Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00511/10.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO OBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Sumário:
O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município A....
Recorrido 1:DM, Ldª, representada pelo seu liquidatário, JMST.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer alegando que nas conclusões do recurso não são indicadas as disposições legais que se mostrariam pretensamente violadas e que não se verifica qualquer erro no julgamento da matéria de facto dada como provada.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Município A... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 02.03.2017, pela qual foi julgada parcialmente procedente a presente acção administrativa comum, intentada por DM, Ldª contra o Recorrente e, assim, declarada a nulidade dos contratos verbais celebrados entre a Autora e o Réu e este condenado a pagar à Autora 10.676,46 €, acrescido de juros de mora, à taxa civil, desde 22.12.2010 até integral e efectivo pagamento.
Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal recorrido, por errada interpretação da prova testemunhal gravada, deu como provado que a autora, DM, L.da realizou para o Réu Município A... as obras peticionadas e elencadas nos nºs 1 a 12 dos factos provados, quando devia ter dado como provado que tais obras foram realizadas por JMST, em nome próprio e assim julgar improcedente a acção.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer alegando que nas conclusões do recurso não são indicadas as disposições legais que se mostrariam pretensamente violadas e que não se verifica qualquer erro no julgamento da matéria de facto dada como provada.
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O Recorrido aderiu ao parecer apresentado pelo Ministério Público.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1-O Tribunal recorrido, por errada interpretação da prova testemunhal gravada, deu como provado que a autora, DM, L.da realizou para o Réu Município A... as obras peticionadas e elencadas nos nºs 1 a 12 dos factos provados.
2-Devendo dar como não provado e que as mesmas obras foram realizadas por JMST, em nome próprio.
3-Revogando-se a sentença recorrida nos termos alegados se fará JUSTIÇA
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II –Matéria de facto.
O presente recurso cinge-se à invocação de erro no julgamento da matéria de facto no que tange a quem realizou as obras dadas como provadas, tendo o Réu nas suas alegações de recurso invocado que foi dado como provado que as mesmas foram realizadas pela Autora, quando, na sua óptica, o foram por JMST, em nome próprio.
Conforme já sustentado em acórdão por nós relatado, de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 VIS, deste Tribunal Central Administrativo Norte 13.09.2013, no processo 00802/07.7 VIS e que ora damos por reproduzido:
“Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, (actual artigo 662º do CPC de 2013) sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)»
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 657:
«Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar».
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”
Como consta do ponto 1 do sumário constante do referido acórdão:
“1- Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.”
Em sentido idêntico se pronunciam os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte:
- De 24.02.2012, no processo nº 00168/07.5 PNF:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E de 07.03.2013, no processo n.º 00906/05.0 PRT:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
Os factos impugnados estão fundamentados no depoimento de JG e nas declarações de parte de JMTG.
Alega o Réu que este disse que não sabia bem quem realizou as obras, mas foi peremptório em dizer que a dívida era à DM.
Ora, se alguma dúvida resulta das suas declarações de parte, o mesmo não sucede com o depoimento de JG, que afirma com convicção que as obras foram realizadas pela DM.
Para além do mais, prevalece a oralidade e imediação de que beneficia o Mmº Juiz da 1ª instância e de que fez bom uso, como o denota a fundamentação da matéria de facto:
“Quanto à realização dos trabalhos, se pelo autor se pela DM, da prova globalmente considerada afigura-se que resulta que as testemunhas não distinguiam a pessoa do Sr. JT, da sociedade de que era gerente, a DM, Lda, pelo que as várias referências ao Sr. J… devem reportar-se à autora. O doc. 1 junto com a p.i. pode gerar alguma confusão quanto à pessoa a quem o Município solicitou a realização das obras em causa, já que em tal documento figura o nome individual do Sr. JT no campo superior esquerdo. Mas no fundo está assinado pela mesma pessoa na qualidade de gerente da autora. No entanto nenhum elemento de prova foi apresentado que pudesse fazer duvidar que as obras foram realizadas pela autora. Neste campo, a testemunha mais credível foi JG que referiu duvidar que a autora possuísse alvará para realizar as obras em causa, o que pressupõe uma consciência da parte de um funcionário do Município de que as obras em causa estavam a ser realizadas pela autora e não pelo Sr. JT, a título pessoal.”
Assim e por se concordar com o teor da jurisprudência supra citada, impõe-se manter o julgamento da matéria de facto realizado em 1ª instância, pela razoabilidade subjacente à formação da convicção de que foi a DM a autora das obras.
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Deveremos, assim, dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:
1) No exercício das respetivas atividades, o Réu contactou a Autora para que esta efetuasse diversos trabalhos de empreitadas, construção civil e obras públicas - depoimento de JG e declarações de parte.
2) Tudo em diversas freguesias do Conselho A... - depoimento de JG e declarações de parte.
3) A Autora aceitou realizar os trabalhos encomendados pelo réu - declarações de parte
4) Autora e Réu acordaram que o preço dos aludidos trabalhos e serviços seriam fixados e pagos com a entrega e aceitação das obras; declarações de parte
5) O acordo foi feito de forma verbal - depoimento de JG e declarações de parte.
6) A Autora iniciou, executou e entregou à ré entre os anos 1997 a 2003 os seguintes trabalhos (depoimentos de JG, JP e BL e declarações de parte):
. Em P…, freguesia de Vila Verde – construção de aqueduto no centro da aldeia: abertura de uma vala, construção de paredes e chão em betão, grelhas, placa em betão e remate de toda a área em calçada portuguesa.
. Na freguesia do Pp – abertura de uma vala, para o que foi despendido cerca de 56 horas.
. No Lugar de C…, freguesia do Pp, foi colocada calçada à portuguesa no Lugar F… e construído um muro em bloco;
. Na freguesia de R…, foi construído um muro em bloco.
7) Os trabalhos realizados em P… tinham por preço o valor de 5986,00 € - depoimento de JG e declarações de parte.
8) A obra do Pp tinha por preço o valor de € 2374,00 - depoimento de JG e declarações de parte.
9) A calçada à portuguesa colocada no Lugar F… tinha como preço 1138,06 € - depoimento de JG e declarações de parte.
10) E o muro de bloco construído em R…, o preço de 1178,40 € - depoimento de JG; declarações de parte
11) A Autora interpelou a ré para liquidar a quantia de € 15 444,00 - documentos 1 e 2 juntos com a petição inicial.
12) O Réu foi citado por carta registada com a/r, tendo este sido assinado a 22.12.2010.
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III - Enquadramento jurídico.
Não havendo que alterar o julgamento da matéria de facto, nenhum erro ostensivo ou de conhecimento oficioso se detecta no enquadramento jurídico efetuado e no conteúdo decisório.
Impondo-se julgar improcedente o presente recurso e manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12.07.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre