Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03277/06.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA – JUROS INDEMNIZATÓRIOS E MORATÓRIOS.
Sumário:
1. Em caso de incumprimento de sentença favorável ao contribuinte, são devidos juros indemnizatórios desde a data em que ficou privado da quantia desembolsada até ao termo do prazo para cumprimento espontâneo da sentença.
2. E decorrido o prazo para cumprimento espontâneo da sentença, são devidos juros de mora.
Se o contribuinte não formulou o pedido de cumulação de juros indemnizatórios e moratórios, não pode a AT ser condenada a prestá-los. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SCPDL, Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença na parte recorrida
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença, reconhecendo-se à exequente o direito ao pagamento de juros de mora a partir do prazo de execução espontânea do julgado
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: SCPDL, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto na parte em que julgou improcedente o pedido da Exequente a receber juros moratórios a partir do prazo de execução espontânea do julgado até integral pagamento.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A) O presente Recurso tem por objecto a douta Sentença do TAF do Porto, na parte em que julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente quanto à condenação da AT no pagamento de juros de mora sobre o valor do imposto indevidamente pago pela SCPDL, desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença que determinou a anulação do acto tributário que deu causa ao montante de imposto indevidamente suportado pela Recorrente.
B) A aludida decisão, sustentou-se, pata negar provimento à pretensão da aqui Recorrente, no entendimento subscrito por alguma jurisprudência sobre a matéria - de que, uma vez que tanto os juros indemnizatórios como os de mora visariam indemnizar o contribuinte pelos prejuízos decorrentes da indisponibilidade do capital do qual se viu, indevidamente, privado, nos casos em que haja lugar ao pagamento dos primeiros não pode haver, cumulativamente, lugar ao pagamento dos segundos, durante o mesmo lapso temporal.
C) No entanto, entende a Recorrente que tal entendimento não pode ser aceite, mormente por esvaziar de conteúdo e utilidade o regime dos juros de mora previsto no n°5 do artigo 43.° e no n.º 2 do artigo 102°, ambos da LGT;
D) Com efeito, segundo essa tese, apenas haveria lugar ao pagamento de juros de mora a uma taxa agravada nos casos em que, por inexistência de erro imputável aos serviços na elaboração da liquidação, não houvesse lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
E) Tal interpretação encontra-se, aliás, em clara oposição, tanto com as disposições legais em apreço na sua redacção actual - segundo a qual já não existe qualquer conflito entre os artigos 100.º e 102.°, n.º 2 da LGT, uma vez que o primeiro apenas se refere ao «pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei, e já não «a partir do termo do prazo da execução da decisão», como acontecia na sua redacção anterior - como com a mais recente doutrina e jurisprudência sobre a matéria em apreço.
F) Acresce que, segundo a mais a doutrina e jurisprudência mais actual acerca da matéria em apreço, juros de mora e indemnizatórios devem, inclusive, cumular-se relativamente ao período que decorre desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença até ao efectivo e integral pagamento da quantia em causa.
G) É precisamente essa a posição de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª Edição, Lisboa, 2012), justificando-a no facto dc, ao contrário daquele que é o entendimento que tem vindo a ser adoptado pelo STA sobre a matéria em causa, estas duas espécies de juros terem naturezas e funções distintas.
H) Na verdade, ao contrário dos juros indemnizatórios, que têm por função indemnizar o contribuinte pelos prejuízos decorrentes da privação da quantia que pagou indevidamente, os juros de mora agravados previstos nos artigos 43.°, n.º 5 e 102.°. n.º 2 da LGT, encontram o seu telos na necessidade de compelir a administração a cumprir atempadamente com as decisões judiciais que lhe sejam desfavoráveis, revestindo uma natureza equiparável àquela da sanção pecuniária compulsória,
I) devendo, por isso, correr simultaneamente aos juros indemnizatórios, no lapso temporal que decorre desde o termo do prazo para execução espontânea até ao integral pagamento da quantia em dívida.
J) O mesmo entendimento foi já seguido pelo TCAS no Acórdão proferido em 18 de Fevereiro de 2016, no âmbito do Processo n.º 09163/15 (disponível em www.dgsi.pt), suportando a sua decisão na inexistência de uma identidade teleológica entre as duas espécies de juros aqui em apreço.
K) Assim, na opinião da Recorrente, todos os elementos carreados para os presentes Autos, revelam que o entendimento que melhor se coaduna tanto com a letra dos preceitos que importa aqui analisar, como com a finalidade que presidiu à determinação do regime especialmente gravoso dos juros de mora após o termo de execução espontânea das decisões favoráveis aos contribuintes - o de compelir a administração a cumpri-las voluntariamente, o que é reclamado pelo direito a uma tutela jurisdicional efectiva - é o de que após o prazo de cumprimento voluntário da sentença se devem vencer juros de mora, quer se entenda que estes sejam, ou não, cumuláveis com os juros indemnizatórios.
L) Aliás, se assim não se entende e como já se referiu, estar-se-á a Circunscrever o direito a juros de mora (a uma taxa mais vantajosa para o Contribuinte) apenas àquelas situações em que o “erro” da AT é, inclusive, menos gravoso, já que não resulta sequer de erro que lhe seja imputável, pois só nestas situações é que, não havendo lugar a juros indemnizatórios, haveria lugar aos juros de mora. Com o devido respeito e pelos motivos expostos, não nos parece que tal tenha sido a intenção do legislador.
M) Como tal, considera a Recorrente que a interpretação sufragada por este mesmo Douto STA no Acórdão proferido em 7 de Março de 2007, no âmbito do Processo n.º 01220/06, no sentido de os regimes dos juros indemnizatórios e de mora se compatibilizam na medida em que os primeiros se vencem desde o pagamento indevido da prestação tributária até ao termo do prazo para execução voluntária da sentença favorável ao contribuinte e, os segundos, desde este último prazo até ao pagamento integral e efectivo do montante em dívida, deve ser mantida nos presentes Autos, tal como foi requerido pela Recorrente na Primeira instância.
N) Termos em que se solicita a este Venerando Tribunal que reconhecer que assim é, determinando, consequentemente, a revogação da Sentença Recorrida na parte em que negou o pagamento à Recorrente dos juros de mora peticionados, a partir do termo do prazo para o cumprimento espontâneo da sentença, e substituindo-a por outra que condene a AT no pagamento de juros de mora desde o término do prazo para a execução espontânea do julgado.
O) No entanto, e uma vez que se trata de uma questão de direito, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, e que decorre inteiramente da Lei, julga a Recorrente possível que, caso o Douto Tribunal considere que juros indemnizatórios e juros de mora se afiguram como cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo - o que decorre desde o termo do prazo para execução da sentença até ao integral pagamento - este possa, inclusive, decidir nesse sentido.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E A SENTENÇA RECORRIDA SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA, NA PARTE EM QUE RECUSOU O PAGAMENTO À RECORRENTE DE JUROS DE MORA AGRAVADOS NOS TERMOS DOS ARTIGOS 43.º, N.º 5 E 102.º, N.º 2 DA LGT, DESDE O TERMO DO PRAZO PARA A EXECUÇÃO ESPONTÂNEA DA SENTENÇA E ATÉ AO INTEGRAL E EFECTIVO PAGAMENTO DO MONTANTE DO QUAL A RECORRENTE SE VIU INDEVIDAMENTE PRIVADA.
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CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
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PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença, reconhecendo-se à Exequente o direito ao pagamento de juros de mora a partir do prazo da execução espontânea do julgado.
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II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao indeferir a pretensão da Exequente a receber juros de mora a partir do termo do prazo da execução espontânea do julgado.
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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1) Em 02.12.1997 a Exequente procedeu ao pagamento do valor de 39.008.424$00, referente a liquidação de IRC do ano de 1992, sendo 33.596.767$00 de imposto e 5.411.657$00 de juros compensatórios – fls. 136 e 137 do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98;
2) Em 05.08.1998 deu entrada, na 1.ª Repartição de Finanças de M… impugnação judicial deduzida pela ora Exequente, contra a liquidação adicional de IRC n.º 972183100207 65, relativa ao ano de 1992, no montante de Esc. 60.655.051$00, processo que correu termos no Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto com o n.º 43/98 – fls. 2 a 66, e versos, do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98, ao qual os presentes autos de execução se encontram apensos;
3) Em 03.11.2000 foi proferida sentença no âmbito do referido processo, na qual consta o seguinte:
Factos Provados:
(…) f) na sequência das correcções técnicas referidas foi liquidado à impugnante adicionalmente o imposto de IRC, a pagar de esc. 60.655.051$00, o qual foi pago em 2/12/97, tendo beneficiado, ao abrigo DL 124/96 de 10/8, da redução de juros de 80%.
(…) DECISÃO
Por tudo quanto expendido fica, o Tribunal decide julgar a impugnação procedente por provada, e, em consequência, anula-se a liquidação adicional, restituindo, por via disso, à impugnante o montante do imposto pago acrescido de juros, contados à taxa legal, desde 2/12/97 – fls. 140 a 144, e versos, do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98;
4) Da sentença foi interposto recurso o qual foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – fls. 146-155 e 168-174, e versos, do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98;
5) Em 27.12.2006 a Exequente veio intentar a presente acção de execução de julgados – fls. 1 a 33 do processo físico;
6) Em 04.06.2008, a Autoridade Tributária emitiu e remeteu à Exequente o cheque n.º 2440693000, no montante de €194.233,07 – acordo das partes;
7) Em 04.07.2008, a Autoridade Tributária emitiu e remeteu à Exequente o cheque n.º 6740693879, no montante de €109.285,37 – acordo das partes;
8) Em 07.07.2008, a Autoridade Tributária emitiu e remeteu à Exequente o cheque n.º 8140693899, no montante de €11.281,48 – acordo das partes.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e informações oficiais juntos aos autos, que não foram impugnados (conforme discriminado nos vários pontos do probatório), assim como considerando a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.
Em especial quanto aos factos provados 6 a 8, e muito embora nenhuma das partes tenha procedido à junção aos autos de documentos comprovativos dos pagamentos efectuados já após a interposição dos presentes autos de execução de julgados, verifica-se que a matéria em causa foi aceite inequivocamente por ambas.
Pelo que, por força de acordo das partes quanto à matéria que lhes está subjacente e atendendo à redução do pedido da Exequente, considerou-se a mesma provada.
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IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Em 5/8/1998 a SCPDL deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC relativa a correções técnicas efectuadas ao exercício de 1992, tendo pago em 2/12/1997 a quantia liquidada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10/8. Em 3 de novembro de 2000 foi proferida sentença que julgou totalmente procedente a Impugnação, ordenou a anulação da liquidação e a restituição do montante pago acrescido dos juros à taxa legal, desde 2/12/1997.
A sentença foi confirmada por acórdão do TCAS proferido em 23/5/2006, no processo n.º 4788/01/04, que transitou em julgado no dia 9/6/2006. Não tendo a AT dado cumprimento à decisão judicial, a Sociedade instaurou execução de sentença no TAF do Porto em 27/12/2006, e só depois da sua entrada em juízo a Executada emitiu cheques para pagamento (parcial) da quantia exequenda.
Não obstante os pagamentos parciais efetuados, a Exequente considera estarem em dívida ainda a quantia de € 36.028,15 correspondente a € 24.421,13 como restituição do imposto pago e ainda não devolvido, acrescida de € 11.607,02 a título de juros de mora sobre o montante do imposto ainda não restituído (o montante em falta foi, posteriormente, actualizado em alta).
Diversamente, o Exmo. Representante da Fazenda Pública defende que o acórdão se encontra cumprido na sua maior parte, estando por pagar, nesta data, uma quantia quase residual. Isto porque, no essencial, entende o Exmo. Representante da Fazenda Pública que apenas há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. E sendo assim, considerando as diversas taxas de juro indemnizatórios aplicáveis e os montantes já restituídos, o Exmo. Representante da Fazenda Pública apura uma dívida remanescente € 951,74 acrescida dos juros indemnizatórios. E não a quantia referida pela Exequente.
A MMª juiz julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide em relação aos pagamentos parciais de restituição de imposto e juros indemnizatórios, no valor de € 314.799,92.
Julgou parcialmente procedente a pretensão da Exequente e ordenou o pagamento das importâncias em falta, devidas a título de restituição de imposto e juros indemnizatórios no prazo de 30 dias.
E julgou improcedente o pedido de pagamento de juros moratórios peticionado pela Exequente.
Isto porque, diz a MMª juiz em relação a esta última parte do julgado, “... resultando dos artigos 100, da LGT e 61/3, do CPPT, que, quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá lugar a pagamento de juros de mora, pois, se este fosse efectuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paga.
Isto é, sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do artigo 100, da LGT, complementado com o do artigo 102, da mesma Lei e o artigo 61/3, do CPPT, é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no artigo 102/2, da LGT, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.”
E mais à frente considerou que
“Tendo por assente que não é possível a cumulação de juros indemnizatórios e de mora relativamente ao mesmo período temporal, a única interpretação que permite compatibilizar o conteúdo dos artigos 100º e 102º/2 da LGT e o artigo 61º/3 do CPPT (tendo também em conta o disposto no artigo 43º da LGT), é a que restringe o âmbito de aplicação do artigo 102º da LGT apenas aos casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando ocorre tal erro há sempre lugar a juros indemnizatórios por força do art. 43º/1 da LGT”
Isto não obstante reconhecer a existência de “...jurisprudência que tem decidido no sentido de que os juros indemnizatórios apenas são devidos até ao termo do prazo de execução espontânea, momento a partir do qual se passam a vencer juros de mora, como seja o Acórdão do STA proferido em 07.03.2007, Proc. n.º 01220/06.”, mas da qual discorda, louvando-se na doutrina de Jorge Lopes de Sousa (in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. I pp. 550) e no ac. do STA n.º 1003/08, de 11/2/2009) com fundamento em que “... o entendimento segundo o qual o artigo 102, da LGT deverá prevalecer sobre o artigo 100, do mesmo diploma em todas as situações em que esteja em causa a execução de decisão judicial (na medida em que aquela se assume como uma norma especial relativa à execução de sentenças, ao passo que o artigo 100, tem a natureza de norma geral sobre a execução de decisões favoráveis ao sujeito passivo, designadamente administrativas) não se coaduna com a letra desta última norma, na parte em que da mesma consta a referência ao pagamento de juros indemnizatórios em virtude de anulação de acto tributário no âmbito de uma impugnação judicial, a partir do termo do prazo de execução da decisão.
Ou seja, a fundamentação constante do acórdão citado, no sentido da prevalência do artigo 102/2, da LGT quando esteja em causa a execução de sentenças, fica destituída de sentido atendendo ao teor literal do artigo 100, que também se refere à execução de sentenças proferidas no âmbito de impugnação judicial”.
A Exequente não se conformou com o decido e interpôs recurso para o STA que determinou a competência deste TCA para apreciação do recurso. O recurso incide apenas sobre a parte da sentença que indeferiu o pedido de pagamento de juros de mora desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença que determinou a anulação do acto tributário que deu causa ao montante de imposto indevidamente pago.
Entende que a decisão não pode ser aceite por esvaziar de conteúdo e utilidade o regime dos juros de mora previsto no n.º 5 do 43º e no n.º 2 do art. 102º, ambos da LGT.
E que, segundo a tese da sentença, apenas haveria lugar ao pagamento de juros de mora a uma taxa agravada nos casos em que, por inexistência de erro imputável aos serviços (situação menos gravosa para a AT), não houvesse lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
Mas tal interpretação encontra-se em oposição com as disposições legais na sua redação actual, segundo a qual já não existe qualquer conflito entre os artigos 100º e 102º da LGT, uma vez que o primeiro se refere ao “pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” e já não ”a partir do termo do prazo da execução da decisão”
Além disso, a doutrina entende que os juros indemnizatórios e moratórios devem inclusive cumular-se relativamente ao período que decorre desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença até integral pagamento da quantia exequenda.
E que não há identidade teleológica entre o dever de pagar juros indemnizatórios e moratórios, porque estes visam compelir a administração a cumprir atempadamente as decisões judiciais que lhe sejam desfavoráveis, revestindo uma natureza equiparável à sanção pecuniária compulsória.
Como tal, considera a Exequente, que a interpretação sufragada pelo STA no acórdão de 7/3/2007, no processo n.º 01220/06, no sentido que de que os regimes de juros indemnizatórios e de mora se compatibilizam na medida em que os primeiros se vencem desde o pagamento indevido da prestação tributária até ao termo do prazo para execução voluntária da sentença favorável ao contribuinte e os segundos, desde este último prazo até ao pagamento integral do montante em dívida, deve ser mantida nos presentes autos.
Por fim, acrescenta a Exequente/Recorrente, que tratando-se de uma questão de direito, de conhecimento oficioso pelo tribunal, é possível que o tribunal considere que os juros indemnizatórios e moratórios sejam cumuláveis desde o termo do prazo para a execução da sentença até ao integral pagamento.
Começando a nossa análise do recurso por esta última questão- cumulação de juros indemnizatórios e moratórios-, a Exequente tem do seu lado a doutrina do STA exposta no Ac. do Pleno do CT de 7/6/2017, proferida no processo n.º da 0279/17 doutrinando, precisamente, no sentido de que face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
Todavia, não podemos ignorar que a Exequente não pediu tal cumulação no requerimento inicial nem nos autos vislumbramos que tenha tomado a iniciativa de requerer alteração/ampliação do pedido.
Assim sendo, e tendo o tribunal que se limitar ao pedido formulado pelas partes (e neste particular caso ao título executivo), não vemos como poderá beneficiar da cumulação de juros indemnizatórios com os moratórios desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença.
Como tal, circunscrevendo o que neste recurso constitui questão a decidir, é saber se a Exequente tem direito apenas aos juros indemnizatórios desde a data em que ficou privada da quantia que pagou até à restituição integral, como decidiu a sentença e defende o Exmo. Representante da Fazenda Pública, ou se pelo contrário, os juros devem ser “divididos” em dois momentos: um que decorre desde a data em que o Contribuinte ficou privado da quantia desembolsada mediante pagamento de imposto indevido (por erro dos serviços) até ao termo do prazo da execução espontânea da sentença e outro que decorre desde esta data até ao efetivo cumprimento da obrigação a cargo da AT.
Não está em causa saber o termo inicial do prazo para a execução espontânea da sentença, nem as respetivas taxas de juro – moratórios ou/e indemnizatórios, nem tão pouco saber se no caso em apreço são cumuláveis, no mesmo período de tempo, juros indemnizatórios e juros moratórios. Para além do que acima referimos sobre esta questão, a sentença decidiu que não e a Exequente conformou-se, esclarecendo até que também não pediu tal cumulação.
Reconhecendo-se que desde a data da privação da quantia desembolsada pelo contribuinte até ao termo do prazo para execução espontânea da sentença favorável é reconhecido o direito a receber juros indemnizatórios, o que está em causa neste recurso é apenas e tão só saber que “tipo” de juros são devidos ao contribuinte após o termo do prazo da execução espontânea da sentença favorável ao contribuinte, até integral pagamento,
Embora a AT e a MMª juiz defendam que apenas há lugar (unicamente) ao pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito, segundo a interpretação conjugada dos art.s 100º da LGT e 61 n.º 3 (actual n.º 5) do CPPT, tese também preconizada por Jorge Lopes de Sousa. E que em caso de restituições parciais, tendo presente o vertido no art.º 785º do Código Civil, continuam a vencer-se juros indemnizatórios em relação à parte não paga da dívida de imposto até à emissão da nota de crédito respetiva (artigos 29º e 30 do articulado de fls. 84), afigura-se-nos que a Exequente tem razão.
Notemos que já Lima Guerreiro defendia que “O número 2 do presente artigo completa o disposto no artigo 100º da presente lei, aplicando-se aos casos em que, da anulação do acto tributário ou do acto em matéria tributária, resulte a restituição de imposto ao contribuinte. São em tais casos, devidos juros de mora – e não indemnizatórios – após o termo do prazo referido naquela norma. O pagamento dos referidos juros depende da iniciativa do contribuinte após o termo do prazo da execução espontânea” António Lima Guerreiro "Lei Geral Tributária" Anotada, Rei dos Livros, pp. 421.
Sufragando o mesmo entendimento, refere-se no ac. do STA Em que foi Relatora a Exma. Conselheira DULCE NETO. n.º 0880/10 de 02-03-2011 “Daí que se deva entender o dito artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária como uma “norma especial sobre a execução de sentenças”, ou seja, um “artigo que completa o disposto no artigo 100.º”, devendo aquela prevalecer sobre esta “quando a decisão a executar é uma decisão judicial”.
Cfr. Jorge de Sousa, ob. cit., e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, p. 420, nota 4.
Consequentemente, nos casos em que sejam simultaneamente aplicáveis aqueles dois artigos, há que interpretar correctivamente o artigo 100.º em virtude da liquidação ilegal, são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do artigo 102.º, n.º 2”.
Efetuada a interpretação correctiva do art.º 100º da LGT, no sentido preconizado no douto acórdão, a nota dissonante a esta interpretação não emerge do art. 43º da LGT que embora estabeleça o direito a receber juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, não estabelece “até quando” - termo final - são devidos os juros indemnizatórios.
É no conteúdo do art. 61 n.º 3 do CPPT (actual n.º 5) que se colhem contributos a favor da tese defendida na sentença. Refere este preceito que os juros [indemnizatórios] serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, enquanto o n.º 2 do art. 102º LGT estabelece a separação entre o período em que são devidos juros indemnizatórios e aquele em que são devidos juros moratórios. Diz aquele n.º 2 que em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea.
Ora, reconhecendo o Código de Procedimento e de Processo Tributário a primazia da LGT (cfr. art.º 1º do CPPT), parece claro que a norma do art. 102º/2 da LGT deverá ter prevalência sobre o referido art.º 61º/3 (actual n.º 5) do CPPT, sob pena aliás, de o referido nº 2 do art. 102 LGT perder qualquer utilidade.
E se algumas dúvidas persistissem, a nova redação do artigo 100º da LGT e o aditamento do n.º 5 ao artigo 43 LGT efetuado pela Lei n.º 64-B/2011 de 30/12, veio dissipá-las. Com efeito, o n.º 5 do art.º da LGT veio estipular (e de certo modo “reforçar”, quanto ao momento a partir do qual são devidos juros de mora) que “No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
Assim, em face do exposto, concluímos que a Exequente tem razão, e que por via disso a sentença deverá ser revogada e substituída por outra que reconhece à Exequente o direito a receber juros de mora a partir do termo do prazo da execução espontânea do julgado.
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V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento recorrido e em consequência reconhecer à Exequente o direito ao recebimento de juros de mora a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão, até efetivo e integral pagamento.
Custas pela AT, apenas em primeira instância.
Porto, 31 de outubro de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles