenhum dos representantes legais da impugnante, unicamente com base no cotejo daqueles documentos.

Improcede também este segmento da impugnação de facto.

Estabilizado o probatório, avancemos para as demais questões do recurso.

A sentença, como se disse, rejeitou por extemporaneidade a impugnação judicial.

A Recorrente não se conforma com o decidido no entendimento de que não foi válida e regularmente notificada da liquidação impugnada.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º1 do art.º102.º do CPPT, a impugnação judicial será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Constando do talão de A/R relativo à notificação postal da liquidação a data de 01/10/2001 aposta pelo destinatário, aparentemente, a petição de impugnação com entrada registada em 03/06/2005 apresenta-se manifestamente fora de prazo.

Sucede que a Recorrente alega não ter sido regularmente notificada da liquidação, não correspondendo a assinatura aposta no talão de A/R à de qualquer seu representante legal. Vejamos.

As notificações em geral e, por consequência, as das pessoas colectivas, deverão, por princípio, ser levadas a efeito por via postal (cf. art.º 38.º do CPPT), sendo que a coberto de aviso de recepção sempre que se destinem a levar ao conhecimento do destinatário “actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (cf. n.º 1 do referido art.º 38.º).

No entanto e no âmbito restrito das pessoas colectivas, importa não perder de vista o preceituado no art.º 41.º do mesmo CPPT, por força do qual, as respectivas notificações terão, por princípio, e salvo casos de impossibilidade material, de ser levadas a efeito, ainda que por carta registada com aviso de recepção, na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes (cf. art.º 41.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado” Vislis, 4.ª ed., a pág.234).

Não tendo a notificação sido levada a efeito numa daquelas pessoas, ela não se poderá ter por perfeita e, por consequência, será incapaz de produzir os seus normais efeitos, designadamente o de despoletar o decorrer do prazo para apresentação da impugnação judicial.

Quanto ao regime específico de concretização das notificações através de carta registada com aviso de recepção, em face do disposto no n.º3 do art.º39.º do CPPT, estas presumem-se perfeitas na medida em que o expediente postal seja remetido para a morada devida, o que não resulta controvertido (a sede da sociedade) e talão de A/R tenha sido assinado no espaço reservado ao destinatário, ainda que por um terceiro, passando a recair então sobre o destinatário face à presunção juris tantum, a prova do contrário, isto é, de que a notificação não foi concretizada na pessoa dos seus administradores ou gerentes (art.º41.º, n.º1, do CPPT).

E no caso vertente, a destinatária do acto vem justamente alegar que a notificação se não concretizou na pessoa de nenhum dos seus representantes legais, não correspondendo a assinatura “J...” aposta no talão de A/R à de qualquer dos seus representantes legais e, nomeadamente, à de J....

A circunstância de as assinaturas apostas na escritura de constituição da sociedade impugnante e nas suas declarações fiscais não serem coincidentes com a que consta do talão de A/R, não é suficiente para se poder concluir que a notificação não foi efectuada em nenhuma das pessoas indicadas no n.º1 do art.º41.º do CPPT, pois para além das razões que deixamos consignadas no probatório, não se sabe quem eram os representantes legais da sociedade à data da notificação, facto a extrair do adequado meio de prova, que é a certidão de matrícula da sociedade impugnante.

Todavia, cremos que a presumida perfeição da notificação se mostra prejudicada “in casu” pela circunstância de não constar dos autos – e o ónus dessa prova era da Fazenda Pública – qualquer documento postal em que tenha sido anotado pelo distribuidor postal o documento de identificação oficial de quem assinou o aviso de recepção, como exigido pelo n.º4 do art.º39.º, do CPPT, formalidade ad probationem, ditada por razões de segurança probatória e exactamente destinada a prevenir que o destinatário ou terceiro ali se aponham uma assinatura, rubrica ou rabisco em nada coincidente com a que consta do doc. de identificação.

Nesse circunstancialismo de dúvida sobre a identidade de quem assinou o aviso de recepção, por incumprimento dos formalismos legais, forçoso é concluir não ter ainda decorrido o prazo de 90 dias da impugnação judicial cujo dies a quo é o da notificação levada a efeito numa das pessoas indicadas no n.º1 do art.º41.º, do CPPT, como o inculca a expressão «legalmente notificadas ao contribuinte», ínsita na alínea a) do n.º1 do art.º102.º, do CPPT, o que os autos não comprovam.

Como assim, a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela extemporaneidade da impugnação judicial, impondo-se a baixa dos autos à 1.ª instância para conhecimento do mérito da impugnação, para que os autos não contêm os elementos necessários.

O recurso merce provimento.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões processuais.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para conhecimento do mérito da impugnação judicial.
Sem custas.
Porto, 02 de Fevereiro de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro